O PL 4546/21 – PROJETO DE LEI QUE
PROPÕE A ENTREGA DA GESTÃO HÍDRICA E DO SANEAMENTO BASICO ÀS GRANDES
CORPORAÇÕES
https://www.youtube.com/watch?v=_wPPxQ45stE
Década
de 1970 em diante o sistema de produção capitalista passou por transformações relevantes
no seu escopo de infraestrutura e gestão política. As novas tecnologias em
curso fez alterar relações de produção, reduzindo paulatinamente a força de
trabalho das fábricas ainda inseridas no modelo fordista de produção em larga
escala. Cabe lembrar que até esse momento o papel do Estado foi decisivo na
adoção de políticas de interesse social, estimulado, é claro, pela crise de
1930 e a Guerra Fria, que se instaurou a partir do final da Segunda Guerra Mundial.
A
forte difusão de ideias socialistas no mundo do trabalho pressionou os governos
ocidentais a recuarem suas políticas de exploração da força de trabalho, que
assegurava a mais valia do trabalho, o lucro. O Estado que durante os períodos
de crises cíclicas do capitalismo se transformara em alavanca na recuperação
das economias estraçalhadas, nos anos 1970 em diante esse mesmo Estado se
apresenta como um empecilho, obstáculo ao desenvolvimento, portanto, devendo se
estreitado seu poder de atuação.
O
fim do socialismo soviético a partir da queda do muro de Berlim em 1989 deu
mais munição às nações capitalistas à executarem duras medidas fiscais que
afetaram diretamente as economias dos países periféricos. Teóricos como Milton
Friedman, entre outros adeptos a desregulação da economia, foram decisivos na
construção de ideias em defesa do livre mercado, ou seja, a redução tácita do
papel do Estado na condução da economia. De fato foi uma reação ao
keynesianismo, do pós crise de 1929, que proporcionou maior intervenção do
estado sobre a gestão da produção.
Era
necessário, portanto, impor regras mais rígidas sobre as estruturas fiscais das
economias dependentes como garantia ao não calote das dívidas junto aos países
credores. Organismos financeiros como o FMI e o Banco Mundial passaram a
exercer forte pressão sobre as políticas econômicas dos países da América Latina,
África, Ásia, etc. A crise econômica que
se instaurou na década de 1980, com o risco cada vez maior de calote ao
pagamento dos juros das dívidas externas, forçou os credores a adoção de pacotes
de medidas fiscais aos países emergentes. Esse plano foi batizado de Consenso
de Washington.
Corte
de gastos públicos, privatizações de empresas estatais e um amplo conjunto de
reformas que atingiam em cheio direitos conquistados pelos trabalhadores, foi,
portanto, o receituário apresentado pelos países alinhados ao capitalismo
central. Quanto às políticas neoliberais é importante ressaltar que tal
receituário teve como uns dos protagonistas o Chile de Pinochet e a Inglaterra
de Margaret Thatcher, ambos reformaram suas economias por meio de profundo
ajuste estrutural.
No
final da década de 1980, com a eleição do Presidente Fernando Collor de Mello,
o Brasil dá inicio a sua caminhada de reformas estruturantes, levando a cabo o
receituário dos seus idealizadores e chancelado pelo Banco Mundial e FMI.
Envolvido em uma séria de denúncias de irregularidades na condução do seu governo,
Collor sofre impeachment, assumindo por sua vez o vice Itamar Franco, que dá
prosseguimento aos projetos de enxugamento do Estado. Foi, todavia, no governo
de Fernando Henrique Cardoso que os programas de ajustes da economia se concretizaram
a contendo. É claro que para agilizar todo esse arcabouço de medidas antissociais
foi necessário eleger um congresso afinado ao propósito desregulador.
Sistemas
bancários, companhias siderúrgicas, de mineração, telefonia, rodovias,
aeroportos, ferrovias, hidrelétricas, como um tabuleiro de dominó, foram aos
poucos caindo no colo dos grandes investidores internacionais, muitas dessas
empresas entregues mediante o pagando de valores irrisórios. Um exemplo foi a
Vale do Rio Doce, uma das maiores companhias estatais de mineração do mundo vendida
para grandes corporações por uma bagatela aproximada de cinco bilhões de reais.
Além de proporcionar ganhos bilionários aos seus acionistas o que mais os
brasileiros ganham são passivos ambientais. O rompimento da barragem do Córrego
do Feijão, na região de Mariana, Minas Gerais, foi um desses passivos, causando
mortes e prejuízos catastróficos a toda a biótica da bacia da bacia do Rio Doce.
A
eleição de Lula para presidente da república em 2000, pelo partido dos
trabalhadores, representou um momento impar da historia do Brasil, pois pela
primeira vez uma pessoa vinda do povo conquistou o posto mais importante da
política brasileira. As expectativas agora eram de que houvesse uma reviravolta
no processo decisório brasileiro, onde daria prioridade às demandas das quais
estavam inseridas no estatuto do partido, visto como amplamente social. De fato
foram cumpridas algumas dessas demandas, porém, no radar ainda aparecia o
famigerado fantasma do neoliberalismo. Lula um, Lula 2, Dilma 1 e Dilma dois,
ambos transitaram pelas dependências do palácio do planalto por quase quinze
anos, no entanto, não foi suficiente para tirar o Brasil da triste lista de um
dos mais desiguais e atrasados do mundo.
O
impeachment que derrubou Dilma em 2016 abriu caminho para que as forças
conservadoras do capitalismo dependente reassumissem as rédeas do comando
nacional. Com o golpe contra Dilma, assume
a presidência o vice Michel Temer, principal porta voz das elites econômicas
nacionais e internacionais, sedentas para fincar as garras nas riquezas do povo
brasileiro. Reformas e mais reformas foi a tônica assumida por Temer, agradando,
é claro, o agronegócio, grandes investidores e o capital especulativo, ambos
cada vez mais poderosos e com forte representação no congresso nacional.
Se
já houve retrocessos durante o pouco tempo que Temer permaneceu no posto de
presidente da republica, o quadro social e econômico se agravou ainda mais com
o pleito que elegeu o ultradireitista Jair Bolsonaro. Quatro anos de
retrocessos em vários campos, na saúde, educação, meio ambiente, entre outros. Tudo
isso agravado pela pandemia do COVID 19, cuja gestão do governo federal foi um
verdadeiro desastre. A eleição de um congresso majoritariamente ultraliberal em
2019 garantiu sustentação ao governo Bolsonaro na execução de suas políticas de
fragilização ainda mais do Estado Brasileiro.
Era
preciso encolher mais ainda o Estado, para isso adotou a estratégia de responsabilizar
os servidores públicos à pouca eficiência dos serviços prestados. Porém esse
discurso de vitimização não foi exclusividade somente do governo Bolsonaro, os
anteriores, a exemplo de FHC, adotaram com extraordinária propriedade. Isso aconteceu com as privatizações das
empresas de telefonia, mineração, rodovias, ferrovias, bancos, etc. A própria Petrobras
não ficou isenta dessa pauta privatista, além, é claro, do sistema elétrico que
recebeu e continua recebendo forte assédio dos fundos de capitais
internacionais. Além do petróleo e mineração, o segmento hídrico e do saneamento
básico são filões que estão na mira do grande capital.
Durante
o governo Bolsonaro, o Congresso Nacional, dominado por bancadas entreguistas,
apresentaram o PL 4546/21 também conhecido como PL do Novo Marco Hídrico, no
qual busca instituir a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, que regulamenta
a prestação e exploração de serviços hídricos no Brasil. Resumindo, é mais um
daqueles projetos de leis elaborados por parlamentares cujas campanhas foram
financiadas por empresas interessadas na desregulação das políticas que regem
os recursos hídricos e o saneamento básico.
Acontece
que o processo de privatização dos sistemas hídricos e saneamento básico não é
algo recente no mundo. Vários países já realizaram, porém, tiveram que romper os
contratos com os governos devido ao não cumprimento dos mesmos. No momento que uma empresa particular adquire
uma estatal ou autarquia de coleta, tratamento e fornecimento de água, o que
está inserido em seu portfólio não é nada mais que o lucro, ou seja, água como
produto. É claro que os investimentos dessas empresas com infraestrutura se
concentrarão nos municípios, bairros com garantias de retorno financeiro. O caso
do apagão na cidade de São Paulo há poucos dias e que manteve às escuras
milhões de pessoas por alguns dias é um bom exemplo de ineficiência dos
serviços prestados pela empresa que comprou os direitos para a prestação desses
serviços.
Outro
detalhe importante, em 2021 o governo federal sancionou a lei n. 14026/21 que
definiu o novo marco legal do saneamento, promovendo alterações em dispositivos
presentes no estatuto das cidades. Com a aprovação dessa lei o Brasil passa a
ter uma política nacional de infraestrutura hídrica. O importante aqui
esclarecer é que essa lei não houve a participação da sociedade na construção e
discussão. Em síntese o que se terá mesmo é o desmonte de todo o arcabouço
legal já criado que assegura ao ente público, estados e municípios, a
governança sobre os serviços de água e saneamento básico. Com o PL 4546/21 todo
esse conjunto de normatizações são desfeitas para permitir que empresas, até
mesmo as ditas públicas, tenham que participar também das licitações dos
serviços de água e saneamento a serem oferecidos. Com o PL, a água e saneamento
serão vistos como bens de troca e não de uso como reza a constituição
brasileira e as legislações em vigor.
De
fato o setor que será mais impactado com o PL 4546/21 é o dos Comitês das Bacias
Hidrográficas, criadas com o intuito de estender a participação da sociedade civil,
segmento econômico e o poder público na gestão dos recursos hídricos, ou seja,
todos os cursos d’água existentes. Essa nova governança participativa vem
seguindo o que determina a própria constituição brasileira, que dele a
sociedade poderes para intercederem sobre tais políticas. Com o PL, os comitês deixariam
de existir, outorgando aos novos gestores, nesse caso, os governos ou donos das
outorgas, poderes de decisão, que será verticalizada, ou seja, de cima para
baixo.
Prof.
Jairo Cesa
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