quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 

CRICIUMA/SC INSTITUI A MERITOCRACIA NA EDUCAÇÃO PUBLICA MUNICIPAL, MEDIDA QUE ELEVARÁ O GRAU DE SERVIDÃO/ESCRAVIDÃO DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO

Imagino que muitos devem ter ouvido ou presenciado cenas de estudantes e funcionários de empresas nota dez recebendo prêmio/bons pelos bons resultados obtidos durante o período estudado ou trabalhado. Não estou aqui me posicionando contrário a tais bonificações, pois penso que proporcionar gratificações é uma forma de estimular indivíduos a esforçarem-se ainda mais para galgar os objetivos propostos. No entanto, em se tratando de Brasil onde há profundas disparidades sociais com possibilidades distintas de ter sucesso, a adoção da meritocracia é uma forma de elevar ainda mais o grau de disputas individuais e exploração.

É no setor educacional que a prática da meritocracia é mais difundida. A ideia de “premiar os melhores” parte do pressuposto de que os demais indivíduos se sentiriam estimulados a se esforçarem na mesma medida que os bonificados. As provas classificatórias como a do IDEB, por exemplo, são, sim, práticas meritocráticas, cujas escolas melhores ranqueadas são merecedoras de recompensas em detrimento daquelas com índices piores.  Durante a pandemia do COVID onde milhões de crianças tiveram que se ausentar das escolas e estudar via remoto, escancarou o fosso das desigualdades que permeiam as escolas públicas brasileiras.  A precarização dos espaços físicos, pedagógicos, tecnológicos, impossibilitou que milhares de estudantes pudessem acompanhar satisfatoriamente o ritmo dos estudos via online.

Não há dúvida que esse fosse educacional foi menos sentido em escolas particulares, onde estudam parcela significativa dos filhos das classes mais abastadas. É esse povo, com certo privilégio de berço, que participará das provas seletivas para galgar as vagas de áreas importantes nas universidades públicas, como medicina, odontologia, engenharias, etc. Com raras exceções, a possibilidade de um estudante de escola pública, negro, índio, em especial, conquistar vagas em um desses cursos e bem remoto.

A resposta não está no fato da incapacidade intelectual ou poucos esforços individuais, mas sim em todo um conjunto de situações negativas acumuladas por tais grupos, entre outros. É comum em muitas cidades brasileiras a instalação de outdoors estampando imagens de estudantes aprovados em cursos com certa notoriedade social, como medicina. Tato essa área quanto outras que elevam socialmente e economicamente os indivíduos são disputadas pelas elites. São raras as imagens de estudantes negros, índios, ostentadas nesses mosaicos monocromáticos publicitários.

Aparecem, portanto, nesses painéis apoteóticos um tipo de meritocracia velada, ou seja, crianças ou jovens bem nascidas, bem alimentadas, de famílias bem estruturadas, com acesso assegurado a toda a gama de conhecimentos acumulados, que tenderão a se destacar melhor e conquistar postos profissionais de excelência. São também essas pessoas que terão mais chances de ocupar as cadeiras do legislativo e demais postos de comando importantes do Estado, fazendo girar a roda das desigualdades sociais, pois é desse modo que irão contribuir para a reprodução das relações de subjugação social.

Qualquer governo municipal ou estadual que ousar adotar tal estratégia classificatória durante sua gestão, intuitivamente ou mesmo intencionalmente estará promovendo a exclusão. Existindo políticas e políticos sérios não há dúvida que farão o possível e o impossível para que os recursos orçados e disponíveis sejam aplicados de forma equânime em todos os setores do sistema público.  A educação é um bom exemplo. Atualmente as escolas públicas de níveis básicos no Brasil são gestadas com recursos do FUNDEB (Fundo Nacional para o Desenvolvimento do Ensino Básico). Além de investimentos em infraestrutura esse recurso visa também garantir uma boa remuneração aos profissionais que atuam na educação.

Nos últimos anos o que mais se viu foram governos municipais e estaduais descumprindo os dispositivos do FUNDEB, até mesmo pressionando os órgãos judiciários do país para que supressão da lei que trata sobre os reajustes do piso do magistério, que está atualmente orçado em R$ 3.845,63 mensais. O que é mais sórdido nisso tudo é quando aparecem gestores públicos que utilizam o dinheiro tanto do fundo quanto do piso para o financiamento de campanhas eleitoreiras.

Dinheiro que seria de exclusividade para o magistério, em muitos casos tem sido aplicado em outros setores da máquina pública até mesmo em pavimentações de ruas, etc. As câmaras de vereadores e a própria imprensa seriam, teoricamente, os agentes responsáveis nos municípios para fazerem a fiscalização e denúncias dos gestores descumpridores das legislações vigentes, principalmente no setor educacional.

Mas de fato não é o que vem acontecendo. Geralmente a imprensa parcela robusta da publicidade estampada nos jornais são provenientes do poder público. Sendo assim, seus noticiários tende a enaltecer os feitos dos gestores. No dia 21 de dezembro de 2022 um jornal de circulação diária na região exibiu a seguinte reportagem sobre a educação no município de Criciúma.  A manchete estava assim escrita: “Programa de Meritocracia Contempla professores municipais de Criciúma”. No texto estava o n. da lei e do decreto 2208/22, que autorizava a concessão de um bônus por bom desempenho dos docentes.

Lendo a reportagem comecei a imaginar que algo de muita perversidade havia sido criado no município de Criciúma na educação e que poderia se espalhar como um vírus pelos demais municípios da região e do estado. Outra dúvida que pairou no ar acerca da reportagem. Na capa do jornal que apresentou a reportagem sobre a meritocracia estava estampada em letras garrafais a seguinte manchete: “Criciúma entre as cidades com maior PIB do Estado”. Se o município lidera o ranque do estado em possuir um dos melhores PIB claro que teria possibilidades suficientes para assegurar o pagamento integral do piso ao magistério. Não teria motivo algum de conceder bônus discriminatórios que, metaforicamente, contribui mais para aguçar as disputas entre os servidores.  Um salário justo e escolas bem estruturadas por si só são suficientes para deixar os professores estimulados e satisfeitos. Quem tem titulação superior e é concursado sabe do seu compromisso ético e moral com que prometera durante a colação de grau. Não precisa dar migalhas em forma de bonificações para realizar um bom trabalho.

Na reportagem divulgada pelo jornal havia algo de muito estranho que precisava ser checado, algo que não estava escrito e que deveria ser compreendido. Seria verdadeiro o que disse o prefeito sobre o servidor público afirmando que: “não basta que o servidor público tenha apenas garantia de emprego e estabilidade, ele também precisa de boas condições de trabalho e motivação”. Mas será que já não estariam suficientes motivados na hipótese de estarem recebendo integralmente o piso salarial? Afinal o município cumpre com o que determina a lei do piso do magistério? Li e reli a reportagem, porém nenhuma informação relativa ao tema havia sido escrito.

Na reportagem também explicitava que para ter direito ao bônus de 70% do salário base seria medido a frequência dos professores e outros critérios descritos no decreto. Tá, mas, como ficam aqueles/as professores/as que por motivo de doenças e outros problemas particulares não puderam cumprir com tais requisitos? Certamente serão punidos, tanto com a perda do bônus e redução de salários? Vale aqui destacar a fala do secretário da educação na divulgação desse decreto sobre a meritocracia. Disse ele: “É um grande impulso para aumentar significativamente o resultado e o desempenho da nossa educação. Vamos medir isso pela frequência dos professores e apostamos com certeza que irá aumentar. Será também, um fator positivo para elevar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e para continuar investindo forte na infraestrutura. Falo com muito orgulho que nesta avaliação, a grande maioria será contemplada com valores acima de R$ 3 mil”.

Olhando de fora e para os leigos do assunto é possível perceber que é uma proposta irrecusável e revolucionária para a educação. Mas onde estão as opiniões contrárias ou reflexões sobre o perigo desse instrumento avaliativo é questionado e criticado por quem vive e conhece educação. O mínimo que o jornal deveria ter feito era ouvir a opinião principalmente do sindicato dos servidores da categoria para saber se realmente tudo que foi explanado pelas autoridades do município atende os anseios deles e de toda a categoria. Mas nenhuma linha foi escrita ressaltando sua opinião dos trabalhadores da educação.

Acessando vídeo postado nas redes pelo presidente dos servidores municipais de Criciúma e região, onde o próprio presidente discorre sobre a lei da meritocracia sancionada no município de criciúma, segundo sua versão a lei e o decreto assinados pelo prefeito tornam o servidor da educação em um escravo do seu trabalho. Deixou claro que o servidor para ter jus ao bônus integral não poderá adoecer, pois se assim ocorrer vai reduzindo paulatinamente o bônus conforme os dias parados. Comentou que o governo de Criciúma depois de muito luta e pressão dos servidores realizou concurso para o quadro de professores efetivos do município.  Entretanto, desde a apresentação dos resultados do concurso a administração vem se eximindo de chamar os aprovados para preencher as vagas excedentes e que são ocupadas por ACT.

Não é verdadeiro o que vem dizendo a administração de que o IDEB do município é um dos melhores do estado. No município não há uma homogeneidade entre escolas, pois muitas apresentam condições infraestruturais precárias, que nos últimos dez anos houve retrocesso no sistema de ensino no município.  Destacou o sindicalista um dado importante que de certo modo não foi e não é exclusividade somente desse prefeito. Os/as professores/as da rede pública de ensino de SC viveram em vivem na pele esse drama por décadas. Refiro-me ao não cumprimento com a lei do piso do magistério nacional, onde todos os anos o valor é reajustado deveria ser inserido no salário base da categoria.

O fato é que poucos estados e municípios brasileiros cumprem rigorosamente com essa legislação. No caso de Criciúma, segundo o sindicalista, o prefeito não paga integralmente o piso do magistério que passou a ser de 3.845,48 a partir de janeiro de 2022.  Para os professores que possuem somente o magistério, o valor recebido é de 3.404,04, ou seja, R$ 441 reais a menos todos os meses no contra cheque dos/as professores/as. Se valor devido for multiplicado por 12 meses, o montante nas mãos do município será de R$ 2.910,00.

 O sindicalista fez outras simulações de perdas salariais na qual imagino que é importante mencionar. Destacou as perdas salariais dos/as professores/as com graduação, ou seja, ensino superior, que em doze meses deixaram de receber R$ 3.537,00 em seus vencimentos. Um professor graduado, de nível I, que trabalha 20h, teve 3.204,00 a menos no final de 12 meses. Já um/a graduado/a, nível I, 40h, obteve R$ 5.292,00 a menos em 2022. Enquanto o professor III, também 40h, as perdas foram ainda maiores, chegando a R$ 7.148,4.

Aqui está o motivo pelo qual da indignação dos integrantes do sindicato e profissionais da educação do município de Criciúma. A administração se apropria do próprio dinheiro não pago referente à lei do piso para fazer campanha publicitária a seu favor. A Lei da Meritocracia adotada no município é uma dessas ferramentas para dar a impressão de melhoria na educação. O bônus oferecido aos professores “nota 10” é uma migalha comparada com as perdas que tiveram durante o ano no descumprimento da lei do piso do magistério. O governo tirou do salário e agora devolve uma parcela bem menor em forma de bônus.

Segundo o presidente do sindicato, o município de Criciúma tem uma sobra de 17 milhões de reais proveniente do FUNDEB para as melhorias na infraestrutura e valorização do magistério. E afinal, por que não cumpre com a lei do piso se há em caixa recursos suficientes para conceder os 26,22 %, referente ao aumento do piso nacional que passou a ser de R$ 3.845,00. Alertou o sindicalista que cabe à câmara de vereadores fazer o seu papel constitucional que é fiscalizar as ações do executivo, como o que trata sobre o não cumprimento com a lei do piso nacional.  

Prof. Jairo Cesa               

 

https://brasil.elpais.com/economia/2021-07-18/a-meritocracia-e-uma-armadilha.html

https://ndmais.com.br/educacao/lei-de-meritocracia-traz-investimento-milionario-na-gratificacao-de-professores-em-criciuma/

https://www.facebook.com/siserpcriciuma/

 

 

 

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