sexta-feira, 15 de julho de 2022

 

MIRANTE DO MORRO DOS CONVENTOS, VERDADES E INVERDADES ACERCA DESSE POLÊMICO PROJETO TURÍSTICO

Depois da tragédia em Capitólio, cidade turística de Minas gerais, onde um grande deslocamento de rochas causou a morte de mais de dez pessoas, geólogos e coordenadores de defesas civis lançaram alertas de que muitos municípios brasileiros correriam riscos semelhantes.  Antes do desastre e Capitólio, na praia de Pipa, no sul do estado do Rio Grande do Norte, rochas de uma falésia se desprenderam matando três pessoas de uma mesma família.

Na região sul do Brasil o destaque é o grande paredão rochoso formado a mais de duzentos milhões de anos quando da separação do continente americano do africano. Com o passar do tempo esse grande paredão rochoso vem sofrendo um processo natural de desgaste, influenciado pela ação da chuva, vento, frio, calor, etc. Todos os anos centenas de milhares de pessoas visitam esses lugares em busca de aventura. Com a criação do geoparque caminho dos cânions profissionais ligados a geologia, geomorfologia, entre outras, estão realizado minuciosos estudos dos paredões para avaliar se há riscos de quedes de rechãs.

Na década de 1990 chuvas torrenciais provocaram grande avalanche atingindo os municípios de Jacinto Machado, Timbé do Sul, matando mais de vinte pessoas e deixando prejuízos materiais e ambientais irreparáveis. Na costa sul catarinense e norte do rio grande do sul, falésias remanescentes da serra geral transformaram os municípios de Araranguá e torres em uma das principais rotas turísticas. No caso de Araranguá a paleofalésia do Morro dos Conventos guarda nos seus paredões marcas de um passado remoto carregado de simbolismo e conhecimento. No ponto mais elevado da paleofalésia um farol foi construído na década de 1950 para guiar navios e pequenas embarcações que cruzam o oceano atlântico.

Não há dúvida que o paredão do Morro dos Conventos provoca encantamento e emoção a todos que pela primeira vez visitam aquele balneário. Entretanto, pelas características das rochas que compõem aquele monumento, formada por arenitos, xistos, entre outros, extremamente quebradiços, caminharem na borda e na base desse paredão é correr riscos de ser atingindo por algum fragmento. Por esse motivo pensar em projetos de infraestrutura turística nesse espaço exige muita cautela.

Frente a essa realidade inúmeros estudos e pesquisas em diversas áreas já foram realizados em toda a estrutura do monumento e seu entorno que certamente poderá servir de subsídios aos gestores públicos em futuros projetos turísticos. Visando a sua preservação inúmeras solicitações foram encaminhadas ao IPHAN para a proteção dos sítios arqueológicos, da furna, bem como o “tombamento” do Morro transformando em monumento natural.

Em janeiro de 2013, em resposta ao projeto encaminhado pela FAMA tendente a delimitar as áreas de utilização para fixação de residências e áreas de preservação efetiva, o MPF encaminhou o seguinte parecer, especial sobre a FURNA, também inserida no projeto que solicitava a edificação de uma passarela elevada para acessar a mesma. Sobre esse tema, o órgão federal ressaltou que: “a furna possivelmente é o único abrigo para os quirópteros (morcegos). Não fosse por tal peculiaridade, do ponto de vista de impacto físico, se poderia dizer que não haveria prejuízos do aumento da visitação, desde que, tal aumento fosse acompanhado de uma esperada valorização do local, com constante orientação aos visitantes e periódica limpeza e manutenção. Porém, faz-se necessário que seja estudada a importância da furna para a fauna, para uma resposta adequada”

Os equívocos praticados pelos agentes públicos ao longo do tempo no município de Araranguá foi excluir  a sociedade de qualquer debate sobre a execução de projetos voltados ao desenvolvimento da região, principalmente o Morro dos Conventos. Existem mais de uma centena de bibliografias que ressaltam a importância do envolvimento da população local na tomada de decisões sobre ações simples ou mais complexas. Tal empoderamento social permite que cada cidadão se torne um fiscal, assegurando a conservação dos espaços. Na visão de Buss (1989), “a preservação de um recurso natural somente é assegurado a partir do momento que a comunidade toma consciência de sua importância”.

Nas reuniões quinzenais da OSCIP em 2013 uns dos pontos de pautas obrigatórios a ser discutido sempre foi em relação ao futuro do Monumento Natural e toda sua complexidade geomorfológica. O futuro dos sítios arqueológicos também era ponto das pautas das reuniões da entidade ambiental, pois era necessária a tomada de medidas emergências para sua preservação, devido ao fato de estarem suscetíveis a atos de vandalismo.   

Em 2013, por intermédio do MPF, subseção Criciúma/SC, tivemos resposta da superintendência do IPHAN, secção Santa Catarina, com os seguintes pareceres acerca dos pedidos proferidos pela OSCIP. Conforme recomendação vinda do Chefe de Gabinete da Presidência do IPHAN/DF, sobre a recomendação n.005/13 – Morro dos Conventos – Araranguá/SC, memorando n. 362/PRESSI, afirmou o seguinte quanto aos sítios arqueológicos lá existentes. Informou que os mesmos já estão legalmente protegidos, sendo crime a sua destruição ou qualquer modificação em sua ambiência sem a devida anuência do IPHAN.

Outra justificativa apresentada a não intervenção imediata na proteção dos sítios se deveu ao fato do órgão na época estar sofrendo restrições orçamentárias, que a ações do órgão só se davam em casos especiais, não estando os sítios do morro incluídos  na tela. Entretanto, reiteraram que seriam pleiteados recursos para o ano seguinte, 2014, que de fato jamais ocorreu.

Sobre o tombamento do Morro em instância federal, informou que não há meios legais de fazê-lo por decreto. Destacou que tombamento via decreto geralmente são viabilizados pelas legislações municipais e estaduais. Reiteraram que o IPHAN/DF tem um procedimento especifico, porém é moroso, necessitando rígidos estudos para comprovar sua relevância. O processo começa com a admissibilidade jurídica, depois vem o parecer de aprovação pela área central do IPHAN, além da homologação pela Ministra da Cultura.

Frente a toda essa burocracia tanto os Sítios Arqueológicos quanto ao tombamento do monumento natural permaneceriam desprotegidos e passivos a depredação. Também em 2013 a administração de Araranguá divulga a imprensa o interesse de executar dois projetos turísticos, sendo eles: uma passarela para dar acesso a furna marinha e um mirante nas proximidades do farol. No instante que tivemos acesso ao documento enviado pelo IPHAN/SC, em resposta ao pedido da FAMA, sobre a vistoria na furna no Morro, de imediato encaminhamos denúncia ao MPF alegando haver alguns equívocos no parecer n. 01510.000767/2013-74, oficio esse n. 042/13-FAMA/SC.

Entre os absurdos encontrados no documento estava a informação de que os ossos ali existentes e retirados da furna seriam de pessoas moradoras de um convento religioso na parte alta do Morro dos Conventos. Não há qualquer fonte bibliográfica afirmando ter existido tal edificação ou templo jesuíta naquele local. A vistoria também se deu nas proximidades do farol, pois também havia interesse do poder público de construir um mirante naquele local.

Nessa onda alucinante de passarela e mirante, um superintendente da fundação ambiental do município da época encaminhou autorização para supressão de vegetação nativa na borda da falésia, próximo ao farol, alegando que ajudaria os visitantes a terem uma melhor visualização no cenário rochoso do morro. A ação rendeu denúncia na Policia Militar Ambiental por ato de infração ambiental. O pedido de autorização para as duas edificações no Morro dos Conventos foram indeferidas pelos peritos do MPF alegando escassez de estudos mais aprofundados que garantisse não haver riscos ambientais ao monumento.

Um dos argumentos contrários aos projetos partiu do fato da própria característica geológica do monumento, constituída por argilitos, xistos, etc, de fácil desprendimento. Tanta a furna quanto o restante do monumento, ambos passam por um contínuo processo de desgaste natural e que vem sendo acelerado por ações antrópicas. O órgão federal recomendou que o poder público tomasse providências para que fossem inviabilizadas as visitas à furna por se tratar de área de elevado risco à integridade física das pessoas. A mesma decisão impeditiva também valeu para a obra do mirante.

Passado alguns anos, a ideia de construção do mirante no farol voltou à discussão no final de 2020 quando o governo do estado anunciou a liberação de 800 mil reais para a construção do parque FAROL Morro dos Conventos. A notícia gerou empolgação ao gestor público e outros setores, porém,  apreensão as entidades ambientais quando tiveram contato com a maquete do projeto. Como já é habito de administrações passadas, o projeto foi apresentado sem comunicar o órgão público mais importante que gerencia toda a área do farol, a marinha do Brasil.

Refazer o projeto foi à alternativa encontrada pela atual administração, de forma a ajustá-lo seguindo as recomendações impostas pela Marinha do Brasil. No dia 29 de junho a revisão do projeto ficou pronta, onde presidente da SANTUR esteve em Araranguá para assinar a liberação do recurso para a execução da obra. O maior receio é que essas obras estruturantes em áreas complexas como o farol possam trazer mais problemas que benefícios no futuro se não for bem pensada.

Temos a cultura de projetos de edificações públicas serem abandonadas, sem reparo ou manutenção nos governos seguintes, principalmente quando é de partido oposto. Um bom exemplo é os três mirantes construídos na descida da Rua Caxias do Sul, próximo ao Hotel Morro dos Conventos, na gestão do prefeito Sandro Maciel, do Partido dos Trabalhadores. Depois da sua inauguração em dezembro de 2014, os três mirantes jamais passaram por reparos, onde já se observa falhas no assoalho e o risco de tombamento em um deles. As passarelas construídas sobre as dunas do balneário para dar acesso à praia são exemplos de descasos das administrações.

Se na construção do deck na praia já foi motivo de uma ação do MPF contra a atual administração por descumprimento de regras ambientais, é preciso ficar atento no momento em que o projeto do mirante der início. O estranho é que até o momento não foi apresentado a maquete com os reparos realizados. Há cerca de dois meses mais ou menos em uma atividade de campo realizada no Balneário Morro dos Conventos, um geólogo alertou as autoridades municipais de que havia risco iminente de queda de rocha no vértice da falecia próximo ao farol.

Sugeriu o geólogo que fossem realizados estudos mais completos da área por profissionais da engenharia, geotecnia, com proposta, quem sabe, de atirantar com cabos de aço. Não havendo essa possibilidade, o caminho seria detonar a rocha, para não colapsar com pessoas no topo ou caminhando na base da falésia.  Deixou claro o geólogo que o caso da fenda no paredão do farol é semelhante à rocha que colapsou na cidade de Capitólio, Minas Gerais.

Para evitar que aconteça uma tragédia o município teria que interditar essa área do farol e as trilhas que circundam a base do paredão. Atendendo a recomendação do geólogo, o poder público instalou cavaletes impedindo que pessoas se deslocassem até o ponto que pode colapsar. No outro dia parte dos cavaletes já haviam sido retirados ou destruídos por vândalos. Mesmo repondo os cavaletes com uma corda cercando a passagem, isso não está impedindo que dezenas, centenas de pessoas se desloquem até o local de risco.  O agravante é que a própria cerca que impedia as pessoas chegarem até o vértice está completamente destruído, aumentando ainda mais o risco de acidentes fatais.

Relembrando que nós integrantes de uma entidade ambiental no Morro dos Conventos jamais nos posicionamos contrários ao desenvolvimento do Barlneário. Para comprovar essa posição basta acessar as atas das reuniões da entidade e constatar que sempre prezamos por um desenvolvimento verdadeiramente sustentável do balneário. Claro que sempre nos opomos aos discursos ufanistas, desenvolvimentistas predatórios defendidos pelos gestores que passaram pela prefeitura nesses últimos anos.

Sempre mantivemos nossa posição de jamais fazer qualquer acordo ou alianças com gestores públicos que almejam descumprir ou negligenciar decisões e legislações protetivas daquele ecossistema. Causou-nos arrepios ouvindo da boca do atual prefeito a absurda proposta de iluminação artificial em todo o paredão do Morro dos Conventos. Foge completamente ao que vem pregando em relação ao morro de que é uma dádiva de deus, que deve ser preservado, etc, etc. Não sabe o prefeito que além do ser humano, a terra também é constituída por milhões de seres vivos que compartilham o mesmo sol, o mesmo ar, o mesmo solo.

Acontece que muitos desses seres têm hábitos noturnos, ou seja, dormem durante o dia e à noite saem à procura de alimentos. Qualquer interferência externa, luz artificial, por exemplo, compromete sua dinâmica de vida, podendo levar a sua extinção. A ideia de iluminar o paredão do morro pode até ser interessante esteticamente, mas não é aconselhável biologicamente. Existem muitos estudos a disposição que comprovam essa tesa negativa. O Professor Paulo Brack, no seu blog viabiodiversa.blogspot.com.br[1] postou um artigo em fevereiro de 2022  contendo o seguinte título: A POLUIÇÃO LUMINOSA E A BIODIVERSIDADE.[2]

No artigo o professor faz uma abordagem bem clara sobre os impactas da iluminação artificial na dinâmica de vida de milhares de espécies que tem hábitos noturnos. Enfatizou os municípios costeiros cujas praias são excessivamente iluminadas e que impactam a vida de insetos, plantas, repteis, aves migratórias, mamíferos e de tartarugas que fazem suas desovas na areia da praia. Quanto ao paredão do morro dos conventos o local é habitat de espécies endêmicas da fauna e da flora. As plantas, no entanto, são as mais impactadas, pois necessitam do dia e da noite para assegurar o seu ciclo natural. A falta ou a existência de luz prejudica o processo de frutificação e dispersão de sementes.  Além do mais o desaparecimento ou a diminuição dessas frutas e sementes compromete a sobrevivência da própria fauna.

Outro agravante a ser considerado. Acreditamos que a proposta do prefeito é que a iluminação do paredão se de com exclusividade durante o verão. A partir do início da primavera e se estendendo durante todo o verão, a falésia do morro e todo o seu entorno se transforma em um verdadeiro berçário, especialmente de aves que constroem seus ninhos no topo do morro, nas dunas e restinga. Para comprovar é só fazer uma breve caminhada até o farol e observar a quantidade de ninhos construídos nos galhos das árvores. Esse é um dos motivos pelos quais é proibido proferir qualquer tipo de poda em árvores nesse período onde a fauna se reproduz.

Outro erro que se repete ano após ano é a queima de fogos no balneário durante o verão, principalmente no reveillon.  Tanto os ruídos dos estampidos quanto a brilho excessivo da luz ambos afugentam a fauna dos seus ninhos. Muitas ficam completamente desorientadas e jamais retornam aos ninhos. Portanto, se realmente o prefeito se diz sensível as causas ambientais e tem um amor visceral pelo morro como afirma pensar em projetos absurdos como o que reitera afirmar é acreditar que a terra é quadrada, que o homem é o centro do universo.

Prof. Jairo Cesa                    

       

   https://www.4oito.com.br/noticia/marinha-barra-projeto-do-mirante-no-farol-do-morro-dos-conventos-55008

 

https://www.4oito.com.br/noticia/mirante-do-farol-do-morro-dos-conventos-pode-ficar-pronto-no-verao-58821

https://tnsul.com/2022/geral/mirante-do-farol-do-morro-dos-conventos-segue-em-analise-pela-marinha/

https://www.ararangua.sc.gov.br/noticias/index/ver/codMapaItem/4496/codNoticia/740040

http://turismoonline.net.br/criacao-do-parque-turistico-e-ecologico-do-farol-do-morro-dos-conventos/

https://portalw3.com.br/arquiteto-cria-projeto-de-parque-urbano-em-ararangua-2/

https://nucleodeturismo.com.br/ticket/index.php?ticket_id=8c7bbbba95c1025975e548cee86dfadc&acao=detalhes-produto&grupo=2&categoria=5

file:///C:/Users/LOJA349/Downloads/PRANCHA%20TCC%20Ver%C3%B4nica%20Pereira%20Orlandi.pdf

https://acivaararangua.com.br/noticia/3970/comite-das-entidades-parabeniza-o-governo-municipal-pelo-projeto-do-parque-turistico-e-ecologico-do-farol-do-morro-dos-conventos

https://www.ararangua.sc.gov.br/noticias/ver/2014/12/mirantes-de-madeira-fazem-a-alegria-dos-visitantes

https://viabiodiversa.blogspot.com/

 

 

 

  




[1] https://viabiodiversa.blogspot.com/

[2] https://www.escavador.com/sobre/661562/paulo-brack

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