CRIMINALIZAR
OU TRANSFORMAR AMBIENTALISTAS EM “CIDADÃOS DO MAL” SÃO PRÁTICAS CORRIQUEIRAS DE
SEGMENTOS DA MIDIA E DO ESTADO
Quase
todos os municípios brasileiros se originaram nas imediações de rios, que
secularmente tem as suas margens e vales, tomadas pelas águas decorrentes de
inundações. O fato é que as sedes desses municípios, as cidades, tiveram suas infraestruturas
fixadas em terrenos mais elevados com menor risco aparente serem tomadas pelas
águas. Com o crescimento demográfico e a escassez ou omissão de legislações,
bairros e vilas surgiram desconsiderando aspectos geográficos importantes como encostas
de morros e margens de rios suscetíveis a deslizamentos e inundações periódicas.
Se
observarmos o mapa das cheias no estado de Santa Catarina, por exemplo, vamos
constatar que os municípios mais atingidos margeiam importantes rios. Rio do
Sul, Blumenau, Tubarão, Araranguá, são alguns exemplos cuja vida da população é
guiada pelo curso de bacias hidrográficas. Para minimizar os excessos de vícios
administrativos na gestão dos municípios, ou seja, disciplinar ocupações, definindo
onde pode e não pode ser construído, um complexo conjunto de legislações e
dispositivos legais foram elaborados nas últimas décadas.
Uma
dessas importantes normas sancionadas no pós constituição federal de 1988 foi à
lei n. 9.790/99, que definiu regras jurídicas acerca do funcionamento das ONGs
(Organizações Não Governamentais). Maior ênfase a esse seguimento do terceiro
setor se deve a necessidade do empoderamento da sociedade civil nas discussões
conjuntas com o Estado em ações de caráter coletivo. No entanto, parcela significativa das Organizações
não Governamentais criadas no Brasil a partir da lei n. 9.790 passaram a atuar
no campo ambiental, como a defesa das florestas, dos rios, de áreas protegidas,
das comunidades tradicionais, a vida animal, etc, ambos tão ameaçados por
políticas destrutivas.
Mesmo com todo o arcabouço jurídico à
disposição, as atitudes dos setores produtivos e do Estado foram e continuam
sendo de desqualificar os agentes sociais do terceiro setor, que na maioria
atuam voluntariarmente. São ativistas
que atotam posturas inflexíveis frente a esses entes, denunciando-os na medida
em que ultrapassam as linhas demarcatórias do que é e não é legal. Para os municípios
brasileiros, legislações federais determinam que os planos diretores sejam
participativos, ou seja, que permitam o máximo envolvimento da sociedade civil
nas discussões. Órgãos como Ministério Público Federal e Estadual, Fundações
Ambientais municipais e estaduais, IBAMA, ICMbio e mais uma dezena de outras criadas
pós constituição, ambas atuam conjuntamente
em defesa de tudo que se relaciona a defesa da vida, dos ecossistemas.
Numa
sociedade capitalista e desigual como é a nossa, onde secularmente foi e é
comandada por uma casta de políticos que ditam as leis favorecendo a si e os
seus pares, era de se imaginar que haveria uma forte pressão desse seguimento na
desmobilização de quem ousasse impor limites ao seu desejo doentio de
exploração ilimitada dos recursos naturais. O que faltava mesmo para o
agravamento do cenário socioambiental brasileiro era uma eleição, cujo
presidente e o congresso eleito desferissem um violento ataque as legislações
de proteção ambiental.
No
momento em que o fortalecimento das ONGs ambientais era visto como necessárias,
pois seriam únicas capazes de empoderar as comunidades, instruindo-as,
sensibilizando-as e engajando-as nas lutas pela melhoria do seu espaço, surge
um governo intolerante cuja missa é desqualificá-las. Cabe ressaltar que mortes
resultantes de deslizamentos e enxurradas poderiam ser menores ou ausentes em
cidades com Petrópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, se os agentes públicos
considerassem os alertas de entidades como ONGs.
Parece
que o vírus do negacionismo latente disseminado pela trupe do presidente
Bolsonaro também contaminou os administradores municipais no que tange as ações
emergenciais para o enfrentamento das cheias que se abateram sobre a região do
extremo sul. Quase uma semana antes da ocorrência das inundações na região, os
meteorologistas alertavam as defesas civis e os gestores públicos do risco real
de haver enormes enchentes. Todas as imagens captadas pelos satélites e radares
meteorológicos confirmavam índices impressionantes de precipitação nas
principais bacias hidrográficas do sul do estado.
Se
o risco de inundação era de fato inquestionável, era o momento, portanto, das
administrações e das defesas civis municipais e regionais adotarem todas as
medidas possíveis para evitar transtornos e quem sabe evitar possíveis perdas
de vidas humanas. Para a região de Araranguá era sabido que o costão da serra
geral receberia maior volume de chuvas que na faixa costeira. Nesse sentido,
toda essa imensa massa de água, obrigatoriamente escorreria até o município de
Araranguá desaguando no oceano atlântico.
Claro
que as pessoas que vivem nos locais baixos do município sabem que não tem como evitar
que as águas invadam suas residências. O que pode ser feito para reduzir o
tempo de permanência das águas nesses locais, acelerando o escoamento, é fazer
o permanente desassoreamento da foz do rio Araranguá. Entres os meses de
dezembro de 2021 a fevereiro de 2022 o extremo sul de Santa Catarina enfrentou
uma terrível estiagem. Com um fluxo menor de água escoando pela foz do rio
Aaranguá o resultado é o assoreamento da mesma, como de fato aconteceu.
O
que parece é não existir um programa conjunto de mitigação dos impactos
provocados pelas cheias entre os 21 municípios que integram a bacia
hidrográfica do rio Araranguá. O plano contemplaria demandas de curto, médio e
longo prazo. Indo desde a reposição das App em toda a extensão da bacia,
impedir ocupações habitacionais nas áreas inundáveis e um aporte financeiro para
a execução de serviços de desassoreamento da foz do rio Araranguá. O que se vê nos
últimos quarenta anos é a repetição de problemas solucionáveis. Raros foram os gestores públicos que passaram
pelo paço municipal sem ter realizado a sua abertura de um canal alternativo nas
proximidades do estuário do rio Araranguá.
O
incrível é que a atual administração também deixou seu registro nos anais dos
episódios climáticos extremos do município. Todas as ações de abertura do canal
sempre foram fracassadas, pois geralmente nos períodos de inundações fortes
ressacas assolavam a costa empurrando as águas do oceano em direção ao rio.
Dessa vez o poder público recebeu uma benção dos céus, há quem diga que foi a padroeira
do município quem intercedeu ao do mar Poseidon, concedendo a graça de manter
as águas do oceano calmas, sem a ocorrência de ressaca.
Pesquisando
no Google Earth, é possível constatar que o bairro barranca teve nos últimos
anos uma serie de edificações licenciadas em locais de alto risco de
inundações. Isso não ocorreu
exclusivamente nesse bairro. Outros locais também suscetíveis a alagamentos
como na comunidade de Morro Agudo, canais de drenagem foram abertos em áreas
consideradas de APP. Acredita-se que essas drenagens tiveram o objetivo de
enxugar o terreno para a viabilização de projetos de infraestrutura turística.
Nesse trecho drenado algumas residências foram edificadas, porém, na enxurrada
ambas foram tomadas pelas águas.
Tantas
infrações cometidas ao meio ambiente poderiam passar despercebidas do crivo das
autoridades fiscalizadoras se ONGs, OSCIPS não existissem. Aqui se explica o
fato das perseguições, violência física e moral desferida contra integrantes de
tais organizações espalhadas pelo Brasil. O que mais impressiona é o modo como a
sociedade desatenta é envolvida por discursos forjados com o propósito de
criminalizar ativistas e entidades jurídicas no cumprimento de suas atribuições
legais em defesa do meio ambiente.
É
corriqueiro ouvir entrevistas com gestores públicos municipais, membros de
fundações ambientais, em rádios ou TVs lançando afirmações do tipo: “não
sei por que tanta perseguição do MPF, Polícia Ambiental, etc, no meu governo”; o
IBAMA embargou a estrada porque foi identificadas algumas pererecas; ou outra
do tipo, “se o MPF está atuando contra o desenvolvimento da região é porque
alguém está fazendo denúncia ao órgão”. Percebeu como funciona como se
constrói discursos com fins exclusivos de induzir pessoas a acreditarem que
cidadãos do “mal” são os que agem contrários a projetos do tipo: fixação de
barras indeferidas pelo IBAMA; estradas sobre dunas descumprindo decisões
elencadas em Planos de Gestões de projetos Orlas; deck, mirante para fins
turísticos infringindo resoluções legais e tantas outras.
É
desse modo que cidadãos do “bem”, gestores públicos e seus órgãos ambientais
trabalham, desqualificando moralmente indivíduos e entidades ambientais,
transformando-os em bode expiatórios de atos irresponsáveis não cometidos, como
negligenciar normas ambientais e induzir legisladores a alterar dispositivos
legais para favorecimentos pessoais e de seus pares. Modificar normativas
inseridas em planos diretores, como transformar áreas de APP em Zona de uso
turístico etc, sem discutir previamente com a comunidade, são posturas nada decentes
de cidadãos do “bem” que conduzem câmaras legislativas municipais.
Prof.
Jairo Cesa
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