sábado, 1 de junho de 2024

 

ENTENDA OS IMPACTOS DA SUPRESSÃO DAS ÁREAS DE MARINHA, PEC 03/2022, AOS ECOSSISTEMAS COSTEIROS

IMAGEM - ÁREA DE MARINHA - ARARANGUÁ


Num momento em que o clima  global dá  um monte de sinais de que é preciso repensar, com urgência, as práticas produtivas e ocupacionais que impactam ecossistemas inteiros a ponto de já colapsar o Rio Grande do Sul, o congresso nacional, parlamentares que representam o agronegócio e outros setores  comprometidos com o capital, não perdem tempo em apresentar proposições que se aprovadas poderão replicar tragédias similares ao estado gaúcho em todo o território nacional.  São duas, entre outras, as propostas que estão deixando ambientalistas, pesquisadores e parlamentares com pautas ambientais, extremamente preocupados tamanho o grau de perversidade que ambas trarão aos biomas brasileiros.

A primeira dessas perversidades é a PL 364/19 que trata sobre flexibilização de regras contidas no Código Florestal sobre praticas produtivas e ocupacionais em áreas não florestadas, constituídas por campos de gramíneas e espécies arbustivas.  Essa proposta afetará todos os biomas, totalizando quase 50 milhões de hectares de terras.  Tudo indica que se não houver uma grande reação da sociedade, que dificilmente ocorrerá de fato, o impacto de PL trará mais danos ao bioma do Serrado, pois lá está a nascente dos rios mais importantes que cortam o território brasileiro.

A segunda perversidade em pauta no congresso nacional, agora tramitando no senado, é a PEC 03/2022, que discorre sobre terrenos de marinha, ou seja, os limites de 33 metros a partir da preamar como espaço de segurança nacional. Esse dispositivo que trata sobre área de marinha/união foi sancionado em 1831, durante o regime imperial. Além de ser área de segurança, nesse intervalo de 33 metros estão ecossistemas extremamente frágeis constituídos por complexas faunas. Entretanto, nesses quase duzentos anos de história esses espaços foram paulatinamente sendo ocupados por moradias, comércio e infraestrutura turística.

O fato é que todos os terrenos na área de marinha, aqueles que possuem inscrições de uso, pagam o laudêmio, uma espécie de taxa, junto ao SPU. Do total recebido, vinte por cento retorna ao município. Havendo tal regularização junto ao SPU é possível que se exerça controle mais preciso sobre toda a movimentação dessas áreas, evitando eventuais ocupações particulares ou obras publicas estruturantes de elevado impacto ambiental.  

São inúmeras as legislações atualmente em vigor que disciplinam ou restringem novas ocupações nesse espaço de área da união cujo órgão fiscalizador é o MPF, por ser considerada área federal. A polêmica, criada em relação a PEC, se deve ao fato de que na hipótese de ser aprovada parcela significativa das praias brasileiras tenderão sim a ser privatizadas, a exemplo de muitas que já encontram cercadas atualmente como diversos resorts em cidades nordestinas, até mesmo aqui, em Santa Catarina, a exemplo da praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis.

Por ser uma proposta de Emenda Constitucional, ou seja, algo que vai modificar dispositivos da constituição brasileira, como os Art. 20 e o § 3° do Art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, há exigência para que sejam realizadas audiências públicas com vistas a debater o tema com a sociedade. A audiência ficou sob a coordenação do relator da proposta, o senador Flávio Bolsonaro. Entre os membros convidados para o debate podemos citar a Coordenadora Geral de Departamento de Oceanos e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente, Marinez Gymael Garcia Scherer; a representante do Movimento dos Pescadores Artesanais, Ana Ilda Nogueira Pavão; Gerente Técnica da Associação de Terminais Portuários Privados, Ana Paula Gadotti; a integrante da Secretaria do Patrimônio da União, Carolina Gabasf Stuchi.

Além dessas profissionais da área correlata ao tema, a audiência teve também a participação dos prefeitos de Belém, PA, Edmilson Rodrigues, do PSol, e Topázio Silveira, de Florianópolis, SC. Outros nomes na sequência que tiveram espaço na audiência foram: Reneval Tupinambá Conceição Jr., Diretor Presidente do Instituto Terras do Amapá; Bruno de Oliveira, membro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidencia da República; Senadora Leila Barros, do PDT – DF, Presidente da Comissão do Meio Ambiente do Senado; Deputado Túlio Gadelha, da Rede, DF; Deputado Alceu Moreira, MDB/RS; Senador Marcos Rogério, PL/RO e o Senador Espiridião Amim Elou Filho, PP/SC.        

Ouvindo atentamente as falas dos convidados à audiência, todos/as os/as técnicos/as que compunham a mesa, mais o membro do gabinete de segurança institucional da presidência da república, Bruno de Oliveira, a senadora Leila Barros e o deputado Túlio Gadelha deixaram bem claro/as suas posições que foram contrárias ao que estabelece a PEC. Ambos/as alegando ser a proposta um enorme retrocesso, principalmente em um momento crítico de fortes mudanças climáticas em que está passando o planeta. Os demais, suas posições em defesa da PEC já eram apontadas como previsíveis, pois representam segmentos fortemente beneficiados, como os municípios, que terão o controle quase que definitivo dessas áreas, podendo eles fazer suas gestões e barganhas.

É, portanto, esse ponto, ou seja, a entrega à municipalidade a gestão das áreas de marinha, que reside o impasse, razão pela qual, muitos/as dos/as que estavam na audiência se manifestaram contrários/as a proposta alegando uma série de fatores à melhoria da gestão desses terrenos pelos gestores públicos, dentre elas por conhecerem melhor esses espaços que o ente federal. Um dos que mais criticou a postura dos/as técnicos/as por suas posições de inflexibilidade à aprovação da PEC foi o deputado do MDB/RS Alceu Moreira, onde foi relator do projeto quando transitou pela câmara federal.

Afirmou o deputado que é um absurdo acreditar, criticando algumas falas contrárias a PEC, que a entrega dessas áreas aos municípios vai se transformar um grande balcão de negócios espúrios, vistos alguns vícios administrativos rotineiros nessas instâncias de poder. Quem conhece o deputado gaúcho sabe que ele também é autor de outro projeto de lei polêmico e de enorme impacto ambiental, que tramita na câmara federal, o PL 364/2019, cuja ementa trata sobre a “utilização e proteção da vegetação nativa dos campos de altitude associados ou abrangidos pelo bioma da Mata Atlântica”. Na realidade a proposta em tela vai muito além das áreas de campos gerais, podendo colocar em risco de destruição cerca de 50 milhões de hectares de áreas não florestadas distribuídos nos diversos biomas.

Tem consistência os alertas levantados pelos técnicos, entre outras, presentes na audiência, que se posicionaram contrárias a PEC, admitindo que a entrega das áreas de marinha aos prefeitos causarão transtornos e impactos irreversíveis a esses frágeis ecossistemas. Exemplos são os que não faltam para assegurar tal afirmação. Poderemos usar como referência o município de Araranguá, que possui quase vinte quilômetros de costa oceânica. As investidas duvidosas dos gestores públicos nesses espaços, áreas de marinha e adjacentes, por exemplo, acontecia de forma tão escancarada que um grupo de ambientalistas resolveu fundar um OSCIP na tentativa de frear tanta barbaridade àqueles frágeis ecossistemas.

Desde 2011, a partir da fundação da OSCIP foram inúmeras as intervenções dos órgãos ambientais, Policia Ambiental, MPSC e MPF, junto à administração municipal e ao seu órgão ambiental por suspeitas de cometimento de vícios em atos de licenciamentos. Em 2012 uma ação conjunta envolvendo, OSCIP PRESERV’AÇÃO, MPSC, MPF e FAMA detectaram inúmeras irregularidades em construções, reformas e supressão de vegetação em área de restinga, parte baixa do balneário Morro dos Conventos. Das infrações constatadas se destacaram a inexistência de licenças ou uso dessas para outro fim e não o pretendido de fato, às reformas dos empreendimentos. .

Diferente de muitos municípios brasileiros situados na costa litorânea, Araranguá realizou seu plano, Projeto Orla, entre 2014 a 2016. O plano visou discutir junto com as entidades civis, empresariais e governamentais, propostas com o intuito de definir regras disciplinares de intervenções nessas áreas. No final, toda a faixa costeira do município foi fracionada em zonas de interesse turística, comercial, de proteção ambiental permanente, entre outras. Foram elencadas cerca de 200 demandas no escopo do PGI, Plano de Gestão Integrada, com prazos pré-estabelecidos de execução por parte dos gestores municipais.

Entretanto, desde 2017 o plano vem sendo paulatinamente desconfigurado pelos administradores públicos, com demandas do PGI alteradas ou não cumpridas pelo poder público durante a execução.  O legislativo municipal, Conselho Municipal do Meio Ambiente e Fundação Municipal do Meio Ambiente, ambos vem atuando de modo muito suspeito em processos que autorizam obras de infraestrutura tanto nos limites de área de marinha quanto fora dos seus limites.

A importância da permanência das áreas de marinha se deve ao fato de que qualquer obra executada nesse intervalo deve ter o aval do SPU, salvo quando tiver o município um plano de ação integrada desses espaços, cuja população é o agente fiscalizador. Sem um plano, Projeto Orla, e ainda agravado com a extinção das áreas de marinha, esses frágeis espaços ficam a mercê dos gestores públicos municipais, muitos dos quais tiveram suas campanhas eleitorais financiadas por segmentos econômicos, principalmente do setor imobiliário interessados na supressão ou flexibilização das legislações que assegurem benefícios individuais.   

Prof. Jairo Cesa      

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