quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

O AGRONEGÓCIO, MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E O CONGRESSO NACIONAL: UMA ANALOGIA A FÁBULA “AS RAPOSAS E O GALINHEIRO” DE LA FONTAYNE


No segundo mandato da Ex-presidente Dilma Rousseff causou perplexidade aos movimentos ambientalistas e demais organizações sociais quando veio a informação que ela teria indicado para a pasta do ministério da agricultura a latifundiária, pecuarista e presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) Kátia Abreu. Michel Temer, também sem titubear, na mesma linha da sua antecessora entregou a pasta da agricultura ao “rei da soja”, isso mesmo, ao maior produtor de soja do mundo, Blário Maggi. É claro que pessoas com tamanhas representatividades em áreas estratégicas para economia como é hoje o agronegócio e a mineração, suas políticas sempre tenderiam a inclinar beneficiando interesses desses setores.



Blairo Maggi, ministro da agricultura nomeado pelo presidente Michel Temer. Maggi, agricultor de soja em larga escala e ex-governador do estado do Mato grosso, era conhecido como “Rei da soja” e tem uma reputação de ter destruído grande extensão da Floresta Amazônica. Recentemente, o ministro moderou sua retórica contra o meio ambiente, embora o deputado federal Nilto Tatto diga que Maggi “organiza os grupos [dominantes do agronegócio] que assumiram o governo e agem de acordo com o interesse do agronegócio” para derrubar leis ambientais e aprovar as três hidrovias industriais     Foto: Agência Senado 
https://theintercept.com/2016/12/22/governo-temer-atende-bancada-ruralista-e-pretende-arrasar-agenda-socioambiental/
Isso exclui qualquer dúvida quanto aos fins pretendidos quando se sabe que a maior bancada do congresso brasileiro é constituída por representantes do agronegócio. Portanto, Roberto Rodrigues (governo Lula) Kátia Abreu e Blairo Maggi, se encaixariam perfeitamente à famosa fábula As Raposas e o Galinheiro, de La Fontaine. Exemplos que conferem com a fábula são os que não faltam. Há poucos dias a bancada ruralista no congresso e articulada pelo ministro da agricultura ameaçou promover um dos maiores desmantelamentos da legislação ambiental desde o golpe militar. A proposta seria a aprovação de três projetos e decretos que permitiriam sem licenciamento a construção de três hidrovias, uma no Rio Tapajós, outra ligando o Rio Tocantins e Araguaia e a última no Rio Paraguai.

Portos fluviais de grãos como esse precisariam ser construídos nas três hidrovias industriais que estão sendo propostas pela bancada ruralista no Congresso Nacional. Na verdade, em preparação para sua possível vitória legislativa, as empresas do setor (incluindo a Amaggi, administrada pela família do ministro da agricultura, Blairo Maggi), assim como o setor transnacional de commodities (incluindo Bunge e Cargill), já começaram a investir e construir a infraestrutura necessária. Um novo e gigante complexo logístico de transporte, chamado Miritituba, foi construído para processar a soja do Mato Grosso no lado do rio Tapajós oposto à cidade de Itaituba.FOTO: VALTER GUIMARÃES. -  https://theintercept.com/2016/12/22/governo-temer-atende-bancada-ruralista-e-pretende-arrasar-agenda-socioambiental/


Esses projetos, que beneficiarão o seguimento do agronegócio, principalmente o do setor da soja, incorrerão em imensos impactos ambientais na região, bem como à sobrevivência de comunidades indígenas e tradicionais que vivem às margens desses mananciais. A imprensa de massa não divulga e se eximirá em divulgar tais aberrações.  Os maiores beneficiários dessas obras além da família do ministro Maggi, estão também setores tradicionais de commodities como a Bunge e a Cargil. O código ambiental brasileiro que está em vigor obriga que para a execução de obras de mega infraestrurua como das polêmicas hidrovias são necessários meses, até mesmo anos de estudos. Depois de cumprir essas etapas, o órgão responsável pelo diagnóstico deverá apresentar o EIA (Estudo de Impacto Ambiental).
A proposta para viabilizar esses projetos como outros que foram arquivados por inviabilidade ambiental (barra do rio Araranguá), é substituí-lo por um EVTEA (Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental). Esse estudo pode ser realizado pelo próprio empreendedor interessado sem qualquer participação ou consulta ao IBAMA, ICMBIO, IPHAN, etc. Segundo argumentos do governo federal e do próprio congresso nacional, exceto alguns deputados que vem alertando as manobras assassinas, a intenção é agilizar os processos, leis e decretos, que resultem no incremento da produtividade e no desenvolvimento econômico.




Pôr do sol no rio Tapajós. Mais de 40 represas estão em fase de construção ou foram propostas no rio principal ou em seus afluentes. Os cientistas dizem que as represas seriam um desastre para a Amazônia, e, possivelmente, para todo o mundo. Alguns acreditam que o desmatamento em consequência de tamanho projeto de infraestrutura poderia transformar a Amazônia, que agora é um reservatório de carbono, em uma fonte de carbono, agravando o aquecimento global.
 
Foto: Walter Guimarães - 
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Os projetos e decretos não foram ainda votados porque quando entrou na câmara a presença de parlamentares presentes na sessão eram insuficientes para proceder às votações. Os deputados Chico Alencar, do PSOL e Nilto Tatto, do PT, que estavam presentes no plenário, solicitaram para que a matéria fosse retirada da pauta e discutida em fevereiro, quando termina o recesso do legislativo. É importante ressaltar que se o atual governo vem se utilizando das artimanhas dos decretos, comuns no regime militar, para fazer valar interesse de seus apadrinhados e correligionários políticos, o governo do PT, especialmente Lula, também se valeu desses artifícios impopulares.
Todos devem ter lembrança das tramitações burocráticas das polêmicas hidrelétricas construídas e em construção nos principais rios da Amazônia. A que gerou e vem gerando ainda muito dar de cabeça é a hidrelétrica de Belo Monte, sobre o rio Xingu, que alterou a vida de milhares de pessoas e de todo ecossistema da região. Esse empreendimento foi viabilizado graças a aprovação também do polêmico decreto n. 788/2005. A empresa que foi responsável pela obra a North Energia, está hoje respondendo na justiça por crimes ambientais e de etnocídio. Os decretos, costumeiramente utilizados pelo poder executivo, impedem a ocorrência do debate no congresso e nos vários setores da sociedade organizada.



Em abril de 2016, o consórcio da Norte Energia — construtora da Usina de Belo Monte — foi multada em US$ 10,8 milhões pela morte de 16,2 toneladas de peixe. Desde então, mais peixes morreram e pescadores temem que mais ainda morrerão. Foto de celular de um pescador local do rio Xingu documentando a morte de peixes para as autoridades federais.
 

Foto: Mongabay - 
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O decreto que conferiu a execução da obra da hidrelétrica de Belo Monte, como os três do governo Temer que prevêem as hidrovias, afrontou e afrontará dispositivos da constituição brasileira e convenções internacionais que tratam sobre populações indígenas e demais grupos tradicionais. O Art. 241 da Constituição Brasileira estabelece que quaisquer projetos de infraestrutura que direta ou indiretamente gerem impactos às culturas indígenas ou outras tradicionais, como quilombolas, é necessária a realização de consulta pública para ouvi-los e colher sugestões. Para o povo Mundukuru, “as corredeiras do rio Cururu, afluente do Tapajós, que banha suas terras, são sagradas e habitadas pelos seus ancestrais. O fim das corredeiras seria literalmente o “fim do mundo” para esse povo”.
A própria Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) promulgada no Brasil pelo governo Lula através do decreto 5.051/2004, no seu Art. 6, quando se refere a aplicação das disposições da presente convenção, os governos deverão(iam): a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Uma das alegações da justiça no processo que puniu a empresa que construiu a Belo Monte é que não foram respeitados tais dispositivos legais.
Além dos decretos polêmicos, também está para entrar em discussão no congresso brasileiro, quem sabe nas primeiras sessões de 2017, a votação em caráter de urgência ao Projeto de Lei n. 3.729/2004 que trata sobre a concessão de licenciamentos para obras de infraestrutura. Lembram dos projetos das hidrovias, no começo do texto, que permite substituir o EIA por outro documento mais simplificado e elaborado pelo próprio empreendedor interessado na obra. É exatamente isso o que pretende o novo PL 3.729 caso seja aprovado. Resumidamente, a nova lei dispensará a participação de órgãos federais como o IBAMA e o ICMBIO, entre outros, constitucionalmente responsáveis e autorizados pelos licenciamentos.



Represa São Manuel, em construção no rio Teles Pires. Os índios Kayabi, Munduruku e Apiaká entraram com diversos processos legais contra a construção das quatro represas no rio Teles Pires, defendendo que o país não consultou as tribos que seriam afetadas pelos projetos, conforme obriga a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
 

Foto: Mauricio Torres - 
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Lembram do polêmico projeto de fixação da barra do Rio Araranguá? Todos devem saber que o arquivamento do projeto ocorreu porque o IBAMA não concedeu o licenciamento ambiental por considerar que haveria riscos a todo ecossistema do entorno da obra.  Se a lei for aprovada o projeto de fixação pode ser desengavetado. Estados e Municípios poderão, através de seus órgãos ambientais, viabilizarem estudos, simplificados, e conceder licenças para execução desses projetos. Imagine FAMA, FATMA, órgãos ambientais com pouca infraestrutura e credibilidade, licenciando projetos da complexidade como é o da fixação da barra do rio Araranguá.
Olha o que expressam os que defendem a aprovação do respectivo projeto de lei: “governos estaduais e municipais passariam a poder competir entre si de modo a atrair investimentos. Haveria redução do rigor nos estudos de proteção/mitigação ambiental”. Para projetos menores ou menos impactantes, a própria barra do rio Araranguá poderia ser argüida e enquadrada como projeto de pequeno impacto, sendo dispensados licenciamentos ambientais. Nesse cenário confuso e incerto, o próprio MMA (Ministério do Meio Ambiente) lançou manifesto admitindo que se o PL (Projeto de Lei) for aprovado promoverá violentas guerras ambientais entre os estados, cada um querendo minimizar ao máximo as restrições ambientais para atrair empresas. 



As três hidrovias industriais propostas trariam, assim como acontece em grande parte dos outros projetos de represas amazônicas, desmatamento em grande escala como consequência. O desmatamento começa com a construção de represas e reservatórios e continua à medida que as ruas de acesso às represas são construídas, as linhas de transmissão são usadas por madeireiras ilegais e inúmeros trabalhadores e habitantes são atraídos para a área onde será construída a represa.
 
Foto: Walter Guimarães - 
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E não para por ai os ataques contra o meio ambiente e as comunidades indígenas. Também está tramitando nos corredores do palácio do planalto outro decreto para derrubar o decreto 1.775/1996 que dispõe sobre a demarcação das terras indígenas. O que se pretende é dificultar ao máximo os procedimentos relativos às demarcações e homologações de terras indígenas. O que poderá ocorrer é a supressão de vários processos de demarcação que estão na fila de espera dos cartórios. Muitas dessas propriedades voltariam às mãos do latifúndio, intensificando os desmatamentos e os conflitos. Portanto, a pergunta é como se fortalecer aos ataques violentos do atual governo ao meio ambiente e a população indígena, ainda mais quando se tem no governo uma “raposa” cuidando do “galinheiro” chamado congresso nacional. A moral da fábula é: uma vez raposa...  

Prof. Jairo Cezar 



                      








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