segunda-feira, 17 de maio de 2021

 

UM OLHAR ATENTO DE DENTRO E DE FORA DE ISRAEL E TERRITÓRIOS PALESTINOS OCUPADOS

O quadro de instabilidade política e social que se instalou tanto dentro como fora das fronteiras do território israelense deve ser analisado considerando a importância geopolítica regional. Desde o século XIX, o território é palco de ocupações e disputas, patrocinadas por grandes potências interessadas principalmente nas reservas de petróleo da região. Além dos episódios que marcaram o final do século XX como as guerras do golfo, Iraque e Afeganistão, o século XXI, a região continuou sobre forte tensão social, entrando no circuito dessa vez, países como a Síria, que vive forte convulsão social, e Israel, que sob o guarda chuva protetor dos EUA continua com sua política de ocupação e extermínio dos palestinos que habitam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

O problema na Faixa de Gaza como nas demais cidades que juntas constituem o território palestino, os conflitos que vem se seguindo datam da segunda metade do século XIX quando os judeus espalhados pela Europa e Rússia, devido às políticas anti-semitas, passaram a ocupar Israel constituindo colônias agrícolas. Antes da criação do Estado Judeu em 1947, a região esteve sob o domínio do império Otomano e britânico, isso proporcionou uma maior ou menor leva de emigrantes judeus para a região. Na época dos otomanos, o território que estava sob o controle palestino, apenas 60 mil, dos 3.177 milhões de judeus se dirigiram  para palestina. Realidade que em nada se compara  a época do domínio britânico, dos 1.750 milhão que emigraram, 487 mil se deslocaram para palestina.

Com o fim do domínio britânico da região e com o holocausto do pós-guerra, a ONU intercedeu na região tomando partido na partilha do território, fundando o estado judeu, sem consultar a população árabe. O modo como foi dividido o território em nada agradou os palestinos que ali habitavam há séculos. A partilha favoreceu escancaradamente os judeus, com uma população muito menor que a palestina. As tensões entre os dois povos a cada dia ficavam mais complicadas, cujo resultado foi a guerra dos seis dias quando Israel incorporou a península do Sinai, faixa de gaza, a Cisjordânia e as colinas de Golã, ao seu território.

Diante dessa situação vexaminosa para os palestinos, surgiram movimentos tanto dentro como fora de Israel em defesa da criação do estado palestino. Dentre o mais importante foi o FATAH, partido criado pelo líder Yasser Arafat que defendia a luta armada contra os israelenses. Em 1964, surgiu, portanto, a OLP (Organização de Libertação da Palestina). Os impasses e as tentativas de negociações não avançavam. A situação ficou ainda pior, quando em 1982 milicianos cristãos invadiram campos de refugiados de Sabra e Chatila, matando cerca de duas mil pessoas. Segundo informações confirmadas na época, o responsável pela abertura dos campos de refugiado foi Ariel Sharon, que se tornaria mais tarde primeiro ministro de Israel.

Durante a década de 1990 as negociações que rumavam para um possível acordo que resultaria na criação de um estado palestino, chancelado pelo presidente Ytzhak Rabin, voltaram a estaca zero quando um extremista ultradireitista judeu assassinou Rabin. As revoltas de palestinos se estenderam por toda parte, porém, por não possuir armamentos capazes de combater em pé de igualdade com o exército israelense, como alternativa utilizam pedras atirando-as contra os solados. Esse levante foi batizado de Intifada, sendo a primeira ocorrida em 1987.

Na época quando estava se discutindo a possibilidade da criação de um estado palestino, na verdade, tudo não passou de um simples jogo de cena criado pelos israelenses para continuar promovendo os assentamentos. Jamais foram colocadas em prática acordos como a retirada de assentados de áreas palestinas. O que aconteceu e vem acontecendo é o aperto do cerco, com o bloqueio das estradas e a construção de enormes muros mantendo os palestinos confinados como se deu na faixa de gaza, uma área de aproximadamente 400 km quadrados, onde cerca de dois milhões de pessoas vivem em condições subumanas. Durante quase um mês a região foi alvo de ataques aéreos israelenses, matando cerca de duas mil pessoas, na maioria crianças. O objetivo da ação, segundo os israelenses, era destruir lideranças pertencentes ao grupo armado Hamas, pró-estado palestino independente. 

É claro que a quantidade de fontes literárias disponíveis sobre  Israel e a palestina dão condições para se ter uma compreensão satisfatória de toda a complexidade da região. No entanto, nada substitui uma analise presencial dos fatos. Isso foi possível em 2014 quando visitei o país três a quatro meses depois de terem cessados os ataques israelenses sobre a faixa de gaza, com centenas de mortos. O território, hoje dominado militarmente por Israel, é considerado o berço das três principais religiões monoteístas, o judaísmo, o cristianismo e islamismo. A igreja do santo sepulcro, cristianismo; a esplanada das mesquitas, Islamismo; e o muro das lamentações, judaísmo, ambos estão situados em Jerusalém, território reivindicado tanto pelos judeus quanto pelos palestinos como seus.

São milhões de pessoas que visitam aquele território todos os anos, na sua maioria cristãos. O turismo, portanto, é atualmente um dos principais agentes dinamizadores da economia, principalmente dos territórios palestinos ocupados, a exemplo de Nazaré, Belém, onde estão dois dos principais símbolos do cristianismo, a igreja da natividade e a gruta onde Maria teria dado a luz a Jesus. Na época a quantidade de turistas visitando esses espaços era pequeno, impactando violentamente a economia desses territórios. Se o turismo é o meio de sobrevivência de parte da população palestina, para a população israelense, o impacto desse setor é ínfimo.

Transitando pela capital Tel Aviv ou pelo interior do país é possível observar o dinamismo do povo judeu na área tecnológica, principalmente no segmento agrícola totalmente informatizado. Entretanto, toda essa pujança vem se moldando a partir de uma política de pressão sobre os territórios palestinos. Era visível quando transitávamos pelas rodovias da Cisjordânia a quantidade de  edificações em construção de colonos judeus. Pare se protegerem extensos e enormes muros estavam sendo erguidos. Para acessar a cidade de Belém, todo o cidadão palestino deveria ser revistado, exceto os judeus. Ultrapassando o portão, há cerca de duzentos metros do local  estava o escritório da ONU, que prestava apoio a população palestina, principalmente na construção de novas residências e a reconstrução daquelas destruídas pela guerra.

Em todos os lugares que passamos a presença de soldados israelenses fortemente armados era uma constante. Havia uma sensação de estar sendo vigiado a todo momento. Agora imaginamos viver numa cidade rodeada por imensos muros, com câmaras de vigilância e soldados entrincheirados, treinados para atirar a qualquer um que suspeitasse.

Embora Jerusalém seja conhecida mundialmente por sua forte tradição religiosa, a cidade respira modernidade em todos os cantos, muito parecida com as cidades ocidentais, como paris, Madri, Roma, etc. Modernos metros, edifícios e automóveis dividem ruas e avenidas com milhares de pessoas caminhando de um lado para o outro. Entrando na cidade antiga de Jerusalém, para acessar aos ambientes históricos sagrados e famosos, já se percebe,  no portão, um clima de apreensão. Uma longa fila é formada, onde cada cidadão tem de passar por máquinas de raio xis e forte revista para entrar na área interna.

Postados em frente a um enorme muro de concreto estavam centenas de pessoas, na maioria cidadãos israelenses trajados com suas roupas tradicionais movimentando a cabeça e recitando em voz alta  passagens do velho testamento.  Bem acima do muro estava a esplanada das mesquitas, lugar sagrado dos muçulmanos. Na realidade, de todos os lugares onde os palestinos mais abominam a presença israelense é exatamente na esplanada onde está a mesquita dourada, o segundo espaço mais sagrado depois de Meca.

Foi exatamente nesse ambiente o epicentro dos últimos conflitos entre judeus e palestinos que se espalharam rapidamente por todos os territórios ocupados. Na época, lembro que nas escadas que levava a mesquita algumas senhoras gritavam palavras de ordem contra dois ou três cidadãos israelenses que transitavam pelo local.

Conversando com o guia israelense que nos acompanhava ele jamais lançou qualquer opinião de contrariedade ao governo israelense. Dizia ele que afrouxar as políticas a favor dos palestinos seria suicídio ao povo Judeu.   A região emancipada poderia atrair levas de extremistas anti semitas. É exatamente esse o sentimento de milhões de israelenses quando o assunto é reconhecer os territórios palestinos. Tanto o governo quanto os setores mais conservadores da sociedade comungam com o mesmo pensamento, varrer do território todos os palestinos.

O problema que nessa confusão toda palestinos e israelenses não estão sozinhos. Milhares de mortes, feridos e destruição das estruturas principalmente do lado palestino, o mais fraco, poderia ser evitada. Na realidade, é impossível encarar o episódio como uma guerra. Pois guerra geralmente as baixas são equivalente em ambos os lados. Em 2014 foram mais de 2000 mortos somente na Faixa de Gaza, enquanto os israelenses tiveram pouco mais de 70.

O atual conflito que explodiu no dia 4 de maio já registrou mais de uma centena de mortes de palestino e a destruição de parte da infraestrutura de Gazza por bombardeios israelenses. Mas aí muitos avaliam como correta a ação do governo de Israel pelo fato do território judeu, como a capital Tel Aviv estarem sendo alvo de morteiros lançados por grupos ligados ao Hamas, considerado, pelo ocidente, como entidade terrorista.  A justificativa de Israel para exterminar os palestinos é exatamente essa atacar alvos onde se presume estejam escondidos terroristas do Hamas. Para uma cidade que tem um território tão diminuto, pouco maior que Araranguá,  com mais de dois milhões de habitantes, qualquer alvo atingindo por bombas resulta em mortos e feridos de civis, principalmente de crianças. Isso não é genocídio.

A ONU, entidade cujo compromisso é esse negociar saídas para os conflitos no planeta, simplesmente vem se omitindo ao terrível banho de sangue contra palestinos. E por que?        A resposta é simples, embora quase todas as nações do mundo tenham assentos na entidade, apenas cinco estão aptos de aprovar ou vetar ações. Devido aos estreitos vínculos dos Estados Unidos com Israel qualquer encontro que possa ocorrer para discutir a situação, o veto desse país a alguma incursão contra os israelenses já é garantido.

O que vem se observando também é certo silêncio das autoridades palestinas, principalmente da autoridade máxima, Mohmud Abbas. Há fortes indícios de divisão tanto dentro do governo quanto entre os cidadãos palestinos quanto aos problemas na palestina. O grupo Hamas se apresenta como um grupo ou partido político com forte representação e apoio de expressiva parcela da população. No entanto é visto com certo ceticismo pelas autoridades palestinas, com receio de numa eleição conquistar o poder. Aqui está um dos motivos de não estar existindo eleições na palestina há quinze anos. Pelo modo como o grupo Hamas vem atuando, acreditam as autoridades palestinas, o poderoso exército insraelense varreria em poucas horas a população palestina do território.

Enquanto isso o mundo acompanha estarrecido as aberrações contra civis indefesos palestinos. Os mísseis lançados pelo Hamas quase todos são interceptados pelos radares israelenses, onde são destruídos por foguetes. Na capital Tel Aviv existem abrigos anti bombas. Depois do acionamento das sirenes a população tem alguns segundo ou minutos para buscar proteção nesses abrigos. Diferente da Faixa de Gaza onde nada disso existe, nem escudo antimísseis muito menos abrigos. O pior de tudo é que a população não tem saída, mar, terra e ar são controlado pela poderosa força militar israelense. Agora imagine viver numa cidade sabendo que sua casa poder a qualquer instante ser alvo de um foguete inimigo, a exemplo do que ocorreu com o prédio de 12 andares em Gaza, que foi ao chão depois de um bombardeio aéreo.

 É exatamente isso que muitos críticos relatam, uma guerra injusta, envolvendo Sansão e Golias.  Não há dúvida que a única saída para esse imbróglio será por meio da negociação. Quem intermediará? Historicamente os países árabes sempre tomaram posição de cooperação mútua. Porém o que se observa hoje é uma divisão entre os países árabes, muitos dos quais se aliando as potencias ocidentais, como os Estados Unidos. O próprio Emirados Árabes Unidos reativou relações diplomáticas com o Estado israelense.

A esperança, mais uma vez, de uma possível negociação para o retorno da paz na região poderá vir do Egito, cujos laços diplomáticos com Israel são satisfatórios. Mesmo que ocorra um cessar foto na região, a tensão permanecerá latente. A permanência de  Benjamin Natayahu a frente do governo de Israel tenderá a intensificar os conflitos, devido ao apoio que recebe de grupos radicais judeus, que não admitem qualquer negociação sobre os territórios disputados. Somente com um governo mais moderado capaz de sentar com lideranças palestinas para negociar a partilha do território é que a paz poderá retornar aquela região e perdurar maior tempo.

Prof. Jairo Cesa   

 

 

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