sexta-feira, 26 de abril de 2013


Desconstruindo pré-conceitos acerca do dia 19 de abril, dia do índio

Com a aproximação do dia 19 de abril expressiva parcela das escolas brasileiras aproveita a data para relembrar a história do que resta de um povo que há 513 anos vem lutando contra o poder dos latifundiários do agronegócio para fazer valer o direito a um pedaço de terra que lhe garanta um mínimo de dignidade. Muitas dessas unidades de ensino devido a escassa preparação de seus profissionais quanto ao tema continuam difundindo conceitos completamente equivocados  que em nada corresponde a realidade das populações indígenas.


                                          

É comum nesse dia, em cada final de turno, estudantes,  especialmente das séries iniciais, saírem às ruas fantasiados, com cocares, arco e flechas e com os rostos pintados, cujos detalhes procuram retratar o cotidiano de um povo que é anterior a chegada dos invasores. Hoje em dia, arco e flecha, cocares e outras indumentárias não estão mais fazendo parte de algumas comunidades, tanto em decorrência da progressiva devastação do ecossistema na qual vivem, como também pela presença cada vez mais freqüente nas aldeias das novas tecnologias como computadores e celulares que estimulam novos hábitos de consumo.
  
Trabalhar a cultura indígena hoje, especialmente a brasileira, exige dos educadores uma extensa e árdua preparação. Porém, são os professores das séries iniciais, com exceções é claro, que carecem dessa base, muitos dos quais tem apenas como fonte de informação os livros didáticos oferecidos pelo estado.  E o resultado é o que se vê, ou seja, uma visão totalmente equivocada, que leva estudantes a acreditarem que índio é tudo igual, que vivem nas florestas, cuja casa é uma oca, que sobrevivem da caça, da pesca, etc. 
 

Se antes da chegada dos invasores portugueses, a população indígena brasileira se aproximava os cinco milhões, hoje, são um pouco mais que trezentos mil distribuídos em 250 etnias que tentam manter suas tradições. Esse número cada vez mais vem decrescendo, pois vive-se atualmente um novo processo de ocupação progressiva de suas terras, não pelos antigos portugueses, mas por fazendeiros do agronegócio que aproveitam as vantagens oferecidas pelo governo para aquisição de terras no Serrado e na Amazônia destinadas à cultura da soja e por barragens que represarão rios importantes como o Madeira e o Xingu para a instalação de hidrelétricas.
   
Diante da brutal investida do capital e com o aval do governo federal, comunidades indígenas não se intimidam e reúnem forças para impedir que projetos como o da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, seja efetivado. São aproximadamente 20 mil indígenas de diferentes etnias que serão diretamente atingidos pelo projeto. Além desses mega empreendimentos que beneficiarão exclusivamente grandes companhias multinacionais como a Alcoa de alumínio, que se instalará nas proximidades da Belo Monte, a expansão da fronteira agrícola em direção ao centro oeste e norte do Brasil contribuirá para o agravamento das tensões entre fazendeiros e indígenas, cujo reflexo são as denúncias freqüentes de ataques de pistoleiros contra lideranças indígenas que resistem a tomada de suas terras.
São temas como estes que os professores devem trabalhar com seus estudantes durante todo ano letivo, proporcionado a ambos uma abordagem mais crítica e reflexiva em relação a seu cotidiano que em nada reflete com a imagem retratada nas escolas. Um exemplo de desrespeito e demonstração de que o índio continua sendo tratado como intruso em sua própria pátria, ocorreu na Bahia, na Aldeia da Serra do Pedreiro, quando fazendeiros atacaram membros da aldeia em represália a demarcação das terras Tupinambás pela FUNAI.
O problema na região foi tão grave, que anos atrás houve campanha como a instalação de outdoors, patrocinada por empresas e fazendeiros cuja tentativa era  intimá-los, colocando a culpa nos mesmos pelo não desenvolvimento da região.       
  
Além desse episódio lamentável e pouco divulgado pela mídia oficial, outros não menos graves e também rapidamente abafado pelo próprio governo estão se abatendo nas inúmeras comunidades indígenas espalhadas especialmente na região centro oeste e norte do Brasil que tentam sobreviver em pequenos territórios que mesmo demarcada, sofrem investidas de grileiros, garimpeiros e pistoleiros. Um dos estados mais emblemáticas no Brasil  e que vem sendo responsável pelo aumento  das estatísticas de assassinatos contra indígenas é o Mato Grosso do Sul. São centenas de casos de lideranças indígenas assassinadas nos últimos anos por pistoleiros a mando de fazendeiros na tentativa de expulsá-los das terras, das quais são pretendidas para a expansão do agronegócio.
  
O que repercute na região e que motivou a presença dos jornalistas Spensy Pimentel e Joana Moncau, sendo que o primeiro é antropólogo e também um dos maiores pesquisadores dos problemas sofridos pelos Guarani-Kaiowa no Mato Grosso do Sul, foi a divulgação de entrevistas feitas com parentes de índios Kaiowa assassinados por pistoleiros, porém jamais encontrados  e que buscam desesperadamente recuperá-los para um enterro digno. Segundo Leonardo Sakamoto, o mesmo escreve no seu blog que o triste é que a ditadura militar acabou, mas o Estado brasileiro continua protegendo por ação direta ou sua inação, os que matam por lucro e poder e escondem os corpos pela garantia de impunidade.
Outro caso um tanto quanto curioso envolvendo a Atriz global Regina Duarte, em 2009, quando, participando de uma feira de exposição agropecuária e comercial em Dourados, Mato Grosso do Sul, lançou total apoio aos fazendeiros que se posicionavam contrários às demarcações das terras indígenas. Como todos acreditam que sabem a atriz global, que também é fazendeira, nas eleições presidenciais quando José Serra era candidato, lançou publicamente seu apoio ao mesmo, admitindo que à vitória do candidato Lula lhe causava medo. Em dourados a mesma assumiu a palavra afirmando que: “confesso que em Dourados voltei a sentir medo”. Sua fala fazia referência às portarias da FUNAI que previa a criação de reservas nas regiões da grande Dourados e sul do estado do Mato Grosso do Sul.  
  
Não podemos permitir que tamanha brutalidade continue sendo praticada contra as comunidades indígenas. Outro exemplo de brutalidade contra o indígena aconteceu em São Paulo, no Zoológico municipal quando foi construída uma Oca para representar desse povo. De acordo com os responsáveis pela iniciativa, a idéia era estimular o respeito e a valorização do índio como um dos pilares culturais e étnicos do Brasil. Não se sabe se foi por ingenuidade ou de propósito a escolha do local que em nata contribui para atingir os objetivos defendidos por seus promotores. O que é verdadeiro acredito, que muitos concordarão comigo, que poderia ter sido escolhido qualquer outro local para exposição como praça pública, jardim, etc, porém jamais um zoológico cujo público freqüentador na sua expressiva maioria são crianças, que passam a construir um imaginário de que índio é um animal perigoso que deve ser recolhido como um elefante, tigre, macaco, etc.  
 
 
Em Santa Catarina, onde no passado as terras eram habitadas por milhares de indígenas pertencentes aos grupos guarani, kaigang e Xokleng, hoje se resumem a poucas aldeias como a do litoral cuja população na sua maioria pertencente ao tronco guarani vem perdendo progressivamente traços de sua cultura e sendo forçados a ingressarem no mercado de trabalho para sobreviver.  Essa perda vem ocorrendo desde a chegada dos portugueses e se agravou mais quando aqui chegaram os imigrantes europeus cujas terras adquiridas eram ocupadas por tais comunidades. Iniciou-se  assim uma brutal ofensiva do europeu munido de armamento pesado contra arcos e flechas. O resultando é o que se vê hoje nos muitos municípios do litaral de santa Catarina, cujos vestígios da presença indígenas são possíveis de comprovar através de restos de artefatos cerâmicos, pontas de flechas e outros artefatos.
  
 
A reconstrução da memória desses povos é compromisso das escolas como forma de mostrar aos educandos que os mesmos possuíam e ainda tentam preservar uma cultura rica cujos traços podem ser encontrados na extensa lista de nomes de origem indígena como Ituporanga, Intaimbezinho, Timbé, Itacurumbi, entre outros.  Sendo assim, a escola de Educação Basica padre Antônio Luis Dias do Bairro Morro dos Conventos, há aproximadamente dez anos vem desenvolvendo trabalho que segue essa tendência, ou seja, reconstruir a memória local, conciliado os aspectos ambientais locais que foram determinantes para que ali se constituísse uma rica cultura que apresenta traços indígenas, luso-açoreanos, italianos, entre outros. O que mais motivou os educadores a estender as atenções para a questão indígena local foi a descoberta na década de 1990 quando da realização de uma escavação para colocação de uma fossa séptica, de  urna funerária guarani em perfeito estado de conservação, cujo artefato foi doado ao museu municipal de Araranguá. 

Em 2010, os professores da unidade escolar sentindo a necessidade de conhecer um pouco mais do cotidiano desse povo que de acordo com a vasta presença de pedaços de artefatos encontrados na região e relatos de pessoas antigas que afirmam ter mantido contato com alguns,  deixa transparecer que o Morro dos Conventos como todo litoral catarinense eram habitados por milhares de indígenas predominantemente de tradição guarani.
Com base nesses vestígios e relatos foi desenvolvida no dia 19 de abril de 2010, ampla atividade na escola onde cada profissional se comprometeu em divulgar aos estudantes alguns elementos da cultura guarani como contos e lendas, danças e a produção de artefatos cerâmicos. Em relação à cerâmica guarani, pois se sabia que a construção dos artefatos para o cozimento dos alimentos e sepultamento dos mortos era tarefa das mulheres, foi decidido promover oficina cerâmica envolvendo todos os estudantes.      Coletar o barro e prepará-lo para a construção dos artefatos foi o primeiro paço. Cada estudante durante um período de aproximadamente duas horas aproveitou o momento para  construiu seu pequeno artefato que depois de finalizado os mesmos foram acomodados na biblioteca para secagem e posterior queima. Essa última etapa ocorreu dois meses depois quando foi aberto próximo da escola um pequeno buraco e ali depositados os objetos para ser queimados.


A conclusão que se chegou foi que a habilidade dos estudantes no processo de construção das peças ficou muito aquém à das mulheres guaranis, sendo que grande parte dos objetos produzidos não resistiram a queima e se desintegraram com o fogo. Que técnicas as mulheres guaranis utilizavam na construção das peças que fez com que resistissem durante séculos como a urna funerária encontrada no bairro? São estas e outras perguntas que invadiram o imaginário dos estudantes. Passado três anos, os professores, não os mesmos da época, pois muitos como eram acts foram para outras escolas, resolveram repetir o trabalho. Durante toda semana que antecedeu o dia 19 de abril, professores e estudantes estiveram envolvidos nos preparativos das atividades à serem apresentadas na escola. A apresentação de dois documentários acerca do cotidiano das populações indígenas foi fundamental para mostrar a todos as dificuldades que passam para sobreviver.
 
No dia 19 de abril de 2013, nos dois períodos foram feitas encenações retratando algumas lendas conhecidas como a do milho, presente na tradição guarani. Outro ponto marcante foi o envolvimento dos estudantes na produção de desenhos com a utilização da técnica rupestre, que são figuras ou símbolos que aparecem nos objetos confeccionados pelos indígenas e que expressam um certo significado. Saber a origem dos indígenas brasileiros, suas localizações no território brasileiro, seus troncos culturais e suas subdivisões como a dos guaranis que habitam o litoral catarinense foi outra importante tarefa desenvolvida na escola. A conclusão do trabalho ocorreu com a oficina cerâmica cujos estudantes tiveram a oportunidade de experimentar um pouco a arte de produzir artefatos com as próprias mãos.  
 
 
São atividades como essa que permite o estudante vivenciar um pouquinho o mundo de um povo ainda pouco conhecido pela sociedade e que pode contribuir para poder repensar a forma como essa mesma sociedade dita civilizada vem tratando o ambiente em que vive. Garantir a sobrevivência dessas sociedades depende das políticas públicas que estão sendo adotadas pelos governantes. O que assusta é que tais políticas não proporcionam nenhuma garantia substancial às comunidades, muito pelo contrário, a única certeza é de que a sobrevivência desses povos está condicionada na integração dos povos, unindo forças para enfrentar os “abutres do capital”, cujo dinheiro e o poder é o que interessa.   

 

  



                   

Prof. Jairo Cezar 




































































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