domingo, 4 de setembro de 2022

 

BRASIL: 200 ANOS DE (IN)DEPENDÊNCIA. PARA QUEM?



Trezentos anos de domínio português, um século de controle britânico e outros cem anos de dominação imperialista Norte Americano, esse o Brasil que ainda ousa festejar o bicentenário de sua pseudo (IN)dependência no próximo dia 07 de setembro. É sem dúvida atos bizarro ver milhões de estudantes e outros milhares de pessoas cadenciando passos ao som de tambores, baterias, pelas ruas e avenidas das cidades tomadas por famintos, pedintes sem teto, drogados, esgotos a céu aberto, etc. Além do mais, tende a ser mais bizarro passar “marchando” em frente aos palanques instalados para acomodar políticos e autoridades, muitos das quais protagonistas de todo tipo de desarranjo social e econômico, que insiste manter o Brasil no topo das nações mais desiguais e corruptas do mundo.

São duzentos anos de atrapalhadas históricas, de uma dívida moral impagável para milhões de brasileiros que tiverem tataravôs, trisavôs, transformados em força de trabalho escravo em engenhos de açúcar, de farinha e nos cafezais. Até hoje os reflexos dessa calamidade social é refletida sob a forma de violência exacerbada contra pretos, índios, povos quilombolas, todos, sem exceção, alvos iminentes das selvagerias do sistema capitalista predatório.  Quem acreditou que o sete de setembro de 1822 foi o marco da libertação do domínio português até pode ser verdade.

O fato é que o movimento do dia sete aconteceu a partir de uma articulação envolvendo segmentos da elite cultural, política e econômica mineira do século XVIII. Muito do que está escrito ou desenhado nos livros didáticos e outros documentos que retratam o sete de setembro, não aconteceu de fato. Na verdade as imagens retratadas como o pequeno batalhão de soldados, com Dom Pedro I, ao centro, montado em um cavalo com um braço direito erguido gritando independência ou morte foi pintado quase cinquenta anos mais tarde pelo artista plástico Pedro Américo a pedido em homenagem a proclamação da república. Portanto, o espaço que cada soldado ocupa a posição de Dom Pedro ao centro, as vestimentas, os possantes cavalos, tudo foi pensado meticulosamente inspirado nas batalhas heroicas travadas por Napoleão Bonaparte na Europa.

Concluído o ato de independência, sai de cena a metrópole portuguesa assumindo o comando a poderosa burguesia comercial/industrial inglesa. Convém aqui ressaltar que o sucesso econômico inglês somente aconteceu devido aos infindáveis carregamentos de ouro e prata e outras riquezas vindas das colônias espanholas, portuguesas e das suas espalhadas por todos os continentes. Sem esquecer também que foram os ingleses os principais comerciantes de escravos vindos África, que só deixaram de atuar nessa atividade quando sua indústria estava bem avançada.

Enquanto muitos países da América Latina já haviam abolido a escravidão há décadas, o Brasil insistiu em permanecer por mais tempo, até 13 de maio de 1888, data na qual a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que oficializou o fim da escravidão.  Mais uma vez esse ato teve o dedo da burguesia britânica, interessada em aumentar o seu comércio de manufaturados no país. Tornar cativos africanos, livres, passou a ser um excelente negócio, principalmente para os antigos senhores da casa grande, agora envolvido no ciclo produtivo de café. O escravo liberto da senzala, agora cidadão de direito, foi transformando em outro tipo de cativo, tão ou mais lucrativos aos senhorios que durante a época da escravidão.   Para sobreviver vendia a sua força de trabalho ao proprietário da fazenda, fábrica em troca de um salário.

O campo se modernizava criando um gigantesco exército de trabalhadores a disposição do sistema capitalista industrial em franca ascensão. Parte dessa população do campo, agora despossuída de trabalho e meios de subsistência, passa ocupar espaços insalubres nas periferias dos centros urbanos em acelerada formação como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, etc. São os começos de um processo de urbanização assimétrica, com limitada ou mesmo sem a presença efetiva do Estado na concessão de serviços básicos de infraestrutura, educações, saúde, segurança, etc. Um século de “independência” e o Brasil já liderava do ranque mundial entre as sociedades mais desiguais e injustas. 

Fim do século XX, o país que se tornou independente mediado por arranjos e negociatas entre portugueses e ingleses, como a abertura de seus portos marítimos às “nações amigas”, teve o ano de 1964 o envolvimento indireto da CIA (Central de Inteligência Americana) e do capital internacional num espetacular golpe de Estado, onde o comando do Estado brasileiro foi tomado pelo militares por mais de vinte anos. Censura e retrocessos sociais foram os cenários mais comuns nesse período. Quem não conseguiu fugir do país para livrar-se da fúria do regime, teve que ficar e viver o calvário diário de medo e ameaças. Centenas de cidadãos tiveram suas vidas devassadas pelo DOPS, quem teve menor sorte foi torturado e morto, somente pelo fato de se oporem as regras de um regime autoritário e repressor.

O nacionalismo exacerbado sempre imperou em sociedades dominadas por governos pouco ou nada democráticos. Os quinze anos de Getúlio Vargas e outros vinte de regime militar, a exaltação a episódios heroicos, símbolos patrióticos como a bandeira, o hino nacional e da independência sempre tiveram em evidência. Os mais antigos certamente devem lembrar-se da intensa programação alusiva ao dia da bandeira, Tiradentes e sete de setembro nas escolas brasileiras, muitas vezes ocupando espaço significativo de tempo no calendário escolar. Incutir valores e sentimentos patrióticos, heróis nacionais forjados, etc, sem qualquer abordagem reflexiva sobre os fatos foi preponderante nas sociedades dominadas pelas elites políticas burguesas.

Imagine se nas escolas brasileiras temas como o Sete de Setembro, o dia de Tiradentes, a Proclamação da República, entre outras datas ditas importantes, os professores trabalhassem criticamente cada um desses momentos, trazendo à luz versões narradas pelos vencidos, esquecidos e silenciados arbitrariamente. Claro que isso não impediria que tais acontecimentos fossem comemorados. No entanto, o processo festivo tomaria rumos distintos, não de sujeitos passivos, dóceis, indolentes, como querem os donos do poder, mas de cidadãos altivos, críticos, capazes de escolher o bom líder, como o Príncipe de Maquiavel.  

A escola que almejamos autônoma, transformadora, pública e não estatal, ainda está muito longe para virar realidade. Sem dúvida está na nossa estrutura educacional decadente, desde a sua introdução há cinco séculos, o motivo do atraso social e cultural que insiste em permanecer intacta? Entretanto tivemos uma curta experiência de governos populares que teoricamente se mostravam engajados na desconstrução desse modelo perverso de educação reprodutora de saberes e valores dominantes. O poder das oligarquias, dos descendentes da Casa Grande, dos latifúndios improdutivos, etc, ambos permaneceram, se regenerando geração pós-geração. São esses novo-velhos donos do capital, os que criaram ambiente propício para que fosse chocado o ovo da serpente e gerado formas multifacetadas de demônios/domínios, que hoje nos assombram.

O golpe político de 2016 e as eleições de 2018 levaram o Brasil a uma condição assustadora de retrocesso social inimaginável. Pensar em retrocessos em um país que amarga há décadas índices ridículos de avanços educacionais são sem dúvida uma redundância. A eleição de um protofascista ao cargo de presidente da república fez o Brasil virar notícias quase diariamente nos principais jornais, telejornais, redes de TV do mundo inteiro.

As notícias mais corriqueiras ouvidas e assistidas se referem aos desmatamentos e incêndios criminosos na Amazônia, no serrado que, comprovadamente, vem alterando o ciclo das chuvas em toda a América do sul. Outras reportagens também nada agradáveis, como a grilagem em terras públicas, garimpo ilegal, assassinatos de lideranças indígenas e de ambientalistas, entre tantas outras, também viraram manchetes e capas de jornais desses veículos noticiosos.

O atual presidente desde o momento assumiu o posto de chefe do executivo em primeiro de janeiro de 2019 montou uma estrutura de governo similar ao regime militar iniciado em 1964. Embora não tendo havido o fechado o congresso nacional a exemplo do AI cinco em 1969, durante os quatro anos de governo, as duas casas legislativas estiveram sempre a mercê do capitão comandante.

Isso se deve porque tanto a presidência da câmara como do senado, atuaram como fiéis escudeiros do presidente da república.  Como em qualquer regime de traços absolutistas ofuscado pelo manto da democracia burguesa, no Brasil o papel do presidente e dos seus seguidores sempre foi de criar cenários conflituosos, tensos, além, é claro, forjar inimigos imaginários a serem combatidos.

Sequestrar símbolos nacionais como a cor verde amarela da bandeira nacional, por exemplo, fez e faz parte da estratégia golpista bolsonarista de atentar contra as instituições democráticas. Quem se lembra do sete de setembro de 2021 onde foi forjado um real cenário golpista que quase se concretizou. Um país que em quatro anos de bolsonarismo bateu todos os recordes em desmatamentos; de maior consumidor de agrotóxicos do mundo; de voltar a fazer parte do mapa da fome e ter alcançado assustadora marca de quase setecentos mil mortos pelo vírus do COVID 19, é ridículo sair às ruas e festejar o sete de setembro.

Se a justificativa é o bicentenário da independência, menos motivo ainda para festejar. O que mais se coadunaria com essa data seriam atos de protestos, como o grito dos excluídos, organizado por entidades sindicais, religiosas e com a participação da sociedade. Mas parece que atos desse tipo são os menos incentivados a ocorrer durante o dia sete. O que os pseudo patrióticos de plantão  mais desejam é transformar o dia sete em um  palanque eleitoral

A boa notícia é saber que o 28º Grito dos Excluídos irá de fato ocorrer paralelo ao dia sete de setembro, cujo lema desse ano é Vida em Primeiro Lugar. Diferente de outros anos quando a polaridade política não era tão evidenciada, nessa edição, o risco de ações truculentas de grupos fundamentalistas pró bolsonarismo  tenderá a ocorrer. O fato é que não poderemos nos acovardar a esse cenário de medo e ameaças projetado pelo presidente e  seus simpatizantes para o dia sete de setembro. É preciso que todos estejam lá com as nossas bandeiras, nossas faixas, ouvindo os gritos, não o grito do Ipiranga, mas o grito das florestas, das populações camponesas, ribeirinhas, indígenas, quilombolas, negras e de tantas outras vozes caladas, silenciadas ao longo dos séculos.

Prof. Jairo Cesa      

 

https://www.brasildefato.com.br/2022/09/01/7-de-setembro-em-disputa-grito-dos-excluidos-volta-as-ruas-no-bicentenario-da-independencia                         

 

https://www.youtube.com/watch?v=xAFBaccbAkw

 

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