ALGUNS FRAGMENTOS DA FRAGMENTADA MATA CILIAR - TRECHO BARRANCA À BALSA - HERCÍLIO LUZ/ARARANGUÁ
Rio Araranguá - fragmentos da mata ciliar |
No
dia primeiro de junho a caminho do Balneário Ilhas, ouvindo o podcast de uma rádio
do município de Araranguá, o prefeito municipal, em entrevista, falava sobre a
assinatura do convênio para a construção de um mirante no Balneário Morro dos
Conventos, entre outros assuntos. Como já e costumeiro por parte da
administração e da câmara legislativa, destilou criticas acirradas contra
pessoas que segundo ele “vem incomodando o MPF protocolando denúncias que
impactam o desenvolvimento daquela região”. Deveria ter dito o prefeito que
todo o cidadão é um fiscal do meio ambiente, que é um direito assegurado
constitucionalmente.
Outro
aspecto importante que poderia o prefeito ter expressado, se houvessem
denúncias infundadas, com prejuízos a terceiros ou ao erário público, teriam
direito esses ditos prejudicados de ter impetrado alguma ação de reparo,
ressarcimento, às autoridades competentes. Há onze anos a OSCIP PRESERV’AÇÃO
vem exercendo seu dever de sociedade civil de interesse público sem fins
lucrativos em defesa dos frágeis ecossistemas no Balneário Morro dos Conventos
sem jamais ter sofrido qualquer ação por crime de injúria, difamação ou
calúnia. A realidade é que a OSCIP sempre foi muito elogiada pelo seu
incansável trabalho ambiental.
Não são quatro “ecochatos” como alega o chefe
do executivo municipal, a entidade e constituída por mais de quinze membros
ativos, onde durante todo o tempo de existência mais de cem denúncias de
irregularidades foram protocoladas nas diferentes instâncias que atuam na proteção do meio ambiente. Entre as entidades
manifestadas estão a FAMA, Policia Militar; Polícia Militar Ambiental, MPSC,
MPF, IPHAN, IMA e o 4 TRF, Porto Alegre.
Se algumas edificações ou projetos de
infraestrutura tiveram os licenciamentos embargados ao longo do tempo, o motivo
geralmente se deveu ao descumprimento legislações ambientais existentes. O fato
é que historicamente todas as tentativas de querer transferir a culpa nos
ambientalistas por anos de abandono das administrações públicas com aquele balneário
jamais tiveram sucesso. Basta chegar ao Morro dos Conventos e ver com os
próprios olhas o estado de abandono das ruas, calçadas e principalmente a área
do antigo camping, um dos principais cartões postais do sul de Santa Catarina.
Depois
de décadas de muita luta e perseverança dos movimentos ambientalistas de
Araranguá, finalmente em 2016 três unidades de conservação foram criadas por
decreto municipal, como demandas do projeto Orla. Entretanto, desde a conclusão
dos trabalhos de elaboração do Projeto Orla, o que mais se viu foram ataques com
tentativas de desfigurar o Projeto Orla e as unidades de conservação.
O
mesmo prefeito que insistentemente atacar ambientalistas e que se diz defensor
do meio ambiente, das dunas, afirmando que o Morro é uma dádiva divina, decidiu
com uma canetada suprimir a APA (Área de Proteção Ambiental) e reduzir o
tamanho do MONA-UC (Monumento Natural – Unidade de Conservação Morro dos
Conventos. É importante ressaltar que as unidades não foram criadas com
objetivos de travar o desenvolvimento do Balneário, muito pelo contrario, a
intenção sempre foi assegurar o empoderamento da população nas discussões sobre
o modo como balneário deveria ser gerido. Se isso tivesse acontecido nenhum dos
atuais imbróglios jurídicos não teriam razão de ocorrer, pois o grupo gestor da
APA, do MONA-UC, junto com a sociedade e o poder público teriam chegado a um
possível consenso.
Na
ocasião da entrevista, o prefeito fez menção ao processo erosivo que havia
ocorrido às margens do rio nas proximidades da balsa, Hercílio Luz. Dessa vez
pôs a culpa no problema aos pescadores que ocupam as margens, destroem a
vegetação para a realização da pesca de caniço. Omitiu-se de falar que o
problema de erosão não pode recair exclusivamente as essas pessoas.
Foto Jairo |
As
legislações ambientais, o Código Florestal brasileiro, por exemplo, ambas determinam
que o poder público e seu órgão ambiental têm o compromisso de proteger as APPS
das margens de rios, lagos, lagoas, córregos dentro do município. O rio Araranguá, em toda sua extensão nos
limites do município de Araranguá, já que a distancia média de uma margem
ultrapassa os 150 metros, as áreas de APP, mata ciliar, não poderia ficar
inferior a 50 metros a partir da sua calha.
O
código floresta brasileiro de 1965 determinava que as áreas de apps das margens
dos rios deveriam ser toda área inundável, no caso de Araranguá basta observar
as enchentes que ocorreram como a de 1974 e observar a extensão ocupada pela
água, tudo isso seria APP. Entretanto a lei 12.651de 2012, que promoveu revisão
do código florestal, estabeleceu novas regras das APPS, que conforme a figura 2
e 3 poderá ter de 30 a 500 metros de mata ciliar. Acontece que a própria lei
criou algumas condicionantes que assegura aos proprietários a manterem o mínimo
de APP, comprovando áreas consolidadas, ou seja, solo ocupado por culturas.
Figura 1 |
Figura 2 |
Figura 3 |
Figura 4 - Foto Jairo |
Entretanto
quem se desloca em toda a sua extensão, do rio Itoupava até a foz, Baln. Ilha
perceberá que a faixa de mata ciliar em raros locais pouco supera os cinco
metros de extensão. E tem um agravante.
Em ambas as margens, duas estradas vicinais seguem paralelas absorvendo transito
pesado caçambas e máquinas agrícolas. Pela proximidade da estrada à calha do rio,
somada a escassa vegetação ciliar, as erosões estão hoje sendo mais frequentes
devido às constantes cheias. Há cerca de cinco anos um trecho do rio que faz
limite com o município de Maracajá foi erodido bloqueando a estrada. A solução,
no entanto, foi estender a estrada cerca de dez metros ocupando área de cultivo
de arroz.
Foto Jairo |
Foto Jairo |
Em
alguns trechos do rio Araranguá a erosão já absorveu a própria estrada. Para
resolver o problema os próprios proprietários de terra tiveram que abrir nova
estrada ocupando parte da sua propriedade. A imagem abaixo mostra com detalhe a
criação dessa via alternativa. Os postes sempre foram os limites entre a
estrada e as áreas de cultivos. Nessa imagem é possível ver que a estrada está à
direita do poste, que será uma tendência no futuro não havendo a recuperação da
mata ciliar.
Foto Jairo |
Venho
afirmando há alguns anos, se cada proprietário cedesse no mínimo 15 metros de
sua área para a fixação da APP, certamente teria mais lucratividade com a
atividade do arroz, entre outras culturas. A resposta é simples. Hoje milhares
de metros cúbicos de terra fértil são erodidos anualmente pelas chuvas. A existência da mata ciliar ajudaria a
minimizar essas perdas, pois a vegetação ciliar serviria como cílios dos olhos,
para impedir que partículas de terra
deslocassem para os leitos dos rios, assoreando-os. É exatamente isso o que
está ocorrendo em vários pontos das duas margens, principalmente nas
proximidades da balsa, onde o prefeito insiste jogar a responsabilidade pela
erosão nos pescadores de caniço.
Nas
duas imagens abaixo é possível comparar a realidade das APPs em trechos de duas
bacias hidrográficas distintas, a primeira, a bacia do rio Araranguá, sul de
santa Catarina, e a segunda, bacia do rio Juruna, que nasce no estado do Mato
Grosso. É possível ver na primeira imagem que a presença da mata ciliar é quase
inexistente, onde não há nem cinco metros de área protegida. A segunda imagem,
a realidade é completamente oposta, ultrapassando em muito os limites mínimos
recomendados pelas legislações ambientais.
Imagem 1 |
Imagem 2 |
Também
na entrevista o prefeito fez menção ao esgoto, ao lixo que é absorvido pelo
oceano através do rio Araranguá. Falou das ações de limpezas realizadas, das
quais foram recolhidas dezenas de quilos lixo, principalmente garrafas pet, que
é um trabalho que deve ter continuidade, que o rio deve ser preservado. Em
dezembro de 2021, durante a inspeção na foz com a presença do MPF, o
superintendente da FAMA fez a mesma fala, que foi repetida pelo prefeito. Na
ocasião criticou os membros da OSCIP por não ter participado da ação de limpeza
do rio.
Um
membro da entidade ambiental presente na inspeção respondeu ao superintendente
que se sentiria envergonha de participar de algo tão importante e simbólico, sabendo
que o próprio município de Araranguá é um dos que mais lança esgoto diariamente
ao rio. Disse também que para comprovar essa realidade bastaria se deslocar até
Avenida XV de Novembro, próximo ao ginásio de esporte Bolha e ver com os
próprios olhos esse absurdo no córrego que corta aquela avenida. E olha que o
município já tem duas usinas de tratamento de esgoto em funcionamento há cerca
de cinco anos.
O
problema do lixo lançado no rio, portanto, não é exclusividade dos municípios que
integram a bacia, o município de Araranguá também contribui e bastante com a
degradação. Além do lixo e esgoto lançado diariamente, tem também o lixo depositado
criminosamente sobre o barranco do rio, como mostra a imagem abaixo. Todo esse
material descartado, com o transbordamento do rio é lançado sobre o seu leito e
levado até o oceano.
Foto Jairo |
Algo
que deve ser ressaltado é que muito dos integrantes da OSCIP participaram da fundação
da ONG SÓCIOS DA NATUREZA na década de 1990, considerada uma das organizações
ambientais mais antigas do estado. É quase impossível mensurar o número de ações
protagonizadas por essa entidade em defesa dos ecossistemas do município e
região. A área da Avenida Rui Barbosa, a mesma onde hoje sofre os efeitos da
erosão, parcela da vegetação nativa ali existente foram plantadas por membros
da ONG.
No
lado oposto do Rio, onde estava a antiga fécula de mandioca, no bairro Barranca,
estudantes e professores do Colégio Estadual, atual EEBA, também na década de
1990, se engajaram em uma campanha de reflorestamento daquele trecho fortemente
antropisado. Nas proximidades da residência do ex-padre Antônio Luiz Dias, na
Vila São José, toda área que margeia o rio foi recuperada com espécies nativas
e que teve a participação também da ONG SÓCIOS DA NATUREZA. Sem contar outras
tantas campanhas como o reflorestamento do Morro da Cruz, bairro Coloninha,
coordenado pelo professor Oracídio Pereira e o plantio de centenas de pés de
araucárias nas proximidades do parque do Intaimbezinho, Cambará d Sul.
Foto Jairo |
Mas
o que realmente marcou a ONG Sócios da Natureza foi a realização de um ousado
projeto de construção de uma cartilha de sensibilização ambiental. Depois de
inúmeras reuniões para discutir o projeto finalmente foi decidido que o titulo
da cartilha seria “O RIO QUE QUEREMOS”. A proposta era construir uma história
sobre rio Araranguá, na qual seria contada pelos próprios moradores do rio, os
peixes, os botos, entre outros.
O
protagonista dessa história lúdica seria um ancião, apelidado carinhosamente de
dindinho. Teria de ser um idoso, morador das margens do rio, pelo fato de ter
lembrança do rio quando suas águas ainda eram límpidas e repletas de peixes. Se a água um dia foi limpa e havia peixes,
então, por que não acreditar que com o engajamento da sociedade poderíamos ter
outra vez um rio Araranguá repleto de peixes e a água em condições de consumo.
Centenas de exemplares das cartilhas foram distribuídas às escolas dos
municípios que integram a bacia hidrográfica do rio Araranguá para que servir
de subsídios às aulas de educação ambiental.
É
possível que muitos dos vereadores que integram o legislativo municipal e que estufam
o peito afirmando serem defensores do meio ambiente, jamais plantaram uma
árvore ou tiveram atuação em limpeza de orla do Morro dos Conventos. É tanta
ignorância acumulada na casa legislativa municipal, a ponto de ter vereadores,
por possuir limitação cognitiva ou desconhecimento do assunto, se apropriam de
narrativas para apregoar o ódio, a violência contra aqueles que lutam pela
preservação do Balneário Morro dos Conventos.
Prof. Jairo Cesa
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