quarta-feira, 12 de junho de 2024

  

ENTÃO OS “ECOCHATOS” ESTAVAM COM RAZAO?

O governo anterior nos deixou feridas sociais expostas que poderão levar anos para serem cicatrizadas. Além dos desmontes em setores primordiais ao desenvolvimento como ciência e educação, também não mediu esforços para avacalhar tudo o que se referia a proteção do meio ambiente. Foi sim nesse segmento que o mesmo, junto com os seus asseclas de plantão, escancararam todo o sadismo, destilando ódio e ataques contra quem assumisse posições críticas ao desmonte do arcabouço legal ambiental. O fato é que o terror dos extremistas contra ambientalistas e profissionais do IBAMA, INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ICMBio se espalhou pelos quatro cantos do território brasileiro, como um vírus letal, sendo-o até incorporado aos discursos de uma legião de simpatizantes, apoiadores, na sua maioria membros dos legislativos e executivos municipais.

Era necessário, portanto, consolidar um consenso nacional, afirmação de que o “progresso econômico” se daria com legislações mais flexíveis na área ambiental, permitindo que florestas, topos de morros, margens de rios, lagos, dessem lugar à agricultura, ocupações urbanas e outros projetos de infraestrutura. Porém, essas propostas de flexibilizar regras ambientais, etc, omitiam interesses escabrosos, como o que foi revelado em uma reunião com a cúpula ministerial do governo anterior nas dependências do palácio do planalto. No encontro o ministro do meio ambiente Ricardo Salles escancarou o macabro segredo de que era necessário “derrubar” definitivamente as porteiras do escopo ambiental para que a boiada pudesse passar.  

Como um rastilho de pólvora, o discurso do ministro caiu como uma luva no gosto da bancada ruralista do congresso, demais parlamentares das duas casas legislativas e centenas de vereadores e prefeitos que viam no discurso do ministro a oportunidade de também colocar abaixo as “porteiras” das suas legislações ambientais. Maldosamente, para fazer valer suas políticas desenvolvimentistas a todo custo teriam que “limpar o trecho”, ou seja, tirar do caminho os ambientalistas, os “Ecochatos”, amaldiçoados e transformados em algozes do progresso, ou seja, cúmplices dos vários embargos em licenciamentos advindos dos órgãos fiscalizadores do meio ambiente, dentre eles o MPF.

Foram os "ecochatos", odiados, amaldiçoados por governos extremistas de plantão, grupos econômicos e políticos negacionistas, que vinham alertando que algo de muito ruim, devastador ocorreria sobre o território brasileiro se o regime de devastação dos biomas da Amazônia, Serrado, mata atlântica, etc, não fossem cessados imediatamente. Sugiro que prestem atenção nos locais que foram mais impactados pelas últimas enxurradas que por pouco não devastaram literalmente todo o território do Rio Grande do Sul. Sem exceção todos os locais que foram mais atingidos, no passado serviam como “caminho das águas”, em decorrência da sua peculiar geomorfologia.

Embora não fosse possível desocupar toda essa área considerada de riscos à cheias e deslizamentos de encostas de morros, os problemas poderiam ser minimizados se não fossem alterados ou suprimidos pela assembleia legislativa e sancionado pelo governador Eduardo Leite, importantes artigos e dispositivos do código ambiental do RS. Ações como o afrouxamento de licenciamentos ambientais e o desmonte do código florestal do estado gaúcho foram um desses ataques desferidos pelo legislativo e o executivo gaúcho. Três anos depois de o estado gaúcho ter desmontado o seu código ambiental, o Santa Catarina seguiu essa mesmo ritual fragilizando ainda mais o seu já débil código ambiental.

Tendo no posto máximo do executivo federal e no ministério do meio ambiente figuras que demonizavam as normatizações ambientais em vigor, bem como todos que ousassem defendê-las, ficou muito cômodo para os gestores municipais e câmara municipais desfigurarem suas normatizações, pois somente assim alcançariam o dito “desenvolvimento”, principalmente no segmento turístico. Foi exatamente isso o que ocorreu e vem se sucedendo em Araranguá. Após a execução do Projeto Orla, em 2016, quase todo o arcabouço aprovado pelos delegados, cerca de 200 demandas, vem sendo paulatinamente desfigurada ou desconsiderada pelos gestores que se sucedem no paço municipal.

De 2017 até o momento, 2024, quase sete anos, foram várias as intervenções do MPF aos sucessivos governos municipais por suspeitas de ilicitudes em atos de licenciamentos de projetos de infraestrutura tanto na parte superior como inferior do balneário Morro dos Conventos. A abertura da rua que faz ligação entre o balneário ao loteamento Paiquerê é um desses projetos recheados de dúvidas quanto a sua licitude. O fato é que não foram cumpridas as recomendações descritas no PGI (Plano de Gestão Integrada) que recomendada três estudos de viabilidade para averiguar o traçado menos impactante ambientalmente.

Claro que os “ecochatos” atentos a tudo estavam com razão quando presumiam haver alguma ilicitude envolvendo o licenciamento do traçado onde ocorreu a abertura da rua. As noticias divulgadas dão conta que o município de Araranguá foi sentenciado pelo MPF por suspeita da irregularidade no projeto. Decisões como essa o primeiro alvo dos ataques desmoralizantes do poder público e parte da impressa mercenária são os ecologistas, que historicamente vem se colocando como bodes expiatórios às irresponsabilidades dos gestores municipais. 

Essa decisão, do possível embargo da via de ligação, gerou forte revolta junto ao poder público, onde depositaram a culpa  mais uma vez aos “ecochatos” por acreditarem estar  por traz da decisão do órgão federal. Na sequência, o legislativo e a parte da imprensa mercenária do município assumiram a função de fomentar junto à opinião pública sentimentos de revolta e ódio contra ambientalistas e alguns moradores alegando quererem o Morro dos Conventos somente para si. O ápice do absurdo do poder público foi ter patrocinado ridículo slogan contendo a seguinte frase: “o morro é de todos”. É óbvio que o slogan está subtendido como sendo um ataque aos ambientalistas e demais moradores que lutam bravamente pela preservação desse frágil ecossistema. Deixar explico que se o morro é de todos como quer apregoar o poder público, deve ser considerado nesse todo os demais elementos vivos que compõem a flora e a fauna do balneário, imensamente ameaçados pelo dito “desenvolvimento”.   

Em uma república séria onde a divisão dos poderes ocorre de fato, por exemplo, o legislativo fiscalizando as atribuições do executivo, a existência e atuação dos ecologistas seria por si só discreta ao olhar da sociedade, não é mesmo?  Se os ecologistas são tão evidenciados, como de fato acontece em Araranguá, certamente é porque os princípios da república estão sendo desconsiderados, o legislativo e o judiciário, portanto, não estão cumprindo com suas atribuições constitucionais que é fiscalizar as estariam fazendo vistas grossas às muitas barbaridades cometidas pelo executivo municipal, assessorado pelo seu órgão ambiental?

Prof. Jairo Cesa

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