sábado, 20 de junho de 2015

Supremo Tribunal Federal discute ADI 4439 que trata sobre a polêmica do Ensino Religioso nas Escolas Públicas

Ainda hoje poucas são as escolas públicas de ensino fundamental em que o professor no início e final das atividades solicita as/aos estudantes para se posicionarem em pé e proferirem oração com ênfase no culto católico. Iniciar o texto com essa reflexão tem por objetivo refletir o resultado da audiência ocorrida no último dia 15 (quinze) de junho no STF (Supremo Tribunal Federal) que tratou sobre ADI 4.439 impetrada pela Procuradoria Geral da União para discutir o mérito relativo ao ensino religioso se deve ou não ser ofertado nas escolas públicas, que conforme o Art. 210 parágrafo único da Constituição Federal  "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental".
Quando a lei estabelece que a matricula se constitui como facultativa traduz que os estudantes terão direito de decidir se querem ou não assistir as aulas.  Além desse item, a ação também questiona trechos da própria Lei de Diretrizes e Base, 9394/96 e do acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé, em 2010, que prevê, entre outras coisas, o ensino religioso nas escolas públicas.  No Brasil quando o assunto é religião e sua disseminação nas escolas deve ser ressaltado o aspecto cultural extremamente influenciado pelo culto católico, cuja presença data do início do século XVI  quando os jesuítas atravessaram o atlântico para assegurar o domínio cristão/católico ao novo mundo, impondo regras morais depreciativas aos ritos tradicionais dos indígenas, com forte apreço aos elementos da natureza, à água, às florestas, os animais, bem como das divindades, dos cultos, interpretados como práticas heréticas.
As primeiras escolas públicas aqui instaladas seguindo a linha da moralização cristã, tinham os jesuítas como meta oferecer escolaridade gratuita exclusivamente à população indígena. No entanto, dada a inexistência de escolas estatais nas vilas e cidades, os proprietários e demais integrantes da elite reivindicaram o direito à educação para seus filhos admitindo serem usuários exclusivos de direito. Nessas unidades de ensino, os currículos como a própria arquitetura escolar foram meticulosamente pensados evidenciando a disciplina do corpo e o desprezo a tudo que pudesse subverter a fé.   
Porém, a predominância do culto católico nas escolas persistiu séculos mais tarde sendo ratificada como religião oficial do império através da constituição de 1824. Com a Proclamação da República onde houve a separação entre a igreja e o Estado assumindo um caráter de laicidade, a Constituição de 1891 reiterou que o ensino religioso nas escolas públicas deveria ser leigo, ou seja, ministrado por pessoas sem qualquer vínculo religioso.  Mesmo com tais dispositivos constitucionais tornando o Estado um seguimento imparcial no qual assegurava livre expressão de culto à sociedade, o ensino confessional católico, manteve-se presente no cotidiano das escolas publicas e providas por professores indicados pela própria instituição religiosa do município.  
Dada ao caráter multicultural e da forte diversidade de religiões predominantes no território brasileiro nas últimas décadas do século XX, as novas regras contidas nas diretrizes educacionais como a lei 4024/61 mantinham o ensino religioso facultativo e não confessional. Em 1971, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Base 5692/71, já sob o regime militar, foram estabelecidas a obrigatoriedade nas escolas públicas as disciplinas de Educação Moral e Cívica, OSPB, entre outras, enquanto o ensino religioso a matricula manteve-se facultativa, porém, sendo agora assegurada para os estudantes do primeiro e segundo graus. 
Portanto, a pseudo regularização do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras somente ocorreu com a constituição de 1988 definindo-a como sendo facultativa e garantida nos horários normais do ensino fundamental.  Ao mesmo tempo que a constituição estabelece parâmetros acerca do ensino religioso, regulando como disciplina não obrigatória, a LDB 9.394/96 lança normatizações na qual assegura sua inserção na grade curricular como parte integrante da educação básica. A propria legislação garante que o ensino religioso nas escolas os currículos não poderão estar pautados em conceitos e valores preconceituosas que incitem os estudantes a creditarem opiniões discriminatórias de certos cultos religiosos em defesa de outros tidos como "superiores". 
Quando se acreditou que o Estado brasileiro depois de tentativas fracassadas estava finalmente alcançando o grau de maturidade política mantendo-se independente segundo os preceitos constitucionais, não privilegiando qualquer credo que fosse, em 2010 gerou estranheza a atitude do governo brasileiro em referendar acordo com a Santa Sé, Estado do Vaticano, permitindo inserir o ensino confessional católico nas escolas públicas. Uma atitude que revela total desacordo aos princípios republicanos e democráticos do Estado brasileiro, bem como uma afronta à constituição brasileira e a própria LDB que estabelecem parâmetros acerca dessa matéria. Com base nesse acordo bilateral deixa transparecer o contínuo poder e influência de uma instituição religiosa no dia a dia  de uma sociedade e nas decisões políticas de um país que que se constitui como laico.
O que chama atenção na matéria que está em discussão no Supremo é o fato de estar ocorrendo atualmente disputas acirradas envolvendo religiões tradicionais e neopetencostais por espaços televisivos, radiofônicos, de igrejas e de escolas. Diariamente inúmeros canais abertos de televisão dedicam horas e horas de sua programação para a transmissão de ritos, de testemunhos de milagres de curas, de catarse coletiva, cujos problemas como a falta de dinheiro, as enfermidades, os conflitos conjugais, entre outros, levam a acreditar que estão condicionadas a existência de forças sobrenaturais malignas, realçadas na figura imaginativa do “demônio”.
Não é admissível que escolas públicas brasileiras tenham o mesmo destino das do Rio de Janeiro, loteadas entre as principais religiões que mesmo com a justificativa que respeitam as diversidades, subjetivamente nada mais são que instrumentos de doutrinação, que começam na tenra idade, quando as crianças ainda imaturas, transformam-se em presas fáceis de entidades religiosas oportunistas. Além do mais os professores são custeados pelo próprio estado, infringindo  a  Art. 19, I da Constituição Federal que proíbe a subvenção estatal ou aliança com fins religiosos.  
Saindo da seara jurídica e trazendo o assunto religião para o ambiente pedagógico da sala de aula, caso o Supremo decida pela permanência do ensino não confessional e facultativo como está na constituição, o problema não estará solucionado pelo fato do ensino religioso atender exclusivamente estudantes do ensino fundamental, a partir dos seis anos de idade. Com a idade dos seis, sete anos ou mais, as crianças não estão neurologicamente maduras o suficiente para compreender conceitos complexos como diversidade cultural, conflitos religiosos, fundamentalismo, entre outros tantos temas que requer do estudante certa capacidade de abstração.
São assuntos tratados no ensino médio nas áreas de sociologia, filosofia, história, etc. Outro item que é questionável é quanto ao conceito de facultativo.  No ensino médio, esse dispositivo seria fácil de resolver, pois o estudante teria liberdade de optar em participar ou não da aula. No ensino fundamental, com alunos de seis anos, por exemplo, cuja turma é atendida por um único professor, é muito difícil acreditar que um estudante tenha condições de escolha em querer ou não participar das aulas. Quanto ao ateísmo, qual seria o tratamento adotado, já que a disciplina se constitui como religiosa?         
Também deve ser destacando que no momento que for trabalhar religião o profissional deve estar munido de todo um cabedal de conhecimento capaz de transitar por todas vertentes religiosas, agrupando-as segundo suas linhas filosóficas e ideológicas, e colhendo de ambas apenas elementos que contribuíam para o convívio tolerante e democrático dos diferentes grupos sociais. Numa sociedade como a brasileira onde a educação é tratada com desprezo pelas autoridades, cujos profissionais que atuam nas áreas básicas carecem de uma boa formação, imaginem o professor que exerce a disciplina de religião não confecional. Tudo leva a crer que se não houver uma abordagem mais profunda desse assunto, que ultrapasse o simples debate do supremo em decidir pelo confessional ou não confessional, o caminho deverá ser pela reforma constitucional, propondo ao congresso a supressão de todos os artigos da constituição que tratam sobre ensino religioso nas escolas públicas.     

Prof. Jairo Cezar  

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