segunda-feira, 10 de setembro de 2018


SETE DE SETEMBRO, BRASIL PÁTRIA AMADA, TODO DIA UM POUCO DA SUA HISTÓRIA É APAGADA

https://www.vip.pt/brasil-famosos-em-choque-com-destruicao-do-museu-nacional-do-rio-de-janeiro

Se durante décadas o Brasil vem liderando o ranque mundial entre os piores em eficiência na educação, episódios macabros como o incêndio no museu nacional no Rio de Janeiro é um demonstrativo que confirma a máxima, “povo sem memória é um povo sem história, e um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado.”[1] É óbvio que para as elites políticas parasitárias que se nutrem da ignorância de um povo, a perda desse patrimônio deve ter sido motivo de comemoração, a exemplo da destruição de cidades milenares como Palmira e outras tantas, na Síria, Iraque, Afeganistão, pelo Exército Islâmico, Talibã, etc. O que causa mais indignação e revolta é quando relatórios e reportagens já alertavam as autoridades de que ações emergenciais deveriam ser executadas para evitar uma tragédia anunciada. 
Na década de 1990, quando fiz pós-graduação em história no Rio de Janeiro, tive o prazer de visitar o museu nacional. Dentre os objetos dos quais ainda lembro, estão o meteorito Bendegó e o enorme fóssil do animal pré-histórico, o titanossauro, um dos maiores encontrados no Brasil. Desde aquele momento, o museu vinha “patinando” devido a escassos recursos para manutenção. O museu do Rio de Janeiro é um minúsculo fragmento do gigantesco “buraco negro” que está engolindo a cultura brasileira. Quem já visitou algumas cidades históricas como Salvador, Ouro Preto, Mariana, entre outras, com menos expressão cultural, percebeu que as edificações - igrejas, casarios, monumentos, e até mesmo museus, estão na mesma situação deplorável do extinto museu do Rio de Janeiro.
Quando lia a reportagem publicada pelo jornal Diário Catarinense do dia 04 de setembro de 2018, página 12, com a manchete: “Tragédia alerta para situação dos museus”, lembrei de uma entrevista ocorrida em 2014, no programa Roda Viva da TV Cultura, com a arqueóloga Niéde Guindon.  A lembrança foi pelo fato de parte do acervo arqueológico destruído pelo fogo, terem sido recolhidos em sítios pré-históricos espalhados pelo Brasil, a exemplo de Santa Catarina, com os artefatos ou fósseis sambaquianos, encontrados na região da Cabeçuda, Laguna, há cerca de cinqüenta anos. Na época da entrevista, setembro de 2014, Niéde denunciava o descaso dos governos como à cultura, em especial com o sitio arqueológico anexo ao Parque da Serra da Capivara, no Piauí, que guarda vestígios, pinturas e desenhos em rochas, da presença humana no Brasil de aproximadamente  20 mil anos. 
Relatou Niéde, que embora o parque tenha sido criado em 1979, até o momento da entrevista não havia sido elaborado plano de gestão eficiente, sendo o mesmo constantemente invadido por caçadores e vândalos que ameaçavam todo o acervo pré-histórico.  A única vez que a parque havia recebido uma autoridade política brasileira foi em 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que participou das cerimônias de festividade dos quinhentos anos da “descoberta do Brasil”. Desabafou a arqueóloga que o maior número de delegações que visitam o parque é de estrangeiros, pois as autoridades brasileiras pouca importância dão à cultura. Em 2013, disse a pesquisadora, que a ministra da Cultura Marta Suplicy, do PT, havia prometido o repasse de recursos para ativar o turismo na região. A promessa jamais fora concretizada
Quatro anos depois de ter participado da entrevista denunciando o descaso com o parque, é de se imaginar que o mesmo continua esperando melhorias. Se estiver funcionando é decorrente de doações espontâneas de entidades internacionais como era de costume até 2014. Quantas vezes a imprensa brasileira realizou alguma reportagem mostrando o parque da Serra da Capivara e sua importância para a cultura brasileira?  Da para contar nos dedos. Diariamente quais os tipos de reportagens e documentários que dominam as grades de programações das TVs brasileiras? Claro que poucas são sobre cultura, arte, músicas boas, etc. Violência, corrupção, futebol, etc,  predominam, não é mesmo?
Sobre o acervo do museu nacional, contendo artefatos de SC, como fósseis dos sítios dos sambaquis em Laguna, poucos catarinenses talvez soubessem que havia no recinto outro acervo de grau de importância semelhante aos artefatos arqueológicos catarinense.  Estamos nos referindo ao acervo botânico que pertencia ao padre Raulino Raitz. Sim, o mesmo que morou no Sombrio, sul de Santa Catarina, irmão de João Raitz, que também era padre. O padre Raulino, entre as obras que escreveu, a mais conhecida foi sobre a “Paróquia do Sombrio – ensaio de uma monografia paroquial”. Além de documentos, havia no museu diversas espécies de bromélias descobertas no vale do Itajaí e cujo padre teve participação nos achados.
A expectativa agora é que com a tragédia ocorrida no museu no Rio, possa despertar a atenção das autoridades e da população quanto aos cuidados com a nossa história material e imaterial. No entanto, tudo leva a crer que no máximo 15 ou 20 dias, ninguém mais se lembrará do ocorrido. Com o esquecimento, os recursos prometidos pelo governo federal para a reconstrução podem não ser liberados, e o prédio, como outros tantos prédios históricos abandonados, gradualmente serão consumidos pelo tempo, até que desabem, e no local, erguido torres comerciais ou condomínios de luxo.
Como professor e historiador há 35 anos na rede pública estadual de ensino, a situação estrutural de centenas de escolas públicas são similares a do antigo prédio do museu incendiado, e de outros tantos arquivos públicos e bibliotecas espalhados pelo Brasil. A depredação das escolas públicas, tornam tais ambientes em ameaças diárias a milhares de estudantes, professores e demais trabalhadores. Algumas dessas unidades de ensino há décadas não recebem qualquer reparo, cuja fiação elétrica, antiga e inadequada, não atende a elevada demanda de energia elétrica necessária.
Tanto o arquivo público estadual como a biblioteca municipal, situadas em Florianópolis, ambas conservam um rico e precioso acervo documental da história catarinense. Em 2004, durante dois meses, transitei pelas dependências dos dois ambientes para desenvolver pesquisa. Na ocasião era visível o quadro de abandono e depredação dos dois ambientes. Além do arquivo público e biblioteca, nos fóruns das comarcas espalhadas pelo estado, o problema era e se acredita que ainda são com os documentos, processos crimes, civis, inventários, ambos centenários, depositados sem qualquer critério e cuidado em salas insalubres das comarcas. Hoje, muitos desses exemplares, graças ao empenho de voluntários, pesquisadores e outros profissionais,  os documentos foram resgatados e estão disponíveis no museu do tribunal de justiça em Florianópolis.
Em termos comparativos, nos últimos 10 anos transitei por alguns países da América do sul, Europa, Ásia e África, onde conheci fragmentos de suas histórias visitando museus. Todos, sem exceção prestavam apreço à cultura do povo, mantendo em bom estado de conservação tudo que representa o passado, como museus, monumentos e sítios arqueológicos.  Na América do sul os exemplos são a Argentina, com destaque a cidade de Salta, no norte do país, com sua arquitetura colonial bem preservada; no Chile, a histórica cidade de São Pedro de Atacama, edificada no meio do deserto; no Peru, a cidade de Cuzco, com suas inúmeras ruínas bem preservadas, como Manchu-pichu, que conserva vestígios da cultura INCA.
Na Europa, são os famosos e bem estruturados museus na Dinamarca, Suécia, Noruega, preservando com leso e cuidado tudo que se refere aos povos originas, como os Vikings. Na África, o destaque é o museu do Apartheid, na Cidade do Cabo. Na Ásia, os museus a céu aberto em território israelense e palestino, que guardam tesouros milenares de culturas tradicionais como a judaica, islâmica e a cristã. Quase todos esses países citados apresentam um IDH e um nível educacional muito melhor que o Brasil. Teria isso alguma relação com a preservação de sua memória histórica?
Frente a todo esse descaso com a nossa cultura, a data do dia 7 de setembro de 2018, deveria ser um dia de luto, onde as pessoas saíssem às ruas, vestidas de preto, protestando contra a tentativa de morte da nossa memória, patrocinada por uma elite esquizofrenia. É bem possível que parte dessa elite, no dia do desfile cívico, esteja nos palanques montados em praças públicas, rindo da ignorância de milhares ou milhões de pessoas que ainda choram, se emocionam, quando ouvem o hino nacional.
Prof. Jairo Cezar                     


[1] Frase de autoria da historiadora Emília Viotti da Costa.

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