segunda-feira, 23 de julho de 2018


A BNCC (BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM) E OUTRAS DEMANDAS NA ÓTICA DA SECRETÁRIA DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
   
No último caderno suplementar sobre educação distribuído às escolas públicas estaduais, anexo ao Diário Catarinense, chamou a atenção o teor das respostas da entrevista concedida pela secretaria estadual de educação à página 5, onde abordou aspectos da educação pública que merecem ser ressaltados.  Por ter exercido função comissionada, primeiro como coordenadora da Gered em Joinville e hoje secretária da educação, ocupando a vaga de Eduardo Deschamps, não surpreendeu sua versão funcionalista, conservadora, mostrando o estreito alinhamento às políticas reformistas em curso no Brasil e no Estado.
Na primeira abordagem da secretária, demonstrou forte sincronicidade com o modelo de comando conservador, atribuído ao governo do estado, de seu secretariado e dos demais cargos de escalões inferiores.  Afirmou ela que: “aprendi a agregar parceiros e a fazer mais com menos”.  Penso que é muito difícil fazer milagres quando centenas de escolas públicas estaduais não têm o mínimo do mínimo para funcionar de modo satisfatório. É claro que embora muitos estabelecimentos estejam parcialmente interditados por correr riscos de desabamentos, os demais espaços liberados e outras centenas distribuídas pelo estado, padecem a falta de estrutura, desde materiais de expedientes, de limpeza, ferramentas pedagógicas, até laboratórios de ciência e de informática.
Quando questionada sobre a educação atual, respondeu que o mundo está em constante transformação com a revolução tecnológica. Claro que há uma revolução, pois são raros os estudantes desprovidos de potentes smarts phones de última geração. Entretanto, a escola continua fechada à modernidade, pois o Estado catarinense é um dos poucos da federação que restringe o uso dessas tecnologias em classe. Experiências recentes comprovaram que laboratórios de informática tiveram e ainda tem importante contribuição para a inserção de estudantes no mundo das tecnologias. Como quase todos os programas de sucesso na educação pública têm vida curta, os laboratórios de informática seguiram o mesmo trágico destino, um a um foram sucateados e desativados.
A secretária também ressaltou da importância do estudante ter a oportunidade de acessar as múltiplas teorias necessárias à sua construção integral, desde a história, matemática, línguas, etc, porém, sem perder de vista as possibilidades do desenvolvimento das habilidades e talentos. É verdade que a BNCC e a Reforma do Ensino Médio tentam inviabilizar ao máximo o conhecimento integral, especialmente para as escolas públicas, quando procura restringir no currículo disciplinas essenciais: sociologia, filosofia, educação física. A expectativa de reverter esse fatídico retrocesso poderia se dar quando da elaboração da próxima proposta curricular catarinense. A última proposta foi enviada às escolas públicas estaduais em 2014, ainda pouco conhecida dos profissionais da educação do estado. Outra ou outras deverão ter início a partir de 2019, certamente contemplando um currículo mais enxuto, funcional, a contento dos interesses do capital.
Uma escola precisa ser mais atraente, envolvida com as diversas tecnologias, computadores lousas digitais, relatou a secretaria. É nítido o desconhecimento da secretária acerca do cotidiano das escolas. Se hoje são escassos mantimentos básicos como papel higiênico e material de limpeza, lousas digitais, portanto, estão ano luz de distância de se tornar realidade nas escolas públicas. Olha que a BNCC e o PNE destacam tais ferramentas digitais, laboratórios, softwares, como necessárias no aprimoramento das habilidades cognitivas do corpo discente.
Não há relatos recentes que comprovam haver no estado de Santa Catarina uma única escola pública estadual que preencha as prerrogativas mínimas recomendadas nas Metas do PNE. Seria necessário o fomento de milhões de reais para, primeiro, recuperar a estrutura física de centenas de escolas, para depois, outros tantos milhões para equipá-las, tornando aptas a um ensino satisfatório.  Com a crise econômica em curso e a perspectiva do governo vir a atrasar o próprio salário dos professores, imaginar o cumprimento das metas no tempo hábil estabelecido, 2024, é uma possibilidade muito discreta.  
É uma expressão um tanto subjetiva afirmar que nem todas as desigualdades sociais serão superadas pela educação. Quais as desigualdades que não serão superadas? Isso não ficou claro na fala da secretária. Seria a desigualdade absurda entre os salários pagos aos profissionais do magistério, comparado a de outros trabalhadores com o mesmo nível instrucional?  Seria a desigualdade salarial estratosférica entre deputados, senadores, juízes, secretários de governos e cargos comissionados, aos míseros proventos recebidos pelos da iniciativa privada,  que mesmo trabalhando um ou dois anos inteiro, tudo o que recebem não cobre a totalidade acumulada por tais privilegiados em um único mês? Penso que são esses os tipos de desigualdades que a secretária quis se referir na entrevista, que concordamos com ela, dificilmente serão superadas pela educação.    
 Veja só, a própria BNCC tem por finalidade intrínseca fortalecer as desigualdades quando ataca o princípio de unidade do ensino básico, excluindo da base o Ensino Médio. A tentativa de suprimir do currículo disciplinas essenciais: sociologia, filosofia, arte e educação física, e temas diversos como gênero e sexo, é uma tentativa nada discreta de querer intensificar as desigualdades sociais, incitando a violência contra mulheres, grupos minoritários LGBT, etc.
Para o capital as desigualdades sociais são necessárias para o funcionamento da correia produtiva. Não há porque garantir educação de qualidade para todos em níveis de igualdade, pelo fato do saber se constituir um dos instrumentos de dominação às classes inferiores. Portanto, o direito ao saber pleno ficará restrito a fração ínfima da sociedade, os que controlam os meios produtivos e os instrumentos ideológicos do controle do Estado.
Afirmou a Secretária que a BNCC é o resultado de uma luta do povo brasileiro por justiça social. Até pode ser verdade que a BNCC tinha esse propósito. Porém, isso ocorreu quando foi apresentado o texto do CONED, em 2010, no qual atendia aos preceitos dos profissionais da educação. Quando o movimento Todos pela Educação assumiu a direção dos trabalhos, o documento original sofreu profundo desmonte.  Agora, afirmar que a terceira e última versão da BNCC, que foi homologa no CNE, se caracteriza como um documento avançado, que produzirá justiça social, é sem dúvida uma tremenda falácia, só convencendo os desatentos que se eximiram de ler o documento nas entrelinhas. Só o fato de deixar de fora o currículo do Ensino Médio, como texto a parte, já é entendido como verdadeiro retrocesso, uma afronta aos princípios do republicanismo.
Assegurar o aprendizado de saberes essenciais, é garantir o direito fundamental à educação escolar, é gerar mais equidade e oportunidade. A secretária talvez desconheça que quando se fala de ensino básico se subtende educação infantil, fundamental e médio. Nesse sentindo, uma base curricular não pode ser construída aos pedaços, uma para o fundamental e outra, ainda desconhecida, para o Médio. A impressão que ficou diante dessa fragmentação curricular é que apenas o ensino fundamental será assegurado como público, enquanto o ensino médio fará parte de outra categoria, que poderá compartilhar com setores da iniciativa privada, uma espécie de PPP (Participação Público Privado).
Quando a secretária enfatiza sobre a aprendizagem essencial, daquilo que não pode deixar de ser aprendido, está se referindo a todo conjunto de saberes essenciais construído pela sociedade. Nesse caso, não se pode excluir do currículo, aspectos culturais, ambientais, ambos vinculados ao cotidiano dos estudantes. O que seriam exatamente saberes essenciais? Não há duvida que são saberes previamente selecionados, recortados e disseminados sob a forma de livros didáticos, apostilas.
Esses saberes são complementados com sugestões de roteiro de como trabalhá-los sem que o profissional tenha que dispor de tempo para pesquisar nos manuais curriculares. O que se deseja enfim é que escola obtenha bons resultados nas provas classificatórias do IDEB/ENEM, uma forma um tanto meritocrática para garantir boas notas, melhorando sua posição no ranque geral. O sistema classificatório é uma estratégia do MEC para premiar e punir escolas.
A secretária também ressaltou que o documento foi amplamente discutido com a sociedade, com milhões de sugestões enviadas da sociedade e que resultou no texto final. Além da inserção/exclusão de temas polêmicos e erros primários na primeira versão apresentada, especialmente no ensino da História, a participação efetiva dos educadores foi discreta, sendo o texto pensado e modelado por um grupo de intelectuais cuidadosamente selecionados para criar uma proposta compatível aos rígidos critérios definidos pelos organismos financiadores.
 Era hábito nas conferências municipais e estaduais, na discussão da base, o debate partir do texto pronto, encaminhado pelo governo. As proposições importantes elencadas pelos professores, é possível que não foram acopladas ao documento original como desejavam os educadores. Os governos tentam se justificar as críticas afirmando que todo desdobramento da BNCC foi construído sim, democraticamente, tendo e vista a ampla participação da população via e.mail e conferências. Se um percentual mínimo das proposições sugeridas fosse realmente acolhido pelos mediadores da base nacional, não resultaria em um documento tão funcionalista e conservador como se mostra.
Na temática ensino médio, a secretária discorreu sobre a ampliação de escolas de ensino médio integral, informando que o MEC vem incentivando os Estados com um fomento, buscando ampliar jornada de estudo... definindo uma oferta responsável, em que a infraestrutura seja assegurada para que os jovens sintam a necessidade de freqüentar os bancos escolares e, posteriormente, aprendam. Realmente pouca informação tem a secretária acerca do quadro estrutural e pedagógico de quase todas as escolas espalhadas pelo estado. Muitas delas, como a EEBA teve parte de suas dependências interditadas pelos órgãos finscalizadores, onde alegaram haver riscos de desabamento e incêndio. Não houve uma interdição total do recinto pelo fato de estar sendo aproveitada às dependências de um teatro, anexo à escola, onde os banheiros e a cozinha são utilizados.
Em dias de tempo ruim, chuva ou frio, nos intervalos, os estudantes são forçados a adentrarem as dependências da escola, se aglomerando nos corredores e demais pavimentos. Como pensar em escolas de ensino integral se as unidades em funcionamento não apresentam as mínimas condições para o acolhimento do público estudantil. Um governo federal atolado em denúncias de crimes, somada a roubalheira generalizada de milhões de reais dos cofres públicos, mais os frequentes cortes bilionários de recursos para investimentos públicos, ninguém mais acredita em falácias vindas do MEC, como fomentos para investimentos em novas escolas.
É indiscutível que o projeto de criação de uma nova BNCC tem o dedo do capital internacional, interessado na ampliação do seu voraz desejo de controlar as riquezas e a força de trabalho. Em âmbito interno, nos estados, os governos intensificam suas políticas de flexibilização da gestão de setores estratégicos como saúde e educação. As parcerias público privado por meio das Oss é um exemplo nítido da real tentativa do seguimento privado em reduzir o tamanho do Estado. Poderosas fundações como a Itaú, Roberto Marinho, entre outras, tiveram participação expressiva na formatação tanto da BNCC como do PNE.
Em âmbito estadual, um dos principais parceiros do governo do estado na condução dos planos de reformas da educação em curso é a FIESC. E por que será que uma instituição que representa um dos seguimentos mais conservadores da sociedade tem interesse em promover mudanças na educação pública catarinense? É claro que o fator primordial é o mercado de trabalho, força de trabalho descartável e barata. Não é nada coincidente o fato do empresariado catarinense querer flexibilizar a matriz curricular do ensino médio, cujo estudante poderá optar por um dos cinco itinerários propostos, dentre eles a educação profissional.
Quando se fala de opções de itinerários esta se referindo as cinco trilhas de aprendizagem oferecidas: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. Aqui está o ponto nevrálgico da reforma. Centenas de municípios brasileiros possuem apenas uma escola de ensino médio. Dentre as cinco trilhas disponíveis, deverá a unidade de ensino optar por uma delas.
Se parcela considerável dos estudantes das escolas públicas estaduais trabalha no contra turno, é de supor que, fazendo uma enquete às famílias, é provável que o itinerário preferido será a formação técnica profissional. Aquele estudante interessado em cursar outro itinerário, deverá se deslocar para o município que ofereça o itinerário que deseja. É presumível que milhares de estudantes no Brasil inteiro terão seus sonhos de ingressarem a universidade, abreviados, pois serão forçados a matricularem-se no único itinerário oferecido no município, ensino profissionalizante.
Outra pergunta importante feita à secretária foi:  como as diretrizes podem se refletir na qualidade do ensino em sala de aula? Respondeu que os estudantes do século 21  esperam uma escola e professores aptos para contribuir com o preparo deles para o futuro. Não é tão simples assim tornar a escola pública um espaço agradável, confortável, que assegure aos estudantes, nas quatro horas que ali se permanecem, condições para um aprendizado satisfatório. Se hoje, avaliações do tipo IDEB e ENEM, o percentual de aprovação nas escolas públicas não é ainda mais catastrófico, é porque os profissionais que lá trabalham “dão o seu sangue” a ponto de se estafar as tantas tarefas. E é fácil comprovar tais anomalias. Basta consultar a lista de profissionais que estão afastados de suas funções laborais para tratamento de saúde, na maioria dos diagnósticos, são problemas relacionados ao estresse da sala de aula.  
Agora vamos imaginar como seria a educação pública se 5% das dez competências propostas pela BNCC fossem hoje executadas nas escolas. Competências como: criação de tecnologias digitais; a utilização de distintas linguagens; exercitar a curiosidade intelectual, etc, etc. Competências muito longe de se tornar realidade até 2024. Seriam necessários volumosos investimentos públicos para tornar escolas aptas para o cumprimento das dez competências, com laboratórios de ciências bem equipados; laboratórios de informática, bibliotecas, etc.
A escola precisa, sobretudo, mostrar-lhes a importância da autonomia, do entusiasmo e da criatividade no processo de aprendizagem.  Como ter autonomia se não tem recurso para manutenção do básico, compra de material de expediente, material de limpeza, etc. Criatividade é o que mais tem, principalmente para fazer render o parco dinheiro do PDDE. Não havendo outra fonte, as escolas se lançam as campanhas para angariar fundos como bingos, festas juninas, parcerias, etc. É esse dinheiro que faz a escola funcionar.
Quanto a capacitação, a secretária disse que os professores devem buscar a contínua capacitação, que deve ser também de forma individual. Todos sabem que a capacitação é condição essencial para o aprimoramento profissional. Hoje em dia o único meio possível para a capacitação são os poucos momentos de formação continuada oferecida pelo Estado. É quase impossível um profissional buscar a capacitação fora da unidade de ensino, participando de congressos, conferências, seminários, oferecido por universidades. Além de ter que bancar todo o custo logístico, viagem, hospedagem, etc, é de sua responsabilidade o custeio do profissional que lhe substituirá durante os dias de ausência na unidade de ensino onde leciona.
Prof. Jairo Cezar    


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