quinta-feira, 17 de julho de 2014


O paradoxal mundo contemporâneo: entre o sagrado e o não sagrado

Seguindo o caminho percorrido pelas sociedades ocidentais nos últimos três séculos, deve ser destacado um momento especial dessa trajetória a partir do qual os indivíduos se defrontam com um novo cenário onde as certezas se dissolvem em água e as dúvidas transbordam diante de um ser agora desnudado, fragilizado, atormentado pela luz ofuscante da verdade. É o sentimento que se manifesta à medida que a seta da bússola, que sempre apontara para o norte auxiliando na orientação, sofre abrupta oscilação, não há agora direção nem navegadores seguros a aonde chegar. É o momento em que, segundo a metáfora de Platão, dá-se o abandono de definitivo da caverna que mantinha o homem prisioneiro, refém das sombras projetadas pela luz do sol supremo. O impulso imediato de quem vê o sol pela primeira vez, depois de longos anos na escuridão, é querer retornar para o conforto da caverna, aprisionado às correntes e julgando à vida apenas pelas sobras projetadas na parede.  
A revelação do mundo como um fenômeno natural e social e ditado pela razão se manifesta como um divisor de águas a partir de dois momentos distintos, o da metafísica, do mundo teologicamente pré-concebido, e o da razão, de buscar conclusões a partir de suposições ou premissas, pondo em xeque o mundo transcendental, sobrenatural, inexplicável. Estariam na ciência, na razão, os elementos primordiais da essência cósmica, das respostas que tanto perseguia para chegar à plenitude, o metafórico paraíso manifestado no velho testamento, o mundo sem guerras, sem fome, sem contradições.
Se tudo seria explicado pela razão dando plena segurança e certeza de felicidade, era de se presumir que o mundo antes concebido por um deus onipotente, onipresente, perderia definitivamente sua condição de existir, pois já se tinha as respostas das perguntas que angustiava os céticos, afinal, de onde viemos e para onde vamos?  Se a ciência atingiu as respostas às perguntas conflitantes, cuja certeza do progresso, das tecnologias proporcionaria bem estar e felicidade a humanidade, qual a razão, portanto, das intermináveis guerras que ceifam milhares de vidas no planeta, do espantoso ressurgimento de religiões neopentecostais prometendo ao léu, riqueza e felicidade? As guerras, portanto, não seria uma forma de catarse coletiva, uma atitude inconsciente de externizar sentimentos reprimidos, de frustração, revolta, sadismo, etc. Para sublimar o “demônio” coletivizado, manifestado pelo impulso destrutivo enjaulado no inconsciente, a religião obtém extraordinário sucesso, sequestrando o humano num cativeiro anos-luz de si mesmo.    
Desde os tempos antigos, grupos humanos justificavam a existência do universo e a sua, a partir de um ser supremo, onipresente, representado por uma imagem a sua semelhança, uma força de tamanha grandeza capaz de monitorar os mais profundos sentimentos, as emoções, bem como o próprio processo de nascer, viver e morrer. Romper as amarras do mundo atravessado pela ideia de força suprema, cujas dores, alegrias, são compreendidas como fenômenos interdependentes, de causa divina, produz reviravolta existencial, uma espécie de caos, a perda de referência, centrada no sagrado, no incontestável mundo imaterial. Afinal o que é certo e errado?
Deus, ente sagrado e detentor do saber sublime, perde seu status da grandeza a partir do instante que a ciência desponta soberana, carregando a boa nova, a decodificação de sinais incompreendidos, como do fruto proibido retratado no livro dos gênesis, afirmando que a desobediência de Eva perante Deus custou-lhe a permanência no paraíso. Estar no mundo agora, depois da tentação e cometido o pecado comendo o fruto, lhe trouxe luz, clareza. Quando descoberta pela insubordinação, não teve coragem suficiente para desafiá-lo, atitude que possivelmente lhe daria confiança e poder.     
Procurar explicações de fenômenos sociais como as guerras, do avassalador crescimento dos cultos religiosos, do fanatismo exacerbado, da intolerância racial, sexual, etc., deve partir primeiramente pela compreensão do modo como essas sociedades estão constituídas politicamente e economicamente. Um olhar simplificado do mundo contemporâneo profundamente determinado pelo pensamento único e mediado pela metafísica, não é suficiente para dar explicações fidedignas acerca das crises de transtornos emocionais que transformam milhões de pessoas no mundo em marionetes. Para contornar as dores, as angústias intermináveis que tornam sujeitos dóceis, maleáveis, reprimidos e escravos do “Grande Irmão” o olho supremo controlador, a saída é trilhar caminhos alternativos que levam às fontes cuja água a ser bebida trará luz aos olhos de quem ousa ver.
Prof. Jairo Cezar

                   

Nenhum comentário:

Postar um comentário