domingo, 10 de julho de 2022

 

ALGUNS FRAGMENTOS DA FRAGMENTADA MATA CILIAR -  TRECHO BARRANCA À BALSA - HERCÍLIO LUZ/ARARANGUÁ  

Rio Araranguá - fragmentos da mata ciliar


No dia primeiro de junho a caminho do Balneário Ilhas, ouvindo o podcast de uma rádio do município de Araranguá, o prefeito municipal, em entrevista, falava sobre a assinatura do convênio para a construção de um mirante no Balneário Morro dos Conventos, entre outros assuntos. Como já e costumeiro por parte da administração e da câmara legislativa, destilou criticas acirradas contra pessoas que segundo ele “vem incomodando o MPF protocolando denúncias que impactam o desenvolvimento daquela região”. Deveria ter dito o prefeito que todo o cidadão é um fiscal do meio ambiente, que é um direito assegurado constitucionalmente.

Outro aspecto importante que poderia o prefeito ter expressado, se houvessem denúncias infundadas, com prejuízos a terceiros ou ao erário público, teriam direito esses ditos prejudicados de ter impetrado alguma ação de reparo, ressarcimento, às autoridades competentes. Há onze anos a OSCIP PRESERV’AÇÃO vem exercendo seu dever de sociedade civil de interesse público sem fins lucrativos em defesa dos frágeis ecossistemas no Balneário Morro dos Conventos sem jamais ter sofrido qualquer ação por crime de injúria, difamação ou calúnia. A realidade é que a OSCIP sempre foi muito elogiada pelo seu incansável trabalho ambiental.

 Não são quatro “ecochatos” como alega o chefe do executivo municipal, a entidade e constituída por mais de quinze membros ativos, onde durante todo o tempo de existência mais de cem denúncias de irregularidades foram protocoladas nas diferentes instâncias que atuam na  proteção do meio ambiente. Entre as entidades manifestadas estão a FAMA, Policia Militar; Polícia Militar Ambiental, MPSC, MPF, IPHAN, IMA e o 4 TRF, Porto Alegre.

 Se algumas edificações ou projetos de infraestrutura tiveram os licenciamentos embargados ao longo do tempo, o motivo geralmente se deveu ao descumprimento legislações ambientais existentes. O fato é que historicamente todas as tentativas de querer transferir a culpa nos ambientalistas por anos de abandono das administrações públicas com aquele balneário jamais tiveram sucesso. Basta chegar ao Morro dos Conventos e ver com os próprios olhas o estado de abandono das ruas, calçadas e principalmente a área do antigo camping, um dos principais cartões postais do sul de Santa Catarina.

Depois de décadas de muita luta e perseverança dos movimentos ambientalistas de Araranguá, finalmente em 2016 três unidades de conservação foram criadas por decreto municipal, como demandas do projeto Orla. Entretanto, desde a conclusão dos trabalhos de elaboração do Projeto Orla, o que mais se viu foram ataques com tentativas de desfigurar o Projeto Orla e as unidades de conservação.

O mesmo prefeito que insistentemente atacar ambientalistas e que se diz defensor do meio ambiente, das dunas, afirmando que o Morro é uma dádiva divina, decidiu com uma canetada suprimir a APA (Área de Proteção Ambiental) e reduzir o tamanho do MONA-UC (Monumento Natural – Unidade de Conservação Morro dos Conventos. É importante ressaltar que as unidades não foram criadas com objetivos de travar o desenvolvimento do Balneário, muito pelo contrario, a intenção sempre foi assegurar o empoderamento da população nas discussões sobre o modo como balneário deveria ser gerido. Se isso tivesse acontecido nenhum dos atuais imbróglios jurídicos não teriam razão de ocorrer, pois o grupo gestor da APA, do MONA-UC, junto com a sociedade e o poder público teriam chegado a um possível consenso. 

Na ocasião da entrevista, o prefeito fez menção ao processo erosivo que havia ocorrido às margens do rio nas proximidades da balsa, Hercílio Luz. Dessa vez pôs a culpa no problema aos pescadores que ocupam as margens, destroem a vegetação para a realização da pesca de caniço. Omitiu-se de falar que o problema de erosão não pode recair exclusivamente as essas pessoas.

Foto Jairo

As legislações ambientais, o Código Florestal brasileiro, por exemplo, ambas determinam que o poder público e seu órgão ambiental têm o compromisso de proteger as APPS das margens de rios, lagos, lagoas, córregos dentro do município.  O rio Araranguá, em toda sua extensão nos limites do município de Araranguá, já que a distancia média de uma margem ultrapassa os 150 metros, as áreas de APP, mata ciliar, não poderia ficar inferior a 50 metros a partir da sua calha.

O código floresta brasileiro de 1965 determinava que as áreas de apps das margens dos rios deveriam ser toda área inundável, no caso de Araranguá basta observar as enchentes que ocorreram como a de 1974 e observar a extensão ocupada pela água, tudo isso seria APP. Entretanto a lei 12.651de 2012, que promoveu revisão do código florestal, estabeleceu novas regras das APPS, que conforme a figura 2 e 3 poderá ter de 30 a 500 metros de mata ciliar. Acontece que a própria lei criou algumas condicionantes que assegura aos proprietários a manterem o mínimo de APP, comprovando áreas consolidadas, ou seja, solo ocupado por culturas.

Figura 1

Figura 2

Figura 3

Figura 4 - Foto Jairo

Entretanto quem se desloca em toda a sua extensão, do rio Itoupava até a foz, Baln. Ilha perceberá que a faixa de mata ciliar em raros locais pouco supera os cinco metros de extensão.  E tem um agravante. Em ambas as margens, duas estradas vicinais seguem paralelas absorvendo transito pesado caçambas e máquinas agrícolas. Pela proximidade da estrada à calha do rio, somada a escassa vegetação ciliar, as erosões estão hoje sendo mais frequentes devido às constantes cheias. Há cerca de cinco anos um trecho do rio que faz limite com o município de Maracajá foi erodido bloqueando a estrada. A solução, no entanto, foi estender a estrada cerca de dez metros ocupando área de cultivo de arroz.

 

Foto Jairo

Foto Jairo


Em alguns trechos do rio Araranguá a erosão já absorveu a própria estrada. Para resolver o problema os próprios proprietários de terra tiveram que abrir nova estrada ocupando parte da sua propriedade. A imagem abaixo mostra com detalhe a criação dessa via alternativa. Os postes sempre foram os limites entre a estrada e as áreas de cultivos. Nessa imagem é possível ver que a estrada está à direita do poste, que será uma tendência no futuro não havendo a recuperação da mata ciliar.

Foto Jairo

Venho afirmando há alguns anos, se cada proprietário cedesse no mínimo 15 metros de sua área para a fixação da APP, certamente teria mais lucratividade com a atividade do arroz, entre outras culturas. A resposta é simples. Hoje milhares de metros cúbicos de terra fértil são erodidos anualmente pelas chuvas.  A existência da mata ciliar ajudaria a minimizar essas perdas, pois a vegetação ciliar serviria como cílios dos olhos, para impedir  que partículas de terra deslocassem para os leitos dos rios, assoreando-os. É exatamente isso o que está ocorrendo em vários pontos das duas margens, principalmente nas proximidades da balsa, onde o prefeito insiste jogar a responsabilidade pela erosão nos pescadores de caniço.

Nas duas imagens abaixo é possível comparar a realidade das APPs em trechos de duas bacias hidrográficas distintas, a primeira, a bacia do rio Araranguá, sul de santa Catarina, e a segunda, bacia do rio Juruna, que nasce no estado do Mato Grosso. É possível ver na primeira imagem que a presença da mata ciliar é quase inexistente, onde não há nem cinco metros de área protegida. A segunda imagem, a realidade é completamente oposta, ultrapassando em muito os limites mínimos recomendados pelas legislações ambientais.   

Imagem 1

Imagem 2

 

Também na entrevista o prefeito fez menção ao esgoto, ao lixo que é absorvido pelo oceano através do rio Araranguá. Falou das ações de limpezas realizadas, das quais foram recolhidas dezenas de quilos lixo, principalmente garrafas pet, que é um trabalho que deve ter continuidade, que o rio deve ser preservado. Em dezembro de 2021, durante a inspeção na foz com a presença do MPF, o superintendente da FAMA fez a mesma fala, que foi repetida pelo prefeito. Na ocasião criticou os membros da OSCIP por não ter participado da ação de limpeza do rio.

Um membro da entidade ambiental presente na inspeção respondeu ao superintendente que se sentiria envergonha de participar de algo tão importante e simbólico, sabendo que o próprio município de Araranguá é um dos que mais lança esgoto diariamente ao rio. Disse também que para comprovar essa realidade bastaria se deslocar até Avenida XV de Novembro, próximo ao ginásio de esporte Bolha e ver com os próprios olhos esse absurdo no córrego que corta aquela avenida. E olha que o município já tem duas usinas de tratamento de esgoto em funcionamento há cerca de cinco anos.

O problema do lixo lançado no rio, portanto, não é exclusividade dos municípios que integram a bacia, o município de Araranguá também contribui e bastante com a degradação. Além do lixo e esgoto lançado diariamente, tem também o lixo depositado criminosamente sobre o barranco do rio, como mostra a imagem abaixo. Todo esse material descartado, com o transbordamento do rio é lançado sobre o seu leito e levado até o oceano.  

Foto Jairo

Algo que deve ser ressaltado é que muito dos integrantes da OSCIP participaram da fundação da ONG SÓCIOS DA NATUREZA na década de 1990, considerada uma das organizações ambientais mais antigas do estado. É quase impossível mensurar o número de ações protagonizadas por essa entidade em defesa dos ecossistemas do município e região. A área da Avenida Rui Barbosa, a mesma onde hoje sofre os efeitos da erosão, parcela da vegetação nativa ali existente foram plantadas por membros da ONG.

No lado oposto do Rio, onde estava a antiga fécula de mandioca, no bairro Barranca, estudantes e professores do Colégio Estadual, atual EEBA, também na década de 1990, se engajaram em uma campanha de reflorestamento daquele trecho fortemente antropisado. Nas proximidades da residência do ex-padre Antônio Luiz Dias, na Vila São José, toda área que margeia o rio foi recuperada com espécies nativas e que teve a participação também da ONG SÓCIOS DA NATUREZA. Sem contar outras tantas campanhas como o reflorestamento do Morro da Cruz, bairro Coloninha, coordenado pelo professor Oracídio Pereira e o plantio de centenas de pés de araucárias nas proximidades do parque do Intaimbezinho, Cambará d Sul.

Foto Jairo

Mas o que realmente marcou a ONG Sócios da Natureza foi a realização de um ousado projeto de construção de uma cartilha de sensibilização ambiental. Depois de inúmeras reuniões para discutir o projeto finalmente foi decidido que o titulo da cartilha seria “O RIO QUE QUEREMOS”. A proposta era construir uma história sobre rio Araranguá, na qual seria contada pelos próprios moradores do rio, os peixes, os botos, entre outros. 

O protagonista dessa história lúdica seria um ancião, apelidado carinhosamente de dindinho. Teria de ser um idoso, morador das margens do rio, pelo fato de ter lembrança do rio quando suas águas ainda eram límpidas e repletas de peixes.  Se a água um dia foi limpa e havia peixes, então, por que não acreditar que com o engajamento da sociedade poderíamos ter outra vez um rio Araranguá repleto de peixes e a água em condições de consumo. Centenas de exemplares das cartilhas foram distribuídas às escolas dos municípios que integram a bacia hidrográfica do rio Araranguá para que servir de subsídios às aulas de educação ambiental.

É possível que muitos dos vereadores que integram o legislativo municipal e que estufam o peito afirmando serem defensores do meio ambiente, jamais plantaram uma árvore ou tiveram atuação em limpeza de orla do Morro dos Conventos. É tanta ignorância acumulada na casa legislativa municipal, a ponto de ter vereadores, por possuir limitação cognitiva ou desconhecimento do assunto, se apropriam de narrativas para apregoar o ódio, a violência contra aqueles que lutam pela preservação do Balneário Morro dos Conventos.

Prof. Jairo Cesa

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