Experiências
de Educação Patrimonial difundidas na Escola Estadual do Bairro Morro dos Conventos
Se
as proposições visando a proteção e a valorização do patrimônio geoecológico e
arqueológico do Morro dos Conventos, como os sítios pré-históricos e demais
elementos da cultura imaterial histórica, é prerrogativa do poder público e os
departamentos de cultura e educação municipais, a escola estadual do Morro dos Conventos
já saiu na frente, tornando-se a pioneira nesse quesito. As iniciativas tiveram
início na década de 1990 quando a escola foi convertida em unidade de ensino
fundamental de primeira a oitava série. Talvez inspirada nas aulas de história cujos
debates sempre convergiam para o campo da pré-história e história local, das
notícias de embarcações de piratas acostadas na orla, de tesouros enterrados, de
índios habitando as matas, de convento nas proximidades do farol, entre outras
tantos causos relatados pelos mais velhos, que durante a escavação para
instalação de uma fossa em uma residência próxima a escola, um artefato
cerâmico (urna funerária guarani) foi encontrado.
Os
estudantes, que estavam em aula naquele momento, quando souberam o raro
episódio, foram ao local, coletaram o objeto e levaram até a residência do Professor
Jairo, na época lecionava história na própria unidade de ensino. Surpreendido
com o objeto e constatando que se tratava possivelmente de um artefato guarani,
o objeto foi encaminhado para o museu de história da Unesc, pois naquele
momento no município de Araranguá não havia ainda local apropriado para
acomodar a peça. Mas as descobertas não cessaram. Com a crença de que piratas
navegaram pela costa araranguaense e teriam ancorado suas embarcações e enterrados
potes com tesouro em lugares estratégicos como a furna no balneário, levou
muitas pessoas à “caça ao tesouro”, ou seja, procurarem os tais tesouros
enterrados em algum lugar.
A
confirmação de que a “caça ao tesouro” não era lenda vista nos livros de
literatura, ocorreu quando estudantes da mesma escola apareceram na residência do
professor de história transportando sacas contendo fosseis, ossos humanos
colhidos do interior da furna, identificada hoje como abrigo sobre pedra.
Embasbacado com aquela cena um tanto quanto surreal, o professor tomou os
artefatos e guardou-o consigo. A dúvida, portanto, era saber se os respectivos fósseis
encontrados eram realmente de grupos pré-históricos que utilizavam a furna como
local para sepultamento, ou pertenciam a humanos mais recentes, desertores de
guerras, religiosos que habitavam o local, entre outros.
Como
integrante na época da ONG Sócios da Natureza, o encaminhamento que tomaram foi
convidar profissionais do IPHAN/SC para vir ao Morro dos Conventos e inspecionar
o interior da furna, local dos achados. O arqueólogo quando adentrou ao
interior da furna confirmou ter sido ali um local de sepultamento, que para ele
poderia pertencer a grupos pré-históricos. Na vistoria, não foram encontrados
mais esqueletos humanos, porém, o que havia eram pedaços de esteiras transados,
que segundo o pesquisador, poderia se caracterizar como uma espécie de manto, onde
o corpo morto era envolto e enterrado. Disse que, observando os buracos feitos
no solo, possivelmente com uso de dinamites, que o ambiente tinha sido
totalmente descaracterizado, porém, poderia ser objeto de estudos futuros para
a arqueologia, história e outras ciências afins.
Com
a remoção do professor para a escola estadual da polícia rodoviária, manteve
contato permanente com o Morro dos Conventos levando estudantes quase que
semanalmente para estudos de arqueologia e meio ambiente envolvendo as
disciplinas de história e geografia. Na década de 2000 atuando como professor na
Unibave-Orleans sentiu-se estimulado matricular-se como aluno ouvinte da
disciplina de Arqueologia do curso de Museulogia oferecido pela instituição. O
contato com a disciplina, cujo professor ministrante era Rodrigo Lavina,
proporcionou aos estudantes momentos de extrema fascinação, especialmente das
saídas a campo para a observação dos sítios e buscam de artefatos, pontas de
flechas, cacos de cerâmica, descartados pelo território.
As
oficinas oferecidas com produção de artefatos cerâmicos, confecção de pontas de
flechas, foram, indiscutivelmente, o ponto alto das aulas de Arqueologia. Em
2007 diante das constantes reportagens divulgadas pela imprensa noticiando
problemas de vandalismo e lixo depositado sobre todo o frágil ecossistema do
Morro dos Conventos, mais uma vez foi solicitada junto a gerencia regional de
educação de Araranguá a transferência provisória do professor para a escola
estadual do bairro, com a intenção de desenvolver com o apoio do corpo docente
e discente projetos voltados ao estudo e compreensão da complexidade
geomorfológica, social, cultural e ambiental do bairro. A idéia era promover
mudanças significativas no currículo da escola, possibilitando que cada
disciplina inserisse temas específicos que abordassem as potencialidades e os problemas
do balneário.
Atrair
a comunidade para o interior da escola, envolvê-la nas discussões e projetos
passou a ser também um dos principais desafios da instituição de ensino. Embora
a presença da comunidade fosse maior em eventos festivos como festas juninas,
feiras escolares e outras datas comemorativas, o objetivo agora seria construir
uma cultura de participação efetiva no processo educacional, cujo Projeto
Político Pedagógico muito ressalta. Se a população do Morro dos Conventos,
privilegiada por habitar um dos cartões postais mais deslumbrantes e
significativos do Brasil, qual seria a razão de estar se eximindo dos problemas
envolvendo os ambientes frágeis e suas soluções. Reconstruir a memória social do
bairro tornou-se uma das primeiras propostas discutidas pela equipe
articuladora.
A
intenção seria fazer com que os estudantes e os professores tivessem
familiaridade com história do bairro, identificada como uma das primeiras ocupações
do extremo sul de Santa Catarina, destacando as comunidades de Morro Agudo e
Ilhas, cujos traços culturais remontam aos açorianos. Tendo contato com a ata
de matrícula dos estudantes da escola entre os anos de 1963 a 1994 foi possível
reconstruir o ambiente geográfico e cotidiano da comunidade. As informações
descritas no documento ajudaram a entender o processo de ocupação do bairro, a
constituição étnica, as profissões predominantes, a religiosidade e a
escolaridade das famílias residentes. Foram dados importantes que auxiliaram os
professores na compreensão do modo como os grupos familiares estavam e estão constituídos
e suas visões relativas ao modo como compreendem o ambiente em que habitam.
Mediante
a iniciativa de uma professora de língua portuguesa, inserida no projeto
memória, a mesma conseguiu sensibilizar e estimular os estudantes das duas
últimas séries do ensino fundamental para produzissem um documentário
retratando o bairro, passado e presente, com o emprego de entrevistas e imagens
dos vários elementos que compõem o cenário do bairro. Em dez minutos o
documentário retrata os aspectos da geografia e da antiga arquitetura do bairro
entrecruzando com as falas dos entrevistados que expõem suas vidas, aventuras,
tristezas, alegrias, etc. Como não bastasse, diante da extraordinária riqueza cultural
do bairro, em 2013 um grupo de estudantes da UFSC, Campus Araranguá, participou
de um projeto de produção de um documentário que tratou sobre a cultura do boi
de mamão no bairro.
Outras
tantas oficinas culturais foram desenvolvidas durante os sete anos que o
professor permaneceu na escola. Entre os inúmeros projetos culturais,
ambientais, a oficina retratando o cotidiano guarani sem sombra de dúvida se
caracterizou como um dos principais acontecimentos da escola. O envolvimento de
todos os profissionais e estudantes da escola na oficina permitiu que
compreendessem a complexidade que é o dia a dia desse grupo, bem como o papel
das mulheres que além de cuidar dos filhos tinham a função de produzir os
artefatos cerâmicos utilizados nos afazes domésticos e rituais religiosos.
Mesmo com toda a gama de conhecimento e tecnologia que cercam as atuais
culturas, na queima dos artefatos resultantes das oficinas muitos não
resistiram ao fogo e se fragmentaram. A conclusão que os estudantes chegaram
foi perceber que as mulheres guarani eram extremamente habilidosas na arte da
cerâmica, que temos muito a aprender com elas.
Com
a confirmação da existência de inúmeros sítios arqueológicos no interior e na
faixa costeira do município de Araranguá, dados relatados na tese defendida
pelo professor Juliano Bittencourt, do Ipat/Unesc, abre novas perspectivas de
tornar o município de Araranguá um dos principais pólos de estudo da
arqueologia, cujo poder público poderá aproveitar-se desse potencial
convergindo esforços no desenvolvimento de toda uma complexa infraestrutura que
torne os sítios em potencialidades turísticas atraindo visitantes durante todo
o ano. Que segundo o pesquisador Juliano, nas considerações do seu trabalho ele
diz que: “Os sítios do Morro dos Conventos são bons exemplos do potencial
museuológico que a região oferece, transformados em museu ao ar livre, com
visitas orientadas dentro de um plano de turismo cultural sustentável, que
inclua a comunidade”. Na própria
pesquisa o professor chama atenção da necessidade de envolver a comunidade
nesse processo, sem ela, e em especial dos estudantes da escola da comunidade
dificilmente será possível obter êxitos, muito menos assegurar a integridade
dos sítios seriamente ameaçados de desaparecerem definitivamente.
Prof.
Jairo Cezar
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