quinta-feira, 13 de setembro de 2018


INCÊNDIO NO MUSEU NACIONAL NO RIO DE JANEIRO PODE SER COMPARADO AO DESASTRE AMBIENTAL EM MARIANA/MG


No texto publicado há poucos dias afirmei que em 15 ou no máximo 20 dias a população brasileira não lembraria mais do incêndio que consumiu o prédio do museu nacional no Rio de Janeiro. Não duraram três dias o tempo necessário para que toda a imprensa brasileira deslocasse o foto das atenções ao atentado que vitimou o candidato à presidência da republica, Jair Bolsonaro. É claro que incêndios como o do museu nacional, facadas como a que foi desferida a um presidenciável, despertam muito a curiosidade do público, elevando às alturas os índices de audiência de qualquer veículo de comunicação.
Depois do episódio da facada, é possível contar nos dedos os jornais e telejornais das principais emissoras do país que lançaram informações ou reportagens mais robustas sobre o museu. O que se viu mesmo foi à tentativa de setores conservadores de querer politizarem o fato, acusar ou criminalizar à UFRJ, como se fosse a universidade a principal culpada de toda uma política de desmando dos últimos governos contra a cultura e a educação pública brasileira.  Para corroborar com tais reflexões, vale a pena aqui pontuar algumas observações ditas pelos entrevistados, museólogos, historiadores, arqueólogos, de conceituadas universidades brasileira, no Programa Faixa Livre, da Radio Band, Rio de Janeiro, que foi exibido no dia 06 de setembro. 
Disseram que no Brasil a expansão dos museus se deu no período posterior ao regime ditatorial, como estratégia para o fortalecimento da democracia. Mesmo assim, o número de museus em funcionamento no país é muito discreto, comparado com os Estados Unidos. Enquanto aqui nos consideramos orgulhosos com 3800 museus, nos Estados Unidos, os números são absurdamente superiores aos nossos, chegando a 18 mil espalhados por todo o território. E olha que a população dos EUA é pouco superior a brasileira. A resposta desse flagrante absurdo de poucos museus pode é flagrada na campanha dos presidenciáveis.  Somente 2 ou 3 têm descrito nos seus planos de governo proposições voltadas aos museus brasileiros. Isso não ocorre somente no Brasil. Na Argentina, o governo Macri desativou o ministério da cultura.
De acordo com os entrevistados, o museu nacional sua existência é bem anterior às universidades. Tudo o que se sabe sobre pesquisa científica no Brasil, começou no Museu nacional. Portanto, o mesmo possuía uma simbologia muito além do que havia de material no seu interior, peças arqueológicas, múmias, pedras, plantas, documentos etc. O prédio foi o palácio imperial, ou seja, tinha sido a residência dos reis, imperadores, príncipes que governaram o Brasil por 40 anos. Isso é muito forte, simbólico, para um país que almeja ocupar um grau de excelência entre as nações desenvolvidas.
É preciso que a população compreenda a real função dos museus, para que realmente servem? Não se faz cidadania sem uma reflexão com o passado. Os museus, portanto, são ferramentas essenciais para fortalecer sentimentos de pertencimento, de membro integrante de uma cultura, nação. O museu nacional foi o local onde milhares de famílias ser reuniam nos finais de semana. Além de uma imensa área verde transformada em parque, também há um zoológico, onde atraia milhares de jovens, crianças.
O que é absurdo, conforme relataram os entrevistados/as, foi a fortuna gasta pelo Estado para construir o Museu do Amanhã e outros mega projetos que integram o pacote dos grandes eventos esportivos no Brasil: Jogos Pan-americanos, olimpíada e copa do mundo. Enquanto isso, o museu nacional, com 200 anos de história, vinha penando por recursos para se manter em pé.  Revelaram os entrevistados/as que estão sendo discutidas nos bastidores dos poderes constituídos, propostas de transferir a gestão dos museus às OSS, modelo já adotado por outros setores do serviço público a exemplo da saúde. Outro dado estarrecedor foi o custo orçado para a reforma do maracanã, valor esse que seria suficiente para manter o museu nacional funcionando em boas condições por 2000 anos.
Uma proposta interessante que vem sendo aplicada na Espanha, que poderia ser aqui ser adotada é reverter 1% de toda a licitação pública para o fundo de patrimônio. Nos EUA, o governo federal entra com muito dinheiro para o financiamento dos museus. No Brasil, os governos devem fazer valer o que está escrito na constituição federal sobre cultura, que não estão fazendo. A própria UNESCO, em resolução aprovada, recomenda a destinação de 1% do PIB de todos os países à cultura.
Um exemplo para provar que no Brasil cultura não prioridade dos governos, na administração Fernando Collor de Melo, o percentual destinado à cultura foi de 0,05%. A única exceção desse longo caminho de retrocesso na cultura foi na gestão do ministro Gilberto Gil, cujo percentual para a cultura esteve próximo de 1% do PIB. De lá para cá os recursos vem caindo paulatinamente. Foi através do museu nacional que se criou a cultura da museulogia no país. Para o pensador português, Boaventura Santos: “um povo que chora o seu museu é um grande público”.
Embora sabendo que os argumentos críticos e propostas inovadoras, ditas pelos entrevistados no programa faixa livre, tenham dificuldades de atingir um grande público, suas falas podem ser replicadas e compartilhadas nas redes sociais a partir desse texto. É possível também que texto possa contribuir para reflexão acerca da realidade dos acervos locais, museus, sítios arqueológicos, como ambos estão sendo geridos pelos administradores públicos, se há inserção de tais temáticas nos currículos do ensino básico, etc.
O hábito de visitar museus, entre outros espaços culturais, não se caracteriza como regra na nossa cultura. Se há exceções a regra, é porque professor/as ou entusiasta/s da cultura, não medem esforços para superar barreiras impostas pela burocracia e a escassez de recursos financeiros. Isso talvez seja a explicação do enorme desprezo da população com o passado: casarios antigos, monumentos, arquivos, bibliotecas, sítios arqueológicos e até mesmo com os idosos, que carregam consigo vasto acervo da nossa história, que quando morrem, morre um pouquinho da nossa memória.
São possível que o museu nacional tenha o mesmo desdobramento ocorrido com a comunidade de Pedro e o Rio Doce, ambos totalmente devastados com rejeitos da mineradora Samarco. Depois de três anos da ruptura da barragem, os responsáveis pelo crime não foram punidos, muito menos o pagamento das multas milionárias como medida compensatória ao gigantesco passivo ambiental deixado. O rio doce precisará de séculos para recompor parte de sua fauna e flora. O incêndio do museu nacional e o desastre ambiental em Mariana foram dois acontecimentos anunciados que poderiam ter sido evitados se tivéssemos governos realmente comprometidos com cultura, educação, meio ambiente, segurança, saúde.
Depois do desastre em Mariana, outros episódios similares se repetiram como no Maranhão, quando uma empresa Norueguesa que extraía minério de ferro se descuidou, deixando escorrer rejeitos tóxicos da barragem de contenção para rios e igarapés. Vários jornais, nos dias que seguiram ao incêndio do Museu Nacional, publicaram inúmeras reportagens retratando a situação dos museus espalhados pelo Brasil. É quase certo que nenhum governo estadual ou municipal tomará medidas cabíveis para a proteção desses espaços.  Caso se confirme essa previsão, é só uma questão de dias ou meses para que um novo incêndio ou desabamento aconteça e apague um pouquinho mais da nossa história.                   
Prof. Jairo Cezar

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