terça-feira, 9 de junho de 2015

Projeto Orla e os debates sobre políticas públicas de Preservação e difusão do Patrimônio Arqueológico da faixa costeira do município de Araranguá

Na quinta feira, 22 de maio, parcela expressiva do publico que esteve nas dependências do Hotel Morro dos Conventos seguramente se sentiu privilegiado pelo fato de ter tido a oportunidade de sanar dúvidas em relação à Arqueologia, ciência ainda pouco conhecida pela esmagadora parcela da população brasileira. Para explanar sobre arqueologia e as descobertas arqueológicas no balneário Morro dos Conventos, foi convidado o professor doutor Juliano Bittencourt, do IPAT/UNESC, cujos estudos desenvolvidos ou em andamento tiveram e tem o balneário e faixa costeira do extremo sul catarinense como campo de investigação.
No entanto antes do início da explanação o comandante do corpo de bombeiros de Araranguá solicitou a palavra para fazer algumas ponderações à coordenação do projeto orla pelo fato de não ter sido encaminhado convite formal a corporação para participar das reuniões. Segundo o Tenente Marcolino o mesmo ressaltou que sua presença na reunião do dia 22 de maio se deu por puro acaso. Disse também que o equívoco da coordenação também envolveu a polícia militar. Argumentou que o corpo de bombeiro que presta serviço a comunidade tem muito a contribuir nas reuniões que poderia estar participando desde o início, tendo em vista as experiências acumuladas na orla durante a temporada de veraneio.
Informou que atos de vandalismos corriqueiros, como a queima de uma cabana dos salva-vidas no Arroio do Silva, orçada em  sete mil reais dos cofres públicos, deve estar inserido no projeto orla como um problema e ser debatido com a comunidade. Sendo assim sugeriu que a organização do evento elabore convite formal e encaminhe aos comandantes da polícia militar e bombeiros para que ambos participem dos encontros. Diante da critica do tenente, Simon respondeu que vem participando das reuniões um cidadão que se identifica como bombeiro, vindo até a assinar o caderno de presença. O tenente ressaltou que a companhia de Araranguá não autorizou qualquer pessoa para participar dos encontros, que o cidadão descrito, não faz parte da corporação, que fez apenas um curso de salvamento civil, porém, já foi excluído.
 Depois dos inconvenientes relacionados aos comandos da política militar e corpo de bombeiros, o professor Juliano finalmente iniciou sua explanação, primeiro apresentando a equipe que o acompanhava. Pediu desculpas por não ter tido condições de atender o grupo em outra oportunidade, em especial ao professor Jairo que em várias ocasiões lhe teria encaminhado E.mail solicitando sua presença no Morro dos Conventos como haviam agendado em outra oportunidade. Além de mapas demarcando as áreas em estudo na região, distribuiu aos presentes cartilhas didáticas e lúdicas de arqueologia, bem como cópia de um artigo intitulado Arqueologia entre rios: do Urussanga ao Mampituba, Registros arqueológicos pré-históricos no extremo sul catarinense, para que o público presente tivesse noção sobre o que seria discutido. 
 Mostrou também artefatos de caça e peças de cerâmica produzidas em oficinas com estudantes, onde retrata um pouco do cotidiano dos povos que habitaram o extremo sul de santa Catarina, cuja presença mais antiga é datada de mais ou menos quatro mil anos atrás. Sobre a instituição no qual está representando, a UNESC, disse o departamento de arqueologia vem atuando desde 1997, 1998, quando foi contratada para o levantamento arqueológico do trecho onde seria construída a rodovia Interpraias, entre a Lagoa dos Freitas, Içara, até o município de Balneário Gaivota. No trecho foram notificados inúmeros sítios arqueológicos, alguns já pesquisados através de escavações. Os estudos da área onde está a barragem do rio São Bento também foram executados pela equipe de arqueologia da UNESC.
Quanto a BR-101, todo levantamento arqueológico ficou sob a responsabilidade da UNUSUL.  Admitiu que a quantidade de institutos e profissionais envolvidos na arqueologia é aquém do necessário atualmente, sendo que a empresa mais próxima que presta assistência técnica similar à UNESC está localizada em Florianópolis. Com relação aos mapas expostos no interior da sala, três ao todo, disse que ambos mostram as áreas ocupadas pelos distintos grupos, os períodos, e o progressivo avanço humano que ameaça a segurança desses sítios. Um dos mapas apresentados, de cor vermelha, destaca a forte pressão humana sobre os espaços ocupados por sítios, porém, quando se refere ao Morro dos Conventos, esse avanço ainda é, no momento, um tanto quanto limitado. O projeto orla tem entre outras atribuições o estabelecimento de um plano para a definição de áreas possíveis para ocupações reservando aquelas consideradas APPs e as ocupadas por deposições ou elementos que confirmam a presença humana pré-histórica. 
A preocupação é que enquanto o projeto orla não define as políticas para as respectivas áreas todo o acervo arqueológico encontrado está ameaçado, mesmo sabendo que o Ministério Público Federal recomendou ao poder publico municipal que providenciasse a proteção dos mesmos, determinação que não foi cumprida. Informou Juliano que a Unesc vem desenvolvendo trabalhos na região no qual resultou em publicações de pesquisas, seminários e congressos, bem como a participação em eventos em vários estados e no Exterior. Dentre os mais importantes destacou o projeto Arqueologia Entre Rios que é tema de sua tese concluída em abril último.
Dentre as instituições envolvidas em pesquisas na região destacam-se a USP e a UFRJ, que atuam desde 1990; a PUC e a URGS com pesquisas de campo no município de Passo de Torres. O Instituto Anchietão, da UNISINOS/São Leopoldo, é o mais conhecido, cujas pesquisas arqueológicas coordenadas pelo Padre Shimidt, tiveram enorme êxito a partir da década de 1970 com escavações em Araranguá, especialmente mais ao norte da região nos limites do município de Balneário Rincão, cujos materiais encontrados estão em exposição na igrejinha do próprio município.
Sendo a arqueologia uma ciência que necessariamente requer a colaboração de outras ciências afins, como a biologia, história e engenharia ambiental, a pressão promovida pelo departamento de arqueologia fez com que fosse aprovada resolução obrigando a inserção de créditos dessa ciência nesses cursos, permitindo uma melhor qualificação dos profissionais nos exercícios de suas atividades. Destacou também o trabalho com oficinas que o departamento vem desenvolvendo nas escolas da região, uma forma lúdica de familiarizar os estudantes com essa ciência transformando-os em colaboradores e protetores dos possíveis sítios encontrados. Em relação às pesquisas e escavações já realizadas, disse que o sítio com datação mais antiga foi encontrado no município de Jaguaruna datada de oito mil anos.
Já na pesquisa “Entre Rios” no qual coordena, as datações são de 3.340 anos, de grupos caçadores e coletores; e de 700 anos aproximadamente, das etnias guarani, tronco cultural tupi-guarani. A não presença de qualquer indivíduo ou agrupamento guarani na região tem relação direta com o processo de ocupação portuguesa ocorrida a partir do século XVI.  O modelo colonialista escravocrata exportador adotado fez com que os donatários empregassem a mão de obra indígena na extração de madeira, pau Brasil, depois substituído pelo trabalho do africano. A partir do século XIX, o governo imperial adotou políticas para estimular a ocupação do sul do Brasil, chegaram os imigrantes europeus para trabalhar na cafeicultura do sudeste e ocupar as terras do sul do Brasil. Quando aqui chegaram, especialmente imigrantes italianos e alemães, se defrontaram com ocupantes nativos, cujo efeito foi devastador. Nas investidas, especialmente dos bandeirantes paulistas, caçadores de índios, milhares foram mortos, os sobreviventes, transportados para as regiões produtoras de cana onde foram comercializados como escravos.
Convém destacar que os guaranis ocuparam as terras do litoral a cerca de 200 anos antes da invasão portuguesa. Além do mais, acredita-se que os sambaquianos, caçadores e coletores de conchas que habitavam há cerca de quatro mil anos já tinham desaparecidos. Há indícios com base nos artefatos encontrados da presença de caçadores e coletores vindos do interior, que desciam periodicamente ao litoral para a coleta de crustáceos e outros tipos de alimentos. Esse deslocamento via-se comum em períodos de escassez de alimentos em seus ambientes de origem. Os grupos do interior, caçadores e coletores, ou Xokleng, há registros de que os últimos indivíduos desapareceram por volta da década de 1950. Pelo fato de não ter sido encontrado no litoral, elementos peculiares à cultura Xokleng como pontas de flechas, acredita-se que não tenham constituído agrupamentos como dos guaranis, que há registros de que nas décadas de 1920, 1930, e 1940 muitos ainda viviam nas matas com histórias contadas de que crianças brancas teriam sido seqüestradas de criadas na cultura guarani. Diferente dos caçadores e coletores, os gurarins geralmente construíam seus acampamentos ou aldeias próximas a cursos d’água como lagos, lagoas e florestas.  
Com base em pesquisas recentes coordenada pelo departamento de arqueologia da UNESC, na região de Araranguá já foram catalogados oito sítios sambaquianos e um abrigo sobre rocha, cujo material próprio dos que ali habitaram foi totalmente saqueado. Em razão da falta de políticas mais sistematizadas do poder público para pesquisas desse gênero, todos os sítios identificados até o momento suas descobertas se deram de modo casual, ou mediante pesquisas acadêmicas ou empresariais. Empresarial pelo fato da legislação federal obrigar o empreendedor na hipótese de execução de um projeto de infraestrurura, construção de rodovia, represa, entre outros, ter de contratar uma instituição para promover o levantamento do potencial arqueológico. Entretanto, do mesmo modo que a legislação estabelece regras mais rígidas para o setor empresarial, não impõe qualquer restrição ao agricultor em assegurar proteção ao sítio por ele identificado.
Quanto a isso o que se pode fazer é promover programas de Educação Patrimonial podendo ser coordenada pelas secretarias de cultura e educação do município, com a colaboração de setores organizados da sociedade como Ongs, Oscips, Associações de Moradores, etc. Quanto maior for a divulgação maior será a chance de proteger todo esse acervo. Sobre os sítios encontrados no Balneário Morro dos Conventos o que se fez foi apenas o levantamento, cabe agora ao IPHAN promover o estudo dos mesmos. No entanto acredita-se que dificilmente tais procedimentos serão concretizados em decorrência da escassez de pessoal e recursos, já divulgados pelo próprio órgão.
Em 2013, documento enviado pela Oscip Preserv’Ação ao MPF para que intercedesse junto ao IPHAN/SC, para que providenciasse ações de proteção aos sítios do balneário, a resposta da superintendente estadual dizia que os sítios já estavam legalmente protegidos, sendo crime sua destruição. Além do mais no mesmo documento constava também de informação afirmando que quanto ao “Tombamento do Morro” não havia meios legais para fazê-lo por decreto, sendo incumbência do municipal. Para o Iphan o processo de tombamento tornar-se-i-a mais moroso devendo passar por instâncias federais, em sessão do Conselho Consultivo do Iphan/Brasília. Relatou que por restrições orçamentárias o órgão procedeu apenas ações emergenciais, que possivelmente se poderá pleitear o que se pede que é o tombamento do Morro dos Conventos. Deixou claro a superintendente que o poder público tem a obrigação de preservar o local, visto que mais que uma beleza natural, é um patrimônio que pode vir a ser considerado nacional, é sem sobra de dúvida um patrimônio local e regional.
Quanto ao memorando n. 362/PRESI enviado pelo Iphan ao MPF respondendo os questionamentos elencados pela procuradora federal quanto à proteção dos sítios no morro, na leitura do documento a procuradora fez algumas observações ou críticas, pois o órgão do patrimônio federal não especificou quais medidas que seriam tomadas para proteger os sítios, objeto da recomendação. Quanto ao tombamento do monumento Morro dos Conventos, quando alega escassez de recursos para execução, é noticiado que tramita processo de tombamento em curso de Parque Arqueológico do Sul. Com tais informações acredita-se que já é de conhecimento do Iphan, a existência de tais sítios arqueológicos, porém a não imposição de qualquer medida de proteção pode o órgão ser imputado por crime de omissão, pois infringe leis federais que obriga o órgão protegê-los.
A importância do acervo arqueológico encontrado no balneário é de tamanha grandeza que estimulou um acadêmico a universidade a construção de projeto de pesquisa no qual foi aceito no curso de mestrado de uma universidade. Com ênfase a descoberta dos sítios, o feito se constitui como um caso raro pelo fato de ter sido encontrado e divulgado por uma organização não governamental. Outro aspecto curioso verificado pelos profissionais do Ipat/Unesc, contratados pelo poder público municipal para o levantamento dos acervos arqueológicos nas margens do rio próximo à foz, onde serão construídas plataformas de pesca artesanal, foi a inexistência de qualquer vestígio arqueológico no trecho do Rio dos Porcos. Admite-se que tal ausência tem relação com o avanço e recuo das águas do oceano, que possivelmente no período que grupos humanos migraram para a região a área estava alagada.
Nos últimos 10 mil anos o planeta passou por mudanças climáticas regulares, revezando entre ciclos de glaciações e aquecimentos. Todo esse conjunto de fenômenos teve influência no modo como esses grupos se estabeleceram no território que está sendo estudado. O que se constata quando se descobre sítios, geralmente estão situados em áreas mais elevadas, livre de alagamento como no entorno do farol, cuja altura está a 70 metros acima do nível do mar. Dentre as descobertas da equipe de arqueologia, o sítio guarani na comunidade de Ilhas, chamou atenção.
Segundo os pesquisadores, com base nos elementos identificados, restos de fogueira, artefatos cerâmicos, etc., tudo leva a crer que o respectivo aldeamento com área aproximada de 200 m X 200 m foi um aldeamento considerado permanente. Isso significa que os demais sítios encontrados, como do Morro dos Conventos, partindo das características como tamanho e volume de cascas e peças encontradas, foram aldeamentos provisórios, ou seja, pequenos grupos aproveitando os sambaquis, montavam seus acampamentos e ali permaneciam por um determinado período. Depois de coletando os suprimentos, mariscos, peixes e o abatimento de pequenos mamíferos, desfaziam o acampamento e se transferiam para o aldeamento principal, situado em Ilhas.
Quando questionado sobre a destinação do sítio encontrado em terreno cuja intenção do proprietário é loteá-lo, respondeu que se durante as escavações for comprovado que o material enterrado tem certa relevância para a sociedade, a área do sítio pode ser preservada em consonância com a legislação federal.  Citou exemplo de um loteamento pretendido para o município de Rincão, em que o proprietário teve que ceder 12 lotes para que o sambaqui fosse preservado. Talvez sensibilizado e reconhecendo a importância da preservação de tais monumentos arqueológicos, o proprietário do respectivo loteamento doou mais quatro lotes para que fosse criado um centro de incentivo à cultura e as pesquisas de arqueologia.
Além do mapa que mostra a ação antrópica nas áreas ocupadas por sítios, chamou a atenção também o mapa que descreve a  vegetação.  Segundo o professor, para a arqueologia o aspecto paisagístico é imprescindível para os pesquisadores. Isso porque quando certos grupos pré-históricos procuram se instalar em determinados terrenos, uma das preocupações dos grupos foi com a água e a vegetação.  A partir desses elementos se torna possível obter mais informações sobre o modo como se organizavam e suas relações com o ambiente do entorno. Deixou nítido o professor que o poder público tem a responsabilidade de preservar os 54 sítios identificados. Que o caminho é promover o diálogo com todos os seguimentos da sociedade, órgãos públicos, associações de moradores, entre outras. Caso não o faça seguramente todo esse rico patrimônio desaparecerá. Um exemplo são os municípios de Balneário Comburiu entre outros que pela inexistência de políticas públicas de ocupação ordenada os sítios arqueológicos foram destruídos.
Elisa perguntou ao palestrante quais as medidas que devem ser tomadas quando se descobre sítios, e quanto ao município, que ações devem tomar. Juliano respondeu que quem deveria protegê-lo, mapeá-lo, dialogar ações de proteção seria o Iphan, que existem três autarquias regionais, onde a autarquia mais próxima está localizada em Laguna. No entanto devido à falta de pessoas e recursos, como alegam, seguramente são as universidades que vem atuando. Os municípios na ausência do Iphan devem providenciar ações para resguardá-los, como vem fazendo os municípios de Laguna e Jaguaruna com a fixação de placas. Além do mais, os municípios citados, por meio de suas fundações culturais, procuram divulgar o patrimônio à sociedade.
Para o município de Araranguá a arqueologia poderia ser uma grande parceira na divulgação e promoção do desenvolvimento da região. No entanto vem perdendo uma grande oportunidade em envolver a comunidade, as escolas, para preservar e divulgar, transformando-o em atrativo turístico. A prefeitura poderia disponibilizar placas ou criar infraestrutura de tal modo que proporcionasse a visitação dos sítios em especial do abrigo sobre rocha.   A própria tese defendida pelo professor Juliano traz na sua conclusão referência aos sítios identificados no Morro dos Conventos, sua importância e o modo como o poder público de explorá-lo para promover o desenvolvimento do município. Segundo Juliano: “Os sítios do Morro dos Conventos são bons exemplos do potencial museuológico que a região oferece, transformados em museu ao ar livre, com visitas orientadas dentro de um plano de turismo cultural sustentável, que inclua a comunidade”.
Quando faz referência a arqueologia histórica está se referindo aos agrupamentos mais recentes como os quilombolas entre outros que habitaram um determinado território, cujas ruínas deixadas servem de material documental. Elisa levantou questionamento se a antropologia não busca identificar o homem não a partir do nascimento, mas do que veio antes, dos vestígios deixados. Que nós seres contemporâneos possuímos elementos culturais desse povo anterior. Josie, pesquisado do Ipat, respondeu que tanto a antropologia como a arqueologia trabalham com a herança genética, que o ambiente onde viveram são decisivos no processo de pesquisa. Além do mais a arqueologia ajuda a compreender o modo como os grupos humanos se apoderam das paisagens, ajuda a pensar o território, sua relação com os fenômenos climáticos, sua previsibilidade de médio e longo prazo.

Prof. Jairo Cezar

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