quinta-feira, 8 de março de 2018


A CADUCA LEGISLAÇÃO QUE REGULA OS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL: AFINAL, QUEM SÃO OS BENEFICIADOS?

Acredito que todos/as devem ter escutado alguma vez o seguinte comentário: no Brasil a opinião pública é manipulada pelas grandes mídias, são elas quem define os resultados dos pleitos eleitorais, hábitos de consumo, vestuário, alimentação, entretenimento, etc. Não é mesmo? Muitos também deve se perguntar, como funcionam as políticas públicas sobre as comunicações no Brasil, suas legislações, as outorgas de concessões de canais, marco regulatório, censura, etc. Um item espantoso sobre o tema comunicação é a legislação reguladora, datada de 1962. Imagine uma legislação com 62 anos! As transformações no campo das  mídias foram e são tão dinâmicas que tal legislação não atende mais as demandas do setor.   Não havendo legislação específica, o código civil brasileiro é o instrumento regulador da comunicação brasileira.
A morosidade na tramitação dos processos impetrados  muitas vezes duram anos, que quando julgados não tem validade alguma devido a dinamicidade da própria sociedade. O fato é que a própria imprensa se beneficia dessa morosidade.  Os EUA, que sempre foi referência em termos de democracia liberal, possui uma das legislações mais antigas no seguimento da comunicação em comparação aos países do bloco liberal. Outro dado importante a considerar em relação à mídia brasileira é no sentido da concentração de poder, pois canais de TV, emissoras de rádio, jornais, revistas, etc. estão de posse de uma pequena fração da sociedade, os monopólios e oligopólios envolvendo famílias, políticos e  igrejas.
Quanto aos políticos, o Art. 54, II, a, da Constituição Federal, veda o direito de controlar juridicamente emissoras de rádio ou TV. Assim defina a alínea (a), do artigo: é vedado ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nele exercer função remunerada”.  Parece que tal artigo da constituição teve interpretações distintas, pois não impediu que uma porção significativa de parlamentares desfrutassem o privilégio de ter também um canal de TV ou emissora de rádio.
Em 2015, a revista Carta Capital publicou reportagem divulgando que haviam cerca de 40 deputados e senadores proprietários de alguma emissora, que ambos estavam na mira do STF. Alguns nomes são bem conhecidos da população brasileira, cujas famílias dominam a mercado da mídia em seus estados. São eles: José Sarney; Fernando Collor de Melo; Agripino Maia; Edson Lobão Filho, entre outros tantos.  Outro setor, a exemplo dos políticos, são as igrejas que também são beneficiadas com concessões públicas de rádio e TV. Juntas formam um poderoso conglomerado dominando quase todos os canais das TVs abertas no país.
Até o ano de 1988, quando foi promulgada a última constituição, a concessão de canais de TV e rádios era prerrogativa do presidente da república, cujos critérios de escolhas geralmente eram os mais obscuros possíveis. Não há registros ou pesquisas que comprovam ter havido outro ou outros presidentes que tenham feitos mais concessões de canais de TV e rádio que José Sarney, quando presidente da república. O que, talvez, é de desconhecimento de expressiva parcela do público é quanto ao processo de outorgas de emissoras de radio ou TV.  Por ser uma concessão pública ou empréstimo,  quem adquire o direito de uso, terá por compromisso legal, a cada 10 ou 15 anos, passar por avaliação dos órgãos reguladores para renovação ou não d outorga.
Alguma vez no Brasil  algum outorgado de rádio o TV foi penalizado com a perda da outorga? Não se tem notícia de ter havido algum no passado.  No Brasil, como relatou Gustavo Gindre, o sistema de outorgas mais parece capitanias hereditárias, grandes áreas de terras que passam do pai para o filho, netos, bisnetos... Dois exemplos para elucidar: o grupo globo e bandeirantes.  É algo inimaginável em países que prezam pela democracia liberal, social democracia e até mesmo socialista.   Além do mais, sendo o   veículo uma concessão pública, o outorgado é impedido de utilizá-lo em beneficio próprio,  como promover o proselitismo religioso ou para fins eleitoreiros, quando controlado por um político. Com a constituição de 1988, a autorização para novas concessões é de responsabilidade do congresso nacional.
Havia certa expectativa de que tirando o poder das outorgas do Presidente da República e entregando ao parlamento estaria sim havendo a consolidando o republicanismo no seguimento de comunicação. Os fatos mostram que o ideário republicano mantém-se apenas nos discursos e na constituição. O que está valendo mesmo até o momento são as negociatas, o toma lá dá cá e todos os tipos possíveis de manobras, muito além dos olhos e poder de fiscalização da sociedade. O mundo globalizado, conectado pelas mídias digitais, passa por uma profunda revolução no campo das legislações relacionadas ao seguimento da comunicação eletrônica, porém, não são aplicadas as mídias convencionais, rádio e a TV. 
Acredite, o Brasil tem uma agenda no setor da comunicação convencional, do século XX, completamente retrógrada, ultrapassada. Se a antiga agenda mantém-se intocável, o que esperar da agenda 21 que tem por princípio a universalização dos meios de comunicação por meio da internet. Outro dado curioso, nos EUA, dependendo do tamanho da cidade, é impensável o mesmo outorgado de uma emissora de TV, possuir  outros veículos do ramo, como jornal, rádio, etc. Isso fere os princípios da liberdade de mercado, ou seja, critérios elementares do capitalismo clássico liberal. 
No Brasil, por exemplo, a rede globo controla redes de TV, rádios, jornais, é acionista da Net, Sky, e mais de 30 canais de TV por assinatura.  E não há expectativa de mudanças em curto prazo, porque tais mudanças fragiliza o poderio dos  monopólios e oligopólios da comunicação concentradora no Brasil. Olha que a constituição federal de 1988 veda essa prerrogativa no seu capitulo V, Art. 220, § 5, onde diz: Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Nos países europeus a legislação obriga que sejam oferecidas produções independentes à população local, ou seja, que as retransmissoras reservem parte dos seus horários com produções locais. Alguém sabe quais as programações locais oferecidas pelas emissoras catarinenses, NSC (globo), e outras que também retransmitem a Record (RIC), SBT, em Santa Catarina? Tele jornais locais, em dois momentos, talvez sejam as únicas programações, não é mesmo?  A não disponibilização de espaço nas TVs locais para uma programação independente também é uma grave infração ao Capítulo V, Art. 221, III, da Constituição Federal, que diz: regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; 
 Tanto a regulação quanto a censura das mídias na Europa são tratadas como naturalidade por toda a sociedade. Não há confusão entre uma e outra. Não é igual ao Brasil que quando se levanta o debate sobre a regulação da mídia, imediatamente integrantes dos oligopólios (artistas, jornalistas, entre outros), ocupam as mídias, destilando todo o veneno contra qualquer um que ousa ameaçar a “liberdade” de imprensa no Brasil. Insistem com todo afinco confundir ou manipular a opinião pública, com argumentos que beiram o ridículo, com afirmação de que  forças ocultas, “comunistas”, querem censurar a  “livre expressão”. Em nenhum momento as manifestações são direcionadas a censura de imprensa, mas aos processos de regulação, conforma a constituição, que são visivelmente descumpridas pelos “proprietários” das mídias convencionais. 
Quanto à publicidade, também na Europa as políticas de regulação são muito rígidas. Na Suécia, por exemplo, a legislação veda publicidade para crianças menores de treze anos. A justificativa parte do pressuposto de que indivíduos até essa idade não possuem discernimento sobre propaganda. No Brasil, quem acompanha as programações diárias das TVs abertas percebe que não há critérios claros sobre publicidades, tanto de produtos nocivos à saúde humana, como horários específicos para o  público adulto e infantil. O Capítulo V, Art. 221, § 4º, tem a seguinte redação:  A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
Quem acompanha as programações das TV abertas no Brasil, principalmente em horários nobres, percebe que as publicidades recorrentes são quase que exclusivamente de cervejas, cujos garotos propagandas são pessoas influentes como jogadores de futebol famosos, muitas vezes ídolos das crianças. Quanto à advertência dos malefícios do consumo, nesse caso de cerveja, a lei diz, sempre que necessário. Observaram que a única advertência contida nas publicidades de álcool é sobre os riscos de acidente ao dirigir. Já observaram o número de adolescentes, até mesmo crianças consumindo bebidas alcoólicas? É preocupante. A presença de um Neymar fazendo propaganda de cerveja, não há dúvida que influencia as crianças a experimentarem o álcool precocemente, não é mesmo?      
 Em 1967, no regime militar, foi assinado decreto lei onde estabeleceu o limite máximo de cinco concessões de canais de TV por indivíduo ou grupo. Entretanto, no caso da rede globo, a mesma possui cinco geradoras de canais de tv, que podem gerar conteúdos próprios. No entanto, todas as retransmissoras, com raríssima exceção, retransmitem toda a programação da grade das  geradoras. Enquanto algumas empresas de comunicação abocanham quase toda a fatia do público brasileiro, bombardeando diariamente com programações, pouco construtivas, do eixo rio São Paulo, cerca de cinco mil rádios comunitárias já autorizadas, são proibidas de operar com 25 watts de potência. Somente uma rádio privada brasileira possui uma potência de 400.000 watts.
Prof. Jairo Cezar                               

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