sábado, 25 de abril de 2020


O ENSINO DA HISTÓRIA PARA QUE EPISÓDIOS TRÁGICOS DO PASSADO NÃO SE REPITAM

Como historiador/ pesquisador e professor da rede pública estadual por 37 anos, sempre busquei construir vínculos afetivos, éticos e profissionais com os estudantes. Jamais ousei impor idéias e conceitos no desejo de alimentar o ego de detentor supremo do saber. Na abordagem dos fatos, a busca da contextualização levava os estudantes a refletirem que havia sempre um ou mais fatores desencadeadores, sendo o econômico geralmente o mais recorrente. Numa sociedade extremamente desigual e miserável como a brasileira, é difícil um profissional de história assumir uma postura de neutralidade nas abordagens dos fatos.
Até é possível, mas em se tratando de escola pública onde estudantes são majoritariamente oriundos das classes populares, como manter um discurso de neutralidade, quando se sabe que as condições escassez e miséria vivida são causas estruturais, de um modelo econômico perverso. Em nenhum momento, nas minhas explicações houve questionamento sobre minha posição ou preferência política/ideológica, isso porque, escancarava algo nítido no cotidiano de cada um ali presente, a exploração social e econômica das suas famílias.
Se tais análises críticas dos fatos eram interpretadas como tendenciosas ou simpáticas modelo/os de sociedades que prezam pela justiça social, comunismo/socialismo/humanismo, ultradireitistas, saudosistas do regime militar, o definem como modelos maléficos à sociedade, tanto eu como outros tantos profissionais nos orgulhávamos por acreditar nessas utopias de igualdade e justiça social. Nossas análises ou afirmações teóricas dos fatos não se baseavam em achismos ou discursos hipotéticos sobre acontecimentos do nosso cotidiano.  Sempre nos muníamos de leituras de autores e pesquisadores respeitados, que se debruçaram em arquivos e outros documentos, transcrevendo os fatos como realmente acorreram.
Quando temas densos como de regimes ditatoriais eram tratados a exemplo do ocorrido no Brasil, sempre procurei contextualizá-los, discorrendo que essas formas violentas de governo, também tiveram passagem em regimes não capitalistas. Sobre tais temáticas, não havia como tornar-me imparcial diante episódios trágicos, onde milhares ou milhões de cidadãos foram torturados e mortos. A preocupação de todo professor comprometido com a verdade é trazer os fatos para o debate, refletindo os impactos provocados no momento do seu desencadeamento e suas repercussões no futuro.
A perversidade praticada pelos militares durante os vinte anos que tiveram a frente do comando do estado brasileiro deve ser insistentemente relembrada, como forma de exorcizar os fantasmas do terror que ainda permanecem zanzando mentes alienadas. A escola tem, em menor escola, responsabilidade por estarmos hoje vendo o aumento de grupos pró-ditadura, até mesmo de simpatizantes de regimes sanguinários como o nazismo e o fascismo. Por décadas os currículos escolares em especial das escolas públicas, estiveram carregados de conceitos alienantes. A própria arquitetura disciplinar da escola tem contribuído para disseminar valores repressores, transformando estudantes em prezas fáceis de movimentos ou grupos totalitários.
Nas manifestações pró-ditadura ocorridas no domingo passado cujo principal protagonista foi o próprio presidente Bolsonaro, não duvido que lá estivesse pessoas que odiavam a disciplina história quando ainda eram estudantes ou que jamais entenderam  suas explicações  dos sobre  golpes , AI-2, AI-5, porões de tortura, censura, perseguições políticas, etc. O nível de absurdo exibido pelo grupo chegou ao limite quando cartazes exibiam   frases pedindo o fechamento do congresso, do STF e a instituição do AI-5.
Possivelmente quem defendeu essa proposta insana não sabe que o ato institucional número cinco, instituído em 1968, dava direito do presidente de, além de fechar o congresso, cassar mandatos de deputados, censurar a mídia, também impedir que manifestações como a de domingo ocorressem.
Na Alemanha, que foi o epicentro de uma das páginas mais tristes da história mundial, o nazismo, hoje qualquer um que ousar fazer apologia em defesa do nazismo, tem prisão decretada automaticamente. No Brasil, pelo contrário, em defesa da liberdade de expressão, que não ocorre de fato, homenagear torturadores, apoiar a ditadura, são práticas que vem se normatizando, sem qualquer ação mais contundente das autoridades contra seus protagonistas.
Prof. Jairo Cezar           

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