domingo, 12 de abril de 2015

O impacto da Terceirização nas relações contratuais entre trabalhadores e empresas

No final do mês de março foi exibido um documentário sobre a terceirização nas dependências dos três poderes em Brasília, produzido por uma equipe de estudantes da Faculdade de Direito da USP e coordenado pelo juiz e professor da mesma instituição Jorge Souto Maior. A produção cinematográfica proporciona uma boa reflexão acerca do modo como vem se procedendo tal instrumento empregatício, que além de fragilizar as relações empregatícias, submete os/as trabalhadores/as a uma condição extrema de exploração muito semelhante ao regime escravocrata “abolido” no Brasil no final do século XIX.
Os responsáveis pelo projeto tiveram permissão para acessar aos diversos departamentos dos três poderes em Brasília no qual constataram, em loco, as condições de fragilidade das relações trabalhistas de centenas e milhares de servidores/as terceirizados/as, muitos/as dos/as quais há alguns anos sem direito a gozar férias devido a rotatividade de empresas que tiverem seus contratos rescindidos por má gestão ou por declararem falência. O que é estarrecedor quando a temática a terceirização, são as relações empregatícias flexíveis atualmente em vigência em setores importantes do poder público como o Ministério do Trabalho e Emprego. O órgão, que deveria servir de exemplo para a sociedade no cumprimento dos seus princípios elementares como a evolução das atuais relações de trabalho e emprego e a garantia da segurança e da saúde dos/as trabalhadores/as, vem seguindo na contramão do processo, desrespeitando tanto a CLT como a própria constituição federal que presa pela defesa da dignidade humana.
 Durante a entrevista uma funcionária confessou que atua na casa a cerca 20 anos, que no departamento onde trabalha já passaram seis empresas, cada uma com cinco ou seis meses de contrato. Que no momento do rompimento do acordo, a funcionária desconhecia o valor da multa que deveria ser paga. Outro caso semelhante foi de um trabalhador, entre muitos de empresas distintas, que não obtiveram férias nos últimos anos, bem como desconhecem o próprio nome do/s proprietário/s das empresas contratantes, cujo único contato tido foi quando buscaram os uniformes. O que gera mais insatisfação entre os/as entrevistados/as foi o fato de ter os salários rebaixados, afrontando legislações vigentes que coíbem tais procedimentos.
O processo de terceirização é mais significativo quando envolve prestadores/as de serviços de baixa qualificação profissional, dentre eles/as servidores gerais, garçons/garçonetes, copeiros/as, secretários/as, etc. Há casos, por exemplo, de nos últimos quatro anos, de três empresas já terem atuado num determinado seguimento, onde o/a trabalhador/a gozou uma única féria. Isso ocorreu porque, as empresas terceirizadas tiveram seus contratos rescindidos por má gestão ou faliram. O/a trabalhador/a, por não ter completado um ano na primeira empresa, com a formalização do novo contrato, começa tudo do zero, e assim sucessivamente. Um exemplo para elucidar são os trabalhadores vigias que atuavam no Ministério da Justiça, onde uma empresa terceirizada rescindiu o contrato com o órgão federal, como conseqüência não foram pagas as verbas rescisórias aos funcionários demitidos.
 No momento que é rescindido o contrato, muitas vezes os procedimentos de substituição por outra, se torna demorado. O/a trabalhador/a, para assegurar o emprego, se submete a permanecer exercendo suas atividades rotineiras sem qualquer remuneração. Chegando ao extremo absurdo de ter que tirar dinheiro do próprio bolso para comprar vale transporte, alimentação, etc. É comum também na falência de uma empresa, para ter direito aos salários atrasados, o funcionário ter que contratar um advogado particular para, muito raramente, processar a empresa ou a própria união, garantir o pagamento dos atrasados. Segundo depoimento, as possibilidades de sucesso pró-trabalhador nessas ações são mínimas, pois o próprio ministério presta total apoio às empresas contratantes, não aos trabalhadores.
Além dessas dificuldades encontradas pelos/as cidadãos/ãs na observância dos contratadores às regras estabelecidas, existe também o aspecto discriminatório, onde o/a funcionário/a terceirizado/a tem uma forma de tratamento distinta diante dos/as demais servidores/as de carreira. Outro dado que é preocupante é que a terceirização amplifica as relações de apadrinhamento. Confessou uma entrevistada, que declarou “ser difícil conseguir trabalho, que é necessário ter um “calção” bem forte, um deputado, senador, que intermedeia o processo”. É muito comum nesse novo sistema, a não concessão do seguro desemprego, muito menos convênios de saúde. Quanto aos salários pagos pelas mesmas, não respeitam as leis federais como o pagamento de horas extras, aviso prévio, entre outros tantos direitos garantidos pela CLT.
Portanto a terceirização é uma enganação patrocinada por seguimentos empresariais e pela mídia coorporativa, quando procuram induzir a sociedade afirmando que com sua implantação aumentará o número de vagas de trabalhos nas empresas para novas contratações. O que se sabe, como se viu no documentário, é o aumento significativo da carga horária desse servidor/a, de 3 a 4 horas a mais por semana, em comparação aos/as trabalhador/as formalizados/as. Sem contar que o salário auferido por essa categoria, segundo o DIESE (Departamento Intersindical de Estudos Estatístico), é 24% menor que os formais. A tendência, portanto, não é a elevação, mas a redução gradativa do número de novos contratos de trabalho.
Se esse novo instrumento de contratação seguisse a risca seus princípios, haveria sim um incremento de novas admissões podendo atingir a 822.959 trabalhadores. Além da subcontratação, regulada a jornadas de trabalhados maiores e com baixos salários, a tendência também é a elevação dos índices de acidentes de trabalho. Isso se dará, devido ao fato que muitas dessas empresas contratadas não possuem qualquer plano de treinamento ou qualificação de seus funcionários. Somente a Petrobras, durante os anos de 1995 a 2013, 80% dos acidentes ocorridos envolveram servidores/as terceirizados/as. Admite-se que atualmente o número de trabalhadores nessas condições de relações terceirizadas alcança os 25%. A expectativa é que nos próximo 5 a 8 anos esse percentual chegue aos 75%.
Diferente do sistema tradicional, onde funcionários/as particulares ou públicos como o Ministério do Trabalho, o sistema de contratação se dá de forma direta, com a terceirização, dentro de um mesmo setor, atuarão distintas empresas com procedimentos contratuais diferentes. Essa fragmentação das relações contratuais tende a fragmentar e enfraquecer os próprios seguimentos de classes, os sindicados, muitas vezes ligados ao setor terceirizado, se transformando em risco para o/a próprio/a trabalhador/a. Nessas condições, o que se vislumbra a curto e médio prazo é a extinção completa das regras gerais, como a CLT, intensificando os procedimentos contratuais precários e a fragilização de toda estrutura sindical tradicional.
Se as relações de trabalho terceirizadas estão em vigor nos vários setores do legislativo, executivo e legislativo, em Brasília, no estado de Santa Catarina, tal prática também é disseminada no interior do serviço público estadual, especialmente na área da educação. Até por volta de 2008 todos os profissionais que atuavam no interior das unidades de ensino, as relações contratuais se processavam via servidores e o governo do Estado. Isso contribuiu para que o próprio sindicato da categoria recebesse a denominação de SINTE (Sindicato dos Trabalhadores em Educação). Aproveitando as brechas oferecidas pelas legislações vigentes, os governos que se sucederam nos últimos anos iniciaram um processo de desregulação das cláusulas contratuais gerais, cujo primeiro ataque atingiu os servidores gerais dentre eles os vigias e merendeiras.
E o processo de terceirização não parou por aí. A intenção do governo agora é atacar os trabalhadores da educação temporários. O enviou, no início de 2015, da MP-198/2015 à Assembleia Legislativa, tinha por objetivo desvincular esse seguimento profissional do plano de carreira geral da categoria. A pressão dos trabalhadores fez com que o governo recuasse, porém, nada está assegurando ainda, pois há riscos do governo, quando apresentar o novo plano de carreira para votação inserir os ACTs como categoria distinta dos demais. Caso a proposta seja aprovada na Assembleia, os ACTs tornar-se-ão servidores públicos fragilizados, podendo o governo, submetê-los às regras sub-contratuais, ou seja, abrir caminhos para que instituições como SENAC, SENAI entre outras, administrem tais serviços.
A aprovação do projeto de lei 4330/2004, sobre a terceirização, na câmara dos deputados, transformou-se em um caminho aberto que assegurará ao capital, cujo processo arrolava desde 2004, de por um fim definitivo nas regras da CLT no qual garantia, embora precária, alguns direitos aos trabalhadores. Diante desse episódio nefasto, a população eleitora terá por obrigação identificar quais os legisladores/traidores que votaram pela precarização das leis. Em santa Catarina, dos dezesseis deputados federais eleitos no último pleito, apenas quatro se posicionaram contra a terceirização, sendo eles, Décio Lima e Pedro Uczai, ambos do PT; Geovana de Sá (PSDB) e Pedro Benedet (PMDB). Os demais deverão agora ficar na mira dos trabalhadores catarinenses que os elegeram acreditando nos discursos apresentados no qual prometeram atuar em defesa da saúde, educação, trabalho, emprego, etc., etc.
Quem acompanhou todo longo processo de tramitação que resultou na promulgação da Constituição Federal em 1988, quando o relator do projeto, Ulisses Guimarães, emocionado expressou: “o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social. Que Deus nos ajude”. Depois de sua aprovação, embora a carta tenha recebido criticas por manter princípios conservadores, a mesma avançou em muitos aspectos, como garantia à segurança, à liberdade e as condições dignas de trabalho, educação e moradia à sociedade brasileira. No entanto muitos desses princípios inseridos na constituição jamais se materializaram permanecendo como um direito ainda distante para milhões de brasileiros. O pior é que muitos dos artigos e outros dispositivos que descrevem tais direitos estão seguidamente descumpridos como os incisos III e IV do Art.1 sobre os Princípios Fundamentais. Nesse item diz que o Brasil é um estado democrático que tem como fundamentos, entre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Na sequência tem o Art. 3 no qual estabelece que os objetivos da constituição sejam entre outros a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria, (I); erradicação da pobreza e da marginalização, e reduzir as desigualdades sociais regionais, (IV); assegurar o bem de todos sem preconceito de origem ou outras formas de discriminação. O Art. 4 sobre as relações internacionais rege entre outros pela prevalência dos direitos humanos (II). Além do mais o Brasil comunga junto com as demais nações pelo cumprimento dos princípios relativos aos direitos humanos estabelecidos no Tratado de Versalhes, instituído no final da segunda guerra mundial. Seguindo os princípios do tratado, a seção 1, Parte 13 do documento estabelece que as nações tenham por finalidade promover a paz universal, tendo por base a justiça social. O não respeito dessas metas põe em risco a paz e a harmonia universal. Portanto, nessa mesma linha o tratado recomenda que os governos promovam melhorias das condições de trabalho. O art. 427 do Tratado de Versalhes também enfatiza que o trabalho humano não deve ser considerado meramente como mercadoria ou artigo de comércio.
O Art. 7 da Constituição trata sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, no qual visa a melhoria das suas condições sociais. Sem contar o Art. 9 que assegura o direito de greve a todos os trabalhadores, e o art. 170, sobre a ordem econômica e financeira, quando diz que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados entre outros o seguinte princípio: função social da propriedade. Para concluir, a carta magna também tem Art. 37, específico sobre o princípio da terceirização, cujo inciso IX dá a seguinte redação: a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Para reverter esse processo terrível que se abate sobre os quase cem milhões de trabalhadores, confiar na sensibilização da classe política que atualmente compõe o congresso brasileiro, é uma expectativa um tanto quanto nula. A votação do texto na câmara já deu uma pequena demonstração do poder de força da casa, onde ampla maioria dos deputados votou a favor da terceirização. A posição, por sua vez, do senado federal também não será diferente. Portanto, a única chance embora remota é a pressão popular, cuja responsabilidade será das centrais sindicais que deverão deixar de lado suas divergências, suas disputas políticas e organizar os trabalhadores para a mobilização. O primeiro round dessa luta se dará no próximo dia 15 de abril, quando ocorrerá no Brasil o dia nacional de paralisação contra a terceirização e as medias provisórias que retiram direitos dos trabalhadores.
O que é paradoxal diante do atual quadro político é o comportamento de repente  assumido por centrais sindicais como a CUT e o Partido dos Trabalhadores, que tiveram que  sair às ruas para protestar contra as políticas reformistas do governo petista, capitaneadas pelo ministro da fazenda Joaquim Levy e pelos presidentes Eduardo Cunha e Renan Calheiros das duas casas legislativas. Sem desconsiderar a posição dos deputados federais petistas que votaram contra o projeto de terceirização. O que está em curso afinal com tais posicionamentos, o rompimento do apoio político desses seguimentos ao governo Dilma para alterar os rumos das políticas econômicas em curso, ou apenas uma posição informal, para dar visibilidade nacional, sem grandes impactos aos programas reformistas em curso?  
      
Prof. Jairo Cezar

          

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