segunda-feira, 4 de agosto de 2014


As verdades e inverdades que foram ditas acerca do controverso projeto de fixação da barra do rio Araranguá

Quase três anos depois da realização de audiência pública nas dependências do Grêmio Fronteira onde foi apresentado à população relatório conclusivo dos estudos referentes ao projeto de fixação da barra do Rio Araranguá, no dia 23 de julho de 2014, finalmente o IBAMA lançou parecer definitivo negando a licença prévia para a obra, pois o empreendedor não teria cumprido todas as recomendações propostas pelo órgão ambiental federal. O que se viu nesse três anos de tramitação do projeto foi uma avalanche de informações desencontradas advindas do poder público, ora criticando a intransigência dos órgãos federais quanto às recomendações descabidas, ora afirmando que tudo estava caminhando dentro dos prazos estabelecidos, bastando apenas o licenciamento e o processo de licitação para o início da obra. Foram infindáveis as viagens realizadas à capital federal, arcadas, é claro, pelo honorário público, na tentativa de pressionar o órgão ambiental para que agilizasse o licenciamento.
O que causa revolta é saber que a população araranguaense foi mais uma vez enganada, em especial os moradores das comunidades de Ilhas e Morro Agudo, que alimentavam a expectativa da obra ser realizada possivelmente no final de junho de 2014, como vinha sido divulgado, que os problemas das inundações cíclicas no vale estariam resolvidos. Nada disso se constituiu em verdade. Tudo não passou de uma falácia articulada pelo empreendedor que foi revelada ao público no dia 03 de junho de 2014 quando o Ministério Público Federal encaminhou ao IBAMA informações importantes para que o órgão ambiental federal se eximisse de liberar o licenciamento prévio cujas justificativas impeditivas são muitas.

Em entrevista a uma rádio do município de Araranguá sobre a negativa do IBAMA à obra, o prefeito, ainda estando em Brasília, minimizou os discursos e como sempre vem fazendo na sua administração transferiu toda responsabilidade pelo cancelamento da obra ao MPF e ao Órgão Ambiental Federal por terem adotados posturas equivocadas em relação ao projeto. Além do mais foi corajoso em dizer que lamentou a postura dos dois órgãos que segundo ele adotaram uma postura dissociada da verdade.  Afirmou que das cinco alternativas propostas para a obra, somada as três diagnosticadas, foram negadas todas e que o MPF mantinha sua posição intransigente à construção da obra de fixação. Porém, quando perguntado sobre a desistência o não do projeto, argumentou esperançoso que há uma nova resolução do Conama que transfere as responsabilidades para licenciamentos de projetos como da fixação da barra aos órgãos estaduais, nesse caso para o estado de Santa Catarina, a FATMA (Fundação Amparo e Tecnologia e Meio Ambiente).

Se tal notícia for verdadeira se conclui que a ação do Conama representa um verdadeiro retrocesso à segurança ambiental dos estados, em especial para Santa Catarina quando se sabe que a entidade ambiental, Fatima, vem se caracterizando como entidade que adota postura mais política que técnica nas decisões tomadas em benefício de grupos econômicos. Para exemplificar essa atitude, citamos o caso do manancial Lagoa do Caveira, que está secando e cujo órgão estadual, numa demonstração de negligência e parcialidade, reluta em criar empecilhos à solução do problema.
São extremamente preocupantes e ao mesmo tempo causa irritação quando se constatou que a população araranguaense, nesses quase quatro anos de tramitação dos projetos de fixação da barra, esteve envolvida em uma teia de inverdades, expectativas falsas de que nada impediria que a tão sonhada obra não fosse realizada. O basta definitivo dessa farsa, chamada fixação da barra do Araranguá, ocorreu a partir do momento que o MPF encaminhou ao IBAMA documento contendo quase uma centena de argumentos contrários a obra cujos impactos ambientais e socioeconômicos seriam muito maiores que os benefícios que tanto foram aclamados. Na audiência pública de 4/10/2012, nas dependências do Grêmio Fronteira/Araranguá, quando foi apresentado o EIA/RIMA, foi explicitado que o objetivo da obra era amenizar os impactos das inundações cíclicas na bacia do rio Araranguá. No entanto, o MPF, depois de ter conhecimento do ter do relatório encaminhou parecer técnico justificando que os estudos realizados não mostravam entre outros fatores as causas das cheias muito menos propostas técnicas alternativas para evita-las.
Criticou veemente o município de Araranguá por estar disponibilizando milhões de reais para uma obra de tamanha proporção, que não evitará definitivamente as inundações, que por outro lado, o plano diretor não cria empecilhos às novas construções em áreas inundáveis no perímetro urbano. Diante desse quadro destacou que outras tecnologias precisariam ser estudadas no projeto para contenção das inundações na área central do município. A construção de diques dificultando a entrada das águas, abertura de canais para a acelerar o escoamento das águas e a drenagem permanente da foz natural do rio, seriam uma delas. Insistiu em dizer que as três obras alternativas propostas deveriam ser avaliadas sua funcionalidade e comparadas com a obra principal, os molhes de fixação. Talvez os diques; os canais de escoamento e a drenagem periódica do estuário do rio fossem de tal maneira eficiente que reduzia os impactos da cheias, excluindo desse modo a obra principal.
Destacou ter havido, analisando o EIA, alterações tendenciosas no projeto de construção da obra, pois há omissão de procedimentos citados nos capítulos referentes à análise do projeto. No instante que o EIA eximiu de apresentar estudos técnicos comparativos no perímetro urbano à obra principal, citados no parágrafo acima, infringiu frontalmente a resolução 001/1986 do Conama, que no seu capítulo 5, inciso I determina a necessidade dos estudos contemplares a todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto. Per ser a obra de contenção das cheias do rio Araranguá, complexa, cujo trecho do rio paralelo ao mar possuir uma extensão aproximada de cinco quilômetros, o EIA/RIMA do projeto deveria apresentar outras amostragens, não somente três que foram apresentadas distantes cerca de setecentos metros uma da outra.
Era de se esperar que duas outras amostragens fossem apresentadas como foi sugerida na audiência de 2011, uma frontal a comunidade de ilhas, outra situada mais a norte, próxima a barra velha. No que concerne às inundações, no documento apresentado consta que tais fenômenos têm como um dos principais agravantes fatores astronômicos, ou seja, dependendo das fases da lua, o astro impõe forte influência no movimento e elevação das marés e na consequente dificuldade da vasão das águas. Não consta, portanto, no relatório nada que se refere aos ventos do quadrante leste ou lestão, um fenômeno meteorológico corrente na região que também motivador das inundações represando as águas do rio. Há também o risco, de acordo com o relatório do MPF, que a fixação da barra nas proximidades de Ilhas, a desembocadura da foz irá se constituirá em um braço de rio morto, que poucos meses depois de aberta terá seu leito assoreado formando dunas frontais sobre o depósito. Desse modo, quando da ocorrência de enchentes, o acúmulo de área nesse local resultará em uma enorme barreira impedindo a vazão da água.
Nas simulações computacionais apresentadas não mostra o braço do rio morto assoreado, contrariando assim todas as abordagens técnicas apresentadas. Há fortes evidências que as simulações computacionais que foram apresentadas carecem de veracidade, portanto, é mais um elemento impeditivo à realização da obra. Na audiência ocorrida no grêmio fronteira de Araranguá, quando foram apresentados os estudos acerca do projeto de fixação da barra do rio Araranguá, a EPAGRI alertara que os impactos da obra para a agricultura da região especialmente para rizicultura seriam incalculáveis devido à precipitação da cunha salina. Essa informação foi evidenciada no EIA/RIMA admitindo que em períodos de maré alta o material particulado, sal, alcançaria os afluentes do Mãe-Luzia e rio Itoupaba.   
Sobre o problema da cunha salina, um ano anos da realização da audiência pública, a geóloga Carla de Abreu Aquino[1] apresentou estudos conclusivos sobre o assunto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul tendo seu trabalho abordado “os processos de transporte e retenção de sedimentos finos em estuários dominados por rios”. Essa pesquisa poderia ter contribuído para que já na audiência de outubro de 2011 fosse definida a inviabilidade da obra proporcionando economia para os cofres públicos e evitado conflitos generalizados como o ocorrido nas duas comunidades próximas. A pesquisadora Carla Aquino fez estudo minucioso do Material Particulado em Suspensão nos três principais rios do sul do estado, o Tubarão, o Mampituba e o Araranguá, que comparou-os com os MPS Rio do Itajaí-açu com um histórico de fixação mais antigo.  Os dados obtidos nos três rios dão prova que o rio Araranguá e Tubarão a influência da cunha salina é menos atuante que nos rios Mântua e Itajaí-açu ambos já constituídos por molhes.
Outro dado relevante no estudo parte do pressuposto que rios como o Araranguá cuja água possui um baixo PH (índice de acidez) e reduzida turbidez (coloração escura), a mesma contribui para o aprisionamento de sedimentos finos (sal). Nesse sentido, sugere a pesquisadora, a necessidade de realização de amplos estudos acerca do grau de preservação da bacia e o monitoramento do solo quanto a seu uso, avaliando a incidência do material particulado suspenso o mais próximo possível das nascentes. Além da pesquisa de Carla Aquino, outro estudo importante sobre o estuário do Rio Araranguá, avaliando a salinidade e turbidez da água, foi concluído em 2011 por Guilherme Algemiro Manique Barreto. Na pesquisa se chegou à seguinte conclusão que os “estudos com séries temporais de salinidade e turbidez em superfície e fundo podem produzir resultados ainda mais esclarecedores sobre a hidrodinâmica e circulação do estuário da bacia do rio Araranguá”.  
Diante das agravantes apresentadas em relação à salinização da água, o Ministério Público Federal destacou no documento encaminhado ao IBAMA que o empreendedor não mencionou as medidas mitigatórias que seriam adotadas para atenuar a incidência de sal na montante da bacia, ou seja, próximas as nascentes. Quando da abertura do canal que serão afixados os molhes, o EIA/RIMA não apresentou canal alternativo para a navegação, menos ainda para dar vazão à água na hipótese de ocorrência de cheias. Esse é sem dúvida um dado relevante, visto que o prazo de conclusão da obra está previsto para no máximo 17 meses ou dois anos. Outro alerta apresentado pelo Ministério Público Federal é sobre a inexistência de medidas concretas voltadas ao desassoreamento do canal vertedouro da barra. Anualmente, após a conclusão da obra, o município deverá ter disponível no orçamento cerca de dois milhões de reais para custear serviços de dragagem removendo aproximadamente cento e vinte mil metros cúbicos de areia anualmente. Se o respectivo trabalho de desassoreamento deixar de ser realizado, o canal certamente entrará em colapso comprometendo sua eficácia.
De acordo com análises empíricas dos ventos na orla, nos meses de novembro e dezembro, a incidência do vento nordeste ou nordestão no trecho da orla é enorme, chegando atingir cifras aproximadas de sessenta a setenta quilômetros horários, influenciando no movimento das ondas do mar e na modelagem do solo arenoso. Por conta disso, o EIA deveria apresentar estudos completos dessa variável meteorológica, mostrando apenas dados relativos aos ventos avaliados nas estações meteorológicas do interior da planície onde o comportamento, velocidade e direção são distintos ao do local da obra. Se a predominância do vento nordeste é considerável e afeta a dinâmica da geografia e da geologia do entorno da obra, o relatório deveria apresentar também os impactos sobre o sistema eólico (dunas) nas proximidades do Morro dos Conventos.
Qual o impacto, portanto, que seria resultante na dinâmica dos ventos a partir da construção dos molhes? Poderia o vento afetar a incidência de areia reduzindo significativamente seu abastecimento a ponto de extinguir as enormes dunas depositadas frontalmente na falésia do Morro dos Conventos? Mais uma vez o EIA não sugere qualquer medida mitigatória, muito menos recursos para sua efetiva implantação visando atenuar tais impactos nesse que é, inegavelmente, uma das mais belas e raras paisagens naturais do sul do brasil. É importante frisar que todo esse esplendor estético paisagístico são as falésias do Morro dos Conventos tem sua proteção assegurada pela constituição brasileira, segundo o Art. 216, “quando ressalta que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem”.
No mesmo artigo 216 é mencionado o inciso V, que trata “dos conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. Em relação ao mesmo assunto, há outras leis que dão total garantia à preservação desse patrimônio paisagístico como a lei 12.651/12, sobre o código florestal; a lei 6.513/77 que dispõe sobre a criação de áreas especiais e de locais de interesse turístico e a lei 7.661/88 que enfatiza o plano nacional de gerenciamento costeiro. Sobre o mapeamento das APPs nas áreas limítrofes à obra da obra de fixação, o relatório do EIA demonstra estar incompleto, pois não sugere a criação de uma unidade de conservação como medida compensatória prevista pela lei 9.985/00, no seu art. 36 que diz onde diz que “nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei”.
  Descumpre também o empreendedor a resolução 371/06 do Conama, no seu Art. 10, quando obriga que nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral. Com a definição de que a obra de fixação ocorrerá nas proximidades de ilhas, que com a abertura do canal principal a tendência é pela obstrução total do atual canal transformando-se em um rio morto cujos impactos sócio econômicos serão sentidos pelas comunidades tradicionais que tem suas vidas pautadas nesse importante estuário que é a barra do rio Araranguá. O impacto mais evidente se dará no complexo mangue de Ilhas que reúne uma rica biodiversidade servindo de berçário para a reprodução de espécies responsáveis pela perpetuação da pesca na comunidade. Diante disso era de se esperar que o EIA/RIMA apresentasse estudo sobre os possíveis impactos à vida local, que não o fez.  Além do impacto econômico, admite-se que a população local correrá sério risco contrair doenças decorrente do acúmulo de entulho e animais mortos no braço morto do rio.
Deixa clara a postura tendenciosa das análises feitas pelo empreendedor que supervaloriza os aspectos positivos da obra, que são inexpressivos. Basta ressaltar que a proposta da obra seria para evitar as cheias, que não é verdadeira. A fixação apenas minimamente ameniza os efeitos das inundações que continuarão ocorrendo, porém, com uma atenuante, o tempo de permanência das áreas inundadas é menor. Estudos apresentados em fevereiro de 2011 pela Acquaplan Tecnologia e Consultoria Ambiental, aponta que a vazão do rio Araranguá é baixa durante longo período, atingindo 6m³/s cúbicos por segundo, excetuando em épocas de cheias extremas, poucos dias por ano, cuja vazão chega a 3000 m³/s.  Esses dados são importantes, pois se conclui que em decorrência da pouca vazão da água, somada ao intenso movimento das dunas, há grande acúmulo de sedimentação ao longo da desembocadura do rio.  Em relação aos problemas oriundos da obra, os documentos pouco apresentam medidas que possam evitar o assoreamento e a eutrofização do antigo leito que afetará toda uma comunidade.  Referente a todos os problemas apresentados, o Ministério Público Federal já alertara em 2011, quando encaminhou recomendação n. 32/2011 ao IBAMA para que se abstivesse de conceder licença sem que antes o empreendedor providenciasse alterações necessárias do parecer técnico 054/2011.
Diante disso, atendendo as recomendações do MPF, o IBAMA encaminhou novo parecer técnico n. 68/2011 que foi analisado pelos técnicos do Ministério Público resultando em novo documento n. 038/2011. Dois anos depois de o Ministério Público ter encaminhado o parecer técnico 038/11, o empreendedor, em 12 de abril de 2013, divulgou nota esclarecendo que tinha concluído os trabalhos resultando em documento no qual reunia elementos suficientes para que fosse concedida licença prévia para a obra. Mesmo com a negativa do órgão ambiental federal sobre a concessão da licença prévia, o empreendedor ousava em divulgar na imprensa que o processo de licitação para contratação de empresa que realizaria os serviços de construção da obra já estava para começar bastando apenas um pequeno detalhe, o licenciamento do IBAMA. O que causou ainda mais surpresa e indignação ao ministério foi quando na leitura do jornal da manha do dia 30/05/14 deu conta que o município de Araranguá promoveu lançamento edital de licitação para as obras de fixação estimado para começa em junho de 2014.
Com esse argumento, várias viagens foram realizadas a Brasília, onerando ainda mais os cofres públicos, cujo argumento defendido para justificar a viagem era para pressionar o órgão ambiental para que agilizasse a liberação da licença. Tendo essas informações, o MPF despachou oficio à Caixa Econômica Federal para a não liberação dos recursos na hipótese de uma eventual concessão de licença previa por parte do IBAMA. Em fevereiro de 2014 novas informações foram divulgadas afirmando que o empreendedor não teria cumprido as recomendações quanto aos novos estudos ambientas propostos referentes à obra. Além do mais, havia outro agravante, que comprometeria ainda mais a execução do empreendimento. O Ministério do Meio Ambiente; Instituto Chico Mendes, CEMAVE, (Centro Nacional de Pesquisa de Aves Silvestres) elaboraram nota técnica n.003/14, alertando os impactos às aves migratórias decorrentes da fixação.
Prof. Jairo Cezar



[1] http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/36789/000817914.pdf?Sequence=1

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