CUBA, UM PROJETO DE SOCIEDADE QUE DEVE SER
COMPREENDIDO NA SUA INTEGRALIDADE.
Expressar
algum comentário, opinião ou julgamento sobre Cuba requer certa atenção e
cuidado principalmente quando não se conhece a fundo o país e sua cultura. Nos
últimos dias quem acompanhou a imprensa burguesa nacional e internacional viu e
ouviu reportagens mostrando atos de depredação nas ruas de Havana, capital de
Cuba. A tônica da imprensa entreguista sempre foi e será mostrar um cenário
catastrófico daquele país, de um regime totalitário, uma população miserável
desejosa pelo fim do regime socialista.
Por
duas vezes estive em Cuba, a primeira ocorreu em agosto de 1995 onde participei
de um encontro de geógrafos da América Latina. A segunda visita à ilha
aconteceu dois anos mais tarde, em 1997, quando eu e minha companheira Elisa, representamos
o estado de Santa Catarina, num curso de Instrutores Sindicais, na Escola
Nacional de Quadros Sindicais, Lázaro Peña. Durante 21 dias lá estivemos junto
com outros sindicalistas do Brasil inteiro.
Quanto
a primeira estadia em Cuba, em 1995, o país estava passando por uma situação
econômica delicada devido o fim do apoio econômico que estava recebendo da União
Soviética. Em 1989, o bloco socialista chegou ao fim afetando em cheio a ilha
caribenha. Petróleo, cimento, entre outros produtos essenciais chegavam à ilha
trazida por navios e aeronaves russas. Entretanto,
afetado pelo embarco econômico americano, agora também sem a ajuda da Rússia,
Cuba passou a enfrentar uma das maiores crises de abastecimento desde o início da
revolução em 1959.
O
que mais se enxergava no país era grandes obras paralisadas sem qualquer
expectativa de reinício. Nos sete dias que estivemos no país, nossa atenção
ficou quase que totalmente dedicada ao encontro de geógrafos da América Latina,
que aconteceu no Palácio de Lãs Convenciones, na cidade de Havana, entre os
dias 31julho a 5 de agosto de 1995. O local do encontro era um gigantesco
auditório onde eram realizados eventos importantes. O convidado para palestrar na
abertura encontro de geógrafos foi nada mais nada menos que Milton Santos, um
dos principais expoentes da geografia mundial naquele momento.
Dois
anos depois de termos visitado o país caribenho, surgiu outra oportunidade para
retornarmos, agora com tempo mais elástico que o anterior. Na época, 1997,
atuava como coordenador do SINTE regional Araranguá. O retorno a Cuba, mais uma
vez não era basicamente turístico, o objetivo, no entanto, era participar de
dois importantes eventos. O primeiro, um curso de instructores sindicales de
vinte dias de duração, e o segundo, um congresso internacional de pedagogia.
Sem
qualquer ajuda financeira, lá fomos nós representando o estado de Santa Catarina.
O encontro de instrutores sindicais foi realizado na escola nacional de quadros
sindicais “Lazaro Penha”, em Havana. Dessa vez a escola deu preferência para
lideranças sindicais brasileiras, cerca de 20 pessoas estiveram lá
representando todas as regiões do Brasil.
Os
instrutores cubanos, Alícia Santana, Alícia Morffi e Emílio Soris, seguiam
rigidamente a programação estabelecida no cronograma. Além de aprofundarmos o
conhecimento de toda complexidade econômica, política e social global, o curso
também nos oportunizou a entender melhor a história do país desde a ocupação
pelos espanhóis, passando pela emancipação política à pré e pós revolução
socialista.
Quanto
ao episódio revolucionário que pôs fim ao regime capitalista do tirano
sanguinário Fulgêncio Batista, é importante aqui destacar que os fundamentos
teóricos e filosóficos do projeto socialista começaram a ser construído a
partir da metade do século XIX, protagonizado por pessoas como o intelectual,
jornalista e filósofo José Julián Marti Pérez, reverenciado como um mártir pelo
povo cubano.
Do
mesmo modo que no Brasil existe o método de ensino Paulo Freire, em Cuba havia
o método elaborado a partir das ideias de José Marti. Além de atividades
teóricas em classe, o grupo participou de várias saídas de campo, como escolas,
hospitais, centro psiquiátrico e uma fazenda agrícola coletiva. A escola que
visitamos era uma creche.
Diferente de muitos países latino americanos onde
o ensino infantil fica sob a responsabilidade de monitores, muitas vezes sem qualquer
habilitação, nas creches cubanas, a exemplo da qual visitamos, na cidade de
Havana, havia psicólogas e educadores com níveis de mestrado/doutorado. Isso
explica porque o país possui um dos menores índices de analfabetismo do mundo.
Caminhando por havana, conversamos com um garoto aparentando ter quinze anos quinze
anos de idade, o mesmo nos deu uma aula sobre o Brasil, tamanho o seu
conhecimento sobre o país. Qualquer
pessoa que você conversa na rua, criança ou adulto, o nível conhecimento e
consciência política é espantosa.
No
final da década de 1990 o estado de santa Catarina estava discutindo sua
proposta curricular. O que chamava atenção nessa proposta era o fato de ter
sido a mesma norteada por princípios filosóficos de matriz marxista. Entretanto,
no encontro de educadores latino americano que participamos em Havana, entre os
dias 3 a 7 de fevereiro de 1997, havia uma expectativa de que o que mais
ouviríamos nas falas dos palestrantes seria vigotsky, Lúria, Lontiev, etc.,
ambos considerados referências nos debates que estavam ocorrendo no Brasil.
Em
umas das oficinas que participei com o tema La Vigência de lãs ideais de L.S
Vigotsky, constatei que embora seu pensamento tivesse bastante penetração nos
quadros acadêmicos do país, as bases do Projeto Político Pedagógico em Cuba
eram alicerçadas nas ideias do filósofo José Marti, o mesmo que Paulo Freire, para
o Brasil.
Na
época que lá estivemos o cidadão cubano tinha atendimento gratuito na área da
saúde. Minha companheira, Elisa, havia sofrido luxação na perna e foi
prontamente atendida em um dos hospitais de Havana. Lá encontramos um cidadão
da Costa Rica onde estava em tratando de uma isquemia cerebral. O país era considerado
pioneiro no tratamento desse tipo de lesão. Outra área também muito avançada na
medicina é o tratamento do mal de Parkinson. O pugilista norte americano
Mohamad Dalli, fez seu tratamento lá e cujos resultados foram surpreendentes.
Outro protagonismo de Cuba é no combate ao vitiligo, cuja droga descoberta é produzida a base de cana de açúcar.
Os índices de mortalidade infantil no país era praticamente zero. Quando fomos visitar um dos hospitais pediátricos em Havana ficamos espantados com a estética externa, parecia tudo, menos um hospital. La dentro nos deparamos com um ambiente, limpo, higienizado. Fomos até o setor onde estavam bebes prematuros. Conforme relatou um dos responsáveis pelo hospital que nos acompanhou, era quase zero o número de bebês ou crianças acometidas por infecções hospitalares.
Cuba
é um dos grandes produtores de tabaco, cana de açúcar e laranja. Parte das
fazendas era coletiva. Naquela ocasião nos deparamos com pessoas de diversas
nacionalidades que viajavam ao país para trabalhar voluntariamente nas fazendas
coletivas. Essa prática foi constatada quando visitamos uma dessas fazendas
especializadas em cultivo de laranja. Tanto
em Havana quanto em outras cidades do país, como a famosa Varadeiro, havia
diversos hotéis de nacionalidades estrangeiras. Itália, Alemanha, Espanha, eram
países líderes na gestão dos sistemas de hotelaria no país.
O turismo, na época que visitamos, era o
quarto ou quinto setor em arrecadação no país. Isso ajudava a equilibrar parcialmente
as contas do governo. O fato é que o turismo estava provocando mudanças culturais
principalmente entre os jovens do país. Trabalhar no segmento turístico era uma
oportunidade de os cubanos terem uma vida um pouco melhor, pelo fato de obter
dólares por meio de gorjetas ou serviços paralelos.
O
governo na época também estava flexibilizando o setor de restaurantes, ou seja,
permitir que famílias abrissem em suas próprias residências os “paladares”,
espaços para oferecer refeições aos turistas. Tivemos oportunidade de conferir em loco esse
serviço, que também é uma forma de o turista conhecer um pouco o jeito cubano
de ser. O pagamento das refeições geralmente era realizado em dólares.
Quando
se fala hoje de Cuba tem-se a sensação de que o regime produtivo na ilha é
totalmente estatal. Na realidade como
qualquer economia hoje conhecida as moedas circulantes tem como lastro em ouro
ou dólar. Em Cuba, embora a moeda oficial seja o peso, o mesmo segue o padrão
dólar. Quanto mais dólares entram no país, mais valorizada se torna a moeda
local.
Vinte
e um anos depois de ter visitado Cuba, o país ainda sofre os efeitos nefastos
do bloqueio econômico impetrado pelos Estados Unidos que teve início em 1959.
Quando ocorreram as manifestações populares há poucos dias no país caribenho,
busquei acompanhar os noticiários dos telejornais e demais veículos de
comunicações digitais. Incrível que, exceto alguns, as informações transmitidas
sempre ressaltavam um país asfixiado pela ditadura comunista, como se o
comunismo fosse um mostro a ser extirpado imediatamente. Não há dúvida que por trás
dessas manifestações tem o braço de grupos ultraconservadores cubanos e norte americanos
que vivem foram do país. Isso também está acontecendo em outros países da América
Latina, a exemplo da Venezuela.
Eximem-se
ao máximo de realçar as conquistas do regime na educação, na saúde, etc. Mesmo
com todas as dificuldades impostas pelo embargo o país consegue manter seu
status de exportador de profissionais de medicina para o mundo. Qual ou quais
países da América Latina têm índices melhores do que Cuba em educação? É muito
raro ouvir ou assistir noticiários dando conta de existir adultos ou crianças
vivendo na rua ou dormindo ao relento, embaixo de pontes e viadutos.
Homicídios, estupros, furtos ou robôs, embora também ocorram, porém, são
espantosamente inferiores a dos países da América Latina.
Há
muitos anos vem tendo manifestações no mundo inteiro pressionando os Estados
Unidos para por fim ao bloqueio econômico sobre Cuba. A própria ONU condena o
bloqueio. O Brasil, na última reunião que ocorreu para tratar sobre o tema, se
absteve, ou seja, não se posicionou nem a favor e nem contra. As expectativas
do povo cubano são mínimas de achar que o presidente Joe Biden vá mudar as
políticas que vem asfixiando o país. O fato é que tanto integrantes do partido
republicano e democrata, quanto de cubanos que residem em Miami, que almejam o
fim do regime socialista em Cuba, pressionem o atual presidente a continuar
estrangulando a economia da ilha caribenha.
Se
o cenário econômico e social na ilha caribenha era considerado delicado antes
da pandemia, depois da COVID a situação ficou ainda mais difícil. Escolas e
universidades foram transformadas em hospitais para atender a demanda de
pacientes contaminados. Os parcos
recursos disponíveis tiveram que ser redirecionados para a aquisição de
respiradores e insumos para a fabricação de vacinas.
Mesmo
diante de um cenário quase catastrófico, Cuba vem desenvolvendo cinco vacinas. Duas
imunizantes, a SOBERANA e a ABDALA estão bem dizer disponíveis para aplicação à
população. A agência de vigilância sanitária do país já autorizou em caráter emergencial
da ABDALA. Oito milhões de pessoas no país já foram vacinadas contra o vírus. Há
informações que comprovam que a vacina cubana é mais eficaz entre todas as
vacinas produzidas no mundo contra a COVID -19.
Cabe
frisar que com exceção a Cuba, nenhum outro país da América Latina conseguiu
até o momento produzir a sua própria vacina para combater a pandemia. Imaginem
só, um país que vacinará toda a sua população com um antídoto produzido no
próprio território. Organizações sociais e grupos de apoio ao povo cubano estão
enviando para Cuba seringas descartáveis e demais insumos necessários à
vacinação.
Prof.
Jairo Cesa
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