terça-feira, 18 de outubro de 2022

 

MAGISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ASSOMBRADO COM O ESPECTRO DE UM PROFUNDO RETROCESSO DO JÁ PRECARIZADO SISTEMA PÚBLICO DE ENSINO.

Lembro das incansáveis vezes quando nós professores nos reuníamos nos intervalos das aulas para lanchar ou descontrair das tensões, sempre havia alguém que abria discussões sobre problemas na escola ou na profissão. Reflexões sobre políticas educacionais e até mesmo entrando em temas considerados tabus nas escolas como políticas e pleitos eleitorais, também eram assuntos de pauta.  O que acontecia de fato nesses breves momentos eram manifestações discretas, desconfiadas dos  colegas, sobretudo, quando o diretor da escola estava recinto. A figura da “autoridade superior”, mesmo sendo colega de profissão, produzia a sensação de um sujeito insólito aos demais, pois sua ascensão  ao cargo acontecia via indicação política partidária.

A resposta de décadas de hegemonia das elites oligárquicas ao comando do Estado se deve sim a conduta direta e indireta do magistério público e demais servidores do Estado. Quantos governadores, deputados/as, com demandas de massacres à profissão docente, não foram respaldados/as nas urnas com os votos de professores/as.  Somente o magistério estadual ultrapassa os sessenta mil entre efetivos, inativos e Acts. Acrescentando os/as demais servidores/as de outras categorias, o número supera facilmente os cem mil, quantidade mais que suficiente para eleger uma bancada de forte representação da classe.  Mas o histórico dos pleitos ocorridos mostra exatamente o contrário.

No último sufrágio eleitoral, 02 de outubro, o magistério terá para os próximos quatros anos somente  uma representação, porem, certamente terá o apoio, nas discussões de projetos de interesse o magistério, outros quatro deputados, com  demandas mais orientadas para temas sociais, defesa da educação pública, saúde e meio ambiente. E qual seriam as causas possíveis dessa frágil representação na ALESC? As respostas são diversas, todavia o que pode ser consensual entre os pesquisadores e críticos do magistério é admitirem que a explicação no próprio processo de formação da classe docente, constituída, no começo, final do século XIX e início do XX, por cidadãos do sexo masculino. Motivado por baixos salários pagos pelo Estado, os proventos os incapacitam de subsistir a própria família. Aos poucos o espaço da escola foi sendo ocupado predominantemente de mulheres. Muitas das ingressantes à carreira docente, viam o magistério como oportunidade  de alcançar a emancipação, frente a autoridade do pai.  

 Se prestarmos atenção nos discursos declamados pelos governantes dá época ou até mesmo o sentimento que permeava o imaginário social sobre o/a professor/a, nesse caso a mulher, a ideia planeada era de alguém imbuída de “missão divina”, uma linhagem de sacerdotisa, onde em sala de aula professaria o que estava descrito nos manuais, apregoando “bons” hábitos morais e amor irrestrito aos símbolos nacionais. A figura da mulher, portanto, se embaralhava como progenitora, mãe. Já as salas de salas, extensões da suas residências. Diante desse embaralhamento,  incoscientemente, os/as estudantes, crianças, eram tutorados/as pela professora como sendo seus  filhos/as.

Essa condição de missão vocacional, que era  o ato de ensinar, persistiu por mais de um século, até pelos anos 1980/1990, quando o magistério catarinense começa dar  os primeiros passos para a profissionalização da carreira docente. Nesse período a predominância era de mulheres ocupando os espaços das escolas públicas da rede estadual de ensino.  A LDB lei n.9394/96 e outras tantas legislações, resoluções, entre elas as que estabeleceram o plano estadual de educação; as propostas curriculares; planos de carreira, etc, se deram num cenário de forte mobilização da categoria do magistério.

Revisando o recente passado do magistério, sobretudo a partir do final do regime militar quando o SINTE começou a se constituir de fato e de direito, pela primeira vez milhares de trabalhadores da educação vislumbravam no horizonte reais possibilidades de serem valorizados e respeitados como categoria profissional. Entretanto um árduo e tortuoso caminho de lutas e enfrentamentos dominou os anos vindouros, tendo como algozes, governos e legisladores imbuídos em moderar ações que assegurassem conquistas significativas aos trabalhadores/as em educação. Cada governo eleito tinha clareza que o não cumprimento das pautas progressistas elencadas pelo magistério, derivaria em forte pressão, com paralisações, longas greves e desgastes políticos inevitáveis à estrutura de poder do Estado.   

Não há registros que certificam ter havido governos eleitos após o regime militar de terem cumprindo promessas de campanha favoráveis a educação e a carreira docente.  Como de  costume, no primeiro ano   a frente do cargo de professor, o chefe do executivo já era “laureado” com uma ou duas greves, todas com forte adesão da categoria. Ocupação das CRES (Coordenações Regionais de Ensino); tomada das SEDs, acampamentos na ALESC, pressões em frente da sede do executivo estadual, fechamento de pontes, rodovias, entre tantas outras ações, ambas  foram iniciativas de grande sucesso do magistério estadual nesses quase cinquenta anos de SINTE. Se hoje os/as trabalhadores/as das escolas estaduais recebem salários que asseguram o mínimo de dignidade, entre outros direitos,  tudo isso se deve ao  extraordinário empenho do sindicato, das grandes lideranças que exerceram com  dignidade o complexo encargo de manter os/as trabalhadores/as unidos/as e preparados/as para resistência. 

Incrível é que em nenhum momento  o magistério estadual teve trégua e tranquilidade  na condução do seu trabalho docente nas escolas. Além de enfrentar as adversidades  do dia a dia da sala de aula, com infraestruturas depreciadas, os/as professores/as tinham que permanecer vigilantes aos movimentos que aconteciam nos corredores do executivo e do legislativo estadual, na capital dos catarinenses. A todo instante ou na calada da noite, articulações envolvendo  parlamentares e o chefe do executivo aconteciam, na intenção de criar legislações que fragilizasse o  já precarizado ambiente das  escolas e a vida profissional dos/as professores/as.  

Tudo o que se conquistou, dos planos de carreira às frágeis gestões democráticas nas escolas, se deu pela da organização da categoria, das intermitentes lutas, muitas das quais reprimidas de maneira truculenta pelas forças de segurança do Estado, treinadas para bater em professores/as. Impressionante é que a partir das últimas duas décadas houve certo recrudescimento das lutas, tendo em vista a depreciação ainda maior das estruturas do sistema publico estadual de educação.

Atualmente, quase a metade dos/as trabalhadores/as que lecionam nas escolas estaduais  é formada por ACTs, segmento do magistério demasiadamente precarizado/a. A debilitação se deve as ultimas legislações aprovadas pela ALESC, como a que definiu as regras do novo sistema previdenciário dos servidores, que impôs aos professores e outros servidores do estado  o incremento de quase dez anos a mais de trabalho para ter direito a sua aposentadoria. Se confirmada a vitória do candidato a governador pelo PL, Jorginho Mello, paradoxalmente muitos/as servidores/as do estado terão saudades dos últimos governos no trato da coisa pública e do magistério estadual.

Tudo indica que o cenário projetado para a educação para os próximos quatros anos, na hipótese de vitória do candidato bolsonarista, irá se confundir com o do começo da república, quando a professora só era jubilada/aposentada no instante que  completasse 60, 65 ou mais anos de trabalho. Além de idade mínima, pasmem, as postulantes à “aposentadoria” deveriam comprovar mediante laudos médicos, incapacidade física para permanecer lecionando em sala de aula.

    A reforma da previdência dos servidores públicos do estado de Santa Catarina aprovada em 2021, na ALESC,  na qual sequestrou 14% dos proventos dos/as aposentados/as, foi um aperitivinho das maldades que estarão por acontecer. Por que essa certeza? A resposta é simples, basta conferir os/as novos/as deputados/as eleitos/as, partidos que integram, e suas demandas para o serviço público, com ênfase o magistério público estadual. O quadro será mais assombroso ainda se o candidato do PL for eleito ao governo do Estado.  

Não podemos jamais esquecer que os ataques sem precedentes aos proventos dos/as aposentados/as teve, sim, respaldo incondicional de grande parcela dos/as servidores/as estaduais, maior ou menor parcela de trabalhadores da educação. Muitos/as dos/as deputados/as que votaram contra os/as professores/as naquela nefasta sessão na ALESC, cujos servidores foram reprimidos com gás lacrimogêneo e cassetete, haviam sido respaldados nas urnas na eleição de 2018.   Quem já tirou um tempinho para espiar os/as futuros/as deputados/as que ocuparão as cadeiras do legislativo estadual, já deve ter assimilado que o magistério estadual terá enormes  enfrentamentos pela frente, com possibilidades bem remotas de obter algum sucesso profissional no parlamento e executivo.

Por último, cabe aqui discorrer que  na história do legislativo estadual catarinense pós ditadura, jamais houve uma composição tão adversa aos professores como a que foi formada em  02 de outubro último. Quem acompanha as falas do candidato a governador pelo PL ou já leu o seu programa de governo sobre demandas para a educação, deve ter se aterrorizado com o que está escrito. Afinal, quase nada foi escrito, especificando etapa por etapa do que será feito, como o fez o candidato do PT, Décio Lima. Um plano robusto e facilmente aplicável.   O que aparece no plano do candidato do PL, Jorginho Mello, são proposições generalistas, focando no ensino técnico e parcerias com o sistema “S”, SENAC, em especial. Isso dá uma  ideia de terceirização do ensino, ou seja, buscar no segmento S e na iniciativa privada, parceiras.

Lembro que nas reuniões, greves e assembleias do Sinte, quando eu me manifestava muitos olhavam para mim com certo desdém de desconfiança. Minhas argumentações e respostas  sempre se pautavam  a partir de análises da conjuntura política daquele momento. Muitos me consideram um tanto pessimista, pois era irredutível em afirmar que se quiséssemos conquistar 1% ou 2% de reajuste, tínhamos que ficar mobilizados por dois, três ou mais meses. Era o que realmente acontecia. Acredito que não será diferente nos próximos quatros anos. Dessa vez, as longas paralisações se darão não por reajustes salariais, mas para assegurar conquistas históricas, dentre elas a permanência na sala de aula como docente.   

Prof. Jairo Cesa  

   https://eleicoes.poder360.com.br/media/planos/PG240001611127_pje-ff646043-Proposta_de_governo_UMxgVkf.pdf

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2022/BR/SC/546/candidatos/240001647445/pje-6f425343-Proposta%20de%20governo.pdf

 

           

                   

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