sexta-feira, 29 de abril de 2022

UNESCO CHANCELA O GEOPARQUE CAMINHO DO CÂNION SUL: O QUE MUDARÁ AGORA NA VIDA DE MILHARES DE CATARINENSES NO EXTREMO SUL DE SANTA CATARINA? 
GEOSSÍTIO CAMINHO DOS CANIONS - FOTO JAIRO



O dia vinte e um de abril de 2022 foi marcado por um acontecimento importante para o Extremo Sul de Santa Catarina, que certamente mudará o modo de pensar e ver a região daqui para a frente. Nesse dia aconteceu em Paris, capital da França, a divulgação dos novos geoparques chancelados pela UNESCO. Dentre os que receberam a chancela está o Geoparque Caminho dos Cânions Sul, formado por quatro municípios catarinenses e três gaúchos. Quando se fala que transformará a vida de milhares de pessoas, me refiro ao aumento do fluxo de turistas para essa região no intuito de apreciar as belezas naturais e culturais aqui proporcionadas. 

CACHOEIRA - TRILHA DO PALMIRO - FOTO JAIRO

RIO ROCINHA - TIMBÉ DO SUL



Para quem já viajou e conhece um pouco o mundo, sabe que são os países constituídos por geoparques e outros atrativos históricos e culturais os mais procurados por turistas. Conhecendo fragmentos do território brasileiro, América Andina, África do Sul, países escandinavos, Turquia, Grécia, Rússia, leste asiático e oriente médio, cheguei à conclusão que o Brasil, particularmente a região sul, não fica atrás desses em atrativos paisagísticos e culturais. Enquanto o Camboja, pequeno país do leste asiático, abalado no passado recente por guerras genocidas, anualmente essa minúscula nação recebe cerca de vinte a trinta milhões de turista. 

TODA A COMPLEXIDADE DO BIOMA DA MATA ATLÂNTICA - FOTO JAIRO



O Brasil, no entanto, a visita de turistas estrangeiros pouco supera os dez milhões. Lembro de ter visitado a pequena cidade de São Pedro de Atacama, uma região inóspita no norte do Chile. Olhando a cidade, imagem de satélite, por exemplo, será muito difícil de avistá-la devido ao pequeno tamanho. Ao transitar pelas ruas de chão batido e construções centenárias, foi possível perceber que mais de 80% dos turistas eram europeus e americanos. Afinal o que de espetacular havia em São Pedro, de solo árido e pouca vegetação, para atrair tanta gente e de lugares tão distantes? A resposta estava há alguns quilômetros da li, são os famosos gêiseres, rios subterrâneos que diariamente, bem cedinho, guinchos de água quente são lançados a grande altura. 

O FAMOSO PORTAL DO PALMIRO - FOTO JAIRO


 Esse fenômeno natural depende de algumas combinações importantes, baixa temperatura e a presença do sol, sendo mais impressionante no inverno. Nenhum dos países que visitei foi possível identificar peculiaridades na geologia, na geografia, das quais superassem as do sul do Brasil. Mesmo o Vietnam com a sua singular Baia de Halong Bay; a África do Sul, com o desfiladeiro do Rio Blyde e a Montanha da Mesa, na Cidade do Cabo, ambas não apresentavam tanta beleza e atrativos quanto os municípios que integram o Geoparque Caminho do Cânion Sul. Tive mais convicção disso no dia da chancela do geoparque quando eu e mais seis pessoas visitamos uma das trilhas no município de Timbé do sul.
 
A BIOTICA DA MATA ATLÂNTICA - FOTO JAIRO


O curioso nessa expedição foi saber que no momento que chegávamos à Trilha do Palmiro, o geoparque caminho do cânion estava sendo divulgado em Paris. Penso ter sido nós primeiros cidadãos/ãs a inaugurarem oficialmente o geoparque. Para mim nunca foi segredo sobre as potencialidades naturais, históricas e culturais reunidas nesse complexo conjunto geomorfológico formado há mais de 200 milhões de anos. Ao mesmo tempo em que nos alegra a noticia da chancela do geoparque, no fundo fica um sentimento de apreensão, expectativa, quanto ao futuro de toda essa frágil beleza. O que nos acalenta é saber que de quatro em quatro ano inspeções serão feitas na região que engloba o geoparque. O não cumprimento do plano resultará em perda da certificação da UNESCO
 
COMPLEXO ECOSSISTEMA DO BIOMA DA MATA ATLÂNTICA - FOTO JAIRO


 Quando lanço dúvidas acerca do futuro do parque, meu argumento se fundamenta no modo como os gestores públicos locais tratam da coisa pública. As rivalidades e disputas partidárias históricas sempre dominaram o cenário dessa região, considerada uma das mais atrasadas economicamente do estado catarinense. O que prevalece nos municípios do extremo sul do estado é o permanente ciclo vicioso da descontinuidade dos projetos iniciados por governos anteriores. As rivalidades e as acirradas disputas envolvendo oligarquias e facções partidárias atravessaram gerações, culminando com novas siglas, porém controlada pelos mesmos grupos dominantes. 

A FLORESTA E SEUS SEGREDOS - FOTO JAIRO


Na realidade são esses partidos e grupos de poder que continuam tendo hegemonia na condução das políticas pouco progressistas regionalmente. Para um empreendimento tão importante como o geoparque caminho do cânion sul, um dos primeiro desafios das elites políticas locais é a superação dos ranços políticos históricos. A construção de uma unidade suprapartidária entre os municípios que integram o geoparque e os demais deve ser continuamente exercitada daqui para frente. Não há dúvida que os impressionantes cânions, a exuberante floreta da mata atlântica e as inúmeras cachoeiras de águas cristalinas são e serão atrativos ao aumento progressivo do fluxo de turistas para a região.
 
FERRAMENTAS RUDIMENTARES REVELAM A PRESENÇA HUMANA - FOTO JAIRO


 O fato é que o território onde está o geoparque oferece uma versatilidade atrações para todo o tipo de público nas quatro estações. Não há lugar no mundo onde é possível em pouco mais de uma hora sair de uma altitude de 0 metro para quase dois mil metros, com temperaturas que podem variar de 30 graus até zero. Um dos desafios de todo o segmento político da região do extremo sul de Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul é fazer com que cada habitante dos dois territórios tome consciência dos impactos dessa chancela à vida de cada um. 

VESTÍGIOS PRÉ HISTÓRICOS - FOTO JAIRO


Um caminho importante à sensibilização coletiva é sem duvida a escola. A inserção nos currículos escolares de temas transdisciplinares relativos a tudo que se relaciona ao geoparque produzirá grandes transformações na cultura local. Além da transversalidade, o próprio currículo deverá sofrer adaptações, enriquecê-los com temáticas multidisciplinares, ou seja, assuntos que envolvam duas ou mais disciplinas na sua condição. Tal argumento em defesa da escola como instrumento de construção de um olhar cuidadoso e critico da nossa pequena aldeia foram às experiências tidas nos quase quarenta anos de vida docente. 

PALEOTOCA - TIMBÉ DO SUL - FOTO JAIRO


Sempre defendi a tese de que somente cuidamos daquilo que conhecemos ou que construímos em cooperação. Sair do pequeno reduto, casa ou escola, desbravar uma floreta, uma montanha ou uma bacia hidrográfica, é infinito os leques de informações adquiridas que nos transformarão. Afinal como isso poder ser concretizado de fato. Nada melhor do que relatar a experiência vivida pelas seis pessoas, dia 21 de abril, na Trilha do Palmiro, município de Timbé do Sul. No imaginário de cada um dos integrantes do grupo, entre eles uma criança de 9 ano, era visitar uma paleotoca e uma cachoeira. 

EDUCAÇÃO AMBIENTAL - FOTO JAIRO
CACHOEIRA DAS BROMÉLIAS



Na chegada o grupo foi recepcionado por um cidadão de meia idade, de baixa estatura e vestido com roupa camuflada, parecendo um militar do exército. Ante de iniciar a trilha o grupo se reuniu para uma foto. Já no começo da caminhada o guia relatou alguns episódios relevantes relativos ao famoso puma ou leão baio, animal endêmico dessa área dos campos de cima da serra. Cerca de duzentos metros à frente encontramos a primeira placa do geoparque com os dizeres GEOSSITIO – PORTAL DO PALMIRO. 

RELATOS SOBRE A MEGA FAUNA - FOTO JAIRO



Claro que o que chamou mesmo a atenção foi exatamente o nome da trilha Portal do Palmiro. A dúvida foi esclarecida mais a frente quando deparamos com um grande buraco na rocha, um “portal” onde todos teriam de atravessá-lo para seguir a trilha. Uma placa fixada na entrada dava explicações sobre a escolha do nome da trilha. De fato a historia ou estória do portal se assemelha a outros tantos relatos de tesouros escondidos por religiosos ou piratas, como tachos com moedas de ouro, etc. Durante a jornada conferimos o refinado conhecimento empírico do guia sobre os segredos da floreta. Não é segredo para ninguém que as florestas, o bioma da mata atlântica, por exemplo, habitam espécies de plantas e animais ainda desconhecidos pela ciência. 

GRUPO HUMANO XOKLENG - FOTO JAIRO


Entretanto, é um dos biomas mais ameaçados por ações antrópicas. Proteger esse frágil ecossistema é a garantia de no futuro descobertos importantes de medicamentos aconteçam. Além de assegurar a proteção das floretas é preciso também garantir a sobrevivência das populações tradicionais que vivem nela, pois são detentoras de um vasto conhecimento dos seus mistérios. O seu Valdovino, nosso guia na trilha do Palmiro, é um exemplo real de sabedoria popular, devendo receber todas as atenções das comunidades cientificas. 
FORMAS COMPLEXAS DE COMUNICAÇÃO - FOTO JAIRO



Durante as quatro horas de trilha, nosso guia nos colocou diante de dez ou mais plantas, de espécies comestíveis, àquelas que servem de antídotos contra doenças e ataques de animais peçonhentos, como serpentes. Mascamos uma planta que adormeceu a boca. Segundo o guia, os indígenas que habitavam essa parte da mata atlântica mascavam o caule para extrair dentes, pois servia de anestésico. Mas a planta que impressionou o grupo foi uma que, conforme relatou o guia, uma única gotinha pode causar a morte de uma pessoa em pouco tempo. 

XAXIM - ESPECIE DA MATA ATLÂNTICA - FOTO JAIRO


Se tais relatos têm consistência ou não, o fato é que todo esse importante acervo cientifico a céu aberto está bem pertinho de nós, e pode revolucionar o mundo da ciência se for dado à devida atenção. Próxima de uma das muitas cachoeiras na trilha do Palmiro nosso guia nos indagou sobre a presença ou não de indígenas naquela região. De repente ele aparece com um fragmento de pedra laçada afirmando categoricamente ser um instrumento cortante utilizado pelos “bugres”. Na realidade sua convicção tem consistência, pois todo o costão da serra geral foi habitado no passado por indígenas do grupo Xokleng, entre outras etnias. 
DIVERSIDADE DE PLANTAS - FOTO JAIRO



 A presença de animais gigantes na região como tatus e bicho preguiças, entre outros, cada vez mais a pesquisa vem trazendo respostas positivas. Quem não acredita ou que queira tirar dúvidas basta visitar as famosas paleotocas nos municípios de Morro Grande e Timbé do sul. Paleotocas são escavações feitas em rochas areníticas há 8, 9, 10 mil ano por mamíferos gigantes, como bicho preguiça e tatu. Duas horas mais ou menos de caminhada, finalmente chegamos às imponentes paleotocas. Nossa entrada se deu pelos fundos, através de um buraco ou orifício estreito. Em poucos segundos já estávamos no seu interior com altura superando a três metros. 

OS DESAFIOS NA TRILHA DO PALMIRO - FOTO JAIRO


Cruzando o primeiro túnel, enfim estávamos na entrada principal, formada por dois grandes buracos na parede. Embora existam placas informativas sobre a paleotoca e suas peculiaridades, todas as atenções do grupo foram direcionadas as explicações do guia, rica em detalhes. A presença de profundas ranhuras nas paredes são provas cabais de que os túneis gigantes foram feitos por animais de garras afiadas para se proteger de ataques de predadores. Como acontece nesses ambientes, ambos sempre serviram de abrigo para outros animais ou até mesmo ocupação humana. Para historiadores, paleontólogos, geógrafos e outras áreas afins, as paredes de paleotocas guardam infinidades de informações explicativas de distintos períodos geológicos e pré-históricos.
 
MATA ATLÂNTICA, UM TESOURO A SER DESVENDADO - FOTO JAIRO
 

O sentimento dominante naquele instante era de estarmos chegando a um lugar desconhecido das instituições de pesquisas, universidades, escolas e milhares de pessoas do extremo sul. O que me impressionou quando retornei e fui consultar as fontes disponíveis sobre o tema foi constatar a existência de inúmeras publicações a disposição. Claro que para o geoparque caminho do cânion sul obter a chancela da UNESCO foi necessário mobilizar a região, como forma de cumprir com todas as demandas recomendadas pelo órgão avaliador. 

A SABEDORIA TRADICIONAL - FOTO JAIRO


Incrível, portanto, foi à enormidade de estudos já efetuados, sobretudo nas áreas da arqueologia, paleontologia, antropologia e historiografia. São dissertações, artigos científicos, livros e inúmeros podcast disponíveis em formato digital nas mídias eletrônicas. Entre os relevantes trabalhos produzidos destacamos o livro dedicado ao público infantil, cujo titulo é TURMA O GEOPARQUINHO EM: SONHANDO COM O GEOPARQUE NO SUL DO BRASIL. A obra faz uma narrativa lúdica das etapas de construção do projeto. Enfim, estamos diante do desafio de fazer chegar a cada cidadão/ã informações de que a região do extremo sul de Santa Catarina está no mapa dos principais destinos turísticos do planeta. 

OS ENCANTOS DA TRILHA DO PALMEITO - FOTO JAIRO

TRILHA DO PALMIRO - TIMBÉ DO SUL



 Entretanto, insisto em ressaltar o que mencionei no inicio desse texto, que todo sistema de ensino formal deve sofrer adaptações para assegurar um futuro promissor do geoparque. Revisar os currículos das unidades de ensino dos municípios que integram o geoparque é visto como uma das prioridades dos gestores. A geografia, a historia, a biologia, a sociologia, todas essas e outras áreas do conhecimento devem conter elementos do saber que remetam ao geoparque. Conhecer cada metro quadrado desse imenso território, suas peculiaridades e fragilidades, fará com que cada um assuma a função de guardião da floresta. 
 Prof. Jairo Cesa

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