FOGO QUE CONSUMIU TEATRO/AUDITÓRIO (EEBA-ARARANGUÁ) FOI MOTIVADO POR DÉCADAS DE DESCASOS DOS GESTORES ESTADUAIS COM A EDUCAÇAO PÚBLICA
Desde
a promulgação da primeira carta constitucional e a eleição do primeiro
governador e membros do parlamento republicano catarinense, demandas como saúde,
segurança e educação sempre foram designadas como prioritárias por esses e
outros tantos representantes do povo. Mais
de um século se passou desde a assinatura da primeira constituição, e não houve
um governo se quer entre os quase cinquenta governadores e outras centenas de
parlamentares, que tivessem cumprindo ao menos um item dessas demandas na
sua integridade. Claro que jamais concretizariam
o que fora prometido, pelo fato dos respectivos governadores e parlamentares
integrarem ou representarem as poderosas forças oligárquicas.
A
existência e a sobrevivência desse importante segmento político conservador
sempre se basearam na fragilidade e no sucateamento de serviços sociais
importantes, a exemplo da educação pública. O apadrinhamento político, o
aparelhamento de toda a estrutura administrativa do Estado, a começar pelo
secretário de educação e se estendendo as instâncias regionais e municipais,
até a ponta do sistema, com os diretores/gestores, entre outros cargos
comissionados, por muitas décadas foram a espinha dorsal desse regime que para
manter-se funcionando propugnava a existência de um exército de despossuídos.
Não há dúvida que para a manutenção por
gerações e gerações de um Estado a serviço das classes dominantes foi necessário
inviabilizar qualquer instrumente que assegurasse melhorias substanciais às condições
de trabalho e remuneração dos profissionais da educação. As rupturas de regimes
e governos autoritários ocorridos, sempre se deram geralmente nos países com
populações bem instruídas. São essas mesmas sociedades que hoje contemplam bons
níveis de desenvolvimento econômico e social.
No
estado de Santa Catarina, como em muitos outros tantos da federação, o pouco de
dignidade aludida aos trabalhadores das escolas foi em decorrência de permanentes
lutas de resistência da categoria contra as políticas de ataques e desmontes de
direitos adquiridos, dos currículos e dos ambientes de trabalho das escolares.
Nos últimas três ou quatro décadas foram incontáveis as paralisações e greves
promovidas pelo magistério, sempre como último recurso possível para reivindicar
melhorias salariais e condições dignas de trabalho.
Ainda
hoje com raras exceções escolas procuram realizar eventos anuais: festas,
rifas, gincanas, até mesmo bazares, com intuito de arrecadar recursos extras para
realizar reparos na estrutura, bem como comprar materiais de expedientes
básicos. Não fosse o empenho, o amor, a dedicação quase integral dos
profissionais, gestores/as, pais, estudantes, etc, pouquíssimas dessas
instituições de ensino estariam em condições de funcionando atualmente. O fato
é que o problema não está exatamente na falta de recursos do Estado para tais
finalidades, mas na não priorização desse setor.
Há
cerca de dez anos, o SINTE - Sindicato dos Professores da Rede Pública Estadual
da Regional de Araranguá encaminhou ofício ao corpo de bombeiros e as defesas
civis dos municípios que integram a 22 GERED da região da AMESC solicitando
relatório das condições de infraestrutura de todas as escolas estaduais. Das
mais de 40 escolas existentes, somente um município enviou relatório com as
devidas informações.
O motivo da ação impetrada pelo SINTE foi em razão de frequentes denúncias vindas de professores e comprovada por integrantes da entidade sindical do estado caótico dessas instituições. Casos de escolas de recém inaugurada já estavam apresentando sinais de deterioração, goteiras, problemas hidráulicos, furtos de fios, de transformadores, etc. Na realidade os problemas investigados nas escolas públicas da regional de Araranguá eram bem superiores ao que se presumia.
Em
2016 professores e estudantes da EEBA de Araranguá deram início ao projeto
ambiental cujo FOCO foi a sustentabilidade energética e hídrica da unidade de
ensino. O objetivo da proposta era fazer com que o projeto de reforma da
unidade, previsto para acontecer, toda a parte elétrica fosse alimentada com
energia fotovoltaica. Infelizmente mesmo com toda a insistência, não foi
possível convencer os representantes do governo estadual para incluir tais
solicitações ao projeto de reforma.
Para
conhecer a realidade elétrica e hídrica da escola, o primeiro passo foi obter
cópia de antigos extratos de conta de energia e água da EEBA e durante os meses
subsequentes a execução do projeto. O
plano, portanto, era sondar quanto se consumiu e estava se consumindo, os
valores pagos e se tudo estava em conformidade com a realidade da instituição. Quando
acessamos aos primeiros extratos, ficamos surpresos com os valores elevados
pagos em energia elétrica, incompatíveis a demanda de escola.
Mas
o espanto se deu com os extratos de água, principalmente do auditório Célia Belizzaria. Em um extrato observado, em mês o consumo de
água extrapolou os vinte mil reais em água. Detectamos que a exorbitância do
valor cobrado tinha relação com problemas de vazamento no sistema hidráulico
por falta de manutenção por parte do Estado. Além de falhas do sistema hidráulico,
o auditório apresentava outros problemas, como frequentes goteiras, furtos.
Se
a EEBA estava sendo acometida por falhas estruturais e atitudes equivocadas
comportamentais que resultavam em desperdícios de energia elétrica e água, havia
fortes indícios que tais problemas poderiam estar se repetindo em outras
unidades de ensino, como de fato vinha acontecendo. Casos de escolas com 800 a 1000
estudantes, cujos extratos de energia elétrica mostravam valores superiores a
10 mil em um único mês. Outras unidades menores ou de tamanho médio, com gastos
de água equivalente a escolas com dois a três mil alunos. O fato é que
problemas desse tipo, raras as exceções, persistiram durante os três anos que o
projeto esteve em andamento. Inúmeros alertas foram encaminhados à coordenação
regional de ensino e aos próprios gestores de escolas para que solicitassem
junto aos órgãos competentes os devidos reparos necessários às suas escolas.
A
conclusão que se chegou quando o projeto foi finalizado, foi que tais falhas
estruturantes e de desperdícios possivelmente estavam se repetindo entre as
quase mil escolas distribuídas pelo estado de Santa Catarina. Os cálculos
feitos pelos integrantes do projeto, se chegou a conclusão que os valores
desperdiçados anualmente na regional de Araranguá, se fossem aplicados planos
de contenção de desperdícios, as economias seriam suficientes para reparar
todas as 42 escolas da 22 regional de educação. Agora se fosse estendido tais
planos de não desperdícios a todas as escolas e demais repartições públicas
estaduais, claro que haveria uma economia de milhões de reais/ano. Para quem
desejar conferir o projeto escola sustentável, realizado na EEBA de Araranguá,
o mesmo está disponível no blog https://eebasutentavel.wordpress.com/
Se
tivéssemos tido governos realmente comprometidos com o correto uso do dinheiro
público, as escolas estaduais de Santa Catarina, sem exceção, estariam com excelentes
infraestruturas, com profissionais da educação valorizados e satisfeitos. E por
que isso não acontece? Por que tanto desprezo, tanta repulsa dos governadores
de grande parcela dos legisladores eleitos, à escola publica e aos professores?
Por que deixar que estruturas se depredem, que denúncias tenham que ser protocoladas
às autoridades competentes, denunciando os descasos dos governantes. Só a
partir disso que ações de reparos, de pequenos avanços na carreira docente são
obtidas.
Insisto
aqui em reiterar que a EEBA, antiga Escola Norma e, depois, Colégio Estadual de
Araranguá, exemplo de unidade de ensino quase centenária, que é merecedora de
respeito e orgulho dos araranguaenses e dos habitantes do Extremo Sul de Santa
Catarina. Por esses e outros feitos que só engrandecem o povo araranguaense, o
educandário e seus profissionais não precisavam estar servindo de “bode
expiatórios” à inoperância do Estado. Somente depois de inúmeras intervenções
da vigilância sanitária e do corpo de bombeiro a pondo de interditarem vários
cômodos, que pequenas ações paliativas foram providenciadas para a contenção de
goteiras e curtos circuitos elétricos.
Foram
mais de dez anos de lutas titânicas, manifestações, protestos, idas e vindas a
Florianópolis, para que finalmente em 2019 desse início a tão esperada reforma
da unidade de ensino. Por que esperar tanto tempo para que chegasse ao
espantoso estágio de depredação. O que causa mais revolta quando o assunto é
reformas ou construções de escolas, ginásios ou auditórios, é o desprezo desse mesmo
poder público em contingenciar recursos no orçamento público para reparos
permanentes desses espaços. Muitas vezes, antes do imóvel ser inaugurado são
detectados defeitos estruturais. Claro que isso tem relação com projetos mal
elaborados, falta de fiscalização, até mesmo corrupção e desvio de finalidades.
O
que era é revoltante é o fato de ter sido criada as SDRs – Secretarias de
Desenvolvimento Regionais, mais de trinta ao todo, tendo por um dos objetivos
diminuir o distanciamento das decisões entre o executivo e as regionais. De fato esses espaços foram criados para
acomodar os apadrinhados políticos, ou seja, cabides de empregos para cabos
eleitorais e outras funções questionáveis aos olhos da população. Se realmente
tivessem cumpridas as finalidades apregoadas, as escolas, as rodovias estaduais
e outros segmentos de responsabilidade do Estado não estariam permanentemente
sob acirradas críticas e ataques da sociedade devido a sua ineficiência. Essas
secretarias sugaram milhões de reais dos cofres públicos por décadas.
Em
2015 escrevi texto no qual expõe o lado obscuro de muitas das 36 SDRs. As
informações contidas no texto foram fundamentadas a partir de investigações realizadas
e publicadas por auditores do TCE (Tribunal de Conta do Estado). Os problemas
verificados nas regionais iam desde os cargos comissionados sem a mínima
qualificação à função especifica ao não cumprimento de preceitos
constitucionais relativos ao repasse de recursos ao ensino público. No
relatório do TCE revelou que num período de cinco anos o governo estadual
deixou de aplicar 1,1 bilhão de reais à educação, dinheiro necessário à solução
de problemas de infraestrutura e remuneração digna aos trabalhadores da
educação.
Então,
quem ainda acreditava que problemas estruturais envolvendo escolas, ginásios de
esportes e teatros/auditórios, a exemplo do Célia Belizzaria que foi consumido
pelo incêndio na última sexta feira, foram decorrentes não da má administração
de diretores/gestores desses espaços. Lendo
o relatório dos auditores do TCE sobre irregularidades nas SDRs, vai descobrir os
meandros desse desmonte institucionalizado. http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/2015/04/auditoresdo-tce-tribunal-de-contas-do.html.
Explica também por que tanto tempo de espera para a realização de uma reforma
de uma escola como a EEBA de Araranguá, a ponto de ter gerado impasse envolvendo
professores e corpo gestor de outra escola, também sob expectativa de inicio de
reformas por parte do estado.
O
conflito ocorreu quando se soube que os recursos orçados para a reforma da EEBA
haviam sido deslocados à respectiva escola. Essa foi mais uma das inúmeras estratégias
adotadas pelo Estado em tentar dividir a categoria, um modo perspicaz de desviar
o foco de erros e maracutaias praticadas durante as gestões. Explicações detalhadas desse episódio
envolvendo essas duas escolas também podem ser conferidas lendo o texto aqui
postado. http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/2015/03/
Porém
o caos havia se instalado definitivamente na EEBA a partir de 2013 em diante. A
situação chegara ao limite da insustentabilidade. Era tanto problema, que quando
chovia o mínimo volume que fosse era suficiente para causar interrupção das
aulas, transformando salas, corredores em verdadeiras piscinas. Para não ter
interdição completa da escola, em 2015, em caráter de urgência algumas ações
paliativas foram realizadas atendendo recomendações do corpo de bombeiro. Troca
de telhados, limpeza de calhas, arrumação do assoalho e colocações de equipamentos
luminosos obrigatórios, foram ações executadas pelo Estado.
Entretanto,
concluído os reparos, na primeira chuva, voltaram os problemas, as goteiras e as
preocupações. Os/as professores/as além das pressões diárias decorrentes das
limitadas condições técnicas e pedagógicas para o satisfatório desempenho da
profissão, tinham que também estar em estado permanente de alerta a qualquer
sinal de risco de acidente. Diante desse quadro trágico previsível, de tantos e
tantos documentos encaminhados a GERED e ao Estado para que fosse iniciada à
reforma do colégio, publiquei texto em meu blog em 16/07/2015 com o seguinte
título: EEBA – Um Educandário Com Mais De Cinquenta Anos de História a Espera
de Um Milagre - http://morrodosconventos-jairo.blogspot.com/2015/07/. Foi
somente em 2019, após mais de dez anos de incessantes lutas de toda a
comunidade escolar que finalmente foi dado início ao processo de construção e
reforma da EEBA.
Infelizmente,
no projeto de reforma ficaram excluídos o ginásio de esportes e o auditório
Célia Belizzaria, sem qualquer indicativo ou data para que tais reconstruções
fossem realizadas. E não foi por falta de recursos, quem acompanhou os últimos
três anos da atual administração estadual, volumes gigantescos de recursos
foram economizados devido a Pandemia do COVID 19, principalmente recursos
voltados à educação. Foi tanto dinheiro sobrado em caixa do estado que chegou a
ser disponibilizado para obras federais, como pavimentação de rodovias. O
orçamento do Estado ficou mais polpudo ainda a partir da Reforma Previdenciária
dos servidores estaduais aprovada em 2021 na assembleia legislativa. A inclusão
de dispositivo no projeto permitiu ao governo estadual o sequestro mensal criminoso
de 14% nos vencimentos dos servidores aposentados, relativos ao IPREV
(Instituto Previdenciário dos Servidores Estaduais).
Se
havia tanto dinheiro em caixa do Estado como era noticiado pelo próprio
governo, por que não inseriu um aditivo extra do valor orçado da reforma da
EEBA, incluindo também as duas construções, o ginásio e o auditório? Se tal
medida tivesse ocorrido, de imediato todo o entorno dessas edificações seriam
protegidas por tapumes evitando vandalismos e mais preocupações aos professores
e ao corpo administrativo da escola. Talvez essas ações não se concretizaram
pelo fato do Estado já pretender entregar ao município ou a iniciativa privada.
Agora
que o imponente prédio foi quase que consumido pelo fogo vem se discutindo
entre o executivo municipal e estadual a reconstrução e sua entrega ao
município. Penso que o governo estadual foi ardiloso nessa empreitada. Primeiro
deixou o prédio se depredar completamente, depois trabalhou bastante às mídias e
o sendo comum para responsabilizar os gestores da escola por má gestão do
auditório. Foi criada propositalmente uma confusão quanto aos objetivos do
auditório e sobre os verdadeiros gestores? O senso comum apregoa que o espaço é
um anfiteatro, que de fato não é. É um auditório, com pouco mais de
quatrocentos acentos construído pelo governo do estado e destinado ao corpo
docente e discente da EEBA. No entanto, o próprio colégio, pode em caráter de
parceria ceder suas dependências à iniciativa pública sem a cobrança de taxas
extras.
Acontece
que desde a sua inauguração o Estado se eximiu do compromisso legal de fazer a
manutenção do referido espaço. O auditório não foi desativado de fato devido ao
esforço descomunal do corpo gestor da escola, principalmente devido ao empenho
da professora Denise, já falecida. Frequentemente o auditório era cedido para a
realização de eventos culturais externos, cujos realizadores, o segmento
particular, por exemplo, colaboravam com uma taxa extra. Esse se tornou o único
recurso disponível para fazer os reparos necessários daquele ambiente.
Estranhamente
após sinistro no auditório, rapidamente o poder público municipal e o governo
estadual se manifestaram discutindo as tratativas de transferência do auditório
aos cuidados da administração municipal. Em entrevista concedida a uma radio do
município de Araranguá, o prefeito confirmou que o prédio passará a ser do
município, e que não será necessário promover licitação para escolher a empresa
encarregada da recuperação da estrutura danificada pelo fogo. Em nenhum momento
foi citado o nome da EEBA como mantenedora legal do ambiente.
Aqui
deve ser esclarecido algo importante. Se a ideia é transferir a gestão do
auditório ao município, em primeiro lugar é preciso ter o aceite da escola.
Nessa entrevista, a rádio deveria ter convidado para se fazerem presentes junto
com o prefeito, representantes da coordenadora regional de ensino e os gestores
da EEBA, para ouvir a opinião de ambos. Afinal, foram ou não foram convidados?
É bem possível que não houve convite, dando a entender que os tramites estão
sendo articulados entre prefeito, algum deputado ligado ao governo do estado e
o próprio governador.
Prof.
Jairo Cesa
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