sexta-feira, 2 de março de 2018


A INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO E A LEGITIMAÇÃO DA BRUTALIDADE DO ESTADO CONTRA OS/AS CIDADÃOS/ÃS.

Vislumbrando uma possível derrota política no Congresso Nacional com a não aprovação da Reforma Previdenciária, o governo Temer, de forma oportunista e sorrateira, aproveitou-se da situação da instabilidade da segurança no Rio de Janeiro para decretar a intervenção federal naquele estado. É claro que todo o processo estava sendo arquitetado há algum tempo, cuja decisão de postergar a reforma da previdência tirou do pescoço de muitos parlamentes a corda assassina de possíveis derrotas nas eleições de outubro. Quando o governo viu que estava sacramentada qualquer possibilidade de vitória com a reforma, faltava apenas algo relevante que justificasse a ação.
Caiu como uma luva os arrastões e os assaltos generalizados durante o carnaval na cidade do Rio, bem como as manifestações e protestos das escolas de samba durante os desfiles do grupo especial, contra os desmandos dos políticos brasileiros, capitaneado pelo presidente temer, fantasiado de vampiro por uma escola. O cenário, portanto, estava pronto, bastava agora convencer a opinião pública de que a medida era oportuna e necessária.  Durante a quarta feira de cinzas quase todos os veículos de comunicação de massa, durante seus horários de maior audiência, noticiaram o decreto assinado pelo presidente da República.
Ao mesmo tempo em que militares se dirigiam para a cidade do rio conduzindo toda a parafernália bélica, a população, atônita, via permeando no seu imaginário o fantasma do golpe de 1964. Insistentemente a imprensa golpista tentava convencer a opinião pública que havia sim uma intervenção federal e não militar, como se cogitava. O exército, portanto, de acordo com noticiários, assumiria uma função colaborativa com as polícias militar e civil. Não tardou muito para que as redes sociais e outras fontes de notícias não convencionais inundassem suas páginas eletrônicas com reportagens repudiando a intervenção legando descumprimento de dispositivos constitucionais.
Além do mais, o exército foi e é treinado para a guerra, ou seja, proteger as fronteiras do território de uma possível ação externa, e não assumir funções de policiamento que são atribuições das polícias. É sabido por todos/as que a ação desencadeada tem ares eleitoreiros, com a pretensão de arrebanhar votos de um estrato social que promete direcionar o votar no polêmico candidato extremista, Jair Bolsonaro. Com o sucesso da intervenção poder-se-á abrir as cortinas de um possível nome ao governo do rio e a presidência da república, com chances de vitória se puder capitalizar para si a intervenção.
É preciso esclarecer que havendo o restabelecimento da ordem pública no estado do Rio, a mesma será paliativa, momentânea. Por que tal certeza? A partir de dezembro quando o decreto presidencial terá expirado, as tropas federais se retirarão retornando o estado aos cuidados das polícias estadual. Há pouco tempo todos devem lembrar, o exército interveio junto às áreas de riscos no Rio, como o complexo da maré, com um custo orçado de 600 milhões de reais. Foi só o último militar sair da região que o clima de instabilidade e violência retornou na região. O problema da insegurança pública no Rio de Janeiro como nos demais estados da federação são muitos semelhantes. Comunidades inteiras são comandadas por poderosas organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas e roubo de cargas, que se alia à própria polícia, que se deixa corromper devido à situação de penúria que está submetida.
Diante desse cenário pernicioso, o Estado, como instituição, não chega às áreas desassistidas, quadro esse que seduz a população jovem a embarcar na rota do tráfico como única oportunidade de ascender na vida. O tráfico, portanto, ganha a simpatia da população porque a polícia é desacreditada, trata com brutalidade os/as próprios/as cidadãos/ãs dessas comunidades. Na realidade o modelo de policiamento no país é extremamente arcaico, criando no império há mais de duzentos para proteger os nobres proprietários de terras de possíveis ataques de escravos fugitivos. Hoje a policia continua prendendo e matando mais negros, pois é majoritariamente o público predominante das áreas pobres, dos morros e bairros, sem escolas, saneamento, emprego, etc. Não é mesmo?
Imagine só, o próprio plano de intervenção federal para o estado do Rio o governador não havia lido ainda. Isso significa um estado sem governo, uma sociedade desamparada, atormentada, a espera de um milagre. Mostra claramente a fissura e a fragilidade de toda uma estrutura de poder, que veio se degradando ano após ano, alimentada pela corrupção, etc. Um estado minado pela indecência de seus administradores, eleitos, muitas vezes. E todo esse cenário contaminado não é exclusividade do Rio de Janeiro.
Acredite o estado fluminense não é o mais violento, está na décima posição 10 posição no ranque nacional. É claro que a mídia corporativista dá as suas pinceladas aos fatos, como forma de produzir cenários possíveis e desejáveis eleitoralmente. Não é segredo para ninguém que a problemática da violência generalizada em todo o Brasil tem relação direta com a corrupção quase crônica nas instâncias do poderes constituídos. Uma geração sem perspectiva de futuro se torna alvo fácil das tentações do crime organizado.
 Lembra quando surgiu a operação lava jato, escancarando o lado podre do aparato estatal, onde políticos, empresários, entre outros, foram denunciados e presos por participação em esquemas de desvios bilionários de recursos públicos, tráfico de influência, corrupção passiva e ativa? Se todo o dinheiro público contabilizado que escoou pelas tubulações da corrupção, somados aos bilhões sonegados, metade desse montante seria suficiente para começar a atender as demandas de setores estratégicos da sociedade como educação e saneamento básico.
A operação desencadeada no Rio de Janeiro reflete com precisão o modo funcional como o Estado é pensado. Até as crianças entendem que tratamentos para combater dores são recursos paliativos, não combatem as causas das dores e das doenças.  Colocar milhares de soldados para o patrulhamento das ruas, prender e matar traficantes, reformar ou construir presídios, etc, são medidas analgésicas, dando a sensação de alívio momentâneo. Não altera o quadro estrutural do estado, cuja patologia é reflexo do  desemprego, falta de escola, saneamento, hospitais, etc.
É de estranhar por que diante do abissal descaso à saúde, à educação, com milhares de pessoas empilhadas nos corredores dos hospitais públicos, e escolas caindo aos pedaços, não houve intervenção federal nesses estados, como forma de restabelecer o atendimento dos serviços à população. É claro que saúde de educação pública, quem as utilizam são pessoas menos abastadas, além do mais não compromete o ir e vir dos degraus de cima. Agora, no instante que nem mesmo as fortalezas construídas não conseguem mais proteger às elites dos assaltos e roubos, aí sim, o Estado entra em ação mobilizando o exército  para restabelecer a ordem. Tudo que vem acontecendo pode explicar o motivo de ter sido escolhido o lema “Ordem e Progresso” pelo atual presidente.         
Na quinta feira, 01 de março de 1018, o governo federal realizou encontro com todos os governadores dos estados querendo buscar soluções à desenfreada onda de violência que se espalhou pelo Brasil. Como encaminhamento, o presidente se propôs a liberar em forma de empréstimo, 40 bilhões de reais para investimento em segurança nos estados. É outra medida paliativa, não é mesmo? Na realidade o encontro deveria ter como meta o engajamento dos entes federativos em campanhas conjuntas para restauração e construção de escolas em todo o Brasil.
Possivelmente a metade desse montante prometido à segurança traria um alento aos milhares de professores e gestores de escolas públicas que consomem parte do seu tempo promovendo campanhas visando angariar fundos para manter as escolas em funcionando. Repetindo esses investimentos qualificando melhor os professores e uma remuneração digna à carreira, em pouco tempo uma nova categoria de cidadãos estaria se formando, reduzindo a violência e, por sua vez, a redução do fluxo de apenados nos presídios brasileiros. Tudo isso pode até ser utopia, devaneios, mas, o que seria da espécie humana se não sonhasse.
Prof. Jairo Cezar 

Um comentário:

  1. Cada vez mais decepcionada com tudo e o pior sem esperança. Quero acreditar num país melhor mas a realidade distorce toda a idealização que carrego comigo. Triste, triste por mim tristeza pelos nossos filhos. Que país é esse?

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