quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

 

O QUE DEVE SER COMPREENDIDO SOBRE AS REPETIDAS TRAGÉIDAS CLIMÁTICAS QUE  ASSOLAM O TERRITÓRIO CATARINENSE

https://www.nsctotal.com.br/noticias/correnteza-arrasta-bois-em-sao-joao-batista-veja-video


Nos últimos anos devo ter escrito vários textos relatando impactos climáticos extremos no estado de Santa Catarina.[1] Estiagens prolongadas, ciclones bombas, ventos violentos, temporais com granizos, tornados, enxurradas, são alguns desses fenômenos do tempo que passaram a fazer parte do cotidiano de muitas regiões do estado. As chuvas torrenciais nas encostas da Serra Geral no Timbé do Sul em 1995 que gerou uma avalanche até então sem registros nos relatórios das defesas civis; a tragédia do Morro do Baú, na região de Blumenau onde dezenas de pessoas morreram soterradas, são dois exemplos de episódios que comprovam que o estado está sofrendo mais intensamente os efeitos das mudanças climáticas.

Se observarmos as regiões mais atingidas por enxurradas e deslizamentos de encostas, no radar sempre aparece a faixa litorânea do estado, uma das mais antropisadas em comparação aos 17 estados que integram o bioma da mata atlântica. Toda a extensão leste do estado é formada por cadeia de montanhas contendo aproximadamente mil metros de altura e coberta por uma “espessa floresta” denominada mata atlântica. Geograficamente toda essa região é influenciada direta e indiretamente pelo oceano atlântico, cujos ventos vindos do leste empurram toneladas de umidade em direção ao paredão rochoso resultando em chuvas, principalmente no verão.

A presença de florestas também serve como amortecedor das chuvas, permitindo que a água seja absorvida pelo solo recarregando os aquíferos. O fato é que todos os anos relatórios são apresentados mostrando crescimento da supressão da floresta atlântica em toda a faixa costeira brasileira, sendo o estado catarinense sempre aparecendo como um dos que mais desmatou.  O que espanta é que os últimos episódios extremos do clima, como as enxurradas em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina ocorreram exatamente nos estados ou cidades que mais tiveram perdas de cobertura de florestal.

O que impressiona ouvindo comentários de integrantes do poder público até mesmo da defesa civil, acerca das tragédias, é que Santa Catarina faz parte de um corredor propicio a ocorrência de desastres naturais. Então, se há essa certeza de ocorrência, cabe então as autoridades competentes planejar o estado para minimizar ao máximo os seus impactos. Não é exatamente o que vem ocorrendo. A pressão imobiliária e do agronegócio a cada ano vem reduzindo freneticamente o complexo bioma da mata atlântica, entre outros.

Organizações internacionais vinculadas ao clima global recomendam que as cidades costeiras como a grande Florianópolis adotem políticas de resiliência às agressões do clima. Criar regras quanto às áreas a serem ocupadas sob riscos de ações climáticas extremas são uma dessas recomendações. Além do mais os códigos ambientais dos municípios mais suscetíveis a desastres devem ter em seus arcabouços, ações que empoderem a sociedade em atuarem sobre o espaço geográfico sem agredi-lo. Infelizmente as autoridades insistem em transferir as responsabilidades pelos transtornos provocados pelas chuvas no estado à própria natureza, afirmando que temos que conviver com isso.

Isso é muito cômodo dizer que precisamos conviver com algo que poderia gerar o mínimo de transtorno se legislações relacionadas ao tema fossem seguida a risca pelas autoridades. Refiro-me aqui ao Código Ambiental Catarinense, que passou por uma profunda revisão em 2021, no qual o texto final aprovado tornou regras ambientais mais flexíveis. O código garante agora mais proteção aos infratores ambientais. Um exemplo é o dispositivo que foi incluído no código que desautoriza a Polícia Militar Ambiental de lavrar multas aos infratores. Sua atribuição agora é fazer fiscalizações e notificações e encaminhar ao IMA (Instituto do Meio Ambiente do Estado). Todos sabem o modo como o IMA, ex - FATMA tem se comportando no processo de fiscalização e penalização dos infratores ambientais. Outro detalhe importante, o posto principal do IMA, o de presidente, é indicado pelo próprio governador.  

Mais um item polêmico contido no código é a que trata da flexibilização de regras para elaboração de licenciamentos ambientais para obras de infraestruturas e empreendimentos. O próprio interessado pode “autodeclarar” contratando profissionais para a confecção da licença e posterior encaminhamento ao órgão fiscalizador, nesse caso o IMA, cuja presidência é por indicação política, ou seja, o governo do estado é quem indica para o cargo. Embora eu tenha participado de uma das audiências da revisão do código, ocorrida no município de Içara, que resultou em um texto postado em meu blog, recomendo que acesse ao site indicado abaixo, da ONG APREVAVI. Lá você encontrará um texto escrito pelo coordenador da RMA (Rede de Ongs da Mata Atlântica). O documento é bem esclarecedor, onde explica como se processou toda a manobra articulada pela Assembleia Legislativa do estado para a revisão relâmpago do código ambiental de Santa Catarina.[2] Só para elucidar a opinião absurda dita por um deputado que atuou na comissão de revisão do código ambiental e favorável a tudo que foi ali exposto. Disse ele: “caso prevalecesse no estado à lei da Mata Atlântica, Santa Catarina viraria uma grande APP.  

O que é fato é a não existência de qualquer perspectiva acalentadora de estabilização do cenário climático extremo decorrente no estado. A eleição de um governador, filiado ao PL e que como senador seguia a risca a carta de desmonte do Estado brasileiro pelo presidente Bolsonaro, não é agora como chefe do executivo catarinense que irá se converterá num bom mocinho, defensor das causas humanitárias e ambientais. Certamente serão quatro anos nada auspiciosos ao meio ambiente catarinense, que terá inicio no próximo dia 01 de janeiro de 2023. Repetindo o que já foi dito anteriormente, o estado catarinense tendo passado por tantas experiências desastrosas ambientalmente e com custos milionários para recuperação não existe qualquer proposta que possam atacar as causas do problema, frutos de um modelo de desenvolvimento arcaico, totalmente insustentável.

Por que busco afirmar que serão anos difíceis para a área ambiental no estado. Sabemos que uma das garantias para minimizar o drama climático no estado é fortalecer ainda mais os segmentos de fiscalização e combate de crimes ambientais em especial os desmatamentos correntes no bioma da Mata Atlântica.  Um estado que sofre há anos tantas anomalias climáticas, era previsível que no instante que fosse realizado qualquer revisão do código ambiental do estado, fosse incluído mais dispositivos de proteção às florestas. A retirada do poder de autuação e multa da polícia militar ambiental contra criminosos ambientais é o mesmo que abrir a porteira para a impunidade.

O modo como a Assembleia Legislativa do estado ficou delineada a partir do pleito de outubro de 2021 sendo eleito apenas um único parlamentar para defender pautas exclusivamente de caráter ambiental, já mostra um cenário nebuloso para o estado no quesito meio ambiente. Se o quadro ambiental do estado se mostrava desalentador nas condições atuais, é de se imaginar que tenderá a piorar com o governo eleito, que prometeu quando ainda era candidato, indicar para a pasta da Secretaria da Agricultura um representante do agronegócio catarinense. Dito e feito, o nome escolhido foi o ex-deputado federal Valdir Colatto.

 Na eleição de 2018, Colatto foi derrotado nas urnas. Entretanto, o presidente Bolsonaro presenteou lhe dando o cargo de coordenador do Serviço Brasileiro de Florestas, órgão responsável pela fiscalização e preservação das florestas brasileiras. Imaginem um defensor do agronegócio para proteger as florestas!! Foi como colocar uma raposa para cuidar do galinheiro. Agora estará à frente de uma pasta que certamente dedicará todo o seu tempo para fragilizar ainda mais regras ambientais para favorecer os seus pares diretos. Ou será que estou equivocado?

Vendo as imagens das tragédias que se abateram em muitas cidades catarinenses nesse final de novembro e começo de dezembro, provocadas por chuvas torrenciais, os impactos foram maiores naquelas cidades cortadas por rios importantes. O município de Santo Amaro da Imperatriz, na grande Florianópolis, é um exemplo disso. A cidade é atravessada pelo Rio Itapocu, cujas margens, APPs, estavam totalmente ocupadas por residências e até mesmo rodovias importantes como a Br.282. O que o rio fez foi simplesmente tomar o que era seu antes. O caso de Santo Amaro é bem semelhante ao fenômeno ocorrido em Timbé do Sul em dezembro de 1995. Chuvas volumosas se abateram sobre o topo dos aparados da serra, trazendo abaixo milhões de metros cúbicos de água e milhares de troncos de árvores. No caminho, devido a força da correnteza, tomou tudo que havia sobre as margens do rio, matando dezenas de pessoas.   

O código florestal aprovado em 2012 estabeleceu regras claras quanto as APPs urbanas e rurais. Acontece que em 2022 um projeto de lei de autoria do ex-senador e agora governador Jorginho Mello, fragilizou ainda mais o já fragilizado código florestal. O projeto que virou lei dá autonomia para os municípios decidirem sobre as APPs urbanas.  Ou seja, cada município localizado na mesma bacia hidrográfica poderá ter regras distintas sobre os limites de ocupação das margens dos rios, lagos, lagoas, etc. Essa confusão normativa poderá agravar ainda mais o quadro de destruição provocado pelas enxurradas no estado, que tenderá a se tornar regra e não exceção ao estado catarinense. O que já se esperava era o silêncio da imprensa e das autoridades em não tocar na ferida do problema, cujo futuro governador e muito dos/as parlamentares eleitos/as e reeleitos/as são cúmplices.  

Tragédia climática previsível como essa que se abateu no estado nos últimos dias provocando prejuízos milionários e impactos à vida de milhares de pessoas, o que se imaginava era que houvesse uma forte mobilização do governo federal prestando todo o apoio ao povo catarinense. Essa expectativa era grande por ser o estado o mais bolsonarista entre os 27 que compõem a federação brasileira. Nem mesmo uma mensagem de conforto às famílias atingidas se prestou em enviar. Também não teria o presidente, moral alguma para tal ação humanitária, por ser cúmplice indireto às intempéries que assolam o cenário brasileiro, em particular, ao estado catarinense.

Sendo assim na ausência do presidente, a incumbência ficaria para os empresários, patriotas, os mesmo que gastaram milhões de reais patrocinando os bloqueios em vários trechos das rodovias do estado, pedindo intervenção militar. Estão bem quietinhos, não é mesmo? Muitos estão se lixando com a penúria dos desabrigados. Estão mesmo preocupados é em tentar inviabilizar a todo custo à posse do futuro presidente eleito. Os bolsonaristas que ainda se mantém postados em frente aos quartéis acreditando no retorno do “messias”, do “mito”, ao posto de presidente da república, poderiam aproveitar esse ócio improdutivo e prestar apoio voluntário às famílias que perderam tudo nas enxurradas. Mas não o farão, pois essas ações não fazem parte de suas índoles horrendas golpistas, que se nutrem da dor alheia. 

Prof. Jairo Cesa   

 

https://reporterbrasil.org.br/2019/01/o-problema-ambiental-nao-e-no-campo-e-na-cidade-diz-colatto-que-assumira-o-comando-do-servico-florestal/

https://ruralometro2022.reporterbrasil.org.br/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/10/06/projeto-sobre-edificacoes-as-margens-de-rios-em-areas-urbanas-pode-ser-votado-nesta-quinta

https://apremavi.org.br/wp-content/uploads/2021/12/nota-aprovacao-codigo-amiental-sc-2021.pdf

 

 

         



[2] https://apremavi.org.br/wp-content/uploads/2021/12/nota-aprovacao-codigo-amiental-sc-2021.pdf

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