segunda-feira, 11 de abril de 2022

 

O FUTURO INCERTO DO COMPLEXO LAGUNAR (LAGO DOURADO, LAGOA DA SERRA, LAGOA DO CAVERÁ E LAGOA DO SOMBRIO) SITUADOS NO EXTREMO SUL DE SANTA CATARINA

Há décadas o extremo sul de Santa Catarina vem sofrendo com a progressiva deterioração do seu complexo lagunar, a exemplo da lagoa do caverá e lagoa do sombrio. Foram dezenas de incursões, reuniões, audiências públicas, manifestações de segmentos da justiça, legislativo e executivo nesse interminável martírio de salvamento das duas importantes lagoas. Sobre a lagoa do Sombrio, quem se desloca frequentemente em direção ao rio grande do sul deve ter percebido que dia após dia o fluxo de água desse manancial vem dando lugar a vegetação e a pecuária.

Já a lagoa do caverá, que sempre foi prestigiada e romantizada pela população do extremo sul por ser o maior manancial de água doce de estado, vem sucumbido diariamente. Observando os sistemas de monitoramento de precipitação de chuvas instalados na região, constataremos que nos últimos 10 anos os índices pluviométricos anuaís são visivelmente menores e irregulares. A dúvida é por que tanto desinteresse das autoridades em resolver um problema que tecnicamente é bem simples e com um custo considerado baixo, considerando os impactos futuros da perda desse complexo lagunar. 

É obvio que não é consenso de todos que vivem na região a solução do problema das lagoas, em especial da lagoa do caverá. Primeiro por que há anos empresas se instaram junto as suas margens para a exploração da terra turfa, transformada em substratos para a agricultura e combustível para as cerâmicas da região.  O segundo aspecto a ser considerado com empecilho ao processo de salvação da lagoa se deve as inúmeras propriedades e fazendas existentes no seu entorno que são beneficiadas com o seu encurtamento diário. 

Desde a ocorrência do furacão Catarina em 2004 o cenário da lagoa vem se tornando crítico. Há menos de 10 anos expectativas davam conta de que o problema seria finalmente resolvido.  Um projeto de salvamento da lagoa foi elaborado, porém empacou devido às burocracias ou pressões de setores desinteressados no salvamento do complexo. O argumento dos órgãos estatais era de que para a construção do barramento requereria estudos ou análises ambientais mais complexos e com custos maiores. Até hoje setores do estado e demais segmentos políticos vem insistindo na tese de barramento, que não é exatamente o que deve ser construído para conter a excessiva vazão da água. Para conter o fluxo e fazer com que nível da lagoa volte ao seu patamar original, a instalação de um vertedouro já solucionaria o problema.

Acontece que voltar ao nível anterior, a água cobriria espaços hoje ocupados pela mineração e a pecuária. Portanto aqui está o imbróglio que muita gente importante da política local não quer se envolver com receio de impactar o seu curral eleitoral. Em 2015 mais ou menos foi criada uma comissão específica no comitê da bacia do rio Araranguá para tratar exclusivamente do problema da lagoa do caverá. O problema na época era de que tanto a lagoa do caverá quanto a do sombrio são vertentes que correm em direção ao rio mampituba, portanto, fugiam da alçada da bacia do rio Araranguá.

Com a integração das vertentes do rio Mampituba, lado catarinense, a bacia do rio Araranguá as discussões e soluções de demandas como a desse complexo lagunar poderiam ser facilitadas. Mais de cinco se passaram quando da inserção do Mampituba ao Araranguá sem que o drama do manancial hídrico do caverá tivesse alguma luz de solução. Para quem não acredita que as lagoas vêm realmente secando basta observar as imagens captadas pelo Google Earth nos últimos trinta anos. É de causar espanto.

Já é regra de quatro em quarto anos quase todos os candidatos da região a cargos majoritários e proporcionais nas esferas estaduais terem como uma das suas demandas de pauta a solução do problema da lagoa do caverá e do sombrio. Nos pleitos municipais também a lagoa é pauta obrigatória nos debates. Muitos talvez não saibam que a água que vem se perdendo dessa lagoa é considerada uma das melhores de todos os mananciais que integram o complexo lagunar do sul catarinense.

E o que se deve a esse cenário? A resposta é simples. Parcela significativa da água que abastece a lagoa suas nascentes estão no seu entorno, e parte delas protegidas por uma densa floresta da mata atlântica.  Com tais características similares a água captada no açude belinzzoni, o custo pelo tratamento seria estratosfericamente menor que vem sendo adotado nas ETAs do município.

No mês de fevereiro estive novamente no manancial e na oportunidade conversei com alguns moradores e lideranças locais empenhadas no salvamento da lagoa. Todos demonstravam explicita preocupação, principalmente pelo fato das frequentes estiagens que estão ocorrendo, acelerando ainda mais o secagem da mesma. Confessou uma das lideranças da região que participou no bairro de reunião junto com o poder público, onde foi tratada entre outros assuntos a instalação de uma ETA (Estação de Tratamento de Água) para a captação de água visando o abastecimento da população do entorno. De pronto a liderança argumentou que á construção do sistema deverá estar condicionada a instalação do vertedouro, que é uma reivindicação antiga.

Um fato que chamou a atenção e que merece uma reflexão mais apurada foi a decisão do governo do estado de encaminhar solucionar rápida ao problema do assoreamento da barra da lagoa do camacho, no município de Jaguaruna. Lembro que no ano passado pecadores junto com a população promoveram protestos quando centenas de peixes apareceram mortos encalhados no canal.

Não demorou muito para que o governo do estado agilizasse os tramites legais destinando cerca de dez milhões dos cofres públicos para o desassoreamento da barra do camacho. Em termos de importância, tanto a barra do camacho quanto as lagoas do caverá e sombrio ambas são demandas importantes e emergenciais. Se a lagoa do camacho o problema é o assoreamento onde impacta a vida de mais de 1500 famílias, o manancial do caverá, por exemplo, ocupa uma área extensa que cobre cinco municípios.

É claro que nesse momento a água do manancial não está sendo captada para atender os municípios limítrofes. No entanto, se levarmos em consideração os projetos infraestruturais em curso na região, como as pavimentações de rodovias importantes, acreditamos que os municípios costeiros do extremo sul terão um boom de crescimento nos próximos 10 a vinte anos.  Haverá, com certeza, o crescimento abrupto populacional associado ao aumento da demanda por água.

As expectativas climáticas não são nada favoráveis quanto ao restabelecimento da normalidade do fluxo de chuvas na região. O setor que vem se mostrando mais impactado com tais anomalias é o da rizicultura, que reponde por mais de 50% de toda água fornecida pela bacia do rio Araranguá.  Mais demandas que ofertas de água tendem a gerar conflitos são questões obvias. O comitê da bacia do rio Araranguá, ultimamente, vem tomando muito do eu tempo em demandas de conciliações de conflitos por disputas de água entre setores ligados a agricultura e a indústria.

A situação não foi tão dramática para o comitê, entre dezembro a março de 2021/2022, meses assolados por uma histórica estiagem, pelo fato da safra de arroz já estar quase concluída não demandando de muita água. Porém, outros setores foram drasticamente impactados inferindo em prejuízos milionários. Municípios como Içara houve falta de água para o consumo humano nas comunidades o interior. Carros pipas foram alocados pelo município para levar água às residências.   

Mesmo com toda a incidência de estiagem que anualmente assola nossa região e o estado catarinense, a população e o poder publico não vem dando as devidas atenções aos alertas do clima global. Era de se esperar que o tema estiagem e o futuro da água tornar-se-ia pauta obrigatória nos programas de todos os candidatos a cargos políticos majoritários e proporcionais. Nada disso, o tema água ainda é assunto secundário em quase todos os setores.   

Um exemplo considerado preocupante aconteceu na última sexta feira, 8 de abril, na dependência da UNESC, pólo Araranguá. O encontro, coordenado pela própria instituição de ensino, apresentou um WORKSHOP com o tema Plano de Desenvolvimento de Araranguá: seu município voando mais alto. A proposta, no entanto, foi discutir com a sociedade o futuro do município para os próximos 10 anos. Nos vários grupos criados para discutir temas relevantes como problemas, demandas e potencialidades oferecidos pelo município, acreditem, pouco se falou sobre demanda de água, menos ainda na recuperação do manancial lagoa do caverá.

Planejar o desenvolvimento do município para a próxima década ou décadas sem colocar a demanda de água como tema principal é um erro imperdoável a qualquer administração pública. Para o município de Araranguá a questão é muito mais complexa quando se sabe que a previsão para os próximos dez anos é um crescimento expressivo da população.  Tendo três mananciais para o abastecimento público, nos últimos cinco anos a demanda por água foi maior que a oferta disponibilizada.

Quem observou os mananciais lago dourado e lagoa da erra durante os meses de dezembro de 2021 e fevereiro de 2022 deve ter percebido um cenário extremamente preocupante. Por ser um período de férias de verão, a população atendida por esses dois mananciais duplicou abruptamente. Dia apos dia era possível observar a nítida redução dos níveis de água das duas lagoas. O problema foi atenuado com o fim da feria e o retorno da chuva no me de março. Acontece que o déficit de água permanecerá, pois as previsões são de menos chuvas para os próximos anos.      

Se o município de Araranguá tende a elevar suas taxas de crescimento populacional de 70 mil para 120 habitantes para os próximos dez ou vinte anos, tendência também prevista para os municípios costeiros que integram o complexo lagunar, caverá e Sombrio, a demanda por água naturalmente dobrará ou triplicará nesse período. Sem um plano regionalizado de monitoramento desses e outros mananciais, avaliando seus gargalos e disponibilidades de água, não há duvida que o extremo sul irá enfrentar os mesmos problemas comuns em cidades grandes a exemplo de São Paulo com falta de água.

Prof. Jairo Cesa   

   

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