O
FUTURO INCERTO DO COMPLEXO LAGUNAR (LAGO DOURADO, LAGOA DA SERRA, LAGOA DO CAVERÁ E LAGOA DO SOMBRIO) SITUADOS NO EXTREMO SUL DE SANTA
CATARINA
Há
décadas o extremo sul de Santa Catarina vem sofrendo com a progressiva
deterioração do seu complexo lagunar, a exemplo da lagoa do caverá e lagoa do
sombrio. Foram dezenas de incursões, reuniões, audiências públicas,
manifestações de segmentos da justiça, legislativo e executivo nesse
interminável martírio de salvamento das duas importantes lagoas. Sobre a lagoa
do Sombrio, quem se desloca frequentemente em direção ao rio grande do sul deve
ter percebido que dia após dia o fluxo de água desse manancial vem dando lugar
a vegetação e a pecuária.
Já
a lagoa do caverá, que sempre foi prestigiada e romantizada pela população do
extremo sul por ser o maior manancial de água doce de estado, vem sucumbido
diariamente. Observando os sistemas de monitoramento de precipitação de chuvas
instalados na região, constataremos que nos últimos 10 anos os índices
pluviométricos anuaís são visivelmente menores e irregulares. A dúvida é por
que tanto desinteresse das autoridades em resolver um problema que tecnicamente
é bem simples e com um custo considerado baixo, considerando os impactos
futuros da perda desse complexo lagunar.
É
obvio que não é consenso de todos que vivem na região a solução do problema das
lagoas, em especial da lagoa do caverá. Primeiro por que há anos empresas se
instaram junto as suas margens para a exploração da terra turfa, transformada
em substratos para a agricultura e combustível para as cerâmicas da região. O segundo aspecto a ser considerado com
empecilho ao processo de salvação da lagoa se deve as inúmeras propriedades e
fazendas existentes no seu entorno que são beneficiadas com o seu encurtamento
diário.
Desde
a ocorrência do furacão Catarina em 2004 o cenário da lagoa vem se tornando
crítico. Há menos de 10 anos expectativas davam conta de que o problema seria
finalmente resolvido. Um projeto de
salvamento da lagoa foi elaborado, porém empacou devido às burocracias ou
pressões de setores desinteressados no salvamento do complexo. O argumento dos
órgãos estatais era de que para a construção do barramento requereria estudos
ou análises ambientais mais complexos e com custos maiores. Até hoje setores do
estado e demais segmentos políticos vem insistindo na tese de barramento, que
não é exatamente o que deve ser construído para conter a excessiva vazão da
água. Para conter o fluxo e fazer com que nível da lagoa volte ao seu patamar
original, a instalação de um vertedouro já solucionaria o problema.
Acontece
que voltar ao nível anterior, a água cobriria espaços hoje ocupados pela
mineração e a pecuária. Portanto aqui está o imbróglio que muita gente
importante da política local não quer se envolver com receio de impactar o seu
curral eleitoral. Em 2015 mais ou menos foi criada uma comissão específica no
comitê da bacia do rio Araranguá para tratar exclusivamente do problema da
lagoa do caverá. O problema na época era de que tanto a lagoa do caverá quanto
a do sombrio são vertentes que correm em direção ao rio mampituba, portanto,
fugiam da alçada da bacia do rio Araranguá.
Com
a integração das vertentes do rio Mampituba, lado catarinense, a bacia do rio Araranguá
as discussões e soluções de demandas como a desse complexo lagunar poderiam ser
facilitadas. Mais de cinco se passaram quando da inserção do Mampituba ao Araranguá sem que o drama do manancial hídrico do caverá tivesse alguma luz de
solução. Para quem não acredita que as lagoas vêm realmente secando basta
observar as imagens captadas pelo Google Earth nos últimos trinta anos. É de
causar espanto.
Já
é regra de quatro em quarto anos quase todos os candidatos da região a cargos
majoritários e proporcionais nas esferas estaduais terem como uma das suas
demandas de pauta a solução do problema da lagoa do caverá e do sombrio. Nos
pleitos municipais também a lagoa é pauta obrigatória nos debates. Muitos
talvez não saibam que a água que vem se perdendo dessa lagoa é considerada uma
das melhores de todos os mananciais que integram o complexo lagunar do sul
catarinense.
E
o que se deve a esse cenário? A resposta é simples. Parcela significativa da
água que abastece a lagoa suas nascentes estão no seu entorno, e parte delas
protegidas por uma densa floresta da mata atlântica. Com tais características similares a água
captada no açude belinzzoni, o custo pelo tratamento seria estratosfericamente
menor que vem sendo adotado nas ETAs do município.
No
mês de fevereiro estive novamente no manancial e na oportunidade conversei com
alguns moradores e lideranças locais empenhadas no salvamento da lagoa. Todos
demonstravam explicita preocupação, principalmente pelo fato das frequentes
estiagens que estão ocorrendo, acelerando ainda mais o secagem da mesma.
Confessou uma das lideranças da região que participou no bairro de reunião
junto com o poder público, onde foi tratada entre outros assuntos a instalação
de uma ETA (Estação de Tratamento de Água) para a captação de água visando o abastecimento da população do
entorno. De pronto a liderança argumentou que á construção do sistema deverá estar
condicionada a instalação do vertedouro, que é uma reivindicação antiga.
Um
fato que chamou a atenção e que merece uma reflexão mais apurada foi a decisão
do governo do estado de encaminhar solucionar rápida ao problema do
assoreamento da barra da lagoa do camacho, no município de Jaguaruna. Lembro
que no ano passado pecadores junto com a população promoveram protestos quando
centenas de peixes apareceram mortos encalhados no canal.
Não
demorou muito para que o governo do estado agilizasse os tramites legais destinando
cerca de dez milhões dos cofres públicos para o desassoreamento da barra do
camacho. Em termos de importância, tanto a barra do camacho quanto as lagoas do
caverá e sombrio ambas são demandas importantes e emergenciais. Se a lagoa do
camacho o problema é o assoreamento onde impacta a vida de mais de 1500
famílias, o manancial do caverá, por exemplo, ocupa uma área extensa que cobre cinco
municípios.
É
claro que nesse momento a água do manancial não está sendo captada para atender
os municípios limítrofes. No entanto, se levarmos em consideração os projetos
infraestruturais em curso na região, como as pavimentações de rodovias
importantes, acreditamos que os municípios costeiros do extremo sul terão um
boom de crescimento nos próximos 10 a vinte anos. Haverá, com certeza, o crescimento abrupto
populacional associado ao aumento da demanda por água.
As expectativas climáticas não são nada favoráveis quanto ao restabelecimento da normalidade do fluxo de chuvas na região. O setor que vem se mostrando mais impactado com tais anomalias é o da rizicultura, que reponde por mais de 50% de toda água fornecida pela bacia do rio Araranguá. Mais demandas que ofertas de água tendem a gerar conflitos são questões obvias. O comitê da bacia do rio Araranguá, ultimamente, vem tomando muito do eu tempo em demandas de conciliações de conflitos por disputas de água entre setores ligados a agricultura e a indústria.
A
situação não foi tão dramática para o comitê, entre dezembro a março de
2021/2022, meses assolados por uma histórica estiagem, pelo fato da safra de
arroz já estar quase concluída não demandando de muita água. Porém, outros
setores foram drasticamente impactados inferindo em prejuízos milionários.
Municípios como Içara houve falta de água para o consumo humano nas comunidades
o interior. Carros pipas foram alocados pelo município para levar água às
residências.
Mesmo
com toda a incidência de estiagem que anualmente assola nossa região e o estado
catarinense, a população e o poder publico não vem dando as devidas atenções aos
alertas do clima global. Era de se esperar que o tema estiagem e o futuro da
água tornar-se-ia pauta obrigatória nos programas de todos os candidatos a
cargos políticos majoritários e proporcionais. Nada disso, o tema água ainda é
assunto secundário em quase todos os setores.
Um
exemplo considerado preocupante aconteceu na última sexta feira, 8 de abril, na
dependência da UNESC, pólo Araranguá. O encontro, coordenado pela própria instituição
de ensino, apresentou um WORKSHOP com o tema Plano de Desenvolvimento de
Araranguá: seu município voando mais alto. A proposta, no entanto, foi discutir
com a sociedade o futuro do município para os próximos 10 anos. Nos vários
grupos criados para discutir temas relevantes como problemas, demandas e
potencialidades oferecidos pelo município, acreditem, pouco se falou sobre demanda
de água, menos ainda na recuperação do manancial lagoa do caverá.
Planejar
o desenvolvimento do município para a próxima década ou décadas sem colocar a
demanda de água como tema principal é um erro imperdoável a qualquer
administração pública. Para o município de Araranguá a questão é muito mais complexa
quando se sabe que a previsão para os próximos dez anos é um crescimento
expressivo da população. Tendo três
mananciais para o abastecimento público, nos últimos cinco anos a demanda por
água foi maior que a oferta disponibilizada.
Quem
observou os mananciais lago dourado e lagoa da erra durante os meses de
dezembro de 2021 e fevereiro de 2022 deve ter percebido um cenário extremamente
preocupante. Por ser um período de férias de verão, a população atendida por
esses dois mananciais duplicou abruptamente. Dia apos dia era possível observar
a nítida redução dos níveis de água das duas lagoas. O problema foi atenuado
com o fim da feria e o retorno da chuva no me de março. Acontece que o déficit
de água permanecerá, pois as previsões são de menos chuvas para os próximos
anos.
Se
o município de Araranguá tende a elevar suas taxas de crescimento populacional
de 70 mil para 120 habitantes para os próximos dez ou vinte anos, tendência
também prevista para os municípios costeiros que integram o complexo lagunar,
caverá e Sombrio, a demanda por água naturalmente dobrará ou triplicará nesse
período. Sem um plano regionalizado de monitoramento desses e outros
mananciais, avaliando seus gargalos e disponibilidades de água, não há duvida
que o extremo sul irá enfrentar os mesmos problemas comuns em cidades grandes a
exemplo de São Paulo com falta de água.
Prof.
Jairo Cesa
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