As
verdades omitidas sobre a redução da maioridade penal
É um
tanto quanto questionável quando seguimentos ultraconservadores do congresso
nacional aproveitando-se do momento de instabilidade no qual passa a sociedade e
o oportunismo flagrante da grande mídia nacional colocam no centro do debate a
redução da maioridade penal como um dos assuntos relevantes da pauta política.
Não é a toa que por trás dessa proposta reformista neoliberal há interesses
óbvios de setores políticos (deputados) e da própria iniciativa privada em
obter concessões de outorgas para construção de novos presídios. Paradoxalmente,
o seguimento penitenciário é visto como um negócio lucrativo, sendo que a
redução da idade penal irá seguramente expandir as demandas por novos
presídios, que por sua vez multiplicarão os lucros de outros setores ligados a
segurança pública e privada.
É
importante esclarecer que no Brasil, enquanto o gasto público por estudante/ano,
em tempo integral, pouco ultrapassa os quinhentos reais, no setor carcerário o
valor aproxima os três mil reais/ano. Mesmo assim, essas instituições que
deveriam cumprir com sua função de reabilitar o infrator, se constituem em
depósitos de pessoas, verdadeiras panelas de pressão prestes a explodir como da
rebelião ocorrida em presídio no Maranhão em 2013 resultando em nove
mortes. Se observarmos com atenção o conteúdo
dos noticiários divulgados pelos telejornais diários chama atenção a enormidade
de reportagens que dão ênfase à violência, à criminalidade, o tráfico de
drogas, entre outros delitos. Raros, portanto, são os episódios reportados cuja
ocorrência tenha sido em bairros cuja população é mais abastada economicamente.
Nada disso, geralmente os incidentes, com mortes, são em áreas desassistidas
pelo Estado, tendo geralmente o tráfico de drogas como elemento motivador.
Dentre
os envolvidos nesse simulacro de violência está, comumente, a população negra, na
sua maioria crianças e adolescentes advindas de famílias esfaceladas, sem
qualquer perspectiva de futuro. O problema, portanto, deve ser interpretado como
uma patologia social de caráter política, ou seja, condicionada a escassez de
investimentos pesados em políticas públicas em educação, saúde, lazer,
saneamento básico etc. O Estado, portanto, não pode ser eximido dessa culpa
histórica quando deixa de cumprir leis importantes como os Art. 5° e 6° da
Constituição Federal que trata sobre princípios básicos à dignidade humana.
Sendo assim, o não cumprimento aos preceitos constitucionais torna-se mais
fácil prender que assisti com educação a sociedade. Qualquer indivíduo com o
mínimo de esclarecimento consegue compreender que enquanto no Brasil bilhões de
reais são sonegados ou desviados em operações fraudulentas, sem que os culpados
sejam realmente punidos, em nada adianta aprovar leis e mais leis como da
redução da maioridade idade penal. Isso porque expressiva parcela das vítimas de
violência são menores cujos ambientes em que vivem sofrem todo tipo de descaso
público.
São
bairros que não apresentam as mínimas condições de infraestrutura básica, que
adicionado a outros fatores negativos como escolas precárias, desemprego e
escassez de espaços de lazer, transformam crianças e adolescentes em prezas
fáceis do crime, engordando as estatísticas da violência e do número de condenados
depositados em presídios e centos de recuperação de menores infratores, sem que
tenham o mínimo de infraestrura para a reeducação, a ressocialização. Entretanto
crianças e adolescentes são mais vítimas que protagonistas de homicídios no
Brasil e as estatísticas comprovam essa afirmação. Para se ter idéia o número
de homicídios de crianças e adolescentes entre 1980 a 2010 cresceu 346%, ou
seja, mais de 176 mil indivíduos foram mortos nesse período. Somente em 2010,
foram 8.686, isto é, 24 homicídios por dia. Para se ter noção da carnificina contra
adolescentes e crianças brasileiras, o Brasil, segundo a OMS (Organização
Mundial da Saúde), está na quarta posição, entre 92 países pesquisados, em
número de assassinatos. São 13 homicídios para cada cem mil pessoas. É 50 a 150
vezes maior que em países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália,
Egito, etc., cujas taxas mal chegam a 0,2% de homicídio[1].
Vem
se tornando rotina reportagens mostrando rebeliões em presídios brasileiros sendo
que os motivos resultam da superlotação. Se os centros de detenções, hoje
existentes, não conseguem atender a demanda, como ficarão a partir do momento
que lei estabelecer a maioridade penal? Acreditar que com a redução será possível assegurar à paz, à segurança nas
praças e cidades brasileiras como imaginam parcela expressiva dos congressistas
e da população, é com certeza um pensamento pouco inteligente com escassa
compreensão das legislações em vigor e da realidade social brasileira. Não é
com reformas ou novas leis que se resolverão problemas estruturais como a
violência cuja causa está no próprio modelo econômico que se alimenta da
exclusão, da exploração do trabalho e, pasmem, da própria violência. Se um país
como o Brasil onde quase quinhentos bilhões de reis são sonegados ou não
declarados anualmente no imposto de renda, e o pouco que é arrecadado é mal gerido,
já é de se acreditar que o resultado é o que estamos acompanhando diariamente, escolas
e hospitais públicos aos pedaços e crianças e adolescentes pelas ruas sem
qualquer expectativa de futuro.
Enquanto
isso a população brasileira acompanha atônita através da grande mídia as repetidas
denúncias diárias de fraudes, corrupções entre outros crimes envolvendo figuras
expressivas que comandam empresas importantes como a Petrobras e grandes
empreiteiras. São bilhões de reais solapados dos cofres públicos transferidos
para paraísos fiscais que poderiam ser aplicados na reforma de escolas públicas
ou em projetos de infraestrutura que assegurasse o acesso das crianças das
áreas de risco a projetos culturais em horário integral. Em qualquer democracia
que se preza que considera a opinião pública como princípio elementar para
tratar de questões polêmicas como a redução da maioridade idade penal deveria,
antes de tudo, promover um grande diálogo nacional, para depois sim consultar a
população mediante plebiscito, como o que ocorreu no passado recente para
tratar sobre o desarmamento.
Países
sul americano como o Equador e o Uruguai se utilizaram com eficiência desse
dispositivo para tratar também de temas complexos e polêmicos semelhantes. Por
que não adotar também esse procedimento no Brasil? Por que vem se isentando
desse importante mecanismo? Talvez pelo fato de não querer envolver a sociedade
na discussão, pois certamente, lhe capacitaria compreender os bastidores deste
cenário cujos atores envolvidos, na sua maioria, legislam em benefício próprio
ou de seus patrocinadores. Seguramente
os 80% da população influenciada pela mídia, que se posicionaram favoráveis a
redução da maioridade penal, mudariam de opinião acerca da proposta. No
entanto, poucas são as expectativas de que tais ações serão concretizadas. Isso
porque não há interesse do atual congresso ultraconservador que representa os
interesses não da sociedade, mas de uma fração abastada assentada na ignorância
e na marginalidade de milhões de brasileiros.
O
exemplo disso são os resultados já sabidos sobre a pseudo reforma política que
está em curso. Tudo que está sendo feito é promover mudanças de tal modo que nada se mude e assim assegurar o domínio sobre
toda estrutura de poder. E quanto aos ajustes estruturais cujos protagonistas
insistem em afirmar que são para
restabelecer os rumos da economia do Brasil, escondem do povo que o plano é
aumentar os lucros do capital especulativo intensificando a recessão, o
desemprego, a miséria social e a violência generalizada. Promover mudanças
paliativas sem alterar a base de sustentação da estrutura de poder mantém
inabalada as benesses que tal sistema proporciona aos donos do poder. Outro
aspecto que está sendo desconsiderado ou negligenciado pelo congresso quando a
proposta de redução da maioridade penal, é que já existem legislações
específicas que tratam desse assunto.
O
próprio ECA(Estatuto da Criança e do Adolescente) define penalidades e ações
corretivas para os infratores entre 12 a 18 anos. O que se vê é a inoperância
do próprio Estado em não oferecer condições mínimas para que o adolescente
infrator possa se recuperar. Por último, outro aspecto que deve ser ressaltado
na questão da maioridade penal são as inúmeras legislações, resoluções ou
convenções internacionais, muitas das quais assinadas pelo Brasil, que asseguram
proteção à criança e ao adolescente, que não são compridas. Dentre as
legislações destacam: a Constituição Federal, os Art. 5º e 6º; a Doutrina de Proteção Integral do Direito
Brasileiro, sobre direitos universais da criança e a Convenção sobre Direito da
Criança e do Adolescente, da ONU em que o Brasil é um dos países signatários.
Diante
do exposto, é preciso refletir a forma como tal assunto vem sendo tratado por
aqueles que teriam por função fiscalizar e exigir do Estado brasileiro o cumprimento
das legislações e convenções em vigor. As mais importantes são as que tratam sobre
as garantias dos programas de prevenção criminal; assistência social eficazes
às comunidades mais pobres e educação pública e de qualidade para todos. São
essas entre outras metas mínimas que o Estado deveria cumprir e não cumpre. Não
assegurando as metas mínimas definidas em leis ou convenções o resultado é o
que estamos hoje vivenciando, um país que ao mesmo tempo adota como lema de
governo “Estado Pátria Educadora”, bilhões de reais são suprimidos do orçamento
para educação e escolas públicas em todo Brasil estão sendo interditadas pelo
simples motivo de não garantir as mínimas condições de segurança. .
Prof.
Jairo Cezar
[1]
http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/30/18-razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/
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