COMO
PODEMOS ELEGER TANTOS INEPTOS
Quando
nos deparamos com o atual e confuso cenário político, tendo a frente do
executivo federal um presidente que demonstra profundo desequilíbrio emocional,
passamos a pensar que esse incômodo tem suas raízes no modelo de sociedade
forjada há quinhentos anos, quando aqui chegaram os portugueses. Desde aquela
época, o Brasil se configurou em uma colônia, suprindo a metrópole portuguesa e
outras nações europeias ascendentes com gêneros marcantis, pau Brasil, cana,
café, ambos produzidos com mão de obra escrava.
Por
ser uma colônia com função de suprir a metrópole portuguesa, bem como de uma
diminuta casta de políticos e donatários locais, jamais houve interesse de que
fosse aqui construída uma nação genuinamente brasileira. Para se construir uma
nação sólida, pungente, uma boa educação se mostra necessária, algo que não
ocorreu no Brasil durante quase cinco séculos.
Não
era possível imaginar educação pública e universal numa época em que expressiva
parcela da população era constituída de escravos. As escolas existentes eram
gestadas por religiosos, integrantes da congregação jesuítica, que atuaram
decisivamente na ocupação e imposição de uma nova cultura às populações
indígenas.
Entretanto,
os primeiros passos a um projeto de educação pública no Brasil tiveram início
na segunda metade do século XIX, ou seja, quase quatrocentos anos depois da
chegada dos portugueses. As escolas públicas, criadas nas províncias, em
pequeno número, garantiam apenas o ensino elementar, com raras exceções, o
ensino secundário. As primeiras universidades brasileiras datam do começo do
século XVII.
Ascender
aos níveis subsequentes de ensino, do secundário e superior, havia uma barreira
gigantesca quase intransponível às classes populares. Na realidade quase não havia
classe popular até o final do século XIX, pois a escravidão ainda era
predominante. As poucas escolas de ensino elementar surgidas em meados do
século XIX estavam instaladas nas grandes cidades e capitais das províncias.
A
proclamação da República revelava ser um acontecimento importante com vistas a reparar
cinco séculos de atraso da cultura brasileira. Com o fim da escravidão, o
domínio econômico e político permaneceram sob a tutela de antigos escravocratas
e da nascente classe burguesa empresarial, que mantinham o controle dos pleitos
eleitorais, forjando resultados seguindo interesses de grupos oligárquicos. No
começo da República ou Primeira República, os investimentos em educação, construção
de escolas e formação de professores, eram desprezíveis. Aqueles que concluíam
o ensino elementar mal sabiam ler e escrever. No entanto, nada era por acaso.
A
elite dominante da época aproveitava da massa de miseráveis analfabetos para
manipulá-los nos pleitos eleitorais, barganhando votos em troca de benefícios
particulares. Essa prática politiqueira se perenizou e vem se sustentando até
nossos dias, atingindo também a esfera educacional. Em muitos municípios
brasileiros, cargos de gestores, administrativos e pedagógicos nas escolas, critérios
observados no momento da escolha dos candidatos, se pautam na filiação
partidária e apoio eleitoreiro ao grupo político hegemônico.
Muitas
vezes as fragilidades no processo pedagógico nas milhares de escolas públicas
distribuídas pelo país, está no quesito gestão, cujo ocupante à vaga não
apresenta o mínimo necessário de qualificação. Quem achou que uma educação
pública universal no Brasil teve início de imediato com a Proclamação da República,
se equivocou. A experiência brasileira de educação pública universal é muito
recente, data da constituição de 1988.
No
entanto, foi somente em 1996, que o Brasil finalmente instituiu uma legislação
específica, abrangendo os níveis básico e superior de ensino. Portanto, o
Brasil tem séculos de atrasado em educação em comparação com outros países que
congregam a OCDE. O fato é que infelizmente os quinze anos de gestão petista,
com promessas de transformações radicais na educação, não conseguiram minimizar
o profundo poço histórico a qual a educação brasileira estava submetida.
Foi,
de certo modo, um momento importante, porém perdido, que o partido teve para
implantar um projeto inovador e revolucionário na educação, que poderia estar
colhendo os frutos com uma geração de jovens mais preparados e conscientes. Se
uma educação transformadora seguindo os moldes pensados por educadores como
Paulo Freire fosse executado, certamente os níveis culturais da sociedade
brasileira estariam muito melhores que os atualmente registrados.
Outro
aspecto importante de uma sociedade bem educada e consciente é o fato de poder
compreender melhor o modo como uma estrutura social, econômica e política
funciona. O impacto positivo de uma boa educação ocorreria de imediato na
escolha dos integrantes dos postos do legislativo e executivo em todas as
instâncias de poder.
É
claro que em sociedade profundamente desigual e com fortes ranços
escravocratas, jamais a classe dominante permitiria que tais transformações
ocorressem. Precarizar ao máximo os
ambientes escolares, bem como desqualificar a força de trabalho educacional com
baixa remuneração e formação profissional, são ingredientes utilizados pelo
Estado burguês. Os frutos dessa política de destruição da educação pública são
observados nos processos eleitorais, a partir dos ocupantes às vagas do
legislativo e executivo. Expressiva parcela dos que integram os cargos de
decisão são provenientes das classes dominantes, que atuarão na elaboração e
execução de projetos contrários aos interesses dos que os elegeram.
Um
exemplo disso são as atuais reformas em curso como a previdência, trabalhista,
aprovadas no congresso, das quais suplantaram direitos dos trabalhadores. Com
baixos investimentos e por acima de tudo mal aplicados em educação, as últimas
avaliações do IDEB e do PISA colocaram o Brasil nas ultimas posições em áreas
como matemática, ciência e linguagem, entre quase 70 países avaliados. Essa
ridícula posição do Brasil expõe uma ferida histórica que tende a se agravar nos
próximos anos, o analfabetismo. Dados do IBGE, no ano de 2018, revelaram que 11,3
milhões da população foram classificados como analfabetos absolutos.
O
que causou mais perplexidade foi o absurdo número de pessoas, que embora saibam
ler e escrever, não consegue compreender o que escreveram. Foram 38 milhões
nessa condição, dos quais são classificados como analfabetos funcionais. Com
esses números é possível ter um perfil do quadro de ignorância que assola a
população. Com um percentual elevado de analfabetos apontado pelo IBGE, a
tendência será o recrudescimento ainda maior do processo político e
administrativo do Brasil, com a eleição de pessoas ineptas aos principais
cargos dos poderes constituídos, a exemplo do que vem ocorrendo hoje no
executivo federal.
Não
é segredo para ninguém, que uma das conquistas pós-ditadura militar e
fortalecida pela constituição de 1988 foi o processo democrático, assegurando a
população de quatro em quatro anos a escolha de seus representantes máximos. Todos
têm consciência que o modelo de democracia que ora se apregoa não é o desejado,
no entanto, nos assegura alguns direitos mínimos como liberdade de expressão.
Para os detentores do capital, quando essa máxima começa a interferir os
interesses individuais uma poderosa maquinaria instrumental entra em cena com a
tentativa de fragilizar os alicerces do estado democrático.
O
caminho da fragilização se dá, entre outros, no campo eleitoral, com o
aproveitamento da massa desinformada e alienada da sociedade, que atuará na
concretização desse processo fragilização democrática. A eleição de um
ex-capitão do exército e apoiador tácito do regime militar e cujo herói
revelado é um torturador dos porões do DOE CODE, é um exemple do grande perigo
que está submetida a sociedade brasileira. Um ano apenas de mandato foi
suficiente para comprovar o que os críticos alertaram durante sua campanha
eleitoral. Munido de um arcabouço de assessores e ministros, muitos dos quais ineptos
aos cargos, seu primeiro ato foi começar a desmanchar a grande rede que
constitui o Estado brasileiro.
O
que notamos com preocupação durante o primeiro ano a frente da presidência foi
a enorme ferida não cicatrizada da escravidão, que ainda permanece latente no
inconsciente coletivo. Temos exemplos na
história mundial de regimes forjados no fanatismo ilimitado dos quais trouxeram
guerras, mortes e desestabilização social que duraram séculos. O fanatismo, por
outro lado, também suas raízes na fragilidade dos sistemas educacionais.
Quanto
mais caquético for a estrutura educacional pública, maior será a leva de
pessoas sem o mínimo de compreensão do modo como funciona os tentáculos da
complexa rede sistêmica da sociedade. No
instante que uma gama significativa da sociedade, com o mínimo de instrução,
insiste em recorrer à fé para acalentar o sofrimento, temos, portanto, um
demonstrativo do recuo civilizatório, visto por meio da intolerância, do ódio e
o individualismo social.
No
final do século XIX o cientificismo ou o racionalismo passou a se sobrepor ao
pensamento idealista que por séculos conduziu os caminhos da civilização
ocidental. A pesquisa, a investigação científica permitiu o desenvolvimento de
instrumentos (tecnologias) para minimizar o esforço humano em tarefas antes
inviável. No campo da medicina, a pesquisa ajudou na descoberta de vacinas e
medicamentos para o combate de doenças ou epidemias que dizimaram milhões de
pessoas no passado.
Agora,
como explicar que depois quase mil anos da comprovação da esfericidade da
terra, alguém ousa vir a público e por em dúvida tal teoria, insistindo em
afirmar que a terra é plana. O mais impressionante é saber que muitos
compartilham dessa ideia estúpida. Tem-se a sensação que quem profecia de tais
absurdos deve estar contaminada por um tipo de vírus que corroeu camada do
cérebro responsável pelo processo cognitivo.
A
pandemia do corona vírus, onde governos do mundo inteiro seguem as
recomendações da OMS, exceto três ou quatro, incluindo o Brasil, está revelando
a face monstruosa desses estadistas inescrupulosos, que expõe a população a um
terrível genocídio. Não acatar o que
determina o principal órgão mundial sobre saúde, que se mune de dados cientificamente
comprovado, que recomenda o isolamento social para evitar a proliferação do
vírus, também expõe o Brasil num patamar de vexame global.
No
instante em que índices de contaminação e morte pelo vírus mais que dobrou em
uma semana, o presidente tomou a decisão insana de demitir o ministro da saúde,
cujo argumento da decisão foi por ter posicionamento divergente ao seu na
condução da pandemia. O ministro sempre se pautou em critérios técnicos na
condução da pasta, defendendo que a população permanecesse em quarentena para
dificultar a disseminação do vírus.
Bolsonaro,
adotando um comportamento insano, teve a coragem de afirmar que o vírus nada
mais era que uma gripezinha, um resfriadinho. Vem defendendo enfaticamente o
fim do isolamento, que é preciso reativar a economia, porque sem trabalho o
Brasil pode quebrar. É um discurso que deixa nítido o tamanho da
insensibilidade de um estadista junto ao seu povo.
O
comportamento perverso, insano, do presidente Bolsonaro, não revolta os seus
apoiadores, que permanecem fiéis a sua conduta. Medir o grau comportamental,
cognitivo, dessa parcela de apoiadores, pode revelar traços emocionais
disfuncionais semelhantes ao do presidente. Mais uma vez insisto em afirmar que estamos
sendo comandados por um cidadão acometido de grave patologia cujos
profissionais da psicologia classificam como sociopatia.
Retornando
ao tema educação pública, que anterior a pandemia caminhava para um profundo
retrocesso histórico, pelo fato de ter no comando do ministério da educação,
uma figura sem o mínimo de qualificação, agora com a crise o cenário tende a se
tornar catastrófico. Se o Brasil com toda a “normalidade” nas redes públicas de
ensino vinha nos últimos anos ocupando as últimas posições nas avaliações
internacionais, imaginemos como ficará nos próximos testes, matemática,
ciências e linguagens, quando se sabe que 100% dos estudantes dessas respectivas
redes estão em casa ou um percentual mínimo com aulas remotas.
Para
tentar aliviar a tragédia anunciada no ensino, estados e municípios estão
procurando adotar algumas medidas paliativas como atividades online ou aulas
remotas. Uma nação pobre e desigual como a brasileira essas ferramentas
digitais conseguem atingir uma pequena fração dos estudantes brasileiros. Agora
pensemos, se as vastidões das escolas públicas tiveram seus laboratórios de
informática desativados ou sucateados por falta de investimentos, o que esperar
dos milhões de famílias que sequer possuem computador ou rede de internet em
suas residências.
Quem
se beneficia com o sucateamento das redes de ensino públicas são as elites
econômicas que tem seus filhos matriculados em unidades particulares. É claro
que nas avaliações programadas como o ENEM, cuja data permaneceu para outubro,
não há dúvida que as vagas disponibilizadas pelas universidades públicas serão
quase todas preenchidas por estudantes oriundos das escolas particulares. O próprio
ministro da educação foi contrário a proposta encaminhada pela justiça que
pediu o adiamento da prova.
Fora
da sala de aula e sem qualquer perspectiva do retorno das aulas, a sociedade
brasileira mergulha num abismo de dimensões catastróficas. Mesmo as atividades docentes
e discentes normalizadas, professores e estudantes necessitariam de um tempo para
se restabelecer do trauma do corona vírus. Porém,
não é isso o que pensa a equipe que comanda o Ministério da Educação, mantendo
o ENEM para outubro.
O
que é consensual hoje é o sentimento de incapacidade generalizada da sociedade
diante do gigantesco imbróglio que corroem as estruturas do Estado brasileiro.
Acompanhar os desdobramentos e o fim imprevisível desse triste cenário é o que
nos reserva. A esperança é que a sociedade e em especial os alucinados
seguidores do presidente se libertem da terrível cegueira da qual estão
acometidos.
Prof.
Jairo Cezar
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