quinta-feira, 23 de abril de 2020


SANGUINÁRIO REGIME DO DITADOR CAMBOJANO POL POT RESPONSÁVEL PELO MASSACRE DE  UM TERÇO DA POPULAÇÃO DO PAÍS


No passado recente, Vietnã, Camboja, Laos e a Tailândia faziam parte de um único território cujo nome era Indochina. O nome Indochina se deve a forte influência das culturas indiana e chinesa. De fato esse deve ser o motivo da forte presença de ritos como o confucionismo, o hinduísmo e o budista nessas culturas, sendo o budismo com mais adeptos.
 No sudeste asiático o cristianismo não granjeou tantos seguidores a exemplo do ocidente, que se transformou em um entreposto de expansão dos princípios judaicos cristão. Talvez um dos motivos dessa insipiente incidência cristã no sudeste asiático e demais países orientais se devem a solidez dos cultos ou ritos milenares predominantes e bem assimilados pela população. Um exemplo da forte assimilação ritualística está presente no Camboja, onde somente dez por cento da população são adeptos ao cristianismo.
Devido às invasões e guerras genocidas, os cambojanos por pouco não se tornaram uma cultura extinta. O Camboja nos seus primórdios, o território possuía dimensões superiores ao atual. No entanto as progressivas invasões dos povos vizinhos foram corroendo o território pelas extremidades. Somente o Vietnã, país que faz fronteira a Leste do Camboja, anexou 20 províncias ao seu território. A Tailândia, país que faz fronteira a oeste, abocanhou 10 províncias. Ao todo são 10 milhões de cambojanos vivendo na Tailândia atualmente.
O guia cambojano, que nos acompanhou no período que lá estivemos, relatou que parcela significativa de sua família vive atualmente nas províncias cambojanas no lado Vietnã. O que é desconfortante e até mesmo constrangedor é ter de apresentar passaporte quando tem de visitá-los.  Os demais conterrâneos que estão na Tailândia, ambos não demonstram qualquer interesse em retornar ao Camboja ou querer pressionar o governo tailandês para devolver as terras ocupadas aos verdadeiros donos. Essa postura dos cambojanos recusarem regressar à terra natal, o Camboja, se deve ao elevado padrão econômico alcançado na Tailândia.
O Camboja, em comparação aos 11 países que integram a comunidade econômica do sudeste asiático, fica nas últimas posições no quesito IDH Índice de Desenvolvimento Humano. A lista em ordem decrescente do mais desenvolvido ao mais pobre está assim distribuída: Singapura, indonésia, Brunei, Tailândia, Vietnã, Camboja, Birmânia e Laos.  O Laos, que ainda está sob o comando de um governo “comunista”, sua economia se baseia na produção e exportação de energia elétrica por meio de hidrelétricas.
O desenvolvimento ou o retrocesso econômico de um país tem muito a ver com o modo como o território foi organizado ao longo de sua história. O Camboja, hoje uma economia em recuperação graças ao turismo, teve ciclos longos e curtos de estabilidade e instabilidades. Foi no passado, século IX, por exemplo, uma das regiões mais densamente povoada e rica do planeta. Com as constantes guerras e fragmentação territorial o país passou por um longo período de estagnação econômica.
Entre os anos de 1953 a 1970, o Camboja viveu um ciclo de bonança econômica. A capital, Pnou Phem, se transformou nesse período em uma das cidades mais belas e encantadoras da Ásia, ficando atrás apenas para o Japão. Na década de 1960 o número de indústrias de tratores, motocicletas, automóveis, elevou as taxas de emprego e qualidade de vida da população. O guia relatou que no momento o parque industrial do país é reduzido. O motivo da escassa industrialização se deve as guerras, de um lado a influência do capitalismo norte americano e do outro o comunismo Chinês.
No final da década de 1960 o nível de instabilidade econômica do país alcançou o ápice com o golpe militar, instalando uma ditadura que perdurou por quase vinte anos. Esse terrível momento da história do Camboja deve ser compreendido não como um episódio isolado, mas fragmento de um intricado quebra cabeça regional, que tem como pano de fundo as forças imperialistas globais.
A guerra no Vietnã deve ser considerada como peça chave desse tabuleiro de xadrez. Durante o conflito no Vietnã, disputas internas no Camboja intensificam a instabilidade política do país. Os Estados Unidos na tentativa desesperada de destruir bases inimigas vietcongs na fronteira com o Vietnã bombardearam o Camboja, fortalecendo ainda mais a guerrilha maoísta que pretendia assumir o comando político.
Na tentativa de se proteger do controle americano os guerrilheiros cambojanos se refugiaram nas selvas e montanhas e apoiados pelo regime comunista Chinês. Aqueles que não se debandaram para a selva ficaram na cidade recebendo apoio dos Estados Unidos. Entretanto, em 1972 teve início à guerra civil no Camboja entre forças guerrilheiras de um lado e forças pró-regime oficial, do outro. As batalhas permaneceram por algum tempo até que soldados apoiados pelos chineses invadiram a capital.
A população acreditava que o fim do conflito envolvendo soldados do campo e da cidade seria restabelecida a paz. Isso não aconteceu de fato, o país entrou numa fase de terror interminável.  Pol Pot, que liderava os rebeldes pró-comunismo, iniciou uma onda de perseguição e assassinato de opositores, no qual batizou o movimento de Khmer Vermelho. O partido do Khmer Vermelho acreditava que as cidades cambojanas estavam contaminadas com o capitalismo e, portanto, era responsável por todas as adversidades econômicas e sociais. A proposta do Khmer erra erradicar qualquer vestígio capitalista e retornar às origens, ou seja, tornar o Camboja, agrário, auto-suficiente, produzido o necessário para a subsistência da população. 
Nesse sentido, o regime iniciou uma escalada de perseguições e execuções sumárias contra cidadãos que não se enquadravam ao modelo estabelecido, visto como ideal, sem traços capitalistas. Escolas foram ocupadas e transformadas em prisões. Segundo opinião do líder do regime Pol Pot: “diploma se obteria trabalhando no campo, abrindo valos para a irrigação”.
Professores, médicos, intelectuais e todos que demonstrassem alguma habilidade artística eram enquadrados como defensores do capitalismo. Forças pró-governo assumiam a tarefa de recolhê-los do convívio social e familiar e executá-los. Estima-se que cinco milhões de pessoas ou um quarto da população perderam a vida, assassinadas ou vítimas de doenças.
No instante que o guia discorria acerca desse trágico episódio no Camboja, foi difícil o grupo conter as lágrimas. A emoção brotou com mais intensidade quando o guia mencionou o nome de dois de seus irmãos menores, que foram brutalmente executados pelo regime de Pol. Pot. Revelou que soldados foram até a sua casa, tiraram todos/as à força levando-os/as para o campo onde trabalhariam no cultivo do arroz. Naquele instante, disse o guia, o terror se abateu sobre sua família pelo fato do seu pai ser um médico, virtual candidato a ser assassinado.                                                                                                                      
Quando seu pai foi interrogado os entrevistadores conversaram com ele em Frances, dando-lhe um livro para que o lesse. Para se livrar de uma quase real execução, mentiu para os interrogadores informando que era motorista de “TUQUE TUQUE”, além de trabalhador na construção civil, e que, portanto, não sabia ler. Essa estratégia lhe salvou a vida.
O trabalho no campo era duro, relatou o guia. Trabalhava-se 362 dias ininterrupto. Os três dias que restavam no calendário para completar um ano eram destinados à grande festa nacional, entre os dias 13 a 15 de abril. Nesses dias os trabalhadores tinham direito a se alimentar com arroz e pescado, uma alimentação melhor, mais nutritiva que sopa de arroz, consumida todos os dias.
 As atividades no campo começavam cedo, antes do nascer do sol. O calor era escaldante e o trabalho era exaustivo todos os dias. A alimentação era precária, comia-se somente sopa de arroz. A fome era responsável pela Maria das mortes. Por qualquer motivo, um pequeno erro ou desatenção, poderia vir um soldado com uma baioneta e executar ali mesmo.
O guia explicou como seu irmão de dez anos morreu. Disse que o irmão estava cuidando de cinco bois, que cada um dos animais possuía uma corda de cinco metros. Tinha que cuidar para não comessem o arroz, pois poderia custar a sua vida. A situação era tão deplorável que seu irmão roubava batatas para comer, sem que os soldados o vissem. Teve um dia que seu irmão não teve tanta sorte. Quando estava descendo de um coqueiro com cocos nas mãos, soldados se aproximaram dele e o mataram com golpes de baioneta. Depois do ato, avisaram o seu pai para que fosse buscar o cadáver que estava cerca de 5 km de distância.
Informou o Guia que 70% de todo o arroz produzido no país era exportado para a China, como forma de pagamento pelos armamentos adquiridos pelo regime do Khmer Vermelho. Quando acabou a guerra do Vietnã, os americanos saíram do Camboja, pois o país não possuía riquezas que lhes interessavam. Entretanto, antes de evacuar do país lançaram toneladas de bombas, 236 kg cada, por meio de aviões B-52. Cada uma dessas bombas quando atingia o solo abria cratera de cinqüenta metros quadrados. 
O chinês relatou o guia, foram tão terríveis e sanguinários quanto os americanos. Antes de abandonar o Camboja tiveram o cuidado de enterrar milhares de minas sobre o território. Na época, 75% de toda extensão do Camboja estava com minas enterradas. Até hoje, crianças e adultos ainda são vítimas desses artefatos que explodem quando são tocadas involuntariamente.
O período de terror no Camboja começou declinar quando o primeiro ministro do país foi ao Vietnã pedir ajuda. Em 1979, o partido do primeiro ministro e o governo do Vietnã selou acordo de coalizão para libertar e trazer a paz ao país.  O ditador Pol Pot foi expulso para a selva e o Vietnã ocupou o Camboja por 12 anos, de 1979 a 1991. Nesse período parcela da riqueza do país como ouro, templos, diamantes, etc., foram transferidas para o Vietnã.
A desocupação do Camboja pelos vietnamitas não foi tão simples como se esperava. Naquele momento, começo da década de 1990, o imperador do Camboja vivia na China, pois era amigo do governo chinês. Os dois líderes discutiram estratégias para expulsar os vietnamitas do Camboja. Em resposta, em 1989, os chineses invadiram o norte do Vietnã, Hanói, pressionando para que os soldados vietnamitas abandonassem o Camboja.  
Nesse mesmo ano os vietnamitas se retiram do país, e em 1992, os capacetes azuis, soldados pacificadores da ONU, entram no Camboja e coordenam a primeira eleição livre ocorrida em 1993, com custo estimado de dois milhões de dólares. Vários partidos são criados para disputar o pleito, vencendo o partido do rei. Em 1998 novas eleições ocorreram cuja população elegeu o atual primeiro ministro, cuja justificativa por ter recebido votação majoritária era com a promessa para manter a pacificação do país.  O Camboja celebrou em 2018 os vinte anos de paz.
Foi perguntado para o guia o motivo de não ter seguido a carreira de médico como de seu pai. A resposta veio em tom de tristeza e lamentação, falta de dinheiro. Confessou que tinha vontade de estudar medicina, porém os custos para estudar no Camboja são muito altos, mais de cinco mil dólares. Ainda hoje tem poucos médicos trabalhando, cerca de 2000. Durante o regime de terror 70% desses profissionais foram mortos. Como não fez medicina, fez carreira de guia turístico, aprendendo a língua espanhola.
Um fato inusitado ocorrido no Camboja que merece ser aqui ressaltado em sinal de protesto. Mesmo depois de perder o comando do país, o Khmer Vermelho continuou liderando o país por mais 12 anos. O que é, portanto, estarrecedor foi saber que nesse período o Camboja assumiu uma das cadeiras da ONU como representante legítimo do Camboja. O que provoca indignação foi saber que dezenas de países ocidentais reconheceram e apoiaram esse governo. Pol Pot morreu em 1998 sem nunca ter sido julgado e condenado.
Aqueles que desconhecem os macabros massacres praticados pelo khmer Vermelho contra a população civil do Camboja, recomendo assistir o filme First They Killed My Father (primeiro eles mataram meu pai). Um filme dirigido pela atriz e diretora norte americana Angelina Julie. Há outras obras célebres produzidas sobre o Camboja, mas essa é mais fácil de acessar, pois está disponível ao público na Netflix.
Prof. Jairo Cezar


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