NÚCLEO
SERRAMAR - QUE INTEGRA A REDE DE AGROECOLOGIA ECOVIDA - PROMOVE ENCONTRO DA REDE DE
SEMENTES
"Essa foto me emocionou muito eu no meio das alfaces que minha mãe guardou no freezer por 28 anos .E estão comigo" - Maria das Alegrias |
Por
milênios as sementes sempre foi motivo de preocupação das civilizações que iam
se sucedendo uma após outra. Foi a partir da sua domesticação, bem como do aprisionamento
de animais, aves, mamíferos, que grupos humanos transitaram da condição de
nômades para sujeitos sedentários, isto é, se fixando em um determinado espaço
geográfico e construindo relações de convívio mútuo. Muitos dos alimentos
consumidos pela humanidade hoje em dia, como o arroz, o milho, tipos de
batatas, mandiocas, legumes, tubérculos, entre outras dezenas de variedades,
tiveram suas origens na China, Índia, na Mesopotâmia, no Egito antigo e no
Continente Americano.
Coletar
as melhores sementes, armazená-las corretamente para assegurar uma germinação
satisfatória, foi no passado, função quase que exclusiva das mulheres, denominadas
de guardiãs de sementes. Ainda hoje comunidades tradicionais da América Latina,
mantém a tradição de produzir e replicar sementes crioulas, variedades que
mantém intactas suas genéticas de milhares de anos. De fato as guardiãs, bem
como os guardiões, ambos se caracterizam como verdadeiros heróis da
resistência, pelo fato da enorme pressão que sofrem das grandes corporações do
segmento de sementes e insumos que buscam monopolizar esse setor.
As
inovações no campo da ciência agrária e da genética provocaram uma verdadeira
revolução no segmento das sementes. Melhorá-las geneticamente, tornando-as mais
produtivas, resistentes às pragas e a inserção de agrotóxicos, foi, de fato, o
acontecimento mais relevante e ameaçado do final do século XX. Pela primeira
vez o ser humano consegue mexer nos seus cromossomos, alterando o seu sequencial
genético, a ponto de criar variedades estéreis, incapazes de se fecundarem após
a colheita. Isso, de fato, garante o controle das corporações no comércio
global dessas sementes.
A
agroecologia e a produção orgânica a cada dia vêm se vislumbrando como uma das
alternativas ao salvamento da espécie humana e do planeta. As mudanças
climáticas em curso se devem em grande parte ao modo como a agricultura vem
sendo adotada no planeta, se concentrando em algumas culturas, soja, milho,
algodão, cana de açúcar, altamente mecanizadas e vinculadas ao mercado de commodities.
Hoje em dia parte dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira,
muitos cereais, legumes, verduras, frutas, etc, ambas são provenientes da
agricultura familiar. Em menor proporção estão às famílias que cultivam
variedades orgânicas, dotando ou não praticas agroecológicas. É, portanto, esse
segmento o que mais sofre as agruras de políticas públicas, com maior favorecimento
ao setor do agronegócio em termos de financiamentos.
Nos
últimos anos, de forma tímida, inúmeras foram às legislações criadas para dar
estímulo ao segmento agroecológico. Dentre elas está o Plano Nacional de Agroecologia
e Produção Orgânica (PLANAPO). De fato esse plano é um grande avanço, pois
garantirá maior seguridade ao cultivo e ao comércio de orgânicos às famílias que
adotam praticas alternativas de insumo e no manejo na produção. Dessa vez o
Planapo define 197 iniciativas, divididas em 7 eixos. Tem a participação de 14
ministérios e 9 bilhões de reais em ações. O plano prevê “iniciativas voltadas à
pesquisa e inovação, incentivos às compras e inclusão de mulheres, jovens,
indígenas, quilombolas na agricultura familiar”.
Junto
ao Planapo está o Pronara, que é o programa de redução de agrotóxicos de alta
periculosidade. Nesse item, o segmento da agroecologia lança críticas ao
programa, pois a expectativa era a inclusão da redução de todo o tipo de
agrotóxicos, independente da sua toxidade. Não houve avanço no quesito
agrotóxico devido ao forte da resistência do agronegócio, que é chancelado pelo
ministro da agricultura, um dos principais representantes do setor.
Foto-Jairo |
Outra
conquista foi o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Alimento no Prato),
o PRONAAB, que inclui 29 iniciativas e 92 estratégias. A proposta é assegurar
alimentos saudáveis e frescos, com foco nas populações mais vulneráveis. O plano
integra políticas públicas, envolvendo diversos setores, como o da saúde,
educação, agricultura e desenvolvimento social. Propõe também o fortalecimento
das redes territoriais de abastecimento, bem como promover práticas que preservem
a biodiversidade e os saberes tradicionais.
Frente
a tudo isso, o segmento agroecológico vem costurando vínculos em forma de redes
junto aos seus integrantes, sendo uma delas a Rede Agroecológica ECOVIDA que reúne
produtores e consumidores dos três estados do sul. São dezenas de núcleos
espalhados, fracionadas em grupos, contendo cinco, seis ou mais famílias, que
se reúnem periodicamente para discutir demandas e estratégias para o
fortalecimento do setor. Dentre os núcleos da rede está o SARRAMAR, da região
sul de Santa Catarina, constituída de famílias dos grupos Terras de Anita,
Frutos da Terra, Guardiões e Paleotoca.
Foto - Jairo |
Entre
as várias demandas assumidas pelo núcleo está o debate acerca das portarias
relativas às sementes utilizadas pelos produtores de hortaliças, que deverão,
no futuro, ser totalmente orgânicas. Uma delas é a Portaria de n.52, de 15 de
março de 2021, que estabelece regulamento técnico para os sistemas orgânicos de
produção e as listas de substâncias e práticas para o uso nos Sistemas
Orgânicos de Produção. Tal medida gerou forte preocupação dos produtores de hortaliças
vinculados a rede ECOVIDA, pelo fato da exigência de que sementes e mudas
deverão ser também de variedades orgânicas.
Essa
portaria estabeleceu um tempo um tanto exíguo aos produtores para o ajustamento,
decisão que resultou em mobilizações do setor junto ao MAPA, para rever a decisão
e postergasse o prazo. Em 2024, o MAPA atendeu as reivindicações lançando outra
portaria, a de n. 685, de maio de 2024, onde, a partir do §8 no art.103, fica suspenso
por 2 (dois) anos, os prazos previstos neste artigo, no qual trata sobre
sementes e mudas que deverão ser oriundas de sistemas orgânicos de produção.
Foto - Jairo |
Diante
das incertezas acerca do futuro dos produtores de hortaliças da rede ECOVIA e
principalmente do núcleo SERRAMAR, entre outros, o respectivo núcleo vem
promovendo algumas ações com vistas a buscar alternativas que atendam aos interesses
desse setor que responde por mais da metade das famílias integrantes da
respectiva rede agroecológica. A partir de acordos estabelecidos entre as
direções da rede dos três estados, encontros setoriais foram acordados com
vistas a discutir o tema, bem como habilitar os horticultores a produzirem suas
próprias sementes e mudas orgânicas.
A
ETAPA I do IV ENCOTRO da rede de sementes ECOVIDA ocorreu em Chapecó, nos dias
25 e 26 de setembro. A ETAPA II teve como local o município de Jaguaruna/SC,
entre os dias 17 e 18 de outubro, com cerca de 100 inscritos, vindos dos três estados
do sul do Brasil. Nos dois dias, o público presente teve a oportunidade de
conhecer o histórico e a atualidade na produção de sementes; sua origem e a
diversidade; sua importância; seu manejo e tratamento; as formas de colheitas;
o seu armazenamento e o plano para garantir a manutenção da agrobiodiversidade,
suprindo as demandas de sementes da agricultura familiar agroecológica em
qualidade. Durante as falas dos técnicos
e pesquisadores, os produtores de hortaliças tiveram a oportunidade de
apresentar e compartilhar suas experiências de fracassos e sucessos no manejo
dessa atividade.
Foto - Jairo |
Foto - Jairo |
No
segundo dia do evento, o publico foi recepcionado na propriedade de uma família
de agricultores agroecológicos no mesmo município. É importante aqui frisar que
a proprietária do sítio, conhecida como Maria das Alegrias Garcia, além de
agricultora também é uma guardiã de sementes crioulas. Por cerca de duas horas,
o público envolvido no evento sobre sementes, teve a incrível oportunidade de
conhecer um verdadeiro berçário de variedades de hortaliças em diferentes estágios
de desenvolvimento. Acredito que quem prestou atenção nas falas repletas de conhecimento
e emoção da Dona Maria das Alegrias, deve ter compreendido que ser
agroecológico vai muito além do resultado econômico em si, é um processo
sinérgico, onde solo, ar, água, plantas, animais, trocam energias, se
realimentando ininterruptamente.
Prof.
Jairo Cesa
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