sábado, 18 de abril de 2020


COMO PODEMOS ELEGER TANTOS INEPTOS

Quando nos deparamos com o atual e confuso cenário político, tendo a frente do executivo federal um presidente que demonstra profundo desequilíbrio emocional, passamos a pensar que esse incômodo tem suas raízes no modelo de sociedade forjada há quinhentos anos, quando aqui chegaram os portugueses. Desde aquela época, o Brasil se configurou em uma colônia, suprindo a metrópole portuguesa e outras nações europeias ascendentes com gêneros marcantis, pau Brasil, cana, café, ambos produzidos com mão de obra escrava. 
Por ser uma colônia com função de suprir a metrópole portuguesa, bem como de uma diminuta casta de políticos e donatários locais, jamais houve interesse de que fosse aqui construída uma nação genuinamente brasileira. Para se construir uma nação sólida, pungente, uma boa educação se mostra necessária, algo que não ocorreu no Brasil durante quase cinco séculos.
Não era possível imaginar educação pública e universal numa época em que expressiva parcela da população era constituída de escravos. As escolas existentes eram gestadas por religiosos, integrantes da congregação jesuítica, que atuaram decisivamente na ocupação e imposição de uma nova cultura às populações indígenas. 
Entretanto, os primeiros passos a um projeto de educação pública no Brasil tiveram início na segunda metade do século XIX, ou seja, quase quatrocentos anos depois da chegada dos portugueses. As escolas públicas, criadas nas províncias, em pequeno número, garantiam apenas o ensino elementar, com raras exceções, o ensino secundário. As primeiras universidades brasileiras datam do começo do século XVII.  
Ascender aos níveis subsequentes de ensino, do secundário e superior, havia uma barreira gigantesca quase intransponível às classes populares. Na realidade quase não havia classe popular até o final do século XIX, pois a escravidão ainda era predominante. As poucas escolas de ensino elementar surgidas em meados do século XIX estavam instaladas nas grandes cidades e capitais das províncias.
A proclamação da República revelava ser um acontecimento importante com vistas a reparar cinco séculos de atraso da cultura brasileira. Com o fim da escravidão, o domínio econômico e político permaneceram sob a tutela de antigos escravocratas e da nascente classe burguesa empresarial, que mantinham o controle dos pleitos eleitorais, forjando resultados seguindo interesses de grupos oligárquicos. No começo da República ou Primeira República, os investimentos em educação, construção de escolas e formação de professores, eram desprezíveis. Aqueles que concluíam o ensino elementar mal sabiam ler e escrever. No entanto, nada era por acaso.
A elite dominante da época aproveitava da massa de miseráveis analfabetos para manipulá-los nos pleitos eleitorais, barganhando votos em troca de benefícios particulares. Essa prática politiqueira se perenizou e vem se sustentando até nossos dias, atingindo também a esfera educacional. Em muitos municípios brasileiros, cargos de gestores, administrativos e pedagógicos nas escolas, critérios observados no momento da escolha dos candidatos, se pautam na filiação partidária e apoio eleitoreiro ao grupo político hegemônico.  
Muitas vezes as fragilidades no processo pedagógico nas milhares de escolas públicas distribuídas pelo país, está no quesito gestão, cujo ocupante à vaga não apresenta o mínimo necessário de qualificação. Quem achou que uma educação pública universal no Brasil teve início de imediato com a Proclamação da República, se equivocou. A experiência brasileira de educação pública universal é muito recente, data da constituição de 1988.
No entanto, foi somente em 1996, que o Brasil finalmente instituiu uma legislação específica, abrangendo os níveis básico e superior de ensino. Portanto, o Brasil tem séculos de atrasado em educação em comparação com outros países que congregam a OCDE. O fato é que infelizmente os quinze anos de gestão petista, com promessas de transformações radicais na educação, não conseguiram minimizar o profundo poço histórico a qual a educação brasileira estava submetida.
Foi, de certo modo, um momento importante, porém perdido, que o partido teve para implantar um projeto inovador e revolucionário na educação, que poderia estar colhendo os frutos com uma geração de jovens mais preparados e conscientes. Se uma educação transformadora seguindo os moldes pensados por educadores como Paulo Freire fosse executado, certamente os níveis culturais da sociedade brasileira estariam muito melhores que os atualmente registrados.
Outro aspecto importante de uma sociedade bem educada e consciente é o fato de poder compreender melhor o modo como uma estrutura social, econômica e política funciona. O impacto positivo de uma boa educação ocorreria de imediato na escolha dos integrantes dos postos do legislativo e executivo em todas as instâncias de poder.
É claro que em sociedade profundamente desigual e com fortes ranços escravocratas, jamais a classe dominante permitiria que tais transformações ocorressem.  Precarizar ao máximo os ambientes escolares, bem como desqualificar a força de trabalho educacional com baixa remuneração e formação profissional, são ingredientes utilizados pelo Estado burguês. Os frutos dessa política de destruição da educação pública são observados nos processos eleitorais, a partir dos ocupantes às vagas do legislativo e executivo. Expressiva parcela dos que integram os cargos de decisão são provenientes das classes dominantes, que atuarão na elaboração e execução de projetos contrários aos interesses dos que os elegeram.
Um exemplo disso são as atuais reformas em curso como a previdência, trabalhista, aprovadas no congresso, das quais suplantaram direitos dos trabalhadores. Com baixos investimentos e por acima de tudo mal aplicados em educação, as últimas avaliações do IDEB e do PISA colocaram o Brasil nas ultimas posições em áreas como matemática, ciência e linguagem, entre quase 70 países avaliados. Essa ridícula posição do Brasil expõe uma ferida histórica que tende a se agravar nos próximos anos, o analfabetismo. Dados do IBGE, no ano de 2018, revelaram que 11,3 milhões da população foram classificados como analfabetos absolutos.
O que causou mais perplexidade foi o absurdo número de pessoas, que embora saibam ler e escrever, não consegue compreender o que escreveram. Foram 38 milhões nessa condição, dos quais são classificados como analfabetos funcionais. Com esses números é possível ter um perfil do quadro de ignorância que assola a população. Com um percentual elevado de analfabetos apontado pelo IBGE, a tendência será o recrudescimento ainda maior do processo político e administrativo do Brasil, com a eleição de pessoas ineptas aos principais cargos dos poderes constituídos, a exemplo do que vem ocorrendo hoje no executivo federal.
Não é segredo para ninguém, que uma das conquistas pós-ditadura militar e fortalecida pela constituição de 1988 foi o processo democrático, assegurando a população de quatro em quatro anos a escolha de seus representantes máximos. Todos têm consciência que o modelo de democracia que ora se apregoa não é o desejado, no entanto, nos assegura alguns direitos mínimos como liberdade de expressão. Para os detentores do capital, quando essa máxima começa a interferir os interesses individuais uma poderosa maquinaria instrumental entra em cena com a tentativa de fragilizar os alicerces do estado democrático.
O caminho da fragilização se dá, entre outros, no campo eleitoral, com o aproveitamento da massa desinformada e alienada da sociedade, que atuará na concretização desse processo fragilização democrática. A eleição de um ex-capitão do exército e apoiador tácito do regime militar e cujo herói revelado é um torturador dos porões do DOE CODE, é um exemple do grande perigo que está submetida a sociedade brasileira. Um ano apenas de mandato foi suficiente para comprovar o que os críticos alertaram durante sua campanha eleitoral. Munido de um arcabouço de assessores e ministros, muitos dos quais ineptos aos cargos, seu primeiro ato foi começar a desmanchar a grande rede que constitui o Estado brasileiro.
O que notamos com preocupação durante o primeiro ano a frente da presidência foi a enorme ferida não cicatrizada da escravidão, que ainda permanece latente no inconsciente coletivo.  Temos exemplos na história mundial de regimes forjados no fanatismo ilimitado dos quais trouxeram guerras, mortes e desestabilização social que duraram séculos. O fanatismo, por outro lado, também suas raízes na fragilidade dos sistemas educacionais.
Quanto mais caquético for a estrutura educacional pública, maior será a leva de pessoas sem o mínimo de compreensão do modo como funciona os tentáculos da complexa rede sistêmica da sociedade.  No instante que uma gama significativa da sociedade, com o mínimo de instrução, insiste em recorrer à fé para acalentar o sofrimento, temos, portanto, um demonstrativo do recuo civilizatório, visto por meio da intolerância, do ódio e o individualismo social.  
No final do século XIX o cientificismo ou o racionalismo passou a se sobrepor ao pensamento idealista que por séculos conduziu os caminhos da civilização ocidental. A pesquisa, a investigação científica permitiu o desenvolvimento de instrumentos (tecnologias) para minimizar o esforço humano em tarefas antes inviável. No campo da medicina, a pesquisa ajudou na descoberta de vacinas e medicamentos para o combate de doenças ou epidemias que dizimaram milhões de pessoas no passado.
Agora, como explicar que depois quase mil anos da comprovação da esfericidade da terra, alguém ousa vir a público e por em dúvida tal teoria, insistindo em afirmar que a terra é plana. O mais impressionante é saber que muitos compartilham dessa ideia estúpida. Tem-se a sensação que quem profecia de tais absurdos deve estar contaminada por um tipo de vírus que corroeu camada do cérebro responsável pelo processo cognitivo.
A pandemia do corona vírus, onde governos do mundo inteiro seguem as recomendações da OMS, exceto três ou quatro, incluindo o Brasil, está revelando a face monstruosa desses estadistas inescrupulosos, que expõe a população a um terrível genocídio.  Não acatar o que determina o principal órgão mundial sobre saúde, que se mune de dados cientificamente comprovado, que recomenda o isolamento social para evitar a proliferação do vírus, também expõe o Brasil num patamar de vexame global.
No instante em que índices de contaminação e morte pelo vírus mais que dobrou em uma semana, o presidente tomou a decisão insana de demitir o ministro da saúde, cujo argumento da decisão foi por ter posicionamento divergente ao seu na condução da pandemia. O ministro sempre se pautou em critérios técnicos na condução da pasta, defendendo que a população permanecesse em quarentena para dificultar a disseminação do vírus.
Bolsonaro, adotando um comportamento insano, teve a coragem de afirmar que o vírus nada mais era que uma gripezinha, um resfriadinho. Vem defendendo enfaticamente o fim do isolamento, que é preciso reativar a economia, porque sem trabalho o Brasil pode quebrar. É um discurso que deixa nítido o tamanho da insensibilidade de um estadista junto ao seu povo.
O comportamento perverso, insano, do presidente Bolsonaro, não revolta os seus apoiadores, que permanecem fiéis a sua conduta. Medir o grau comportamental, cognitivo, dessa parcela de apoiadores, pode revelar traços emocionais disfuncionais semelhantes ao do presidente.  Mais uma vez insisto em afirmar que estamos sendo comandados por um cidadão acometido de grave patologia cujos profissionais da psicologia classificam como sociopatia.
Retornando ao tema educação pública, que anterior a pandemia caminhava para um profundo retrocesso histórico, pelo fato de ter no comando do ministério da educação, uma figura sem o mínimo de qualificação, agora com a crise o cenário tende a se tornar catastrófico. Se o Brasil com toda a “normalidade” nas redes públicas de ensino vinha nos últimos anos ocupando as últimas posições nas avaliações internacionais, imaginemos como ficará nos próximos testes, matemática, ciências e linguagens, quando se sabe que 100% dos estudantes dessas respectivas redes estão em casa ou um percentual mínimo com aulas remotas.
Para tentar aliviar a tragédia anunciada no ensino, estados e municípios estão procurando adotar algumas medidas paliativas como atividades online ou aulas remotas. Uma nação pobre e desigual como a brasileira essas ferramentas digitais conseguem atingir uma pequena fração dos estudantes brasileiros. Agora pensemos, se as vastidões das escolas públicas tiveram seus laboratórios de informática desativados ou sucateados por falta de investimentos, o que esperar dos milhões de famílias que sequer possuem computador ou rede de internet em suas residências.
Quem se beneficia com o sucateamento das redes de ensino públicas são as elites econômicas que tem seus filhos matriculados em unidades particulares. É claro que nas avaliações programadas como o ENEM, cuja data permaneceu para outubro, não há dúvida que as vagas disponibilizadas pelas universidades públicas serão quase todas preenchidas por estudantes oriundos das escolas particulares. O próprio ministro da educação foi contrário a proposta encaminhada pela justiça que pediu o adiamento da prova.    
Fora da sala de aula e sem qualquer perspectiva do retorno das aulas, a sociedade brasileira mergulha num abismo de dimensões catastróficas. Mesmo as atividades docentes e discentes normalizadas, professores e estudantes necessitariam de um tempo para se restabelecer do trauma do corona vírus.     Porém, não é isso o que pensa a equipe que comanda o Ministério da Educação, mantendo o ENEM para outubro.
O que é consensual hoje é o sentimento de incapacidade generalizada da sociedade diante do gigantesco imbróglio que corroem as estruturas do Estado brasileiro. Acompanhar os desdobramentos e o fim imprevisível desse triste cenário é o que nos reserva. A esperança é que a sociedade e em especial os alucinados seguidores do presidente se libertem da terrível cegueira da qual estão acometidos.  
Prof. Jairo Cezar      
    
     




      

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