sábado, 14 de maio de 2022

 

CRIMINALIZAR OU TRANSFORMAR AMBIENTALISTAS EM “CIDADÃOS DO MAL” SÃO PRÁTICAS CORRIQUEIRAS DE SEGMENTOS DA MIDIA E DO ESTADO

Quase todos os municípios brasileiros se originaram nas imediações de rios, que secularmente tem as suas margens e vales, tomadas pelas águas decorrentes de inundações. O fato é que as sedes desses municípios, as cidades, tiveram suas infraestruturas fixadas em terrenos mais elevados com menor risco aparente serem tomadas pelas águas. Com o crescimento demográfico e a escassez ou omissão de legislações, bairros e vilas surgiram desconsiderando aspectos geográficos importantes como encostas de morros e margens de rios suscetíveis a deslizamentos e inundações periódicas.

Se observarmos o mapa das cheias no estado de Santa Catarina, por exemplo, vamos constatar que os municípios mais atingidos margeiam importantes rios. Rio do Sul, Blumenau, Tubarão, Araranguá, são alguns exemplos cuja vida da população é guiada pelo curso de bacias hidrográficas. Para minimizar os excessos de vícios administrativos na gestão dos municípios, ou seja, disciplinar ocupações, definindo onde pode e não pode ser construído, um complexo conjunto de legislações e dispositivos legais foram elaborados nas últimas décadas.

Uma dessas importantes normas sancionadas no pós constituição federal de 1988 foi à lei n. 9.790/99, que definiu regras jurídicas acerca do funcionamento das ONGs (Organizações Não Governamentais). Maior ênfase a esse seguimento do terceiro setor se deve a necessidade do empoderamento da sociedade civil nas discussões conjuntas com o Estado em ações de caráter coletivo.  No entanto, parcela significativa das Organizações não Governamentais criadas no Brasil a partir da lei n. 9.790 passaram a atuar no campo ambiental, como a defesa das florestas, dos rios, de áreas protegidas, das comunidades tradicionais, a vida animal, etc, ambos tão ameaçados por políticas destrutivas.     

 Mesmo com todo o arcabouço jurídico à disposição, as atitudes dos setores produtivos e do Estado foram e continuam sendo de desqualificar os agentes sociais do terceiro setor, que na maioria atuam voluntariarmente.  São ativistas que atotam posturas inflexíveis frente a esses entes, denunciando-os na medida em que ultrapassam as linhas demarcatórias do que é e não é legal. Para os municípios brasileiros, legislações federais determinam que os planos diretores sejam participativos, ou seja, que permitam o máximo envolvimento da sociedade civil nas discussões. Órgãos como Ministério Público Federal e Estadual, Fundações Ambientais municipais e estaduais, IBAMA, ICMbio e mais uma dezena de outras criadas pós constituição, ambas  atuam conjuntamente em defesa de tudo que se relaciona a defesa da vida, dos ecossistemas.

Numa sociedade capitalista e desigual como é a nossa, onde secularmente foi e é comandada por uma casta de políticos que ditam as leis favorecendo a si e os seus pares, era de se imaginar que haveria uma forte pressão desse seguimento na desmobilização de quem ousasse impor limites ao seu desejo doentio de exploração ilimitada dos recursos naturais. O que faltava mesmo para o agravamento do cenário socioambiental brasileiro era uma eleição, cujo presidente e o congresso eleito desferissem um violento ataque as legislações de proteção ambiental.

No momento em que o fortalecimento das ONGs ambientais era visto como necessárias, pois seriam únicas capazes de empoderar as comunidades, instruindo-as, sensibilizando-as e engajando-as nas lutas pela melhoria do seu espaço, surge um governo intolerante cuja missa é desqualificá-las. Cabe ressaltar que mortes resultantes de deslizamentos e enxurradas poderiam ser menores ou ausentes em cidades com Petrópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, se os agentes públicos considerassem os alertas de entidades como ONGs.

Parece que o vírus do negacionismo latente disseminado pela trupe do presidente Bolsonaro também contaminou os administradores municipais no que tange as ações emergenciais para o enfrentamento das cheias que se abateram sobre a região do extremo sul. Quase uma semana antes da ocorrência das inundações na região, os meteorologistas alertavam as defesas civis e os gestores públicos do risco real de haver enormes enchentes. Todas as imagens captadas pelos satélites e radares meteorológicos confirmavam índices impressionantes de precipitação nas principais bacias hidrográficas do sul do estado.

Se o risco de inundação era de fato inquestionável, era o momento, portanto, das administrações e das defesas civis municipais e regionais adotarem todas as medidas possíveis para evitar transtornos e quem sabe evitar possíveis perdas de vidas humanas. Para a região de Araranguá era sabido que o costão da serra geral receberia maior volume de chuvas que na faixa costeira. Nesse sentido, toda essa imensa massa de água, obrigatoriamente escorreria até o município de Araranguá desaguando no oceano atlântico.

Claro que as pessoas que vivem nos locais baixos do município sabem que não tem como evitar que as águas invadam suas residências. O que pode ser feito para reduzir o tempo de permanência das águas nesses locais, acelerando o escoamento, é fazer o permanente desassoreamento da foz do rio Araranguá. Entres os meses de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022 o extremo sul de Santa Catarina enfrentou uma terrível estiagem. Com um fluxo menor de água escoando pela foz do rio Aaranguá o resultado é o assoreamento da mesma, como de fato aconteceu.

O que parece é não existir um programa conjunto de mitigação dos impactos provocados pelas cheias entre os 21 municípios que integram a bacia hidrográfica do rio Araranguá. O plano contemplaria demandas de curto, médio e longo prazo. Indo desde a reposição das App em toda a extensão da bacia, impedir ocupações habitacionais nas áreas inundáveis e um aporte financeiro para a execução de serviços de desassoreamento da foz do rio Araranguá. O que se vê nos últimos quarenta anos é a repetição de problemas solucionáveis.  Raros foram os gestores públicos que passaram pelo paço municipal sem ter realizado a sua abertura de um canal alternativo nas proximidades do estuário do rio Araranguá.

O incrível é que a atual administração também deixou seu registro nos anais dos episódios climáticos extremos do município. Todas as ações de abertura do canal sempre foram fracassadas, pois geralmente nos períodos de inundações fortes ressacas assolavam a costa empurrando as águas do oceano em direção ao rio. Dessa vez o poder público recebeu uma benção dos céus, há quem diga que foi a padroeira do município quem intercedeu ao do mar Poseidon, concedendo a graça de manter as águas do oceano calmas, sem a ocorrência de ressaca.

Pesquisando no Google Earth, é possível constatar que o bairro barranca teve nos últimos anos uma serie de edificações licenciadas em locais de alto risco de inundações.  Isso não ocorreu exclusivamente nesse bairro. Outros locais também suscetíveis a alagamentos como na comunidade de Morro Agudo, canais de drenagem foram abertos em áreas consideradas de APP. Acredita-se que essas drenagens tiveram o objetivo de enxugar o terreno para a viabilização de projetos de infraestrutura turística. Nesse trecho drenado algumas residências foram edificadas, porém, na enxurrada ambas foram tomadas pelas águas.

Tantas infrações cometidas ao meio ambiente poderiam passar despercebidas do crivo das autoridades fiscalizadoras se ONGs, OSCIPS não existissem. Aqui se explica o fato das perseguições, violência física e moral desferida contra integrantes de tais organizações espalhadas pelo Brasil. O que mais impressiona é o modo como a sociedade desatenta é envolvida por discursos forjados com o propósito de criminalizar ativistas e entidades jurídicas no cumprimento de suas atribuições legais em defesa do meio ambiente.

É corriqueiro ouvir entrevistas com gestores públicos municipais, membros de fundações ambientais, em rádios ou TVs lançando afirmações do tipo: “não sei por que tanta perseguição do MPF, Polícia Ambiental, etc, no meu governo”; o IBAMA embargou a estrada porque foi identificadas algumas pererecas; ou outra do tipo, “se o MPF está atuando contra o desenvolvimento da região é porque alguém está fazendo denúncia ao órgão”. Percebeu como funciona como se constrói discursos com fins exclusivos de induzir pessoas a acreditarem que cidadãos do “mal” são os que agem contrários a projetos do tipo: fixação de barras indeferidas pelo IBAMA; estradas sobre dunas descumprindo decisões elencadas em Planos de Gestões de projetos Orlas; deck, mirante para fins turísticos infringindo resoluções legais e tantas outras.

É desse modo que cidadãos do “bem”, gestores públicos e seus órgãos ambientais trabalham, desqualificando moralmente indivíduos e entidades ambientais, transformando-os em bode expiatórios de atos irresponsáveis não cometidos, como negligenciar normas ambientais e induzir legisladores a alterar dispositivos legais para favorecimentos pessoais e de seus pares. Modificar normativas inseridas em planos diretores, como transformar áreas de APP em Zona de uso turístico etc, sem discutir previamente com a comunidade, são posturas nada decentes de cidadãos do “bem” que conduzem câmaras legislativas municipais.

Prof. Jairo Cesa

                 

 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9790.htm

  

 

 

 

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