MAGISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL ASSOMBRADO COM O ESPECTRO DE UM PROFUNDO RETROCESSO DO JÁ
PRECARIZADO SISTEMA PÚBLICO DE ENSINO.
Lembro
das incansáveis vezes quando nós professores nos reuníamos nos intervalos das
aulas para lanchar ou descontrair das tensões, sempre havia alguém que abria discussões
sobre problemas na escola ou na profissão. Reflexões sobre políticas educacionais
e até mesmo entrando em temas considerados tabus nas escolas como políticas e
pleitos eleitorais, também eram assuntos de pauta. O que acontecia de fato nesses breves momentos
eram manifestações discretas, desconfiadas dos colegas, sobretudo, quando o diretor da escola
estava recinto. A figura da “autoridade superior”, mesmo sendo colega de
profissão, produzia a sensação de um sujeito insólito aos demais, pois sua ascensão
ao cargo acontecia via indicação
política partidária.
A
resposta de décadas de hegemonia das elites oligárquicas ao comando do Estado
se deve sim a conduta direta e indireta do magistério público e demais
servidores do Estado. Quantos governadores, deputados/as, com demandas de
massacres à profissão docente, não foram respaldados/as nas urnas com os votos
de professores/as. Somente o magistério
estadual ultrapassa os sessenta mil entre efetivos, inativos e Acts. Acrescentando
os/as demais servidores/as de outras categorias, o número supera facilmente os
cem mil, quantidade mais que suficiente para eleger uma bancada de forte representação
da classe. Mas o histórico dos pleitos
ocorridos mostra exatamente o contrário.
No
último sufrágio eleitoral, 02 de outubro, o magistério terá para os próximos quatros
anos somente uma representação, porem, certamente
terá o apoio, nas discussões de projetos de interesse o magistério, outros
quatro deputados, com demandas mais
orientadas para temas sociais, defesa da educação pública, saúde e meio
ambiente. E qual seriam as causas possíveis dessa frágil representação na ALESC?
As respostas são diversas, todavia o que pode ser consensual entre os
pesquisadores e críticos do magistério é admitirem que a explicação no próprio
processo de formação da classe docente, constituída, no começo, final do século
XIX e início do XX, por cidadãos do sexo masculino. Motivado por baixos
salários pagos pelo Estado, os proventos os incapacitam de subsistir a própria
família. Aos poucos o espaço da escola foi sendo ocupado predominantemente de mulheres.
Muitas das ingressantes à carreira docente, viam o magistério como oportunidade
de alcançar a emancipação, frente a
autoridade do pai.
Essa
condição de missão vocacional, que era o
ato de ensinar, persistiu por mais de um século, até pelos anos 1980/1990,
quando o magistério catarinense começa dar os primeiros passos para a profissionalização
da carreira docente. Nesse período a predominância era de mulheres ocupando os
espaços das escolas públicas da rede estadual de ensino. A LDB lei n.9394/96 e outras tantas legislações,
resoluções, entre elas as que estabeleceram o plano estadual de educação; as
propostas curriculares; planos de carreira, etc, se deram num cenário de forte
mobilização da categoria do magistério.
Revisando
o recente passado do magistério, sobretudo a partir do final do regime militar quando
o SINTE começou a se constituir de fato e de direito, pela primeira vez
milhares de trabalhadores da educação vislumbravam no horizonte reais
possibilidades de serem valorizados e respeitados como categoria profissional.
Entretanto um árduo e tortuoso caminho de lutas e enfrentamentos dominou os
anos vindouros, tendo como algozes, governos e legisladores imbuídos em moderar
ações que assegurassem conquistas significativas aos trabalhadores/as em
educação. Cada governo eleito tinha clareza que o não cumprimento das pautas
progressistas elencadas pelo magistério, derivaria em forte pressão, com
paralisações, longas greves e desgastes políticos inevitáveis à estrutura de
poder do Estado.
Não
há registros que certificam ter havido governos eleitos após o regime militar de
terem cumprindo promessas de campanha favoráveis a educação e a carreira
docente. Como de costume, no primeiro ano a frente do cargo de professor, o chefe do
executivo já era “laureado” com uma ou duas greves, todas com forte adesão da
categoria. Ocupação das CRES (Coordenações Regionais de Ensino); tomada das SEDs,
acampamentos na ALESC, pressões em frente da sede do executivo estadual,
fechamento de pontes, rodovias, entre tantas outras ações, ambas foram iniciativas de grande sucesso do magistério
estadual nesses quase cinquenta anos de SINTE. Se hoje os/as trabalhadores/as
das escolas estaduais recebem salários que asseguram o mínimo de dignidade,
entre outros direitos, tudo isso se deve
ao extraordinário empenho do sindicato,
das grandes lideranças que exerceram com
dignidade o complexo encargo de manter os/as trabalhadores/as unidos/as
e preparados/as para resistência.
Incrível
é que em nenhum momento o magistério
estadual teve trégua e tranquilidade na
condução do seu trabalho docente nas escolas. Além de enfrentar as adversidades
do dia a dia da sala de aula, com
infraestruturas depreciadas, os/as professores/as tinham que permanecer
vigilantes aos movimentos que aconteciam nos corredores do executivo e do
legislativo estadual, na capital dos catarinenses. A todo instante ou na calada
da noite, articulações envolvendo parlamentares e o chefe do executivo aconteciam,
na intenção de criar legislações que fragilizasse o já precarizado ambiente das escolas e a vida profissional dos/as
professores/as.
Tudo
o que se conquistou, dos planos de carreira às frágeis gestões democráticas nas
escolas, se deu pela da organização da categoria, das intermitentes lutas, muitas
das quais reprimidas de maneira truculenta pelas forças de segurança do Estado,
treinadas para bater em professores/as. Impressionante é que a partir das
últimas duas décadas houve certo recrudescimento das lutas, tendo em vista a
depreciação ainda maior das estruturas do sistema publico estadual de educação.
Atualmente,
quase a metade dos/as trabalhadores/as que lecionam nas escolas estaduais é formada por ACTs, segmento do magistério
demasiadamente precarizado/a. A debilitação se deve as ultimas legislações
aprovadas pela ALESC, como a que definiu as regras do novo sistema
previdenciário dos servidores, que impôs aos professores e outros servidores do
estado o incremento de quase dez anos a
mais de trabalho para ter direito a sua aposentadoria. Se confirmada a vitória
do candidato a governador pelo PL, Jorginho Mello, paradoxalmente muitos/as
servidores/as do estado terão saudades dos últimos governos no trato da coisa
pública e do magistério estadual.
Tudo
indica que o cenário projetado para a educação para os próximos quatros anos,
na hipótese de vitória do candidato bolsonarista, irá se confundir com o do
começo da república, quando a professora só era jubilada/aposentada no instante
que completasse 60, 65 ou mais anos de
trabalho. Além de idade mínima, pasmem, as postulantes à “aposentadoria”
deveriam comprovar mediante laudos médicos, incapacidade física para permanecer
lecionando em sala de aula.
A reforma
da previdência dos servidores públicos do estado de Santa Catarina aprovada em
2021, na ALESC, na qual sequestrou 14%
dos proventos dos/as aposentados/as, foi um aperitivinho das maldades que estarão
por acontecer. Por que essa certeza? A resposta é simples, basta conferir os/as
novos/as deputados/as eleitos/as, partidos que integram, e suas demandas para o
serviço público, com ênfase o magistério público estadual. O quadro será mais
assombroso ainda se o candidato do PL for eleito ao governo do Estado.
Não
podemos jamais esquecer que os ataques sem precedentes aos proventos dos/as
aposentados/as teve, sim, respaldo incondicional de grande parcela dos/as
servidores/as estaduais, maior ou menor parcela de trabalhadores da educação.
Muitos/as dos/as deputados/as que votaram contra os/as professores/as naquela
nefasta sessão na ALESC, cujos servidores foram reprimidos com gás lacrimogêneo
e cassetete, haviam sido respaldados nas urnas na eleição de 2018. Quem já
tirou um tempinho para espiar os/as futuros/as deputados/as que ocuparão as
cadeiras do legislativo estadual, já deve ter assimilado que o magistério
estadual terá enormes enfrentamentos
pela frente, com possibilidades bem remotas de obter algum sucesso profissional
no parlamento e executivo.
Por
último, cabe aqui discorrer que na
história do legislativo estadual catarinense pós ditadura, jamais houve uma
composição tão adversa aos professores como a que foi formada em 02 de outubro último. Quem acompanha as falas
do candidato a governador pelo PL ou já leu o seu programa de governo sobre demandas
para a educação, deve ter se aterrorizado com o que está escrito. Afinal, quase
nada foi escrito, especificando etapa por etapa do que será feito, como o fez o
candidato do PT, Décio Lima. Um plano robusto e facilmente aplicável. O que
aparece no plano do candidato do PL, Jorginho Mello, são proposições
generalistas, focando no ensino técnico e parcerias com o sistema “S”, SENAC,
em especial. Isso dá uma ideia de
terceirização do ensino, ou seja, buscar no segmento S e na iniciativa privada,
parceiras.
Lembro
que nas reuniões, greves e assembleias do Sinte, quando eu me manifestava muitos
olhavam para mim com certo desdém de desconfiança. Minhas argumentações e
respostas sempre se pautavam a partir de análises da conjuntura política daquele
momento. Muitos me consideram um tanto pessimista, pois era irredutível em
afirmar que se quiséssemos conquistar 1% ou 2% de reajuste, tínhamos que ficar
mobilizados por dois, três ou mais meses. Era o que realmente acontecia. Acredito
que não será diferente nos próximos quatros anos. Dessa vez, as longas paralisações
se darão não por reajustes salariais, mas para assegurar conquistas históricas,
dentre elas a permanência na sala de aula como docente.
Prof.
Jairo Cesa
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