segunda-feira, 24 de junho de 2024

 

CIDADES ESPONJAS, A ARTE DA SOBREVIVÊNCIA




Há poucas semanas o Programa Fantástico da Rede Globo exibiu extensa reportagem de um importante projeto que vem minimizando problemas de inundações/enxurradas em muitos lugares do mundo, batizado de cidade esponja. Seu criador, Kongjian Yu, é nascido na china, tem 61 anos de idade, cujos estudos de doutorado foram realizados nos Estados Unidos. O pesquisador que defensor da proposta de que haja a harmonização entre construções e a natureza, começou a ter mais notoriedade agora, principalmente no Brasil, em decorrência das mudanças climáticas que estão alterando bruscamente o modo de vida de populações que habitam regiões frequentemente assoladas por desastres climáticos. 



Sua proposta começou a ser conhecida e adquirir popularidade no Brasil a partir das enxurradas que causaram graves estragos em infraestrutura em três quartos do território gaucho, além de mais de 200 vítimas fatais e outros desaparecidos. Entretanto, penso que poucos devem ter conhecimento que o criador da proposta de cidades esponjas, Kongjian Yu, esteve no Brasil no último dia 16 de junho, como convidado do BNDS para discorrer sobre o tema e sua viabilidade no Brasil.




Embora sua presença no Brasil tenha sido reportada por vários noticiários digitais, não tenho lembrança e ter ocorrido mesmo nas principais redes de TV abertas. Porém, se houve foram reportagens bem resumidas sem dar ênfase as suas propostas, que segundo o paisagista chinês, o Brasil apresenta condições ideais para sua efetivação.  Talvez o criador da proposta não tenha aparecido nos noticiários televisivos pelo fato de ter desferido criticas ao modelo produtivo agrícola e ao segmento urbanístico brasileiro. Ele ficou aterrorizado quando percebeu que no Brasil a cultura da Soja ocupa extensas áreas de terras sem o mínimo de espaço para a retenção da água.




Outro ponto importante criticado pelo paisagista chinês são os muros ou diques construídos nas cidades. Afirma que em vez de construir quilômetros e quilômetros de muros ou diques para evitar o acesso da água de rios e lagos em espaços urbanos, esses locais inundáveis poderiam ser transformados em ambientes verdes, com florestas, parques, lagos, como grandes reservatórios de água. Disse também que os rios, quando são canalizados de forma retilínea, Tietê, por exemplo, perdendo o seu caráter natural, a tendência é o aumento da velocidade da água durante as enxurradas. Destacou, também, a necessidade de harmonização entre construção e natureza, ou seja, que obras de infraestrutura ou edificações não causem impactos na estética do lugar.




É possível que uma ou mais cidades brasileiras despertem algum interesse em implementar esse sistema extremamente eficiente e sustentável. O fato é que para tornar-se realidade, primeiro se faz necessário promover alterações significativas nas legislações dos municípios, mudarem planos diretores, muitos dos quais foram formatados para atender interesses de segmentos do mercado, como o imobiliário. Já destaquei em texto anterior que no Brasil, se os dispositivos contidos no código florestal brasileiro fossem cumpridos integralmente, as tragédias do tempo enfrentadas por centenas de municípios brasileiros poderiam ser minimizadas. Era só não ocupar margens dos rios, lagos e lagoas, encostas e topos de morros. Se há ocupações é porque o poder público não está cumprindo com sua função constitucional que é fiscalizar e punir os infratores.  



Sem me estender muito acerca desse tema, que preencheria varias páginas somente com reflexões advindas de problemas e demandas no extremo sul de SC, quero me ater mais na minha cidade, Araranguá, cujas abordagens podem servir para as demais que integram a Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá e Afluentes do Rio Mampituba, lado catarinense. Um pouco mais de cem milímetros de precipitações sobre as cabeceiras dos afluentes do rio Araranguá são suficientes para desalojar famílias que moram em áreas de riscos no perímetro urbano, principalmente de áreas urbanizadas de Araranguá. Esse drama, no entanto, se repete há décadas sem até hoje ter havido uma solução definitiva.

Problemas que se repetiam uma ou duas vezes em cada cinco ou dez anos hoje são mais persistentes, ocorrendo quase todos os anos. É sabido que tais adversidades do tempo tenderão a continuar e se repetindo em intervalos de tempo cada vez mais curto. Uma realidade que deveria ser demanda prioritária dos debates em todas as instâncias de poder do município, que de fato não vem acontecendo. Portanto, somente medidas paliativas vêm sendo tomadas, como a construção de comportas no bairro Barranca e a abertura de um canal secundário próximo a foz do rio Araranguá para o escoamento da água, porém, sem grande eficiência.

Quando nos deslocamos pelos bairros do município ficamos horrorizados com a quantidade de buracos abertos nas ruas devido ao rompimento de tubulações pluviais. O agravante é que as tubulações foram instaladas há pouco tempo, porém, com diâmetros aquém do ideal para atender a grande demanda de chuvas. Qualquer leigo entenderia que no atual cenário climático, edificações, aberturas de ruas, as instalações de redes de esgotamentos pluviométricos, etc, devem estar associados a um Plano de Adaptação Climática, ou seja, ações conjuntas que possam resultar o mínimo de impacto ambiental.

Porém, não é de fato o que está acontecendo, ou por negligência ou incompetência técnica. Morro dos Conventos, por exemplo, varias ruas estão passando por reparos, algumas tendo já recebendo cinco ou seis restaurações por ter a água da chuva danificado-as. Qualquer um que transitou pelo local deve ter constatado que havia equívocos no projeto, sendo um deles a inexistência de tubulações, ou com diâmetro muito inferior ao ideal para drenar a água da chuva. Outro erro foi ter pavimentado ruas com asfalto, parte baixa do balneário, sem averiguar as condições da rede de drenagem pluvial. Foi só chover um pouco mais para que o asfalto colapsasse. Em vez de ter reparado os tubos, trocá-los por bitolas maiores, fizeram remendo com asfalto onde havia os buracos, vindo a colapsou novamente nas chuvas seguintes pouco mais volumosas.

Claro que muitos dos problemas que hoje os administradores públicos enfrentam em muitas cidades são provenientes de administrações passadas. Instalações de redes de drenagem pluvial com ausência de tubulações para o esgotamento sanitário é um deles. Muitos prefeitos no passado como de Araranguá tiveram que cortar o asfalto de muitas ruas para instalar a rede de esgotamento e tratamento sanitário. Importante é que problemas desse tipo possam servir de exemplos para as atuais e futuras administrações a não repetirem tais equívocos. Será? Não é o que acontece de fato.

 Enquanto na Praia do Paiqueré, Morro dos Conventos, foi fixada tubulação para o esgotamento sanitário, a promessa da atual administração no inicio da gestão era para que em toda a extensão do bairro, partes baixas, altas e aos arredores, também teriam essa demanda atendida. Era de se esperar que a partir da restauração das ruas do bairro, Rua Aparados da Serra, por exemplo, no momento que fossem fixados os tubos para o escoamento pluvial, paralelo a esses, estariam os canos para a rede de tratamento de esgoto.

Acredite, os tubos para o esgotamento sanitário não estão inseridos no projeto de restauração das ruas. Mais uma vez os gestores públicos estão repetindo erros do passado, que resultaram em gastos públicos desnecessários, com quebras de asfaltos, calçadas, sem contar outros transtornos previsíveis. Equívocos administrativos como esse, deveriam fazer a população se rebelar, por meio de suas associações de moradores, câmara legislativa, imprensa, etc. Entretanto isso não acontece e dificilmente irá ocorrer  nesse atual cenário onde prepondera um consenso a favor de quem estão no poder. O que há mesmo é um insólito silêncio, até mesmo de forças políticas de esquerdas locais, como se tal demanda não fosse necessária. 

De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico, todos os municípios brasileiros terão prazo até 2033 para cumprir com tais metas, sob pena de sanções administrativas federais e internacionais. Portanto a única certeza que temos é que as únicas "espojas" possíveis de serem vistas no futuro não são as cidades cobertas por espaços verdes, florestas, mas aquelas usadas nas limpezas das residências tomadas pelas enxurradas.  

Prof. Jairo Cesa

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-06/chines-criador-das-cidades-esponja-diz-que-brasil-pode-ser-referencia

https://oglobo.globo.com/brasil/sos-rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/30/criador-das-cidades-esponja-chines-diz-que-segredo-e-absorver-e-nao-conter-aguas-das-chuvas.ghtml

Parque Sanya Mangrove em Hainan, na Chinahttps://www.bbc.com/portuguese/articles/ce44n8n14ewo

   

sexta-feira, 21 de junho de 2024

 

PL 1.904/2024, DO ESTUPRO, ENQUADRA A MULHER QUE ABORTA COMO ASSASSINA

Quando paramos e refletimos sem qualquer ranço ideológico acerca do comportamento de parte expressiva dos parlamentares da Câmara Federal de ter aprovado projeto de lei que criminaliza crianças vítimas de estupros à condição de assassinas por abortarem o feto indesejado após a 22ª semana de gravidez, concordamos de fato o quanto estamos mal representados nessa instância tão relevante da república brasileira.   Lendo e ouvindo o tema relativo ao PL 1904/24 nos canais abertos e sites, me vinha à mente insights de livros, artigos, filmes, dos quais tive contato, discorrendo, na história, as condições de subalternidade das mulheres em relação aos homens.

A própria bíblia cristã, traz passagens referendando tais situações, primeira, a afirmação ter sido a mulher, concebida a partir da costela de um homem; a segunda, a metáfora da serpente no livro dos gêneses, descrevendo a mesma mulher, concebida por uma costela, que foi expulsa do paraíso por ter cometido pecado, que foi ter comido o fruto proibido, uma maçã. As civilizações ocidentais, a Grécia, por exemplo, tão reverenciada como berço da cultura, das artes, da arquitetura, teve a mulher como sujeito de segunda classe. Ouvindo a música Mulheres de Atenas, letra escrita e interpretada por Chico Buarque de Holanda, é possível imaginar o nível de sujeição vivida pelas mulheres gregas.  

Transitando pela história, quando se chega à idade média, o grau de perseguição e violência contra elas assume níveis inimagináveis, o agravante é que por trás dessas insanidades estava à sacrossanta igreja católica, a mesma que instituiu o famigerado Tribunal da Santa Inquisição. Construiu-se a crença de que mulheres inteligentes, empoderadas, criativas, seu corpo estava tomado por forças demoníacas e, portanto, era preciso queimá-la na fogueira para purificar sua alma.

Chegamos à modernidade, porém a mulher ainda se mantinha em uma condição de corpo imaculado, sem pecado, cujos caminhos possíveis a serem galgados eram o casamento, arranjado ainda na tenra idade; o magistério ou a vida monástica nos mosteiros. Raras eram as mulheres que rompiam esse infortúnio “destino”, traçado pelas conveniências do patriarcalismo. Se tentarmos lembrar de mulheres nascidas nos séculos passados que tiveram desenvolturas na filosofia, na matemática, na ciência, bem como entre outras áreas do conhecimento, ficaremos alguns minutos ou até horas querendo encontrar respostas inúteis. Algumas que conseguiram se sobrepor ao mando machista, patriarcal, suas obras literárias, para terem credibilidade, as autoras tiveram que adotar pseudônimo masculino.  

Alguns direitos mais significativos, as mulheres começaram a ter somente a partir do final do século XIX e começo do XX, porém, foram conquistas obtidas mediante brutais enfrentamentos, muita luta e sangue derramado. O oito de março, no entanto, é um desses dias símbolos no calendário mundial, data em que mulheres relembram o triste episódio ocorrido nos Estados Unidos, em 1857, onde dezenas de trabalhadoras em greve foram trancadas no interior de um fábrica, ambas morrendo carbonizada após o proprietário ter ateado fogo.   

 No Brasil, a trajetória de vida das mulheres se tornou mais dura pelo fato de país ter sido o país forjado a partir da ocupação português, claro que sob as ordens da vossa majestade, o rei, e as bênçãos da santíssima igreja católica romana.    Convém destacar que o regime patriarcal, machista, moralista, escravocrata, aqui institucionalizado há mais de quinhentos anos, tem os seus tentáculos enraizados em todas as instâncias de poder, mais incisivamente nas instâncias do legislativo. De fato não se pode creditar violação contra o corpo das mulheres apenas no Brasil.

No oriente médio, países sob a égide do islamismo mais extremado, as mulheres são acometidas por regras onde reduz ao máximo seu papel de cidadã. Há casos que a violação de direitos alcança níveis assustadores. O Afeganistão, por exemplo, é um desses países que mais viola direitos às mulheres. Claro que existem outros que violam, porém, o regime exercido pelo Talibã, o mesmo permite que as mulheres estudem até o sexto ano. O argumento é que mulheres inteligentes podem desvirtuar os textos do livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão. 

Aqui no Brasil embora não exista um Talibã, regime que busca interpretar o alcorão a partir de convicções favoráveis a uma casta de homens bem nascidos, existe um congresso nacional, fatiado em bancadas, sendo uma das mais influentes a bancada da bíblia, constituída por parlamentares de vertentes cristãs evangélicas e católicas que tentam pautar demandas que evidenciem preceitos morais de costumes.  Questões de gênero, como o casamento e o corpo da mulher, sempre ocupam o centro dos debates desse grupo. São propostas afinadas ao gosto de parcela expressiva da sociedade brasileira cujas vidas são guiadas a partir das escrituras sagradas.  

Dentre os temas que essa turma vem tentando emplacar no congresso, uma delas é a criminalização das mulheres que cometem aborto, pois acreditam terem competências suficientes para decidir como as mulheres devem usar seu corpo. O fato é que já existem legislações que dão direito as mulheres de abortarem quando a gravidez ocorre por meio de ato violento, o estupro, por exemplo, ou quando o feto apresente deformidade cerebral, como a anencefalia, que pode lhe resultar a morte ainda no útero ou após o nascimento.

Mas a questão do aborto teve seus avanços e atropelos no decorrer da história brasileira. As primeiras legislações sobre o tema foram compilações trazidas pelos colonizadores portugueses, porem, discretamente, trazia alguma nuance sobre esse tema aborto. A primeira vez que o aborto aparece de fato na legislação brasileira foi no regime imperial brasileiro, atribuindo crime a quem a praticasse, portanto, os códigos penais da época não consideraram criminosas as mulheres que abortassem. O fato é que as mulheres que abortassem nessa época, dificilmente eram punidas, pois o ato era interpretado como uma desonra não para o corpo da mulher estuprada e sim para a família patriarcal.

Com a Proclamação da República, a constituição de 1890 traz os primeiros ordenamentos tratando desse assunto, não mais como uma questão de desonra familiar, mas de saúde pública. A ciência e a medicina já alcançavam estágios de evolução, fato que assegura debates menos rançosos, menos moralistas nas instâncias do executivo e legislativo nacional. De fato foi na primeira reforma do código penal brasileiro em 1940 que o paradigma de honra passou a perder força definitiva no campo jurídico. O tempo passou e paulatinamente as mulheres adquiriram certos direitos, dentre elas o de administrar o seu próprio corpo, de ter ou não ter filhos e de interromper a gravidez quando assim o desejassem.

Porém, no Brasil alguns desses avanços somente se deram a partir da constituição de 1988, garantindo às mulheres, direitos iguais a dos homens em todos os aspectos da vida social. Entretanto, no quesito concepção e sua interrupção ainda permanecia um hiato institucional. Claro que mínimo foram os avanços nesse aspecto, primeiro pelo fato de historicamente o congresso nacional estar constituído majoritariamente por homens, tomados por um viés machista de tradição patriarcal. Algumas conquistas significativas alcançadas pelas mulheres quanto às interrupções das gestações somente se deram a partir da atuação do STF.

Nas ultimas eleições, o congresso nacional, as assembleias legislativas estaduais e municipais foram tomadas por levas cada vez maiores de parlamentares conservadores, trazendo a tona pautas de cunho moralistas, como a criminalização de relacionamentos não heterossexual e o aborto sob a prática de estupro.  A gota d’água dos ataques aos direitos das mulheres conquistados a ferro e fogo e resguardadas pela atual constituição foi a aprovação no parlamento do PL 1904/2024 que define como crime de homicídio simples mulheres/crianças que cometem aborto a partir da 22 semana de gestação. A proposta pune quem aborta com penas de até 20 anos de prisão e para o estuprador, pena que chega até 15 anos de prisão.  

A proposta, no entanto, mobilizou parte da sociedade que viu na PL uma afronta a dignidade feminina. Outra alegação contrária a chamada PL do estupro é que em 2022 ocorreram 74.930 estupros, sendo que 88,7% foram de mulheres e 60% com idade inferior a 13 anos. É de conhecimento de todos principalmente dos parlamentares autores da proposta que as vitimas de estupros, expressiva maioria foi cometida por membros da própria família, o pai, tio, etc.

Nesse sentido, por constrangimento, essas pessoas, meninas, muitas ainda crianças, não denunciam ou só revelam a gravidez muito tarde. Penso que as manifestações contra tal PL que se espalharam por todo o território nacional fará com que o projeto não siga a frente e seja arquivado.  Se de fato o projeto for abortado, mostrará que a força das mulheres, de toda a sociedade foi decisiva para impedir tamanha violência articulada por políticos rançosos alojados nas estruturas de poder do congresso nacional.

Prof. Jairo Cesa

terça-feira, 18 de junho de 2024

 

A ERA DA PÓS VERDADE QUE CONVERTE SUJEITOS EM MANADAS GUIADAS POR IDOTAS.

Vai e volta e mais uma vez o mundo é sacudindo pelo fantasma do nazifascismo, movimento político extremista que causou tantos estragos e mortes no passado. Parece que aquelas teorias positivistas difundidas durante os finais do século XIX e começo do XX afirmando que a ciência, o progresso econômico, geraria prosperidade e bem estar à humanidade, tem demonstrado aos críticos ser um tremendo fracasso teórico. Afinal onde estão exatamente os erros de todo esse desarranjo civilizatório? O erro pode estar sim, quase consenso, nos intelectuais da modernidade que romantizaram o progresso humano, creditando-o todas as fichas na revolução industrial, na evolução das técnicas como instrumentos capazes de gerar fartura e maior tempo livre.  

Os acontecimentos futuros, os conflitos nacionalistas na Europa e as duas grandes guerras mundiais colocaram em xeque qualquer expectativa de um futuro repleto de prosperidade e igualdade social. Até mesmo a revolução russa que apregoou a possibilidade de uma nova ordem, fundamentada no princípio da solidariedade, da coletividade, também teve o seu revés histórico. Dentre as ciências gestadas no período das guerras nacionalistas, certamente a psicologia, mais tarde a psicanálise, devem ser consideradas como antídoto àquilo que Tomas Hobbes profetizava no século XVIII, que o homem seria o lobo do próprio homem.

A figura de Freud, pai da psicanálise e Nietzsche, o homem bomba da existencialidade, ambos provocaram uma profunda reviravolta na forma de pensar o mundo contemporâneo. O primeiro, entendendo que a humanidade é guiada pela pulsão inconsciente de vida e morte, já o segundo, admitindo que os dogmas, a moral religiosa, são arquétipos conscientes e inconscientes de domínio, que escraviza e submete os desiguais a uma cega racionalidade produtiva. As democracias modernas, criadas para ordenar e disciplinar as forças políticas em frequentes disputas pelo controle hegemônico do Estado perde sua eficácia com a ascensão dos regimes totalitários na Europa.  Claro que a crise das democracias tem um ingrediente chave, o colapso do próprio regime de produção capitalista, responsável pelo crescimento do desemprego e das frustrações contra os governos eleitos.

O que se vê a partir da ascensão do nazifascismo é à saída do cativeiro dos demônios/domínios aprisionados nas profundezas do inconsciente, sim, são as pulsões de morte sublimadas num falso amor, numa falsa solidariedade. Sem um freio racional, as instituições republicanas, para barrar as pulsões inconscientes de ódio e morte, o alvo desses lideres carismáticos, psicopatas, são os diferentes, os negros, os ciganos, os gays, os judeus, todos entendidos como bodes expiatórios de uma crise que solapou a economia planetária. Com a neutralização do totalitarismo, não o seu fim, o mundo viveu período de aparente estabilidade econômica e institucional, claro que mediado por um sistema de poder polarizado entre os EUA, capitalista e URSS, comunista.

O fim do socialismo soviético acarretou mais combustível para projetar o sistema capitalista, agora como sistema produtivo hegemônico, único capaz de garantir a sobrevivência da civilização. Será? Os acontecimentos futuros mostraram que com o fim do mundo bipolar houve o acirramento das crises econômicas e, por consequência, o acirramento dos conflitos, pipocando com intensidade nos quatro cantos do planeta.

Frente às instabilidades estavam os Estados Unidos e demais potencias industrial, com funções estritas de controlar os fluxos incessantes de capitais que financiariam as economias dos países não alinhados, dentre eles o Brasil. O Brasil após ter experimentado um ciclo curto de estabilidade econômica, isso durante os governos PT, o golpe institucional de 2016, abriu as porteiras para a ascensão da extrema direita odiosa, até então tendo as pulsões de morte neutralizada pelo superego das instituições.

Para a sua ascensão as hastes do Estado era imprescindível forjar um líder, que pudesse representá-los institucionalmente. De repente uma figura caricata, sem qualquer lastro intelectual e moral surge do submundo da política, se credenciando como um sujeito não sistêmico a representá-los. Quatro anos de mandato foi suficiente para torná-lo um dos principais párias no cenário internacional. Para os seus seguidores, a voz do líder Bolsonaro reverberava mais valor que a própria constituição, motivo pelo qual os constantes ataques advindos do congresso, majoritariamente ultraconservador, a todo um arcabouço de conquistas sociais.  

Incrível como a figura abjeta de um líder forjado por um extrema direita acéfala pode atrair tantos adeptos, tantos seguidores, a ponto de se comportarem como manadas humanas. O que se viu foi o assustador aumento da idiotização de sujeitos, impulsionados por uma crença negacionista, negando a ciência e exaltando as verdades manipuladas. No século XV, XVI, por exemplo, o conceito de verdades provinha das crenças metafísicas, de um deus masculino, fato pelo qual sempre se buscou desqualificar a mulher, lhe atribuindo inferioridade intelectual, uma figura sempre a espreita as tentações do mal. Parece que esse tipo sórdido de desqualificação foi reconfigurado no Brasil durante o ultimo governo, seguindo uma visão de distopia social, onde passou a incluir nesse conjunto, além das mulheres, também os negros, os índios, os gays, etc.

Quando se tentou insistentemente criminalizar a ciência, ou seja, todo o conhecimento construído pela civilização, por trás dessa violência havia um projeto embrionário de sociedade, com propósito claro de fomentar uma visão de mundo denominada de pós verdade. Isso mesmo, até parece algo insano, mas ocorreu de fato, os “idiotas” passaram a acreditar que de fato verdade era aquilo que os avôs, os pais, falavam no passado, por exemplo, que os brancos são superiores aos negros; que o ódio e o preconceito são justificáveis, etc, etc.  

Portanto, para a consolidação do projeto neoliberal seria importante fazer as pessoas questionarem o óbvio, tudo aquilo que foi aprendido como inquestionável, indissolúvel, lhes atribuído outras versões, por exemplo, que a meritocracia deve ser aceita, pois transforma positivamente o processo de gestão e produção de qualquer instituição.  É esse vazio existencial o alvo predileto dos espertos arautos, os representantes diretos do sacro/cívico/militar poderes encarregados de plantar no cérebro dos desatentos, outro tipo de saber não convencional, acreditando em uma colheita farta e duradoura.

Prof. Jairo Cesa     

 

          

 

                 

quarta-feira, 12 de junho de 2024

  

ENTÃO OS “ECOCHATOS” ESTAVAM COM RAZAO?

O governo anterior nos deixou feridas sociais expostas que poderão levar anos para serem cicatrizadas. Além dos desmontes em setores primordiais ao desenvolvimento como ciência e educação, também não mediu esforços para avacalhar tudo o que se referia a proteção do meio ambiente. Foi sim nesse segmento que o mesmo, junto com os seus asseclas de plantão, escancararam todo o sadismo, destilando ódio e ataques contra quem assumisse posições críticas ao desmonte do arcabouço legal ambiental. O fato é que o terror dos extremistas contra ambientalistas e profissionais do IBAMA, INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ICMBio se espalhou pelos quatro cantos do território brasileiro, como um vírus letal, sendo-o até incorporado aos discursos de uma legião de simpatizantes, apoiadores, na sua maioria membros dos legislativos e executivos municipais.

Era necessário, portanto, consolidar um consenso nacional, afirmação de que o “progresso econômico” se daria com legislações mais flexíveis na área ambiental, permitindo que florestas, topos de morros, margens de rios, lagos, dessem lugar à agricultura, ocupações urbanas e outros projetos de infraestrutura. Porém, essas propostas de flexibilizar regras ambientais, etc, omitiam interesses escabrosos, como o que foi revelado em uma reunião com a cúpula ministerial do governo anterior nas dependências do palácio do planalto. No encontro o ministro do meio ambiente Ricardo Salles escancarou o macabro segredo de que era necessário “derrubar” definitivamente as porteiras do escopo ambiental para que a boiada pudesse passar.  

Como um rastilho de pólvora, o discurso do ministro caiu como uma luva no gosto da bancada ruralista do congresso, demais parlamentares das duas casas legislativas e centenas de vereadores e prefeitos que viam no discurso do ministro a oportunidade de também colocar abaixo as “porteiras” das suas legislações ambientais. Maldosamente, para fazer valer suas políticas desenvolvimentistas a todo custo teriam que “limpar o trecho”, ou seja, tirar do caminho os ambientalistas, os “Ecochatos”, amaldiçoados e transformados em algozes do progresso, ou seja, cúmplices dos vários embargos em licenciamentos advindos dos órgãos fiscalizadores do meio ambiente, dentre eles o MPF.

Foram os "ecochatos", odiados, amaldiçoados por governos extremistas de plantão, grupos econômicos e políticos negacionistas, que vinham alertando que algo de muito ruim, devastador ocorreria sobre o território brasileiro se o regime de devastação dos biomas da Amazônia, Serrado, mata atlântica, etc, não fossem cessados imediatamente. Sugiro que prestem atenção nos locais que foram mais impactados pelas últimas enxurradas que por pouco não devastaram literalmente todo o território do Rio Grande do Sul. Sem exceção todos os locais que foram mais atingidos, no passado serviam como “caminho das águas”, em decorrência da sua peculiar geomorfologia.

Embora não fosse possível desocupar toda essa área considerada de riscos à cheias e deslizamentos de encostas de morros, os problemas poderiam ser minimizados se não fossem alterados ou suprimidos pela assembleia legislativa e sancionado pelo governador Eduardo Leite, importantes artigos e dispositivos do código ambiental do RS. Ações como o afrouxamento de licenciamentos ambientais e o desmonte do código florestal do estado gaúcho foram um desses ataques desferidos pelo legislativo e o executivo gaúcho. Três anos depois de o estado gaúcho ter desmontado o seu código ambiental, o Santa Catarina seguiu essa mesmo ritual fragilizando ainda mais o seu já débil código ambiental.

Tendo no posto máximo do executivo federal e no ministério do meio ambiente figuras que demonizavam as normatizações ambientais em vigor, bem como todos que ousassem defendê-las, ficou muito cômodo para os gestores municipais e câmara municipais desfigurarem suas normatizações, pois somente assim alcançariam o dito “desenvolvimento”, principalmente no segmento turístico. Foi exatamente isso o que ocorreu e vem se sucedendo em Araranguá. Após a execução do Projeto Orla, em 2016, quase todo o arcabouço aprovado pelos delegados, cerca de 200 demandas, vem sendo paulatinamente desfigurada ou desconsiderada pelos gestores que se sucedem no paço municipal.

De 2017 até o momento, 2024, quase sete anos, foram várias as intervenções do MPF aos sucessivos governos municipais por suspeitas de ilicitudes em atos de licenciamentos de projetos de infraestrutura tanto na parte superior como inferior do balneário Morro dos Conventos. A abertura da rua que faz ligação entre o balneário ao loteamento Paiquerê é um desses projetos recheados de dúvidas quanto a sua licitude. O fato é que não foram cumpridas as recomendações descritas no PGI (Plano de Gestão Integrada) que recomendada três estudos de viabilidade para averiguar o traçado menos impactante ambientalmente.

Claro que os “ecochatos” atentos a tudo estavam com razão quando presumiam haver alguma ilicitude envolvendo o licenciamento do traçado onde ocorreu a abertura da rua. As noticias divulgadas dão conta que o município de Araranguá foi sentenciado pelo MPF por suspeita da irregularidade no projeto. Decisões como essa o primeiro alvo dos ataques desmoralizantes do poder público e parte da impressa mercenária são os ecologistas, que historicamente vem se colocando como bodes expiatórios às irresponsabilidades dos gestores municipais. 

Essa decisão, do possível embargo da via de ligação, gerou forte revolta junto ao poder público, onde depositaram a culpa  mais uma vez aos “ecochatos” por acreditarem estar  por traz da decisão do órgão federal. Na sequência, o legislativo e a parte da imprensa mercenária do município assumiram a função de fomentar junto à opinião pública sentimentos de revolta e ódio contra ambientalistas e alguns moradores alegando quererem o Morro dos Conventos somente para si. O ápice do absurdo do poder público foi ter patrocinado ridículo slogan contendo a seguinte frase: “o morro é de todos”. É óbvio que o slogan está subtendido como sendo um ataque aos ambientalistas e demais moradores que lutam bravamente pela preservação desse frágil ecossistema. Deixar explico que se o morro é de todos como quer apregoar o poder público, deve ser considerado nesse todo os demais elementos vivos que compõem a flora e a fauna do balneário, imensamente ameaçados pelo dito “desenvolvimento”.   

Em uma república séria onde a divisão dos poderes ocorre de fato, por exemplo, o legislativo fiscalizando as atribuições do executivo, a existência e atuação dos ecologistas seria por si só discreta ao olhar da sociedade, não é mesmo?  Se os ecologistas são tão evidenciados, como de fato acontece em Araranguá, certamente é porque os princípios da república estão sendo desconsiderados, o legislativo e o judiciário, portanto, não estão cumprindo com suas atribuições constitucionais que é fiscalizar as estariam fazendo vistas grossas às muitas barbaridades cometidas pelo executivo municipal, assessorado pelo seu órgão ambiental?

Prof. Jairo Cesa

sexta-feira, 7 de junho de 2024

 

DIA MUNDIAL DO  AMBIENTE: DATA PARA REFLETIR SOBRE O MODELO PRODUTIVO QUE ESTÁ COLAPSANDO O PLANETA

https://bancariospb.com.br/dia-mundial-do-meio-ambiente-pede-uma-conexao-maior-das-pessoas-com-a-natureza/


Como de costume, todos os anos na data do dia 05 de junho os jornais escritos e outras tantas dezenas de publicações digitais, reservam paginas e páginas de seus diários focando o dia mundial do meio ambiente. O que mais se publica são palestras, atividades culturais/artísticas e a tradicional distribuição de mudas de árvores nativas envolvendo escolas, universidades, tendo sempre o apoio do poder público, fundações ambientais e demais secretarias. O que se constata é que mesmo com tantas atividades alusivas a data, os problemas relacionados aos ecossistemas vêm se agravando progressivamente.

Não há como negar essa triste realidade, pois a resposta está aqui pertinho de nós, no nosso estado e no vizinho RS. Somente no estado gaúcho foram mais de duzentos mortos, vítimas das enxurradas do começo de maio que devastaram mais da metade dos municípios, que levarão meses, anos para se refazerem. Que essa semana dedicada à discussão ambiental, o tema crise climática tenha prioridade das prioridades, pois somente assim será possível repensar nossos equivocados hábitos comportamentais,  enfim, todo o conjunto produtivo nada sustentável, visto como a causa das tragédias.

Claro que pouquíssimos serão os jornais que ousarão fazer menção ou reflexões acerca do modelo produtivo, que se nutre da exploração exacerbada dos recursos naturais, bem como da espoliação da força de trabalho. Energia limpa e “transição energética verde”, voltada ao carvão mineral, são os assuntos que mais destacados ultimamente nas páginas dos jornais, sites, blogs e redes sociais da região sul de Santa Catarina, não é mesmo? A impressão que se tem é que agora com o “carvão verde”, adeus resíduos tóxicos, adeus poluição.  

Municípios como Capivari de Baixo onde está instalada a antiga termoelétrica Jorge Lacerda, acredita-se que agora, com a transição verde, perderá o título de a cidade mais poluída do Brasil, será? Quanta ilusão. Distribuir árvores nativas e frutíferas no dia 05/06 ou durante semana alusiva ao ambiente se tornou quase que uma obrigação dos gestores públicos e seus órgãos ambientais, dando a impressão que estão profundamente contagiados, sensibilizados com a respectiva causa. De fato não estão, com raras exceções, é claro. Pressionados por forças econômicas vinculadas ao agronegócio, segmentos industriais e imobiliários, governos e gestores municipais vêm promovendo profundos desmontes de suas legislações ambientais, entre eles os códigos ambientais, tudo isso para facilitar ou beneficiar grupos de interesses.

Nossos rios, lagos e lagoas, a legislação de 2012 que criou o novo código florestal brasileiro, determinou que a distância mínima de APP, Mata Ciliar, obrigatório ao longo das suas margens, seguirão critérios em conformidade aos respectivos biomas correspondentes. Para o bioma Mata Atlântica, onde se encontra a Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá, o mínimo exigido de APP, mata ciliar, no trecho correspondente ao município de Araranguá, não poderia ser inferior a 50 metros em todo o seu curso. Quem já transitou pelas margens do respectivo rio, deve ter constado que são raros os pontos onde a mata ciliar supera os 5 metros. Portanto esse seria um tema relevante para ser debatido nessa semana, principalmente nas escolas, porém, dificilmente vai acontecer.

E sobre os lagos e lagoas do município, ambas terão espaços garantidos nos debates, rodas de conversas e na imprensa? Também penso que não. Há, de fato, um consenso pouco inteligente no município e região em acreditar que por possuirmos quatro mananciais hídricos jamais teremos problemas com a escassez de água. Observando atentamente o comportamento desses mananciais, podemos admitir que ambos dão mostras de saturação, principalmente durante estiagens um pouco mais longas.

O Lago Dourado, manancial que abastece o Bairro Morro dos Conventos e comunidades do entorno, e que durante o verão atende cerca de 10 mil pessoas, suas margens vem sendo colapsadas por projetos imobiliários. O risco é que muitos desses projetos, loteamentos, estão ameaçando importantes nascentes que promovem a recarga do manancial.  O agravante é que tanto o poder público, bem como o seu órgão ambiental, ambos estão sendo cúmplices dessas tragédias anunciadas.

Poucas são as pessoas que deram credibilidade aos ambientalistas, pesquisadores, acerca do manancial hídrico Lagoa do Caverá, alertando as autoridades de que era urgente a adoção de medidas para impedir que a lagoa viesse a secar com brevidade.  Um complexo manancial de água doce, essa era a Lagoa do Caverá, que enchia de orgulho os moradores do sul e de seu entorno por ser ela a maior de Santa Catarina em extensão. Agora, só traz tristeza a esses mesmo moradores, pois sabem que o manancial está com os dias contados para morrer, desaparecer, dez anos no máximo.

 Secando esse manancial, a lagoa do Sombrio também deixará de existir, pois ambas estão conectadas, formando o complexo lagunar do sul de Santa Catarina.  Afinal, por que tanto descaso com esse manancial, quem, de fato, serão os beneficiários com a extinção da mesma? É obvio que se conhecem os responsáveis. Mais uma vez as autoridades locais e estaduais teriam que dar explicações à sociedade, pois também são cúmplices.

Sempre foi assim, concluídas as programações alusivas ao dia mundial do meio ambiente, nada mais se ouvira sobre o assunto até o dia cinco de junto do próximo ano, com os mesmos rituais programáticos: distribuições e plantios de árvores, palestras, passeios, tudo isso e, claro, sem tocar na ferida, ou seja, na raiz de todos os problemas, que é o atual modelo produtivo, que está consumindo todas as energias do planeta ao ponto de estar colapsando.

Prof. Jairo Cesa                 

terça-feira, 4 de junho de 2024

 

 

"PARCEIRO DA ESCOLA": O PARANÁ COMO LABORATÓRIO DAS POLÍTICAS DE PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

Fotos: Ativista / APP - Sindicato
 


Enquanto muitos países com excelentes IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) têm investido pesadamente no segmento educacional, construindo escolas e preparando melhor o seu corpo docente e a estrutura pedagógica, no Brasil, o caminho tomado pelo governo federal, estaduais e municipais é outro, onde insistem em limitar ao máximo investimentos nesse setor. O que se vislumbrava nos anos 1990, quando discursos pró reformas neoliberais passaram a ser defendidas e executadas, era de que quanto menor o tamanho do Estado, mais recursos teriam o capital para investimentos no setor produtivo - indústrias, agricultura, fazendo assim “crescer o bolo”, o capital, para a posterior redistribuição em forma de serviços públicos de qualidade.

 Desde então, a partir dos anos 2000 em diante, com alguns intervalos curtos de tempo, os investimentos em educação, segurança, saúde, saneamento básico, etc, vem sendo reduzido ano após ano. Por outro lado o capital, por exemplo, o financeiro,  acumula lucros bilionários, claro que impulsionado pelas políticas de Estado Mínimo.  Para a efetivação desse perverso modelo produtivo, que explora a mais valia, o mesmo se utiliza de instrumentos persuasivos, sendo um  deles a  construção de consensos afirmativos, como a lei da oferta e da procura ou livre mercado, onde assegura produtos e serviços de qualidade e de baixo custo para a sociedade.   

Quando transitamos por uma rodovia administrada por uma concessionária, ou quando vamos a um hospital ou clinica particular, ou quando matriculamos nossos filhos em escolas e universidades privadas, somos também persuadidos a acreditar que tais serviços oferecidos são melhores porque pagamos, não é mesmo? Muitos se esquecem ou desconhecem que quando pagamos por todos esses serviços, estamos pagando por duas vezes, os impostos e as respectivas taxas ou valores extras.

Poucos sabem que o montante de impostos recebidos pelo Estado/Governo tem por meta assegurar a todos e com qualidade os respectivos serviços.  Portanto, tem algo de errado nessa equação, se pagamos tanto impostos, por que temos um dos piores serviços oferecidos pelo estado brasileiro em comparação a outros países, com arrecadações menores que o nosso? A explicação está na velha cultura da corrupção, que permanece latente; nas benesses fiscais oferecidas pelos governos; nas sonegações de impostos e na injusta e impagável dívida pública, que consome mais de 40% dos impostos arrecadados.

Flexibilizar legislações, como as trabalhistas e previdenciárias, são imposições advindas das grandes corporações financeiras internacionais aos governos, cujas economias são lastreadas por fluxos de capitais, a exemplo do dólar. O grau de desmonte dos serviços públicos oferecidos em alguns estados brasileiros chegou ao limite alertado lá pelo final dos anos 1990, de que OS (Organizações Sociais) e empresas terceirizadas seriam contratadas para gestar os serviços. Entre os segmentos públicos mais impactados pelas políticas neoliberais esta a educação pública, nas instâncias federal, estaduais e municipais. Arrocho salarial, taxação de aposentados, ausência de concursos públicos, terceirização de serviços, entre outras, são as práticas mais corriqueiras adotadas pelos últimos e atuais governos, principalmente aqueles simpatizantes ou que compõem o guarda chuva das forças políticas ultra reacionárias de plantão.

Estados como São Paulo, Santa Catarina e Paraná, claro que há outros nesse escopo, seus atuais governos, ambos aliados ao ex-presidente, tentam com o apoio de suas Assembléias legislativas executarem o que está no escopo do programa do Partido Liberal e do seu conjunto de alianças, a privatização definitiva da educação pública. O Paraná, acreditamos que seja o estado que mais tenta avançar nessa linha de desmontes. Enquanto em Santa Catarina o atual governo sancionou lei que transfere recursos públicos milionários às universidades comunitárias e privadas, no estado do Paraná, o atual governo tenta aprovar no parlamento projeto de lei que cria o “parceiro da escola”.

A proposta visa terceirizar 200 escolas públicas, ou seja, entregá-las ao setor privado que assumirá funções administrativas e de infraestrutura. Além do mais as instituições particulares terão autonomia em contratar servidores como merendeiras, pessoal de limpeza e ACT, que são os professores que atuarão em caráter temporário. Diante dessa ameaça à educação pública do Paraná, o sindicato estadual mobilizou os trabalhadores de educação pública estadual para estar em Curitiba no dia 03/05, data da possível votação do projeto PL 345/24, que trata sobre a criação do “parceiro da escola”.

Para impedir que o projeto vá para a plenária e seja votação pelos parlamentares em toque de caixa, os professores e demais servidores ocuparam a casa legislativa, porém, a justiça, em caráter de urgência, votou o recurso decidindo pela reintegração da casa, ou seja, que os manifestantes teriam que evacuar o espaço imediatamente. Mesmo com a pressão dos trabalhadores, a votação do projeto aconteceu virtualmente, sendo 29 votos a favor e 13 contrários. Após essa votação o projeto retornou para as comissões para a sua apreciação. No dia seguinte, 04 de junho, houve mais três sessões de votação do PL, que culminou com a sua aprovação definitiva, recebendo 38 votos a favor e 13 contrários.  Claro que tudo ocorreu de modo muito rápido, não abrindo possibilidades de debates mais consistentes sobre o assunto junto a sociedade. 

Agora, o que impressiona nisso tudo são as semelhanças dos fatos com outros estados, como Santa Catarina, que passou e passa por situações muito parecidas: governos autoritários, parlamento majoritariamente composto por representantes do capital e um judiciário relativamente imparcial. Mesmo com a greve desencadeada no dia 03/05 por tempo indeterminado, o cenário que hora se descortina no parlamento paranaense é visivelmente favorável ao projeto de privatização dessas 200 escolas. Muitos estados, como São Paulo e Santa Catarina, certamente seus governantes e parte expressiva dos parlamentares deviam estar acompanhando atentamente todos os desdobramentos e torcendo pela aprovação da PL. Mais do que nunca é preciso preparar a categoria e a sociedade para um possível enfrentamento campal em um futuro muito próximo, pois  projetos parecidos ou piores serão apresentados em favor do desmonte da já desmontada educação pública. .

Prof. Jairo Cesa    

 

https://www.brasildefatopr.com.br/2024/05/22/professores-e-parlamentares-consideram-absurda-proposta-de-ratinho-junior-terceirizar-200-escolas-no-parana

https://www.assembleia.pr.leg.br/comunicacao/noticias/projeto-parceiro-da-escola-do-poder-executivo-avanca-na-assembleia

https://appsindicato.org.br/projeto-parceiro-da-escola-so-trouxe-retrocessos-nas-duas-escolas-em-que-foi-implantado/https://appsindicato.org.br/projeto-parceiro-da-escola-so-trouxe-retrocessos-nas-duas-escolas-em-que-foi-implantado/

 

 

 

https://www.brasildefato.com.br/2024/06/03/manifestacao-em-curitiba-reune-milhares-de-professores-contra-privatizacao-de-escolas-proposta-por-ratinho-jr

               


sábado, 1 de junho de 2024

 

ENTENDA OS IMPACTOS DA SUPRESSÃO DAS ÁREAS DE MARINHA, PEC 03/2022, AOS ECOSSISTEMAS COSTEIROS

IMAGEM - ÁREA DE MARINHA - ARARANGUÁ


Num momento em que o clima  global dá  um monte de sinais de que é preciso repensar, com urgência, as práticas produtivas e ocupacionais que impactam ecossistemas inteiros a ponto de já colapsar o Rio Grande do Sul, o congresso nacional, parlamentares que representam o agronegócio e outros setores  comprometidos com o capital, não perdem tempo em apresentar proposições que se aprovadas poderão replicar tragédias similares ao estado gaúcho em todo o território nacional.  São duas, entre outras, as propostas que estão deixando ambientalistas, pesquisadores e parlamentares com pautas ambientais, extremamente preocupados tamanho o grau de perversidade que ambas trarão aos biomas brasileiros.

A primeira dessas perversidades é a PL 364/19 que trata sobre flexibilização de regras contidas no Código Florestal sobre praticas produtivas e ocupacionais em áreas não florestadas, constituídas por campos de gramíneas e espécies arbustivas.  Essa proposta afetará todos os biomas, totalizando quase 50 milhões de hectares de terras.  Tudo indica que se não houver uma grande reação da sociedade, que dificilmente ocorrerá de fato, o impacto de PL trará mais danos ao bioma do Serrado, pois lá está a nascente dos rios mais importantes que cortam o território brasileiro.

A segunda perversidade em pauta no congresso nacional, agora tramitando no senado, é a PEC 03/2022, que discorre sobre terrenos de marinha, ou seja, os limites de 33 metros a partir da preamar como espaço de segurança nacional. Esse dispositivo que trata sobre área de marinha/união foi sancionado em 1831, durante o regime imperial. Além de ser área de segurança, nesse intervalo de 33 metros estão ecossistemas extremamente frágeis constituídos por complexas faunas. Entretanto, nesses quase duzentos anos de história esses espaços foram paulatinamente sendo ocupados por moradias, comércio e infraestrutura turística.

O fato é que todos os terrenos na área de marinha, aqueles que possuem inscrições de uso, pagam o laudêmio, uma espécie de taxa, junto ao SPU. Do total recebido, vinte por cento retorna ao município. Havendo tal regularização junto ao SPU é possível que se exerça controle mais preciso sobre toda a movimentação dessas áreas, evitando eventuais ocupações particulares ou obras publicas estruturantes de elevado impacto ambiental.  

São inúmeras as legislações atualmente em vigor que disciplinam ou restringem novas ocupações nesse espaço de área da união cujo órgão fiscalizador é o MPF, por ser considerada área federal. A polêmica, criada em relação a PEC, se deve ao fato de que na hipótese de ser aprovada parcela significativa das praias brasileiras tenderão sim a ser privatizadas, a exemplo de muitas que já encontram cercadas atualmente como diversos resorts em cidades nordestinas, até mesmo aqui, em Santa Catarina, a exemplo da praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis.

Por ser uma proposta de Emenda Constitucional, ou seja, algo que vai modificar dispositivos da constituição brasileira, como os Art. 20 e o § 3° do Art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, há exigência para que sejam realizadas audiências públicas com vistas a debater o tema com a sociedade. A audiência ficou sob a coordenação do relator da proposta, o senador Flávio Bolsonaro. Entre os membros convidados para o debate podemos citar a Coordenadora Geral de Departamento de Oceanos e Gestão Costeira do Ministério do Meio Ambiente, Marinez Gymael Garcia Scherer; a representante do Movimento dos Pescadores Artesanais, Ana Ilda Nogueira Pavão; Gerente Técnica da Associação de Terminais Portuários Privados, Ana Paula Gadotti; a integrante da Secretaria do Patrimônio da União, Carolina Gabasf Stuchi.

Além dessas profissionais da área correlata ao tema, a audiência teve também a participação dos prefeitos de Belém, PA, Edmilson Rodrigues, do PSol, e Topázio Silveira, de Florianópolis, SC. Outros nomes na sequência que tiveram espaço na audiência foram: Reneval Tupinambá Conceição Jr., Diretor Presidente do Instituto Terras do Amapá; Bruno de Oliveira, membro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidencia da República; Senadora Leila Barros, do PDT – DF, Presidente da Comissão do Meio Ambiente do Senado; Deputado Túlio Gadelha, da Rede, DF; Deputado Alceu Moreira, MDB/RS; Senador Marcos Rogério, PL/RO e o Senador Espiridião Amim Elou Filho, PP/SC.        

Ouvindo atentamente as falas dos convidados à audiência, todos/as os/as técnicos/as que compunham a mesa, mais o membro do gabinete de segurança institucional da presidência da república, Bruno de Oliveira, a senadora Leila Barros e o deputado Túlio Gadelha deixaram bem claro/as suas posições que foram contrárias ao que estabelece a PEC. Ambos/as alegando ser a proposta um enorme retrocesso, principalmente em um momento crítico de fortes mudanças climáticas em que está passando o planeta. Os demais, suas posições em defesa da PEC já eram apontadas como previsíveis, pois representam segmentos fortemente beneficiados, como os municípios, que terão o controle quase que definitivo dessas áreas, podendo eles fazer suas gestões e barganhas.

É, portanto, esse ponto, ou seja, a entrega à municipalidade a gestão das áreas de marinha, que reside o impasse, razão pela qual, muitos/as dos/as que estavam na audiência se manifestaram contrários/as a proposta alegando uma série de fatores à melhoria da gestão desses terrenos pelos gestores públicos, dentre elas por conhecerem melhor esses espaços que o ente federal. Um dos que mais criticou a postura dos/as técnicos/as por suas posições de inflexibilidade à aprovação da PEC foi o deputado do MDB/RS Alceu Moreira, onde foi relator do projeto quando transitou pela câmara federal.

Afirmou o deputado que é um absurdo acreditar, criticando algumas falas contrárias a PEC, que a entrega dessas áreas aos municípios vai se transformar um grande balcão de negócios espúrios, vistos alguns vícios administrativos rotineiros nessas instâncias de poder. Quem conhece o deputado gaúcho sabe que ele também é autor de outro projeto de lei polêmico e de enorme impacto ambiental, que tramita na câmara federal, o PL 364/2019, cuja ementa trata sobre a “utilização e proteção da vegetação nativa dos campos de altitude associados ou abrangidos pelo bioma da Mata Atlântica”. Na realidade a proposta em tela vai muito além das áreas de campos gerais, podendo colocar em risco de destruição cerca de 50 milhões de hectares de áreas não florestadas distribuídos nos diversos biomas.

Tem consistência os alertas levantados pelos técnicos, entre outras, presentes na audiência, que se posicionaram contrárias a PEC, admitindo que a entrega das áreas de marinha aos prefeitos causarão transtornos e impactos irreversíveis a esses frágeis ecossistemas. Exemplos são os que não faltam para assegurar tal afirmação. Poderemos usar como referência o município de Araranguá, que possui quase vinte quilômetros de costa oceânica. As investidas duvidosas dos gestores públicos nesses espaços, áreas de marinha e adjacentes, por exemplo, acontecia de forma tão escancarada que um grupo de ambientalistas resolveu fundar um OSCIP na tentativa de frear tanta barbaridade àqueles frágeis ecossistemas.

Desde 2011, a partir da fundação da OSCIP foram inúmeras as intervenções dos órgãos ambientais, Policia Ambiental, MPSC e MPF, junto à administração municipal e ao seu órgão ambiental por suspeitas de cometimento de vícios em atos de licenciamentos. Em 2012 uma ação conjunta envolvendo, OSCIP PRESERV’AÇÃO, MPSC, MPF e FAMA detectaram inúmeras irregularidades em construções, reformas e supressão de vegetação em área de restinga, parte baixa do balneário Morro dos Conventos. Das infrações constatadas se destacaram a inexistência de licenças ou uso dessas para outro fim e não o pretendido de fato, às reformas dos empreendimentos. .

Diferente de muitos municípios brasileiros situados na costa litorânea, Araranguá realizou seu plano, Projeto Orla, entre 2014 a 2016. O plano visou discutir junto com as entidades civis, empresariais e governamentais, propostas com o intuito de definir regras disciplinares de intervenções nessas áreas. No final, toda a faixa costeira do município foi fracionada em zonas de interesse turística, comercial, de proteção ambiental permanente, entre outras. Foram elencadas cerca de 200 demandas no escopo do PGI, Plano de Gestão Integrada, com prazos pré-estabelecidos de execução por parte dos gestores municipais.

Entretanto, desde 2017 o plano vem sendo paulatinamente desconfigurado pelos administradores públicos, com demandas do PGI alteradas ou não cumpridas pelo poder público durante a execução.  O legislativo municipal, Conselho Municipal do Meio Ambiente e Fundação Municipal do Meio Ambiente, ambos vem atuando de modo muito suspeito em processos que autorizam obras de infraestrutura tanto nos limites de área de marinha quanto fora dos seus limites.

A importância da permanência das áreas de marinha se deve ao fato de que qualquer obra executada nesse intervalo deve ter o aval do SPU, salvo quando tiver o município um plano de ação integrada desses espaços, cuja população é o agente fiscalizador. Sem um plano, Projeto Orla, e ainda agravado com a extinção das áreas de marinha, esses frágeis espaços ficam a mercê dos gestores públicos municipais, muitos dos quais tiveram suas campanhas eleitorais financiadas por segmentos econômicos, principalmente do setor imobiliário interessados na supressão ou flexibilização das legislações que assegurem benefícios individuais.   

Prof. Jairo Cesa