sábado, 10 de setembro de 2022

 

AGROECOLOGIA E SEMENTES CRIOULAS COMO CONTRAPOSIÇÃO A AGRICULTURA PREDATÓRIA

A domesticação de sementes e animais foi certamente uma das maiores conquistas da civilização, fato que proporcionou a transição da espécie nômade à condição sedentária, diretamente vinculada a sua evolução social. É importante destacar que essa dita revolução civilizatória não se deu de modo pensado, planejado, mas casual e tendo como protagonistas as mulheres, principalmente em se tratando de agricultura. Reduzindo os riscos da fome, a espécie humana passou a se multiplicar e viver mais tempo e relativamente melhor.

Acredita-se que está no fenômeno da germinação de plantas um dos fatores que levou a humanidade desenvolver a sua espiritualidade, ou seja, buscar por meio da crença, da fé, resposta a esse e outros acontecimentos até então inexplicáveis. A relação entre domesticação de plantas e mulheres é bem significativo. Ambos podem dar importantes respostas a uma série de questionamentos relativos às crises cíclicas alimentares como a atual que vem ceifando milhões de pessoas.

Como imaginar a existência de pessoas famintas, quando se sabe que a terra, o solo e seus nutrientes, são recursos sagrados, que fizeram fecundar, germinar, espontaneamente, gratuitamente e em abundância, plantas, frutos, raízes, para saciar a fome de todos/as. Durante milênios dos desafios dos primeiros agrupamentos humanos foi recolher e guardar sementes, de modo que fossem replantadas nas safras seguintes. Certamente essa era uma das práticas repletas de rituais místicos, de agradecimento aos espíritos das florestas, aos deuses, podendo durar dias, com comida, bebida, danças e práticas de oferendas.

Com o passar do tempo, as terras e as sementes foram perdendo seus sentidos de entes sagrados, transformando em produto, mercadoria, com valor de troca/comércio e não mais de uso. Compreender o funcionamento da estrutura metabólica das sementes, na intenção de modificar e controlar sua sequência genética pode ser interpretado como sendo o ápice da sandice civilizatória. Por que essa certeza. Qualquer espécie viva planta em especial, sua sequencia genética, ou DNA, foram necessários milhares de anos para se constituir, onde sofreram processos complexos de adaptações, climatizações, etc.

De repente mudar o seu código, introduzindo elementos de outras sementes, pode estar aí abrindo um caminho perigoso ao desconhecido, ao incontrolável, semelhante a um Frankenstein, romance escrito pela britânica Mary Shelley.  O perigo está no fato de gerar distúrbios em toda a cadeia do sensível e complexo sistema botânico planetário. Além do mais, os organismos vivos, o ser humano em especial, toda a estrutura metabólica: tecidos, ossos e células foram e permanecem sendo moldados pela dieta de geração em geração.

No momento que passamos a consumir tipos de alimentos cujos DNA foram alterados, quais os riscos da ingestão dessas variedades no nosso metabolismo. Ainda hoje as respostas a essas questões são controversas. O fato é que a aprovação do comércio de sementes geneticamente modificadas se deu decorrentes de Lobbies envolvendo autoridades norte americanas, grupos de pesquisadores e corporações ligadas ao mercado de sementes e agrotóxicos.

Frente a tudo isso estão agricultores familiares, movimentos de camponeses, entidades públicas, organizações ambientais, universidades, entre outras, engajadas numa luta titânica de proteção as variedades crioulas de sementes como garantia de soberania e independência à fúria do mercado. Nesse enfrentamento aparecem os Guardiões e as guardiãs de sementes, que dedicam parte preciosa do tempo para proteger acervos de sementes que transportam no DNA toda a ancestralidade, espiritualidade, todos os elementos que constituíram o universo. São muitas as publicidades evidenciando o deus agronegócio como sendo o carro chefe da economia, afirmando até ser o único meio capaz de proporcionar seguridade alimentar à população mundial.  Entretanto, se fosse realmente verdade o que se prega, não teríamos uma multidão de famintos desesperados disputando ossos e restos de alimentos em portas de supermercados, restaurantes, etc.

Se a terra, gratuitamente, fez germinar sementes e recursos adicionais para assegurar a existência e a permanência da espécie humana no planeta, restringir o acesso de milhões de indivíduos à alimentação diária é uma demonstração de que estamos longe de nos tornarmos essencialmente humanos.  O evento realizado no CETRAR – Centro de Treinamento da EPAGRI, em Araranguá, no dia 06 de setembro de 2022, com tema “Encontro de Troca: Sementes, mudas e experiências”, mostrou que há tempo ainda para restabelecer o equilíbrio, a sincronicidade,  a sinergia com a  mãe natureza, tão castigada, violada pelos seus/as filhos/as desvirtuados/as pela cultura.

Embora eu tenha nascido no campo e lá trabalhado até os meus 18 anos, por quase quarenta anos atuei como professor na rede de ensino público estadual. Com o fim do ciclo de professor, retornei às minhas raízes dedicando o tempo livre às pesquisas e aos estudos sobre práticas sustentáveis de cultivo de pitaya e o aproveitamento sustentável do solo, água e outros recursos. O contato com grupos de produtores/as orgânicos/as familiares me fez perceber que muita vida, sabedoria, emoção, amor, pulsavam desses grupos, dando a certeza de que a revolução vem da terra, da troca, do compartilhar experiências. O mais impressionante foi compreender que esse movimento de rupturas tem a mulher como protagonista, como sempre foi desde o começo da civilização.

Na história da agricultura a mulher foi quase que determinante na domesticação das plantas comestíveis. Portanto, o arquétipo feminino sempre se fez presente como instrumento mediador, pacificador, das forças contraditórias que sempre imperaram e ainda imperam no universo. A mãe natureza é a nossa progenitora, aquela que fornece o leite, o primeiro alimento necessário para nutrir nossas células. Degradar rios, florestas, ar, solo, etc, é arquepticamente uma violação à nossa mãe natureza, nossa mãe progenitora, cujo leito produzido, tem menos nutrientes, mais moléculas tóxicas para gerar filhos fracos, doentes.

A presença majoritária de mulheres no auditório do CETRAR naquela manhã de terça feira para participar de um evento cujo tema era troca de sementes crioulas e experiências, me fez refletir ainda mais acerca do conceito de arquétipo entre terra, mãe natureza e mulher. Por que tantas mulheres envolvidas no recolhimento, conservação e compartilhamento de sementes crioulas. A resposta pode estar na própria essência da natureza e seus campos mórficos, conhecidas como campos de padrões ou estruturas de ordens.  Guardar as sementes crioulas e replicá-las, gratuitamente, é, de certo modo, uma maneira de querer reequilibrar os campos cósmicos, masculino/feminino.

Duas importantes palestras foram realizadas no encontro. Claro que a maior atenção foi dedicada a explanação feita por um profissional da EPAGRI que discorreu sobre a vida de Gerson Mauro Ferting, um guardião de sementes crioulas no município de Frei Rogério, no estado de Santa Catarina. Comentou o profissional que o agricultor vem atuando como guardião há mais de quarenta anos, que atualmente tem cerca de trezentas variedades de sementes guardadas.

Vários vídeos foram exibidos mostrando sua propriedade e a metodologia utilizada no cultivo e cuidado dessas sementes. Ouvindo o seu Gerson é possível perceber a sua profunda simbiose com todos os elementos da natureza, além, é claro, grande conhecimento dos segredos do universo contidos nas sementes crioulas. Confessou que sua maior paixão são as sementes de milho, pela sua diversidade de cores, sabores, etc. São cerca de 50 variedades que tem no seu acervo, junto com outras 150 ou mais de outras espécies. Reiterou inúmeras vezes que ter semente crioula é sinônimo de liberdade, independência ao deus mercado.

Pesquisando na internet mais assuntos e eventos sobre o tema semente crioula me impressionou o elevado número palestras, entrevistas, festas e atividades culturais inseridas ao tema. Incrível é que diante de toda essa imensidão de eventos acontecendo, parcela expressiva da população desconhece completamente o assunto. São raros os veículos de comunicação, rádio e TV, que fazem alguma divulgação ou cobertura sobre culturas orgânicas e sementes crioulas. São esses veículos da grande mídia o que menos dão cobertura sobre agroecologia, guardiões de sementes, etc. Claro que não dariam ênfase pelo fato de serem tais veículos patrocinados por grandes corporações ligadas ao agronegócio, como indústrias de agrotóxicos, de sementes transgênicas, equipamentos agrícolas, etc.

Prof. Jairo Cesa    

 

https://www.biodiversidadla.org/Multimedia/Video/O-agricultor-que-guarda-sementes-antigas

https://www.youtube.com/watch?v=cO5a55STY3o

 

 

 

                               

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