Supremo
Tribunal Federal discute ADI 4439 que trata sobre a polêmica do Ensino
Religioso nas Escolas Públicas
Ainda
hoje poucas são as escolas públicas de ensino fundamental em que o professor no início e final das atividades
solicita as/aos estudantes para se posicionarem em pé e proferirem oração com
ênfase no culto católico. Iniciar o texto com essa reflexão tem por objetivo refletir
o resultado da audiência ocorrida no último dia 15 (quinze) de junho no STF (Supremo Tribunal Federal) que
tratou sobre ADI 4.439 impetrada pela Procuradoria Geral da União para discutir o
mérito relativo ao ensino religioso se deve ou não ser ofertado nas escolas públicas, que conforme o Art. 210 parágrafo único da
Constituição Federal "O
ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental".
Quando a lei estabelece que a matricula se constitui
como facultativa traduz que os estudantes terão direito de decidir se querem
ou não assistir as aulas. Além desse
item, a ação também questiona trechos da própria Lei de Diretrizes e Base, 9394/96 e do acordo firmado entre
o Brasil e a Santa Sé, em 2010, que prevê, entre outras coisas, o ensino
religioso nas escolas públicas. No
Brasil quando o assunto é religião e sua disseminação nas escolas deve ser ressaltado o aspecto cultural
extremamente influenciado pelo culto católico, cuja presença data do início do
século XVI quando os jesuítas atravessaram o atlântico para assegurar o domínio cristão/católico ao novo mundo, impondo regras morais
depreciativas aos ritos tradicionais dos
indígenas, com forte apreço aos elementos da natureza, à água, às florestas, os
animais, bem como das divindades, dos cultos, interpretados como práticas
heréticas.
As primeiras escolas públicas aqui instaladas seguindo a linha da moralização cristã, tinham os jesuítas como meta oferecer escolaridade gratuita exclusivamente à população indígena. No entanto, dada a
inexistência de escolas estatais nas vilas e cidades, os proprietários e
demais integrantes da elite reivindicaram o direito à educação para seus filhos
admitindo serem usuários exclusivos de direito. Nessas unidades de ensino, os
currículos como a própria arquitetura escolar foram meticulosamente pensados evidenciando
a disciplina do corpo e o desprezo a tudo que pudesse subverter a fé.
Porém, a predominância do culto católico nas
escolas persistiu séculos mais tarde sendo ratificada como religião oficial do
império através da constituição de 1824. Com a Proclamação da República onde houve
a separação entre a igreja e o Estado assumindo um caráter de laicidade, a Constituição
de 1891 reiterou que o ensino religioso nas escolas públicas deveria ser leigo,
ou seja, ministrado por pessoas sem qualquer vínculo religioso. Mesmo com tais dispositivos constitucionais tornando
o Estado um seguimento imparcial no qual assegurava livre expressão de culto à
sociedade, o ensino confessional católico, manteve-se presente no cotidiano das
escolas publicas e providas por professores indicados pela própria instituição
religiosa do município.
Dada ao caráter multicultural e da forte
diversidade de religiões predominantes no território brasileiro nas últimas
décadas do século XX, as novas regras contidas nas diretrizes educacionais como
a lei 4024/61 mantinham o ensino religioso facultativo e não confessional. Em 1971,
com a promulgação da Lei de Diretrizes e Base 5692/71, já sob o regime militar,
foram estabelecidas a obrigatoriedade nas escolas públicas as disciplinas de Educação Moral e Cívica, OSPB, entre outras, enquanto o ensino religioso a matricula
manteve-se facultativa, porém, sendo agora assegurada para os estudantes do
primeiro e segundo graus.
Portanto, a pseudo regularização do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras somente ocorreu com a
constituição de 1988 definindo-a como sendo facultativa e garantida nos horários normais do ensino fundamental. Ao mesmo tempo que a constituição
estabelece parâmetros acerca do ensino religioso, regulando como disciplina não
obrigatória, a LDB 9.394/96 lança normatizações na qual assegura sua inserção na
grade curricular como parte integrante da educação básica. A propria
legislação garante que o ensino religioso nas escolas os currículos não poderão
estar pautados em conceitos e valores preconceituosas que incitem os estudantes a
creditarem opiniões discriminatórias de certos cultos religiosos em defesa
de outros tidos como "superiores".
Quando se
acreditou que o Estado brasileiro depois de tentativas fracassadas estava
finalmente alcançando o grau de maturidade política mantendo-se independente segundo os preceitos constitucionais, não privilegiando qualquer
credo que fosse, em 2010 gerou estranheza a atitude do governo brasileiro em referendar
acordo com a Santa Sé, Estado do Vaticano, permitindo inserir o ensino confessional
católico nas escolas públicas. Uma atitude que revela total desacordo aos princípios
republicanos e democráticos do Estado brasileiro, bem como uma afronta à constituição brasileira e a
própria LDB que estabelecem parâmetros acerca dessa matéria. Com base nesse
acordo bilateral deixa transparecer o contínuo poder e influência de
uma instituição religiosa no dia a dia de uma sociedade e nas decisões
políticas de um país que que se constitui como laico.
O que chama
atenção na matéria que está em discussão no Supremo é o fato de estar ocorrendo
atualmente disputas acirradas envolvendo religiões tradicionais e neopetencostais por espaços televisivos, radiofônicos, de igrejas e de escolas. Diariamente inúmeros canais abertos de televisão dedicam horas e horas de sua programação para
a transmissão de ritos, de testemunhos de milagres de curas, de catarse
coletiva, cujos problemas como a falta de dinheiro, as enfermidades, os
conflitos conjugais, entre outros, levam a acreditar que estão condicionadas a
existência de forças sobrenaturais malignas, realçadas na figura imaginativa do
“demônio”.
Não é
admissível que escolas públicas brasileiras tenham o mesmo destino das do Rio
de Janeiro, loteadas entre as principais religiões que mesmo com a
justificativa que respeitam as diversidades, subjetivamente nada mais são que instrumentos de doutrinação, que começam na tenra idade, quando as crianças ainda
imaturas, transformam-se em presas fáceis de entidades religiosas oportunistas.
Além do mais os professores são custeados pelo próprio estado, infringindo a Art.
19, I da Constituição Federal que proíbe a subvenção estatal ou aliança com
fins religiosos.
Saindo da
seara jurídica e trazendo o assunto religião para o ambiente pedagógico da sala
de aula, caso o Supremo decida pela permanência do ensino não confessional e
facultativo como está na constituição, o problema não estará solucionado pelo
fato do ensino religioso atender exclusivamente estudantes do ensino
fundamental, a partir dos seis anos de idade. Com a idade dos seis, sete anos
ou mais, as crianças não estão neurologicamente maduras o suficiente para
compreender conceitos complexos como diversidade cultural, conflitos
religiosos, fundamentalismo, entre outros tantos temas que requer do estudante certa
capacidade de abstração.
São assuntos
tratados no ensino médio nas áreas de sociologia, filosofia, história, etc. Outro
item que é questionável é quanto ao conceito de facultativo. No ensino médio, esse dispositivo seria fácil
de resolver, pois o estudante teria liberdade de optar em participar ou não da
aula. No ensino fundamental, com alunos de seis anos, por exemplo, cuja turma é
atendida por um único professor, é muito difícil acreditar que um estudante
tenha condições de escolha em querer ou não participar das aulas. Quanto ao
ateísmo, qual seria o tratamento adotado, já que a disciplina se constitui como
religiosa?
Também deve
ser destacando que no momento que for trabalhar religião o profissional deve
estar munido de todo um cabedal de conhecimento capaz de transitar por todas
vertentes religiosas, agrupando-as segundo suas linhas filosóficas e
ideológicas, e colhendo de ambas apenas elementos que contribuíam para o
convívio tolerante e democrático dos diferentes grupos sociais. Numa sociedade
como a brasileira onde a educação é tratada com desprezo pelas autoridades,
cujos profissionais que atuam nas áreas básicas carecem de uma boa formação,
imaginem o professor que exerce a disciplina de religião não confecional. Tudo
leva a crer que se não houver uma abordagem mais profunda desse assunto, que
ultrapasse o simples debate do supremo em decidir pelo confessional ou não
confessional, o caminho deverá ser pela reforma constitucional, propondo ao
congresso a supressão de todos os artigos da constituição que tratam sobre
ensino religioso nas escolas públicas.
Prof. Jairo
Cezar
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