domingo, 8 de julho de 2018


APROVAÇÃO DO PL DO VENENO (PL 6.299/02) AUMENTARÁ OS CASOS DE CÂNCERES, MUTAÇÕES GENÉTICAS E DEMAIS DOENÇAS DEGENERATIVAS

Deputados de oposição protestam contra projeto de lei que libera a produção de pesticidas no país
Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados


A aprovação na comissão especial de câmara federal do parecer do projeto que procura entre outros objetivos facilitar a comercialização de agrotóxicos até então proibidos pela legislação em vigor, é o primeira etapa vitoriosa do agronegócio que  insiste em condenar à morte  milhões de pessoas por consumir alimentos contaminados. O que é condenável é constatar  que em vez da comunidade parlamentar estar discutido maneiras de limitar ou até mesmo eliminar por definitivo o uso de pesticidas, fazem exatamente o inverso, tentam intensificar ainda maior o uso do veneno na agricultura. O Brasil sem a aprovação da dessa PL já lidera o ranque mundial em  consumo do agrotóxicos.   
Os alertas de que tais medidas perigosas à saúde humana e ao meio ambiente não estão sendo suficientes para sensibilizar setores na linha de frente desse negócio perigoso como a bancada ruralista no Congresso Nacional. Como querer conscientizar uma categoria se um dos principais protagonistas da criação  do projeto de lei está no comando da pasta do Ministério da Agricultura, o mega empresário da soja Blario Magi. O projeto de lei tem, entre tantas outras prerrogativas, dar maior autonomia a esse ministério na tomada de decisões para autorizar a liberação de novos pesticidas.
Em 2015 a ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) publicou dossiê de 700 páginas contendo pesquisas sobre agrotóxicos realizadas nos últimos 10 anos, cujos resultados preocuparam ainda mais as comunidades científicas brasileiras e internacionais. Os laudos realizados com os principais alimentos consumidos pela população, concluíram que 70% possuíam algum tipo de resíduo toxicológico. Deste montante, um terço ou 30% apresentavam algum tipo de partícula proveniente de agrotóxicos não autorizados pela legislação brasileira (ANVISA).  Não há dúvida que por longos anos já vêm sendo disseminado nas lavouras em todo território brasileiro de venenos não autorizados, pior ainda, muitos são contrabandeados. 
Uma das alegações dos defensores da PL é que as legislações em vigor são morosas para avaliação de princípios ativos para sua posterior liberação. Na realidade é uma justificativa tosca, pelo fato de ser o próprio governo o responsável pela situação de demora. No Brasil, o número de profissionais envolvidos diretamente nos processos de avaliações e controle de agrotóxicos são cerca de 50. Nos Estados Unidos o número é próximo de mil. Outro detalhe é o custo ínfimo cobrado para o registro de algum novo produto químico.
Nos estados Unidos, o valor cobrado pelos laboratórios credenciados é próximo de um milhão de dólares. O custo alto é uma prova da responsabilidade que é liberar para o mercado um novo princípio ativo. O lado ruim desse festival de venenos cada vez mais letais e acessíveis a todos os públicos é o elevado custo social e ambiental. São poucas as pesquisas concluídas e em andamento no país que confirmam os impactos do uso de pesticidas, fungicidas e outros tantos do gênero na saúde da população. Os resultados já apresentados não deixam dúvidas que a elevada incidência de cânceres, deformações fetais, doenças neurológicas, depressão, etc, estão relacionadas aos agrotóxicos.
Anualmente milhões de reais são disponibilizados para o tratamento de doenças que tem alguma relação com a contaminação de pesticidas. Enquanto o setor do agronegócio capitaliza os lucros com legislações cada vez mais permissivas a aplicação de químicos na agricultura,  o prejuízo dessa ganância é socializado por todos. O que está se tentando difundir no país atualmente é o mesmo modelo desenvolvimentista adotado na época dos militares, quando regiões como de Cubatão, as fábricas lá instaladas que exalavam fumaça e contaminação eram tidas como marca de orgulho do progresso.
Todos/as sabem o passivo ambiental deixado, até hoje ainda impactam os ecossistemas da região. As toneladas de veneno lançadas ao solo todos os anos no Brasil estão contaminando ecossistemas inteiros, provocando o desaparecimento de espécies importantes da fauna e mutações em tantas outras. Além das manifestações contrárias à PL por dezenas de entidades científicas, instituições de ensino e organizações ambientais, o MPF (Ministério Público Federal) também se posicionou contrário ao projeto alegando haver inconstitucionalidade no texto por infringir inúmeros artigos e dispositivos da Constituição Federal, com destaques os artigos 23, 24, 170, 196, 220 e 225.
É de se prever como já descrito na própria constituição que a nota técnica do MPF sobre o Projeto de Lei Nº 6.299/2002 será protocolada nas instâncias superiores da justiça na tentativa de impedir sua apreciação e votação nos plenários da câmara e do senado. Se prevalecer o comportamento nada imparcial do judiciário nas instâncias máximas de decisão, o PL do veneno será mais um dos inúmeros projetos que mesmo tendo comprovação de violação de princípios constitucionais, irá se tornar lei.
Na leitura das nove páginas da nota técnica do MPF manifestando veto imediato ao projeto de lei sobre a liberação de agrotóxicos cabe aqui destacar alguns dos pontos relevantes mencionados e lançar reflexões que facilite a compreensão do público sobre o assunto. A CF no seu artigo 23 diz que é de competência da União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, legislarem quando questões forem voltadas à defesa da saúde, proteção do meio ambiente, fauna e flora.
Na PL do veneno, no seu artigo 9, já escancara a nítida intenção dos parlamentares ruralistas de desconsiderar o art. 23, da CF, quando defendem que os estados, os municípios e o distrito federal não deverão propor restrições à comercialização de agrotóxicos já autorizados por decisão superior. Subtende-se que qualquer lei aprovada ou pretendida nas instâncias inferiores, não terá validade legal, pois se  confrontará ao dispositivo da nova lei caso aprovada, mesmo comprovada a sua periculosidade à saúde humana e ao ambiente.
Quando se trata de matéria vinculada à saúde pública, não é conveniente restringir os estados e municípios de legislarem para estabelecer regras mais restritivas ao uso de agrotóxicos, seguindo as peculiaridades geográficas e ambientais de cada região e município brasileiro. Essa é uma prerrogativa assegurada na lei 7.802/09[1] e no art. 30 da CF, quando afirma que os municípios devem prestar, através de cooperação técnica  financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população. Como ficariam as leis orgânicas e os códigos ambientais municipais que definiram resoluções específicas sobre o assunto, muitos dos quais impondo critérios mais rígidos quanto a comercialização de certos agrotóxicos? 
A PL do veneno propõe dar caráter deliberativo ao CTNFito (Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários) sobre  aprovação ou não dos novos agrotóxicos, reduzindo por sua vez o poder de órgãos como a ANVISA e o IBAMA que não terão mais poder de veto. Com a criação do conselho técnico, inúmeras entidades terão assento, muitas das quais integrantes do seguimento do agronegócio que poderão influenciar na criação de regras mais brandas para os químicos, supervalorizando questões técnicas e produtivistas das indústrias químicas.
No imaginário da população quando o assunto agrotóxico a primeira imagem que vem à é de uma caveira, a mesma descrita nos rótulos dos produtos hoje comercializados. O que se quer na PL é desconstruir  o conceito maléfico dado aos pesticidas, herbicidas, etc,  suavizando-o com nova nomenclatura que se chamará produto FITOSSANITÁRIO.  A Atual legislação sobre os agrotóxicos veda a comercialização de substâncias TERATOGÊNICAS, CARCINOGÊNICAS OU MUTAGÊNICAS. Com a PL esses mesmos componentes ativos proibidos poderão ser registrados e liberados. O não registro somente ocorrerá quando for comprovada cientificamente que ambos são causadores de doenças como cânceres.[2]
É quase rotina nas cidades brasileiras especialmente nas do interior o uso da capina química para supressão de plantas invasoras. Entretanto a legislação ambiental libera o uso exclusivamente no campo, sendo proibindo nos perímetros urbanos conforme resolução de 2010, ANVISA datada de 2010. O que se pretendo com a PL, acerca do espaço urbano e industrial, é a aplicação da legislação que versa sobre a vigilância sanitária, lei n. 6.360/1976. A lei, porém, não versa sobre agrotóxicos, e caso venha prevalecer haverá dificuldades em manter uma fiscalização mais efetiva.  
Quando um produto novo é lançado no mercado são necessários longos anos de acompanhamento para verificar seus efeitos à saúde humana e ao ambiente. Portanto, não há prazo para liberação comercial. No instante que o produto for disponibilizado ao mercado, se for comprovado algum prejuízo ambiental, os órgãos reguladores terão cerca de 90 dias para encaminhar o seu cancelamento. Com a PL, as entidades reguladoras terão 180 dias para se manifestar acerca do registro do novo produto. Ao mesmo tempo o MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento) é determinado prazo de 90 dias para expedir o registro.
É possível que muitos dos laudos dos novos produtos avaliados apresentem tipos de imperfeição, devido ao número insuficiente de profissionais disponíveis e o pouco tempo para o controle das variáveis dos princípios ativos testados. Hoje são cerca de 30 a 40 profissionais que atuam no Brasil inteiro para atender uma demanda enorme de pedidos solicitados. Por isso que alguns produtos chegam demorar 10 anos para serem avaliados. Prazo de 180 dias, sem estruturar melhor órgãos como a ANVISA e o IBAMA é praticamente impossível de se ter uma avaliação mais segura sobre os agrotóxicos.
Como acontece com os medicamentos de uso humano e animal, existe uma política que regula a propaganda sobre os mesmos. Isso também acontece com os agrotóxicos. A lei em vigor obriga que os veículos de comunicação alertem os consumidores sobre a necessidade de conferir os rótulos dos produtos, dos riscos que correm quando manipulam o produto e da necessidade do uso de equipamentos adequados quando for aplicá-lo no campo. Conforme o art. 60 da PL, não haverá regras especificas sobre a propaganda, passando a valer as regras contidas na lei n. 9292/96, que as torna mais frágil, até mesmo incentivando o uso, pelo fato de não se tratar mais de agrotóxico e sim DEFENSIVO FITOSANITÁRIO.
Todo/a cidadão/a que deseja adquirir alguma marca de agrotóxico deve por lei  apresentar receituário devidamente elaborado por profissional dá área, nesse caso um agrônomo. A PL, porém, retira a obrigatoriedade por meio do art. 54. É de se imaginar que haverá o aumento substantivo de intoxicações por desconhecimento dos usuários na aplicação das dosagens indicadas e uso  incorrendo de equipamentos de proteção. As intoxicações mesmo com todo rigor da legislação, os registros  vem crescendo significativamente em todas a regiões brasileiras.  
A comercialização de agrotóxicos genéricos e equivalentes também é permitida no Brasil. Entretanto, no quesito equivalência fica a cargo dos órgãos do meio ambiente e da saúde, seguindo padrões técnicos estabelecidos pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Se a PL for aprovada, sem emendas, essa função passa ser de responsabilidade exclusiva do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, conforme as diretrizes aprovadas pela CNTFito. Agrotóxicos equivalentes permitidos na PL é outro problema e de grave risco a saúde. O fato é que a fórmula tende a ser diferente do produto original. Quando isso ocorre cabe aos órgãos reguladores fazerem estudos de acompanhamentos avaliando os riscos potenciais à saúde. O texto do PL nada diz sobre tal obrigatoriedade.
Quando se adquire um medicamento sua formulação foi preparada para atender certo tipo específico de moléstia.  No processo de fabricação de agrotóxicos a metodologia não é diferente. O que consta no texto da PL 6.299 é a flexibilização da regulação autorizando o mesmo componente químico para culturas diversas, ou seja, um produto preparado para combater o inseto do milho poderá ser utilizado combater o inseto da soja, por exemplo. A CNTFito terá 30 dias para analisar os pedidos. É consenso dos entendidos que avaliam a toxidade dos produtos  que o prazo de um mês é absurdamente curto para lançar pareceres tão complexos, até mesmo promover consultas públicas sobre tais pedidos. 
Um dos artigos inseridos no PL discorre sobre risco inaceitável à saúde quando comprovado cientificamente que levaria o não registro de certos agrotóxicos. Varias pesquisas já finalizadas concluíram que certas doenças e até mesmo casos de má formação congênita em bebês estão relacionadas ao contato direto e indireto com agrotóxicos. A mais recente pesquisa foi divulgada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, mostrando os efeitos dos agrotóxicos à saúde dos moradores da cidade de Limoeiro do Norte, estado do Ceará.  O município fica situado na Chapada do Apodi, uma das regiões produtoras de frutas para a exportação, cujos trabalhadores são expostos aos agrotóxicos por longos períodos.[3]
Os levantamentos laboratoriais realizados comprovaram a presença de resíduos químicos no leite materno, bem como a incidência de bebês meninas com puberdade precoce e deformação fetal. Quase toda a população do município trabalha na agricultura e tem contato direto e indireto com agrotóxicos. Há revelações de trabalhadores terem tomado banho de veneno no momento da aplicação do produto. Ninguém está imune aos agrotóxicos no município devido ao fato de serem usados aviões para pulverização das lavouras, sendo que essa prática já é proibida na União Européia desde 2009.
Embora proibido por lei, agrotóxicos do tipo 2.4 D, conhecido como agente laranja e utilizado durante a guerra do Vietnã, seu uso na agricultura brasileira vem se tornando rotina. É de se acreditar que a toxidade desse agente seja um dos principais vetores das anomalias detectadas pelos cientistas da universidade federal do Ceará nos habitantes de Limoeiro do Norte. Tantos os pesquisadores quanto a própria população da região da chapada do APODI estão pessimistas com o texto da PL caso seja aprovada como está. Novos produtos até então proibidos  e altamente cancerígenos como o 2.4 D poderão fazer parte da rotina diária dos trabalhadores da chapada.
Os defensores do projeto afirmam que houve alterações significativas no texto original atendendo às solicitações de entidades e da população. Afirmam também que substituíram o termo defensivo agrícola por pesticida, seguindo regra internacional.  Outro argumento defendido: a partir de agora haverá o controle mais sistemático sobre a aplicação de químicos na agricultura não ultrapassando os “limites toleráveis” recomendados pelas organizações de saúde. Limites toleráveis significa então que pode ser consumido maçã, laranja ou qualquer tipo de alimento contendo partículas em níveis aceitáveis de organoclorados e outros pesticidas. E o processo acumulativo dessas partículas no organismo, como fica? 
Mais uma vez é importante ratificar que a estratégia do governo brasileiro na difusão do agrotóxico na atividade produtiva agrícola caminha na contramão do que está sendo pensado e adotado no mundo,  que é a difusão de alimentos orgânicos. É tecnicamente comprovado que fungos, insetos, plantas reagem a ação dos pesticidas tornando-se resistentes, exigindo doses maiores e até mesmo o emprego de fórmulas mais tóxicas. Contrariando essa tendência perversa do uso dos agrotóxicos, há mais de trinta anos a FAO vem atuando em programas agrícolas de manejo integrado com resultados expressivos na ordem de 10% a menos de pesticidas nas culturas na Ásia.
Esse sistema poderia tranquilamente ser aplicado no Brasil ao ponto de zerar o uso de químicos na agricultura. Entretanto uma das barreiras enfrentadas é o modelo das propriedades, constituída de grandes latifúndios contínuos. A própria monocultura se caracteriza como uma aberração à natureza, pelo fato de torná-la vulnerável ao ataque de espécies invasoras. A transição de um sistema convencional para o orgânico, pautado na diversidade de culturas, já é prática comum em muitos países como a Dinamarca, Suécia, Suíça, etc. No Brasil, está se adotando em algumas culturas procedimentos orgânicos. O cultivo de cana de açúcar sem agrotóxicos no estado de São Paulo é um bom exemplo. Porém, a rentabilidade na produção é menor comparada à atividade familiar, que adota um sistema integrado, ou seja, várias culturas intercaladas.
Prof. Jairo Cezar



[1] Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.
[2] file:///C:/Users/Jairo/Downloads/An%C3%A1lise%20PL%20Agrot%C3%B3xicos%20(1).pdf
[3] http://reporterbrasil.org.br/2018/06/agrotoxicos-seriam-causa-de-puberdade-precoce-em-bebes-aponta-pesquisa/

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