SANGUINÁRIO REGIME DO DITADOR CAMBOJANO POL POT RESPONSÁVEL PELO MASSACRE DE UM TERÇO DA POPULAÇÃO DO PAÍS
No
passado recente, Vietnã, Camboja, Laos e a Tailândia faziam parte de um único
território cujo nome era Indochina. O nome Indochina se deve a forte influência
das culturas indiana e chinesa. De fato esse deve ser o motivo da forte
presença de ritos como o confucionismo, o hinduísmo e o budista nessas culturas,
sendo o budismo com mais adeptos.
No sudeste asiático o cristianismo não
granjeou tantos seguidores a exemplo do ocidente, que se transformou em um
entreposto de expansão dos princípios judaicos cristão. Talvez um dos motivos
dessa insipiente incidência cristã no sudeste asiático e demais países
orientais se devem a solidez dos cultos ou ritos milenares predominantes e bem
assimilados pela população. Um exemplo da forte assimilação ritualística está
presente no Camboja, onde somente dez por cento da população são adeptos ao
cristianismo.
Devido
às invasões e guerras genocidas, os cambojanos por pouco não se tornaram uma
cultura extinta. O Camboja nos seus primórdios, o território possuía dimensões
superiores ao atual. No entanto as progressivas invasões dos povos vizinhos
foram corroendo o território pelas extremidades. Somente o Vietnã, país que faz
fronteira a Leste do Camboja, anexou 20 províncias ao seu território. A
Tailândia, país que faz fronteira a oeste, abocanhou 10 províncias. Ao todo são
10 milhões de cambojanos vivendo na Tailândia atualmente.
O
guia cambojano, que nos acompanhou no período que lá estivemos, relatou que
parcela significativa de sua família vive atualmente nas províncias cambojanas
no lado Vietnã. O que é desconfortante e até mesmo constrangedor é ter de
apresentar passaporte quando tem de visitá-los.
Os demais conterrâneos que estão na Tailândia, ambos não demonstram
qualquer interesse em retornar ao Camboja ou querer pressionar o governo tailandês
para devolver as terras ocupadas aos verdadeiros donos. Essa postura dos
cambojanos recusarem regressar à terra natal, o Camboja, se deve ao elevado
padrão econômico alcançado na Tailândia.
O
Camboja, em comparação aos 11 países que integram a comunidade econômica do
sudeste asiático, fica nas últimas posições no quesito IDH Índice de
Desenvolvimento Humano. A lista em ordem decrescente do mais desenvolvido ao
mais pobre está assim distribuída: Singapura, indonésia, Brunei, Tailândia,
Vietnã, Camboja, Birmânia e Laos. O
Laos, que ainda está sob o comando de um governo “comunista”, sua economia se
baseia na produção e exportação de energia elétrica por meio de hidrelétricas.
O
desenvolvimento ou o retrocesso econômico de um país tem muito a ver com o modo
como o território foi organizado ao longo de sua história. O Camboja, hoje uma
economia em recuperação graças ao turismo, teve ciclos longos e curtos de
estabilidade e instabilidades. Foi no passado, século IX, por exemplo, uma das
regiões mais densamente povoada e rica do planeta. Com as constantes guerras e
fragmentação territorial o país passou por um longo período de estagnação
econômica.
Entre
os anos de 1953 a 1970, o Camboja viveu um ciclo de bonança econômica. A capital,
Pnou Phem, se transformou nesse período em uma das cidades mais belas e encantadoras
da Ásia, ficando atrás apenas para o Japão. Na década de 1960 o número de
indústrias de tratores, motocicletas, automóveis, elevou as taxas de emprego e
qualidade de vida da população. O guia relatou que no momento o parque
industrial do país é reduzido. O motivo da escassa industrialização se deve as
guerras, de um lado a influência do capitalismo norte americano e do outro o
comunismo Chinês.
No
final da década de 1960 o nível de instabilidade econômica do país alcançou o ápice
com o golpe militar, instalando uma ditadura que perdurou por quase vinte anos.
Esse terrível momento da história do Camboja deve ser compreendido não como um
episódio isolado, mas fragmento de um intricado quebra cabeça regional, que tem
como pano de fundo as forças imperialistas globais.
A
guerra no Vietnã deve ser considerada como peça chave desse tabuleiro de
xadrez. Durante o conflito no Vietnã, disputas internas no Camboja intensificam
a instabilidade política do país. Os Estados Unidos na tentativa desesperada de
destruir bases inimigas vietcongs na fronteira com o Vietnã bombardearam o
Camboja, fortalecendo ainda mais a guerrilha maoísta que pretendia assumir o
comando político.
Na
tentativa de se proteger do controle americano os guerrilheiros cambojanos se
refugiaram nas selvas e montanhas e apoiados pelo regime comunista Chinês.
Aqueles que não se debandaram para a selva ficaram na cidade recebendo apoio
dos Estados Unidos. Entretanto, em 1972 teve início à guerra civil no Camboja
entre forças guerrilheiras de um lado e forças pró-regime oficial, do outro. As
batalhas permaneceram por algum tempo até que soldados apoiados pelos chineses
invadiram a capital.
A
população acreditava que o fim do conflito envolvendo soldados do campo e da
cidade seria restabelecida a paz. Isso não aconteceu de fato, o país entrou
numa fase de terror interminável. Pol
Pot, que liderava os rebeldes pró-comunismo, iniciou uma onda de perseguição e
assassinato de opositores, no qual batizou o movimento de Khmer Vermelho. O
partido do Khmer Vermelho acreditava que as cidades cambojanas estavam contaminadas
com o capitalismo e, portanto, era responsável por todas as adversidades
econômicas e sociais. A proposta do Khmer erra erradicar qualquer vestígio
capitalista e retornar às origens, ou seja, tornar o Camboja, agrário,
auto-suficiente, produzido o necessário para a subsistência da população.
Nesse
sentido, o regime iniciou uma escalada de perseguições e execuções sumárias
contra cidadãos que não se enquadravam ao modelo estabelecido, visto como
ideal, sem traços capitalistas. Escolas foram ocupadas e transformadas em
prisões. Segundo opinião do líder do regime Pol Pot: “diploma se obteria
trabalhando no campo, abrindo valos para a irrigação”.
Professores,
médicos, intelectuais e todos que demonstrassem alguma habilidade artística eram
enquadrados como defensores do capitalismo. Forças pró-governo assumiam a
tarefa de recolhê-los do convívio social e familiar e executá-los. Estima-se
que cinco milhões de pessoas ou um quarto da população perderam a vida,
assassinadas ou vítimas de doenças.
No
instante que o guia discorria acerca desse trágico episódio no Camboja, foi
difícil o grupo conter as lágrimas. A emoção brotou com mais intensidade quando
o guia mencionou o nome de dois de seus irmãos menores, que foram brutalmente
executados pelo regime de Pol. Pot. Revelou que soldados foram até a sua casa, tiraram
todos/as à força levando-os/as para o campo onde trabalhariam no cultivo do
arroz. Naquele instante, disse o guia, o terror se abateu sobre sua família
pelo fato do seu pai ser um médico, virtual candidato a ser assassinado.
Quando
seu pai foi interrogado os entrevistadores conversaram com ele em Frances,
dando-lhe um livro para que o lesse. Para se livrar de uma quase real execução,
mentiu para os interrogadores informando que era motorista de “TUQUE TUQUE”,
além de trabalhador na construção civil, e que, portanto, não sabia ler. Essa
estratégia lhe salvou a vida.
O
trabalho no campo era duro, relatou o guia. Trabalhava-se 362 dias
ininterrupto. Os três dias que restavam no calendário para completar um ano
eram destinados à grande festa nacional, entre os dias 13 a 15 de abril. Nesses
dias os trabalhadores tinham direito a se alimentar com arroz e pescado, uma alimentação
melhor, mais nutritiva que sopa de arroz, consumida todos os dias.
As atividades no campo começavam cedo, antes
do nascer do sol. O calor era escaldante e o trabalho era exaustivo todos os
dias. A alimentação era precária, comia-se somente sopa de arroz. A fome era
responsável pela Maria das mortes. Por qualquer motivo, um pequeno erro ou
desatenção, poderia vir um soldado com uma baioneta e executar ali mesmo.
O
guia explicou como seu irmão de dez anos morreu. Disse que o irmão estava
cuidando de cinco bois, que cada um dos animais possuía uma corda de cinco
metros. Tinha que cuidar para não comessem o arroz, pois poderia custar a sua
vida. A situação era tão deplorável que seu irmão roubava batatas para comer,
sem que os soldados o vissem. Teve um dia que seu irmão não teve tanta sorte.
Quando estava descendo de um coqueiro com cocos nas mãos, soldados se
aproximaram dele e o mataram com golpes de baioneta. Depois do ato, avisaram o
seu pai para que fosse buscar o cadáver que estava cerca de 5 km de distância.
Informou
o Guia que 70% de todo o arroz produzido no país era exportado para a China,
como forma de pagamento pelos armamentos adquiridos pelo regime do Khmer
Vermelho. Quando acabou a guerra do Vietnã, os americanos saíram do Camboja,
pois o país não possuía riquezas que lhes interessavam. Entretanto, antes de
evacuar do país lançaram toneladas de bombas, 236 kg cada, por meio de aviões
B-52. Cada uma dessas bombas quando atingia o solo abria cratera de cinqüenta
metros quadrados.
O
chinês relatou o guia, foram tão terríveis e sanguinários quanto os americanos.
Antes de abandonar o Camboja tiveram o cuidado de enterrar milhares de minas
sobre o território. Na época, 75% de toda extensão do Camboja estava com minas
enterradas. Até hoje, crianças e adultos ainda são vítimas desses artefatos que
explodem quando são tocadas involuntariamente.
O
período de terror no Camboja começou declinar quando o primeiro ministro do
país foi ao Vietnã pedir ajuda. Em 1979, o partido do primeiro ministro e o
governo do Vietnã selou acordo de coalizão para libertar e trazer a paz ao
país. O ditador Pol Pot foi expulso para
a selva e o Vietnã ocupou o Camboja por 12 anos, de 1979 a 1991. Nesse período
parcela da riqueza do país como ouro, templos, diamantes, etc., foram
transferidas para o Vietnã.
A
desocupação do Camboja pelos vietnamitas não foi tão simples como se esperava.
Naquele momento, começo da década de 1990, o imperador do Camboja vivia na
China, pois era amigo do governo chinês. Os dois líderes discutiram estratégias
para expulsar os vietnamitas do Camboja. Em resposta, em 1989, os chineses
invadiram o norte do Vietnã, Hanói, pressionando para que os soldados vietnamitas
abandonassem o Camboja.
Nesse
mesmo ano os vietnamitas se retiram do país, e em 1992, os capacetes azuis,
soldados pacificadores da ONU, entram no Camboja e coordenam a primeira eleição
livre ocorrida em 1993, com custo estimado de dois milhões de dólares. Vários
partidos são criados para disputar o pleito, vencendo o partido do rei. Em 1998
novas eleições ocorreram cuja população elegeu o atual primeiro ministro, cuja
justificativa por ter recebido votação majoritária era com a promessa para manter
a pacificação do país. O Camboja
celebrou em 2018 os vinte anos de paz.
Foi
perguntado para o guia o motivo de não ter seguido a carreira de médico como de
seu pai. A resposta veio em tom de tristeza e lamentação, falta de dinheiro.
Confessou que tinha vontade de estudar medicina, porém os custos para estudar no
Camboja são muito altos, mais de cinco mil dólares. Ainda hoje tem poucos
médicos trabalhando, cerca de 2000. Durante o regime de terror 70% desses
profissionais foram mortos. Como não fez medicina, fez carreira de guia
turístico, aprendendo a língua espanhola.
Um
fato inusitado ocorrido no Camboja que merece ser aqui ressaltado em sinal de
protesto. Mesmo depois de perder o comando do país, o Khmer Vermelho continuou
liderando o país por mais 12 anos. O que é, portanto, estarrecedor foi saber
que nesse período o Camboja assumiu uma das cadeiras da ONU como representante
legítimo do Camboja. O que provoca indignação foi saber que dezenas de países
ocidentais reconheceram e apoiaram esse governo. Pol Pot morreu em 1998 sem
nunca ter sido julgado e condenado.
Aqueles
que desconhecem os macabros massacres praticados pelo khmer Vermelho contra a
população civil do Camboja, recomendo assistir o filme First They Killed My
Father (primeiro eles mataram meu pai). Um filme dirigido pela atriz e diretora
norte americana Angelina Julie. Há outras obras célebres produzidas sobre o
Camboja, mas essa é mais fácil de acessar, pois está disponível ao público na
Netflix.
Prof.
Jairo Cezar
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