quinta-feira, 22 de julho de 2021

 

CUBA,  UM PROJETO DE SOCIEDADE QUE DEVE SER COMPREENDIDO NA SUA INTEGRALIDADE.


Expressar algum comentário, opinião ou julgamento sobre Cuba requer certa atenção e cuidado principalmente quando não se conhece a fundo o país e sua cultura. Nos últimos dias quem acompanhou a imprensa burguesa nacional e internacional viu e ouviu reportagens mostrando atos de depredação nas ruas de Havana, capital de Cuba. A tônica da imprensa entreguista sempre foi e será mostrar um cenário catastrófico daquele país, de um regime totalitário, uma população miserável desejosa pelo fim do regime socialista.

Por duas vezes estive em Cuba, a primeira ocorreu em agosto de 1995 onde participei de um encontro de geógrafos da América Latina. A segunda visita à ilha aconteceu dois anos mais tarde, em 1997, quando eu e minha companheira Elisa, representamos o estado de Santa Catarina, num curso de Instrutores Sindicais, na Escola Nacional de Quadros Sindicais, Lázaro Peña. Durante 21 dias lá estivemos junto com outros sindicalistas do Brasil inteiro.


Foto - Elisa e Jairo


Quanto a primeira estadia em Cuba, em 1995, o país estava passando por uma situação econômica delicada devido o fim do apoio econômico que estava recebendo da União Soviética. Em 1989, o bloco socialista chegou ao fim afetando em cheio a ilha caribenha. Petróleo, cimento, entre outros produtos essenciais chegavam à ilha trazida por navios e aeronaves russas.  Entretanto, afetado pelo embarco econômico americano, agora também sem a ajuda da Rússia, Cuba passou a enfrentar uma das maiores crises de abastecimento desde o início da revolução em 1959.  

O que mais se enxergava no país era grandes obras paralisadas sem qualquer expectativa de reinício. Nos sete dias que estivemos no país, nossa atenção ficou quase que totalmente dedicada ao encontro de geógrafos da América Latina, que aconteceu no Palácio de Lãs Convenciones, na cidade de Havana, entre os dias 31julho a 5 de agosto de 1995. O local do encontro era um gigantesco auditório onde eram realizados eventos importantes. O convidado para palestrar na abertura encontro de geógrafos foi nada mais nada menos que Milton Santos, um dos principais expoentes da geografia mundial naquele momento. 

Foto - Elisa e Jairo


Dois anos depois de termos visitado o país caribenho, surgiu outra oportunidade para retornarmos, agora com tempo mais elástico que o anterior. Na época, 1997, atuava como coordenador do SINTE regional Araranguá. O retorno a Cuba, mais uma vez não era basicamente turístico, o objetivo, no entanto, era participar de dois importantes eventos. O primeiro, um curso de instructores sindicales de vinte dias de duração, e o segundo, um congresso internacional de pedagogia.

Foto - Elisa e Jairo


Sem qualquer ajuda financeira, lá fomos nós representando o estado de Santa Catarina. O encontro de instrutores sindicais foi realizado na escola nacional de quadros sindicais “Lazaro Penha”, em Havana. Dessa vez a escola deu preferência para lideranças sindicais brasileiras, cerca de 20 pessoas estiveram lá representando todas as regiões do Brasil.

Os instrutores cubanos, Alícia Santana, Alícia Morffi e Emílio Soris, seguiam rigidamente a programação estabelecida no cronograma. Além de aprofundarmos o conhecimento de toda complexidade econômica, política e social global, o curso também nos oportunizou a entender melhor a história do país desde a ocupação pelos espanhóis, passando pela emancipação política à pré e pós revolução socialista.

Foto - Elisa e Jairo


Quanto ao episódio revolucionário que pôs fim ao regime capitalista do tirano sanguinário Fulgêncio Batista, é importante aqui destacar que os fundamentos teóricos e filosóficos do projeto socialista começaram a ser construído a partir da metade do século XIX, protagonizado por pessoas como o intelectual, jornalista e filósofo José Julián Marti Pérez, reverenciado como um mártir pelo povo cubano.      

Do mesmo modo que no Brasil existe o método de ensino Paulo Freire, em Cuba havia o método elaborado a partir das ideias de José Marti. Além de atividades teóricas em classe, o grupo participou de várias saídas de campo, como escolas, hospitais, centro psiquiátrico e uma fazenda agrícola coletiva. A escola que visitamos era uma creche.

 Diferente de muitos países latino americanos onde o ensino infantil fica sob a responsabilidade de monitores, muitas vezes sem qualquer habilitação, nas creches cubanas, a exemplo da qual visitamos, na cidade de Havana, havia psicólogas e educadores com níveis de mestrado/doutorado. Isso explica porque o país possui um dos menores índices de analfabetismo do mundo. Caminhando por havana, conversamos com um garoto aparentando ter quinze anos quinze anos de idade, o mesmo nos deu uma aula sobre o Brasil, tamanho o seu conhecimento sobre o país.  Qualquer pessoa que você conversa na rua, criança ou adulto, o nível conhecimento e consciência política é espantosa.

Foto - Elisa e Jairo


No final da década de 1990 o estado de santa Catarina estava discutindo sua proposta curricular. O que chamava atenção nessa proposta era o fato de ter sido a mesma norteada por princípios filosóficos de matriz marxista. Entretanto, no encontro de educadores latino americano que participamos em Havana, entre os dias 3 a 7 de fevereiro de 1997, havia uma expectativa de que o que mais ouviríamos nas falas dos palestrantes seria vigotsky, Lúria, Lontiev, etc., ambos considerados referências nos debates que estavam ocorrendo no Brasil.

Em umas das oficinas que participei com o tema La Vigência de lãs ideais de L.S Vigotsky, constatei que embora seu pensamento tivesse bastante penetração nos quadros acadêmicos do país, as bases do Projeto Político Pedagógico em Cuba eram alicerçadas nas ideias do filósofo José Marti, o mesmo que Paulo Freire, para o Brasil.   

Na época que lá estivemos o cidadão cubano tinha atendimento gratuito na área da saúde. Minha companheira, Elisa, havia sofrido luxação na perna e foi prontamente atendida em um dos hospitais de Havana. Lá encontramos um cidadão da Costa Rica onde estava em tratando de uma isquemia cerebral. O país era considerado pioneiro no tratamento desse tipo de lesão. Outra área também muito avançada na medicina é o tratamento do mal de Parkinson. O pugilista norte americano Mohamad Dalli, fez seu tratamento lá e cujos resultados foram surpreendentes. Outro protagonismo de Cuba é no combate ao vitiligo, cuja droga descoberta é  produzida a base de cana de açúcar.

Os índices de mortalidade infantil no país era praticamente zero. Quando fomos visitar um dos hospitais pediátricos em Havana ficamos espantados com a estética externa, parecia tudo, menos um hospital. La dentro nos deparamos com um ambiente, limpo, higienizado. Fomos até o setor onde estavam bebes prematuros. Conforme relatou um dos responsáveis pelo hospital que nos acompanhou, era quase zero o número de bebês ou crianças acometidas por infecções hospitalares.

Cuba é um dos grandes produtores de tabaco, cana de açúcar e laranja. Parte das fazendas era coletiva. Naquela ocasião nos deparamos com pessoas de diversas nacionalidades que viajavam ao país para trabalhar voluntariamente nas fazendas coletivas. Essa prática foi constatada quando visitamos uma dessas fazendas especializadas em cultivo de laranja.  Tanto em Havana quanto em outras cidades do país, como a famosa Varadeiro, havia diversos hotéis de nacionalidades estrangeiras. Itália, Alemanha, Espanha, eram países líderes na gestão dos sistemas de hotelaria no país.

 O turismo, na época que visitamos, era o quarto ou quinto setor em arrecadação no país. Isso ajudava a equilibrar parcialmente as contas do governo. O fato é que o turismo estava provocando mudanças culturais principalmente entre os jovens do país. Trabalhar no segmento turístico era uma oportunidade de os cubanos terem uma vida um pouco melhor, pelo fato de obter dólares por meio de gorjetas ou serviços paralelos.

O governo na época também estava flexibilizando o setor de restaurantes, ou seja, permitir que famílias abrissem em suas próprias residências os “paladares”, espaços para oferecer refeições aos turistas.  Tivemos oportunidade de conferir em loco esse serviço, que também é uma forma de o turista conhecer um pouco o jeito cubano de ser. O pagamento das refeições geralmente era realizado em dólares.

Foto - Elisa e Jairo


Quando se fala hoje de Cuba tem-se a sensação de que o regime produtivo na ilha é totalmente estatal.  Na realidade como qualquer economia hoje conhecida as moedas circulantes tem como lastro em ouro ou dólar. Em Cuba, embora a moeda oficial seja o peso, o mesmo segue o padrão dólar. Quanto mais dólares entram no país, mais valorizada se torna a moeda local.

Vinte e um anos depois de ter visitado Cuba, o país ainda sofre os efeitos nefastos do bloqueio econômico impetrado pelos Estados Unidos que teve início em 1959. Quando ocorreram as manifestações populares há poucos dias no país caribenho, busquei acompanhar os noticiários dos telejornais e demais veículos de comunicações digitais. Incrível que, exceto alguns, as informações transmitidas sempre ressaltavam um país asfixiado pela ditadura comunista, como se o comunismo fosse um mostro a ser extirpado imediatamente. Não há dúvida que por trás dessas manifestações tem o braço de grupos ultraconservadores cubanos e norte americanos que vivem foram do país. Isso também está acontecendo em outros países da América Latina, a exemplo da Venezuela.

Eximem-se ao máximo de realçar as conquistas do regime na educação, na saúde, etc. Mesmo com todas as dificuldades impostas pelo embargo o país consegue manter seu status de exportador de profissionais de medicina para o mundo. Qual ou quais países da América Latina têm índices melhores do que Cuba em educação? É muito raro ouvir ou assistir noticiários dando conta de existir adultos ou crianças vivendo na rua ou dormindo ao relento, embaixo de pontes e viadutos. Homicídios, estupros, furtos ou robôs, embora também ocorram, porém, são espantosamente inferiores a dos países da América Latina. 

Há muitos anos vem tendo manifestações no mundo inteiro pressionando os Estados Unidos para por fim ao bloqueio econômico sobre Cuba. A própria ONU condena o bloqueio. O Brasil, na última reunião que ocorreu para tratar sobre o tema, se absteve, ou seja, não se posicionou nem a favor e nem contra. As expectativas do povo cubano são mínimas de achar que o presidente Joe Biden vá mudar as políticas que vem asfixiando o país. O fato é que tanto integrantes do partido republicano e democrata, quanto de cubanos que residem em Miami, que almejam o fim do regime socialista em Cuba, pressionem o atual presidente a continuar estrangulando a economia da ilha caribenha.

Se o cenário econômico e social na ilha caribenha era considerado delicado antes da pandemia, depois da COVID a situação ficou ainda mais difícil. Escolas e universidades foram transformadas em hospitais para atender a demanda de pacientes contaminados.  Os parcos recursos disponíveis tiveram que ser redirecionados para a aquisição de respiradores e insumos para a fabricação de vacinas.

Mesmo diante de um cenário quase catastrófico, Cuba vem desenvolvendo cinco vacinas. Duas imunizantes, a SOBERANA e a ABDALA estão bem dizer disponíveis para aplicação à população. A agência de vigilância sanitária do país já autorizou em caráter emergencial da ABDALA. Oito milhões de pessoas no país já foram vacinadas contra o vírus. Há informações que comprovam que a vacina cubana é mais eficaz entre todas as vacinas produzidas no mundo contra a COVID -19.

Cabe frisar que com exceção a Cuba, nenhum outro país da América Latina conseguiu até o momento produzir a sua própria vacina para combater a pandemia. Imaginem só, um país que vacinará toda a sua população com um antídoto produzido no próprio território. Organizações sociais e grupos de apoio ao povo cubano estão enviando para Cuba seringas descartáveis e demais insumos necessários à vacinação.      

Prof. Jairo Cesa       

 

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