sábado, 10 de março de 2018


O JULGAMENTO DAS ADIS NO STF,  SOBRE DISPOSITIVOS DO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO QUE ESTIMULARÃO OS DESMATAMENTOS IRREGULARES

Seis anos após a aprovação da lei n. 12.651/12, que versa sobre o novo código florestal brasileiro, as estatísticas comprovam que jamais se desmatou e queimou tanta floresta nesse curto período de tempo. A pergunta que muitos gostariam de fazer é qual ou quais os reais motivos que levaram o Congresso Nacional a elaborar nova legislação ambiental se a que vigorava era comprovadamente avançada. A resposta, portanto, pode estar associada ao dispositivo que estabelece penas médias e severas aos infratores do código, cerca de 70% dos proprietários rurais brasileiros.
O código florestal aprovado em 2012, anistia de multa quem desmatou floresta anterior a 2008, porém, condiciona a anistia à reparação dos danos segundo prazos pré-estabelecidos. A tramitação do projeto de lei no congresso fez com que ONGs, Universidades  e Entidades de Pesquisa fossem excluídas do debate, menos ainda, de ter a oportunidade para encaminhar suas proposições.  Depois de concluído os trâmites da lei, parlamentares que votaram a favor do código, concluíram que o código se caracterizaria em retrocesso ambiental, abrindo brechas para novos desmatamentos.  A única certeza assegurada pela lei era a absolvição dos infratores ambientais. O código também concederia licença para fazer o que quiser na área produtiva. 
Outros equívocos do código florestal ocorreram nos itens APPs e Reserva Legal, que tratam sobre os percentuais que devem ser preservados por cada bioma, pois comprova o real desconhecimento dos congressistas (bancada ruralista) das biodiversidades da cada um deles. No bioma amazônico cada proprietário deve manter 80% da área em reserva legal; no bioma cerrado, tão complexo, diverso e ameaçado, foi estabelecido somente 35% de reserva legal.  Até 2050, caso permaneça o ritmo de devastação do cerrado, 31% dos 34% que restam do bioma, serão, com certeza, dizimados. Desaparecerão por completo do bioma cerca de 480 espécies de plantas. São três vezes mais do total de plantas extintas entre o ano de1500 até os dias atuais.  
Até o momento não se tem um retrato fidedigno de toda área florestada brasileira, os dados disponíveis são muito fragmentados. Os próprios parlamentares, especialmente os da bancada ruralista, não se pautaram a cientificidade do código, pois não era suas reais pretensões,  o que desejavam mesmo era aprovar outro documento ambiental, que fosse menos restritivo e que livrasse milhares de proprietários do pagamento de multas por crimes ambientais cometidos. 
A lei determina que proprietários de terras devessem fazer o levantamento da cobertura vegetal por meio do CAR (Cadastro Ambiental Rural), como instrumento técnico necessário para que o governo conhecesse melhor a realidade do campo brasileiro. Depois de feito o levantamento cadastral, o mesmo deverá ser validado por meio do PRAs (Programa de Regulação Ambiental). Estando essas etapas concluídas, ai sim, teoricamente, é possível saber com exatidão a real dimensão do campo brasileiro, quanto tem de floresta, quanto pode ser suprimida e o quanto deve ser reparada. Esse será também o momento de avaliar as incoerências do código florestal, que certamente serão enormes. Técnicos do governo e ONGs são unânimes em admitir que não há transparência dos dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural), misturando atividades legais e ilegais. Essas incertezas se dão porque a normativa n. 03 de 2014, do MMA (Ministério do Meio Ambiente), dá caráter sigiloso às informações pessoais do CAR.
Diante das aberrações constatadas no código florestal aprovado em 2012, três ADIS (Ação Direta de Inconstitucionalidade) foram protocolados no STF, em novembro de 2017, questionando mais de 40 pontos do documento, entre eles, os dispositivos duvidosos constados em APPs; sobre as reservas legais e a polêmica anistia às multas. Depois de alguns meses tramitando no supremo tribunal, finalmente no dia 28 de fevereiro de 2018 os ministros da corte suprema votaram as ações, tendo os resultados provocado indignação e incertezas quanto ao futuro das florestas.
Enquanto muitos admitem que a decisão dos ministros foi assertiva, pois pôs fim as dúvidas ou inseguranças jurídicas relativas ao código florestal, otros, ao contrário, se posicionam um tanto incrédulos, alegando que a corte suprema brasileira assumiu posição contrária aos debates em todo planeta que vem apregoando um posicionamento unilateral em defesa das florestas e do clima global. A sensação que ficou quando foram concluídas as votações das ADIs foi de que integrantes do agronegócio tiveram influência nas decisões dos ministros. As justificativas que corroboram às críticas desferidas aos ministros, diante da decisão, são passíveis de ter o consenso social.  Vejamos então que dispositivos das ADIS foram acatadas pelo STF e outras que foram suprimidas, conservando o texto originário no código sem alteração.
No item ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP), das onze proposições questionadas na ação, somente três tiverem o aceite dos ministros do supremo, ou seja, sofreram alterações conforme postuladas nas ações protocoladas, ou seja, suas posições favoreceram o meio ambiente,  são elas: a) as que tratam sobre preservação de florestas no entorno de nascentes e olhos de água; b) das APPs para interesse social de baixo impacto ambiental; c)  nascentes e olhos de água intermitentes ou perenes.
Agora, os ministros não abriram mão dos seguintes itens: a) as medições das APPs dos leitos dos rios, que deverão partir do leito regular médio e não do leito da época da cheia. Trazendo esse tópico para o município de Araranguá, as áreas inundáveis seriam consideradas APPs, ou seja, toda a extensão de terra às margens do rio Araranguá, contendo trechos mais largos e outros mais estreitos; b) permissão de projetos habitacionais em áreas de mangues e restinga com função ecológica comprometida. Embora o município de Araranguá não possua um bioma específico de mangue, a vegetação de restinga é predominante em toda a sua faixa costeira. Com o projeto Orla concluído e também com a homologação das UCs, essas áreas, teoricamente, estarão livres da ocupação por projeto habitacionais. Entretanto, a descaracterização contínua desse ecossistema, supressão de variedades endêmicas ou inclusão de espécies exóticas, abrirão precedentes para a inserção de projetos de elevado impacto ambiental.     
Outros itens julgados e deferidos pelos ministros também são vistos com retrocessos ambientais, seguindo a lista: c) dispensa de APPs em alguns tipos reservatórios de água para abastecimento e produção de energia, abstendo até de recuperar aquelas desmatadas. Quanto a esse ponto, acredito que o mesmo comprometerá vários reservatórios importantes de abastecimento potável, que poderão ter suas margens ocupadas por projetos de infraestrutura e com enormes impactos devido a redução das recargas em períodos de estiagem. Que sirvam de exemplo as crises de abastecimento de água na cidade de São Paulo em decorrência da redução do volume de água dos reservatórios.
A degradação das APPs é um dos inúmeros fatores; d) plantação em várzea em pequenos imóveis rurais. Essas áreas são geralmente berçários de espécies da fauna e sua interferência pode comprometer a qualidade do solo e dos recursos hídricos. e) as atividades de aqüicultura em APPs, imóveis rurais pequenos e médios também são permitidas. Alegam os ambientalistas e pesquisadores que essa atividade poderá comprometer os ecossistemas pelo fato de serem utilizadas componentes químicos que contaminarão os recursos hídricos e o próprio solo. f) desmatamentos realizados depois de 2008, não pode mais desmatar enquanto não recuperar a área destruída, porém, quem suprimiu anterior a essa data não tem a mesma restrição.
Tanto as entidades científicas, ambientalistas e os produtores rurais que sempre prezaram pelo cumprimento às leis ambientais, alimentam a mesma opinião, o dispositivo favorece quem agiu ilegalmente durante décadas, enquanto aqueles que cumpriram rigorosamente as regras tiveram perdas econômicas, pois deixaram de produzir para preservar, nem mesmo tiveram seus IPTRs (Imposto Predial Territorial Rural) isentados de pagamento.  g) atividades econômicas em encostas com declividade de 45 graus ou topos de morros. Quase todos os dias os noticiários dos telejornais apresentam reportagens divulgando deslizamentos de encostas, quedas de barreiras com vítimas fatais. É visível que todo esse problema é decorrente de atividades agrícolas e ocupações em áreas consideradas de riscos, cujo solo, sem a presença de uma vegetação fixadora, torna-se suscetível às erosões e enxurradas.  h) nas áreas com declividade de 25 a 45 dispensa o reflorestamento.    
Quanto a RESERVA LEGAL questionadas pelas ADIs, todos os oito itens pontuados na ação foram negados pelo supremo. Portanto, mantém-se a redação original do código que versa o seguinte: a) redução de RL de 80 para 50 nos municípios onde há 50 por cento de área ocupada por UCs ou terras indígenas homologáveis; Tendo em vista a fragilidade nas gestões na maioria das UCs (Unidades de Conservações) espalhadas na região da Amazônia Legal, muitas das quais, com sérios problemas de descaracterização por ações atrópicas, a redução do percentual de RL, sem uma fiscalização devida, tende a reduzir ainda mais as áreas de florestas.  b) a decisão do Supremo também dispensa a exigência de RL para hidrelétricas, rodovias e hidrovias, bem como não obriga a recuperação dessas áreas desmatadas.
Seguindo a tendência dos governos neoliberais que insistem em manter um programa desenvolvimentista predatório, a exemplo de projetos como a hidrelétrica de Belo Monte, tudo leva a crer que haverá o agravamento dos passivos ambientais especialmente nas regiões de forte expansão da fronteira agrícola, onde projetos associados estão sendo articulados e de impactos ambientais incalculáveis.  c) a dispensa da compensação ambiental por desmatamento ilegal no mesmo bioma estimulará a prática de infrações generalizadas por todo o território. O cidadão poderá a título de compensação por ato infracionário, adquirir área equivalente à desmatada, independente de ser no mesmo bioma. No caso de Araranguá, o código permite, não havendo área com floresta similar à suprimida ilegalmente, para compensação, poderá adquirir outra, quem sabe no costão da serra geral ou outro bioma distinto, cujo efeito ambiental compensatório ao ecossistema agredido, é nulo.
O código ambiental de 1965 determinava que para efeito de validade, RL só era reconhecida quando fosse comprovada a exclusiva presença de espécies nativas endêmicas ao bioma específico. Com a decisão de que: d) valerá o reflorestamento com espécies exóticas como recompensa de RL (Reserva Legal) suprimidas, não tardará para que eucaliptos e pinos dominem por completo todos os ecossistemas, com impactos irreversíveis ao solo, recursos hídricos, a fauna e a flora nativas.   Quem ousar fazer, usando o aplicativo Google Earth, um rastreamento da extremidade sul de santa Catarina, perceberá que o percentual da cobertura vegetal original é quase inexistente. No entanto, comparando imagens mais antigas com as atuais, irá notar o aumento vertiginoso de áreas ocupadas com agricultura especialmente a rizicultura. É possível também perceber algumas poucas manchas verdes nas imagens, ou são remanescentes de APPs em rios, lagos ou topos de morros, ou áreas de RL protegidas por produtores rurais que seguiram o que determinava o código florestal.
Agora quando se lê a nova redação do código florestal, como o item referendado pelo STF, onde assegura: e) permissão para o cômputo de APP no percentual da RL e continuidade das atividades agropastoris em RL onde ocorreram desmatamentos irregulares anteriores a 2008, aumenta a certeza de que vivemos num país do faz de conta e da impunidade. Se quase 80% dos produtores rurais brasileiros cometeram algum crime ambiental, é claro que deveriam ter sido interceptados pelos órgãos fiscalizadores e punidos sansões estabelecidas pela legislação. Utilizar APPs como computo para atingir o percentual das RL é uma medida um tanto descabida para livrar o produtor infrator do crime ambiental cometido. A lei diz que para o produtor infrator ser beneficiado, a APP deve estar conservada ou em processo de recuperação, bem como o proprietário ter requerido inclusão do imóvel no (CAR). Isso não é obrigação de todos os produtores, segundo o código florestal?
Por fim, foi julgado o quesito mais polêmico de todos, o trata da ANISTIA ÀS MULTAS, que isenta os desmatares de pagamento de multa. Dos quatro pontos presentes nessa ação, um apenas obteve a aprovação da corte, foi o que autoriza a extensão de benefícios legais para pequenos imóveis rurais às áreas de comunidades rurais tituladas e não tituladas. Isso inclui áreas quilombolas e indígenas que terão o mesmo regime de proteção da vegetação.   O que causou estranheza no módulo anistia foi a posição dos ministros em anistiar ou absolver de multas, aqueles que desmataram irregularmente, condicionando-os a se inserirem nos Programas de Regulação Ambiental (PRA). Outra vez, vale ratificar, que essa decisão é um verdadeiro ataque aos princípios básicos da ética e da justiça, uma porta aberta à perpetuação das infrações ambientais no campo e a fragilização de ecossistemas inteiros com o desaparecimento definitivo de espécies da fauna e flora.
Se o item anterior, ratificado pelo STF, que trata sobre a anistia aos desmatadores pós-aprovação do código, condicionando-os a se inserirem no programa de regulação ambiental, já é um absurdo, o que dizer então desse item assim descrito: dispensar a recuperação de RL desmatadas até julho de 2008, bem como recuperar APPs de corpos de água, de acordo com o tamanho do imóvel. Se na decisão anterior o impacto dos crimes cometidos em RL posterior a 2012, poderá ser minimizado através da inclusão no PRA, como explicar para as futuras gerações o motivo pelo qual os ministros do STF levaram a concordar com um dispositivo que dispensa de recuperação milhões de hectares de terras ocupadas por florestas protegidas.  
O Código Florestal, portanto, se configurará em mais um documento com pouco ou nenhum poder de decisão, pois prevalecerão acordos, barganhas políticas, negociatas, etc. Lembram das manobras articuladas pelo atual presidente junto à bancada ruralista para se livrar das acusações de envolvimento em irregularidades na operação lava-jato. Afrouxamento de resoluções sobre agrotóxicos proibidos, anistia de dívidas com a previdência e até mesmo limitar a ação fiscalizadora do estado, fizeram parte do pacote de acordos que deram ou darão mais soberania ao agronegócio para continuar destruindo as florestas.
Prof. Jairo Cezar

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