segunda-feira, 24 de junho de 2024

 

CIDADES ESPONJAS, A ARTE DA SOBREVIVÊNCIA




Há poucas semanas o Programa Fantástico da Rede Globo exibiu extensa reportagem de um importante projeto que vem minimizando problemas de inundações/enxurradas em muitos lugares do mundo, batizado de cidade esponja. Seu criador, Kongjian Yu, é nascido na china, tem 61 anos de idade, cujos estudos de doutorado foram realizados nos Estados Unidos. O pesquisador que defensor da proposta de que haja a harmonização entre construções e a natureza, começou a ter mais notoriedade agora, principalmente no Brasil, em decorrência das mudanças climáticas que estão alterando bruscamente o modo de vida de populações que habitam regiões frequentemente assoladas por desastres climáticos. 



Sua proposta começou a ser conhecida e adquirir popularidade no Brasil a partir das enxurradas que causaram graves estragos em infraestrutura em três quartos do território gaucho, além de mais de 200 vítimas fatais e outros desaparecidos. Entretanto, penso que poucos devem ter conhecimento que o criador da proposta de cidades esponjas, Kongjian Yu, esteve no Brasil no último dia 16 de junho, como convidado do BNDS para discorrer sobre o tema e sua viabilidade no Brasil.




Embora sua presença no Brasil tenha sido reportada por vários noticiários digitais, não tenho lembrança e ter ocorrido mesmo nas principais redes de TV abertas. Porém, se houve foram reportagens bem resumidas sem dar ênfase as suas propostas, que segundo o paisagista chinês, o Brasil apresenta condições ideais para sua efetivação.  Talvez o criador da proposta não tenha aparecido nos noticiários televisivos pelo fato de ter desferido criticas ao modelo produtivo agrícola e ao segmento urbanístico brasileiro. Ele ficou aterrorizado quando percebeu que no Brasil a cultura da Soja ocupa extensas áreas de terras sem o mínimo de espaço para a retenção da água.




Outro ponto importante criticado pelo paisagista chinês são os muros ou diques construídos nas cidades. Afirma que em vez de construir quilômetros e quilômetros de muros ou diques para evitar o acesso da água de rios e lagos em espaços urbanos, esses locais inundáveis poderiam ser transformados em ambientes verdes, com florestas, parques, lagos, como grandes reservatórios de água. Disse também que os rios, quando são canalizados de forma retilínea, Tietê, por exemplo, perdendo o seu caráter natural, a tendência é o aumento da velocidade da água durante as enxurradas. Destacou, também, a necessidade de harmonização entre construção e natureza, ou seja, que obras de infraestrutura ou edificações não causem impactos na estética do lugar.




É possível que uma ou mais cidades brasileiras despertem algum interesse em implementar esse sistema extremamente eficiente e sustentável. O fato é que para tornar-se realidade, primeiro se faz necessário promover alterações significativas nas legislações dos municípios, mudarem planos diretores, muitos dos quais foram formatados para atender interesses de segmentos do mercado, como o imobiliário. Já destaquei em texto anterior que no Brasil, se os dispositivos contidos no código florestal brasileiro fossem cumpridos integralmente, as tragédias do tempo enfrentadas por centenas de municípios brasileiros poderiam ser minimizadas. Era só não ocupar margens dos rios, lagos e lagoas, encostas e topos de morros. Se há ocupações é porque o poder público não está cumprindo com sua função constitucional que é fiscalizar e punir os infratores.  



Sem me estender muito acerca desse tema, que preencheria varias páginas somente com reflexões advindas de problemas e demandas no extremo sul de SC, quero me ater mais na minha cidade, Araranguá, cujas abordagens podem servir para as demais que integram a Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá e Afluentes do Rio Mampituba, lado catarinense. Um pouco mais de cem milímetros de precipitações sobre as cabeceiras dos afluentes do rio Araranguá são suficientes para desalojar famílias que moram em áreas de riscos no perímetro urbano, principalmente de áreas urbanizadas de Araranguá. Esse drama, no entanto, se repete há décadas sem até hoje ter havido uma solução definitiva.

Problemas que se repetiam uma ou duas vezes em cada cinco ou dez anos hoje são mais persistentes, ocorrendo quase todos os anos. É sabido que tais adversidades do tempo tenderão a continuar e se repetindo em intervalos de tempo cada vez mais curto. Uma realidade que deveria ser demanda prioritária dos debates em todas as instâncias de poder do município, que de fato não vem acontecendo. Portanto, somente medidas paliativas vêm sendo tomadas, como a construção de comportas no bairro Barranca e a abertura de um canal secundário próximo a foz do rio Araranguá para o escoamento da água, porém, sem grande eficiência.

Quando nos deslocamos pelos bairros do município ficamos horrorizados com a quantidade de buracos abertos nas ruas devido ao rompimento de tubulações pluviais. O agravante é que as tubulações foram instaladas há pouco tempo, porém, com diâmetros aquém do ideal para atender a grande demanda de chuvas. Qualquer leigo entenderia que no atual cenário climático, edificações, aberturas de ruas, as instalações de redes de esgotamentos pluviométricos, etc, devem estar associados a um Plano de Adaptação Climática, ou seja, ações conjuntas que possam resultar o mínimo de impacto ambiental.

Porém, não é de fato o que está acontecendo, ou por negligência ou incompetência técnica. Morro dos Conventos, por exemplo, varias ruas estão passando por reparos, algumas tendo já recebendo cinco ou seis restaurações por ter a água da chuva danificado-as. Qualquer um que transitou pelo local deve ter constatado que havia equívocos no projeto, sendo um deles a inexistência de tubulações, ou com diâmetro muito inferior ao ideal para drenar a água da chuva. Outro erro foi ter pavimentado ruas com asfalto, parte baixa do balneário, sem averiguar as condições da rede de drenagem pluvial. Foi só chover um pouco mais para que o asfalto colapsasse. Em vez de ter reparado os tubos, trocá-los por bitolas maiores, fizeram remendo com asfalto onde havia os buracos, vindo a colapsou novamente nas chuvas seguintes pouco mais volumosas.

Claro que muitos dos problemas que hoje os administradores públicos enfrentam em muitas cidades são provenientes de administrações passadas. Instalações de redes de drenagem pluvial com ausência de tubulações para o esgotamento sanitário é um deles. Muitos prefeitos no passado como de Araranguá tiveram que cortar o asfalto de muitas ruas para instalar a rede de esgotamento e tratamento sanitário. Importante é que problemas desse tipo possam servir de exemplos para as atuais e futuras administrações a não repetirem tais equívocos. Será? Não é o que acontece de fato.

 Enquanto na Praia do Paiqueré, Morro dos Conventos, foi fixada tubulação para o esgotamento sanitário, a promessa da atual administração no inicio da gestão era para que em toda a extensão do bairro, partes baixas, altas e aos arredores, também teriam essa demanda atendida. Era de se esperar que a partir da restauração das ruas do bairro, Rua Aparados da Serra, por exemplo, no momento que fossem fixados os tubos para o escoamento pluvial, paralelo a esses, estariam os canos para a rede de tratamento de esgoto.

Acredite, os tubos para o esgotamento sanitário não estão inseridos no projeto de restauração das ruas. Mais uma vez os gestores públicos estão repetindo erros do passado, que resultaram em gastos públicos desnecessários, com quebras de asfaltos, calçadas, sem contar outros transtornos previsíveis. Equívocos administrativos como esse, deveriam fazer a população se rebelar, por meio de suas associações de moradores, câmara legislativa, imprensa, etc. Entretanto isso não acontece e dificilmente irá ocorrer  nesse atual cenário onde prepondera um consenso a favor de quem estão no poder. O que há mesmo é um insólito silêncio, até mesmo de forças políticas de esquerdas locais, como se tal demanda não fosse necessária. 

De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico, todos os municípios brasileiros terão prazo até 2033 para cumprir com tais metas, sob pena de sanções administrativas federais e internacionais. Portanto a única certeza que temos é que as únicas "espojas" possíveis de serem vistas no futuro não são as cidades cobertas por espaços verdes, florestas, mas aquelas usadas nas limpezas das residências tomadas pelas enxurradas.  

Prof. Jairo Cesa

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/chines-criador-das-cidades-esponja-diz-que-brasil-pode-ser-referencia

https://oglobo.globo.com/brasil/sos-rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/30/criador-das-cidades-esponja-chines-diz-que-segredo-e-absorver-e-nao-conter-aguas-das-chuvas.ghtml

Parque Sanya Mangrove em Hainan, na Chinahttps://www.bbc.com/portuguese/articles/ce44n8n14ewo

   

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