terça-feira, 16 de junho de 2015

As verdades omitidas  sobre a redução da maioridade penal

É um tanto quanto questionável quando seguimentos ultraconservadores do congresso nacional aproveitando-se do momento de instabilidade no qual passa a sociedade e o oportunismo flagrante da grande mídia nacional colocam no centro do debate a redução da maioridade penal como um dos assuntos relevantes da pauta política. Não é a toa que por trás dessa proposta reformista neoliberal há interesses óbvios de setores políticos (deputados) e da própria iniciativa privada em obter concessões de outorgas para construção de novos presídios. Paradoxalmente, o seguimento penitenciário é visto como um negócio lucrativo, sendo que a redução da idade penal irá seguramente expandir as demandas por novos presídios, que por sua vez multiplicarão os lucros de outros setores ligados a segurança pública e privada.
É importante esclarecer que no Brasil, enquanto o gasto público por estudante/ano, em tempo integral, pouco ultrapassa os quinhentos reais, no setor carcerário o valor aproxima os três mil reais/ano. Mesmo assim, essas instituições que deveriam cumprir com sua função de reabilitar o infrator, se constituem em depósitos de pessoas, verdadeiras panelas de pressão prestes a explodir como da rebelião ocorrida em presídio no Maranhão em 2013 resultando em nove mortes.  Se observarmos com atenção o conteúdo dos noticiários divulgados pelos telejornais diários chama atenção a enormidade de reportagens que dão ênfase à violência, à criminalidade, o tráfico de drogas, entre outros delitos. Raros, portanto, são os episódios reportados cuja ocorrência tenha sido em bairros cuja população é mais abastada economicamente. Nada disso, geralmente os incidentes, com mortes, são em áreas desassistidas pelo Estado, tendo geralmente o tráfico de drogas como elemento motivador.
Dentre os envolvidos nesse simulacro de violência está, comumente, a população negra, na sua maioria crianças e adolescentes advindas de famílias esfaceladas, sem qualquer perspectiva de futuro. O problema, portanto, deve ser interpretado como uma patologia social de caráter política, ou seja, condicionada a escassez de investimentos pesados em políticas públicas em educação, saúde, lazer, saneamento básico etc. O Estado, portanto, não pode ser eximido dessa culpa histórica quando deixa de cumprir leis importantes como os Art. 5° e 6° da Constituição Federal que trata sobre princípios básicos à dignidade humana. Sendo assim, o não cumprimento aos preceitos constitucionais torna-se mais fácil prender que assisti com educação a sociedade. Qualquer indivíduo com o mínimo de esclarecimento consegue compreender que enquanto no Brasil bilhões de reais são sonegados ou desviados em operações fraudulentas, sem que os culpados sejam realmente punidos, em nada adianta aprovar leis e mais leis como da redução da maioridade idade penal. Isso porque expressiva parcela das vítimas de violência são menores cujos ambientes em que vivem sofrem todo tipo de descaso público.
São bairros que não apresentam as mínimas condições de infraestrutura básica, que adicionado a outros fatores negativos como escolas precárias, desemprego e escassez de espaços de lazer, transformam crianças e adolescentes em prezas fáceis do crime, engordando as estatísticas da violência e do número de condenados depositados em presídios e centos de recuperação de menores infratores, sem que tenham o mínimo de infraestrura para a reeducação, a ressocialização. Entretanto crianças e adolescentes são mais vítimas que protagonistas de homicídios no Brasil e as estatísticas comprovam essa afirmação. Para se ter idéia o número de homicídios de crianças e adolescentes entre 1980 a 2010 cresceu 346%, ou seja, mais de 176 mil indivíduos foram mortos nesse período. Somente em 2010, foram 8.686, isto é, 24 homicídios por dia.  Para se ter noção da carnificina contra adolescentes e crianças brasileiras, o Brasil, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), está na quarta posição, entre 92 países pesquisados, em número de assassinatos. São 13 homicídios para cada cem mil pessoas. É 50 a 150 vezes maior que em países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito, etc., cujas taxas mal chegam a 0,2% de homicídio[1].
Vem se tornando rotina reportagens mostrando rebeliões em presídios brasileiros sendo que os motivos resultam da superlotação. Se os centros de detenções, hoje existentes, não conseguem atender a demanda, como ficarão a partir do momento que lei estabelecer a maioridade penal? Acreditar que com a redução  será possível assegurar à paz, à segurança nas praças e cidades brasileiras como imaginam parcela expressiva dos congressistas e da população, é com certeza um pensamento pouco inteligente com escassa compreensão das legislações em vigor e da realidade social brasileira. Não é com reformas ou novas leis que se resolverão problemas estruturais como a violência cuja causa está no próprio modelo econômico que se alimenta da exclusão, da exploração do trabalho e, pasmem, da própria violência. Se um país como o Brasil onde quase quinhentos bilhões de reis são sonegados ou não declarados anualmente no imposto de renda, e o pouco que é arrecadado é mal gerido, já é de se acreditar que o resultado é o que estamos acompanhando diariamente, escolas e hospitais públicos aos pedaços e crianças e adolescentes pelas ruas sem qualquer expectativa de futuro.
Enquanto isso a população brasileira acompanha atônita através da grande mídia as repetidas denúncias diárias de fraudes, corrupções entre outros crimes envolvendo figuras expressivas que comandam empresas importantes como a Petrobras e grandes empreiteiras. São bilhões de reais solapados dos cofres públicos transferidos para paraísos fiscais que poderiam ser aplicados na reforma de escolas públicas ou em projetos de infraestrutura que assegurasse o acesso das crianças das áreas de risco a projetos culturais em horário integral. Em qualquer democracia que se preza que considera a opinião pública como princípio elementar para tratar de questões polêmicas como a redução da maioridade idade penal deveria, antes de tudo, promover um grande diálogo nacional, para depois sim consultar a população mediante plebiscito, como o que ocorreu no passado recente para tratar sobre o desarmamento.
Países sul americano como o Equador e o Uruguai se utilizaram com eficiência desse dispositivo para tratar também de temas complexos e polêmicos semelhantes. Por que não adotar também esse procedimento no Brasil? Por que vem se isentando desse importante mecanismo? Talvez pelo fato de não querer envolver a sociedade na discussão, pois certamente, lhe capacitaria compreender os bastidores deste cenário cujos atores envolvidos, na sua maioria, legislam em benefício próprio ou de seus patrocinadores.  Seguramente os 80% da população influenciada pela mídia, que se posicionaram favoráveis a redução da maioridade penal, mudariam de opinião acerca da proposta. No entanto, poucas são as expectativas de que tais ações serão concretizadas. Isso porque não há interesse do atual congresso ultraconservador que representa os interesses não da sociedade, mas de uma fração abastada assentada na ignorância e na marginalidade de milhões de brasileiros.
O exemplo disso são os resultados já sabidos sobre a pseudo reforma política que está em curso. Tudo que está sendo feito é promover mudanças de tal modo que  nada se mude e assim assegurar o domínio sobre toda estrutura de poder. E quanto aos ajustes estruturais cujos protagonistas insistem em afirmar  que são para restabelecer os rumos da economia do Brasil, escondem do povo que o plano é aumentar os lucros do capital especulativo intensificando a recessão, o desemprego, a miséria social e a violência generalizada. Promover mudanças paliativas sem alterar a base de sustentação da estrutura de poder mantém inabalada as benesses que tal sistema proporciona aos donos do poder. Outro aspecto que está sendo desconsiderado ou negligenciado pelo congresso quando a proposta de redução da maioridade penal, é que já existem legislações específicas que tratam desse assunto.
O próprio ECA(Estatuto da Criança e do Adolescente) define penalidades e ações corretivas para os infratores entre 12 a 18 anos. O que se vê é a inoperância do próprio Estado em não oferecer condições mínimas para que o adolescente infrator possa se recuperar. Por último, outro aspecto que deve ser ressaltado na questão da maioridade penal são as inúmeras legislações, resoluções ou convenções internacionais, muitas das quais assinadas pelo Brasil, que asseguram proteção à criança e ao adolescente, que não são compridas. Dentre as legislações destacam: a Constituição Federal, os Art. 5º e 6º;  a Doutrina de Proteção Integral do Direito Brasileiro, sobre direitos universais da criança e a Convenção sobre Direito da Criança e do Adolescente, da ONU em que o Brasil é um dos países signatários.
Diante do exposto, é preciso refletir a forma como tal assunto vem sendo tratado por aqueles que teriam por função fiscalizar e exigir do Estado brasileiro o cumprimento das legislações e convenções em vigor. As mais importantes são as que tratam sobre as garantias dos programas de prevenção criminal; assistência social eficazes às comunidades mais pobres e educação pública e de qualidade para todos. São essas entre outras metas mínimas que o Estado deveria cumprir e não cumpre. Não assegurando as metas mínimas definidas em leis ou convenções o resultado é o que estamos hoje vivenciando, um país que ao mesmo tempo adota como lema de governo “Estado Pátria Educadora”, bilhões de reais são suprimidos do orçamento para educação e escolas públicas em todo Brasil estão sendo interditadas pelo simples motivo de não garantir as mínimas condições de segurança. . 
Prof. Jairo Cezar    
  



[1] http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/30/18-razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/

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