terça-feira, 9 de junho de 2015

Experiências de Educação Patrimonial difundidas na Escola Estadual do Bairro Morro dos Conventos

Se as proposições visando a proteção e a valorização do patrimônio geoecológico e arqueológico do Morro dos Conventos, como os sítios pré-históricos e demais elementos da cultura imaterial histórica, é prerrogativa do poder público e os departamentos de cultura e educação municipais, a escola estadual do Morro dos Conventos já saiu na frente, tornando-se a pioneira nesse quesito. As iniciativas tiveram início na década de 1990 quando a escola foi convertida em unidade de ensino fundamental de primeira a oitava série. Talvez inspirada nas aulas de história cujos debates sempre convergiam para o campo da pré-história e história local, das notícias de embarcações de piratas acostadas na orla, de tesouros enterrados, de índios habitando as matas, de convento nas proximidades do farol, entre outras tantos causos relatados pelos mais velhos, que durante a escavação para instalação de uma fossa em uma residência próxima a escola, um artefato cerâmico (urna funerária guarani) foi encontrado.
Os estudantes, que estavam em aula naquele momento, quando souberam o raro episódio, foram ao local, coletaram o objeto e levaram até a residência do Professor Jairo, na época lecionava história na própria unidade de ensino. Surpreendido com o objeto e constatando que se tratava possivelmente de um artefato guarani, o objeto foi encaminhado para o museu de história da Unesc, pois naquele momento no município de Araranguá não havia ainda local apropriado para acomodar a peça. Mas as descobertas não cessaram. Com a crença de que piratas navegaram pela costa araranguaense e teriam ancorado suas embarcações e enterrados potes com tesouro em lugares estratégicos como a furna no balneário, levou muitas pessoas à “caça ao tesouro”, ou seja, procurarem os tais tesouros enterrados em algum lugar.
A confirmação de que a “caça ao tesouro” não era lenda vista nos livros de literatura, ocorreu quando estudantes da mesma escola apareceram na residência do professor de história transportando sacas contendo fosseis, ossos humanos colhidos do interior da furna, identificada hoje como abrigo sobre pedra. Embasbacado com aquela cena um tanto quanto surreal, o professor tomou os artefatos e guardou-o consigo. A dúvida, portanto, era saber se os respectivos fósseis encontrados eram realmente de grupos pré-históricos que utilizavam a furna como local para sepultamento, ou pertenciam a humanos mais recentes, desertores de guerras, religiosos que habitavam o local, entre outros.
Como integrante na época da ONG Sócios da Natureza, o encaminhamento que tomaram foi convidar profissionais do IPHAN/SC para vir ao Morro dos Conventos e inspecionar o interior da furna, local dos achados. O arqueólogo quando adentrou ao interior da furna confirmou ter sido ali um local de sepultamento, que para ele poderia pertencer a grupos pré-históricos. Na vistoria, não foram encontrados mais esqueletos humanos, porém, o que havia eram pedaços de esteiras transados, que segundo o pesquisador, poderia se caracterizar como uma espécie de manto, onde o corpo morto era envolto e enterrado. Disse que, observando os buracos feitos no solo, possivelmente com uso de dinamites, que o ambiente tinha sido totalmente descaracterizado, porém, poderia ser objeto de estudos futuros para a arqueologia, história e outras ciências afins.
Com a remoção do professor para a escola estadual da polícia rodoviária, manteve contato permanente com o Morro dos Conventos levando estudantes quase que semanalmente para estudos de arqueologia e meio ambiente envolvendo as disciplinas de história e geografia. Na década de 2000 atuando como professor na Unibave-Orleans sentiu-se estimulado matricular-se como aluno ouvinte da disciplina de Arqueologia do curso de Museulogia oferecido pela instituição. O contato com a disciplina, cujo professor ministrante era Rodrigo Lavina, proporcionou aos estudantes momentos de extrema fascinação, especialmente das saídas a campo para a observação dos sítios e buscam de artefatos, pontas de flechas, cacos de cerâmica, descartados pelo território.
As oficinas oferecidas com produção de artefatos cerâmicos, confecção de pontas de flechas, foram, indiscutivelmente, o ponto alto das aulas de Arqueologia. Em 2007 diante das constantes reportagens divulgadas pela imprensa noticiando problemas de vandalismo e lixo depositado sobre todo o frágil ecossistema do Morro dos Conventos, mais uma vez foi solicitada junto a gerencia regional de educação de Araranguá a transferência provisória do professor para a escola estadual do bairro, com a intenção de desenvolver com o apoio do corpo docente e discente projetos voltados ao estudo e compreensão da complexidade geomorfológica, social, cultural e ambiental do bairro. A idéia era promover mudanças significativas no currículo da escola, possibilitando que cada disciplina inserisse temas específicos que abordassem as potencialidades e os problemas do balneário.
Atrair a comunidade para o interior da escola, envolvê-la nas discussões e projetos passou a ser também um dos principais desafios da instituição de ensino. Embora a presença da comunidade fosse maior em eventos festivos como festas juninas, feiras escolares e outras datas comemorativas, o objetivo agora seria construir uma cultura de participação efetiva no processo educacional, cujo Projeto Político Pedagógico muito ressalta. Se a população do Morro dos Conventos, privilegiada por habitar um dos cartões postais mais deslumbrantes e significativos do Brasil, qual seria a razão de estar se eximindo dos problemas envolvendo os ambientes frágeis e suas soluções. Reconstruir a memória social do bairro tornou-se uma das primeiras propostas discutidas pela equipe articuladora.
A intenção seria fazer com que os estudantes e os professores tivessem familiaridade com história do bairro, identificada como uma das primeiras ocupações do extremo sul de Santa Catarina, destacando as comunidades de Morro Agudo e Ilhas, cujos traços culturais remontam aos açorianos. Tendo contato com a ata de matrícula dos estudantes da escola entre os anos de 1963 a 1994 foi possível reconstruir o ambiente geográfico e cotidiano da comunidade. As informações descritas no documento ajudaram a entender o processo de ocupação do bairro, a constituição étnica, as profissões predominantes, a religiosidade e a escolaridade das famílias residentes. Foram dados importantes que auxiliaram os professores na compreensão do modo como os grupos familiares estavam e estão constituídos e suas visões relativas ao modo como compreendem o ambiente em que habitam.
Mediante a iniciativa de uma professora de língua portuguesa, inserida no projeto memória, a mesma conseguiu sensibilizar e estimular os estudantes das duas últimas séries do ensino fundamental para produzissem um documentário retratando o bairro, passado e presente, com o emprego de entrevistas e imagens dos vários elementos que compõem o cenário do bairro. Em dez minutos o documentário retrata os aspectos da geografia e da antiga arquitetura do bairro entrecruzando com as falas dos entrevistados que expõem suas vidas, aventuras, tristezas, alegrias, etc. Como não bastasse, diante da extraordinária riqueza cultural do bairro, em 2013 um grupo de estudantes da UFSC, Campus Araranguá, participou de um projeto de produção de um documentário que tratou sobre a cultura do boi de mamão no bairro.
Outras tantas oficinas culturais foram desenvolvidas durante os sete anos que o professor permaneceu na escola. Entre os inúmeros projetos culturais, ambientais, a oficina retratando o cotidiano guarani sem sombra de dúvida se caracterizou como um dos principais acontecimentos da escola. O envolvimento de todos os profissionais e estudantes da escola na oficina permitiu que compreendessem a complexidade que é o dia a dia desse grupo, bem como o papel das mulheres que além de cuidar dos filhos tinham a função de produzir os artefatos cerâmicos utilizados nos afazes domésticos e rituais religiosos. Mesmo com toda a gama de conhecimento e tecnologia que cercam as atuais culturas, na queima dos artefatos resultantes das oficinas muitos não resistiram ao fogo e se fragmentaram. A conclusão que os estudantes chegaram foi perceber que as mulheres guarani eram extremamente habilidosas na arte da cerâmica, que temos muito a aprender com elas.
Com a confirmação da existência de inúmeros sítios arqueológicos no interior e na faixa costeira do município de Araranguá, dados relatados na tese defendida pelo professor Juliano Bittencourt, do Ipat/Unesc, abre novas perspectivas de tornar o município de Araranguá um dos principais pólos de estudo da arqueologia, cujo poder público poderá aproveitar-se desse potencial convergindo esforços no desenvolvimento de toda uma complexa infraestrutura que torne os sítios em potencialidades turísticas atraindo visitantes durante todo o ano. Que segundo o pesquisador Juliano, nas considerações do seu trabalho ele diz que: “Os sítios do Morro dos Conventos são bons exemplos do potencial museuológico que a região oferece, transformados em museu ao ar livre, com visitas orientadas dentro de um plano de turismo cultural sustentável, que inclua a comunidade”.  Na própria pesquisa o professor chama atenção da necessidade de envolver a comunidade nesse processo, sem ela, e em especial dos estudantes da escola da comunidade dificilmente será possível obter êxitos, muito menos assegurar a integridade dos sítios seriamente ameaçados de desaparecerem definitivamente. 

Prof. Jairo Cezar

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