TRAGÉDIA DE PRETRÓPOLIS REFLETE AS
FRAGILIDADES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE MORADIAS NO BRASIL
Os
fenômenos climáticos extremos sempre fizeram parte do nosso cotidiano por
gerações. De fato os impactos das chuvas torrenciais e enchentes às populações
urbanas eram quase que imperceptíveis. A
resposta estava na distribuição demográfica, pois parte significativa das
pessoas habitava pequenos vilarejos e áreas rurais. Na década de 1950 em diante
dá-se início ao êxodo rural, que são os fluxos migrantes forçados, nordestinos,
por exemplo, que abandonam suas terras assoladas pela seca se dirigindo às
grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
A fragilidade das políticas públicas de
habitação nos novos espaços urbanos ocupados irá gerar problemas enormes no
futuro aos administradores públicos. A valorização e a especulação imobiliária
impossibilitaram aos que iam chegando condições para a aquisição de um espaço
seguro para morar. Sem alternativa aparente, os retirantes passam a ocupar áreas
impróprias como as margens de rios e encostas de morros. Tornou-se regra entre os administradores
públicos da época e ainda hoje fechar os olhos às permanentes irregularidades relativas
às ocupações habitacionais.
As
décadas de 1980 em diante um complexo conjunto de legislações foi elaborado com
intuito de disciplinar as ocupações do solo em áreas urbanas. O código
florestal sancionado em 1965 não foi suficiente para conter as invasões de morros
e margens de rios. Quando a constituição de 1988 foi promulgada contendo
capítulos específicos às questões ambientais e habitacionais em áreas urbanas,
o problema das invasões em áreas de riscos já era uma realidade e de difícil
solução.
O
que poucos imaginavam era que o século XXI começaria trazendo na bagagem um
pacote de demandas que causariam profundas dores de cabeça aos gestores
públicos do mundo inteiro. Uma dessas demandas já alertadas na década de 1970
era em relação ao clima no planeta, dando sinais de saturação. Portanto se
tornava necessário criar instrumentos globais em as nações para conter seus
efeitos negativos às futuras gerações.
Infelizmente
todo o alerta dado pelas comunidades científicas e entidades em defesa do clima
não foram suficientes para convencer governantes e o setor produtivo na adoção
de ações que minimizasse ou impedisse a crise climática. O encontro de cúpula
sobre o clima em Paris em 2015 se notabilizou como sendo a última tentativa de
convencer os governantes da necessidade imediata de execução dos protocolos de
redução das emissões de gases do efeito estufa. Ou se aplica as medidas
protetivas ou mitigatórias ao clima global emergencialmente ou arcaremos com o
ônus de entrarmos na lista de espécie cada vez mais ameaçada de extinção.
A
grande quantidade de humanos vitimados por episódios relacionados às mudanças
climáticas já comprovam que o clima do planeta terra entrou em sua fase
crítica. As previsões de saturação do clima global, ou seja, o aumento médio da
temperatura em 1.5 Graus Celsius até o final do século 21 já acontece
atualmente. As temperaturas escaldantes detectadas no Canadá, Estados Unidos,
Austrália e também em países da América do Sul, acompanhada de incêndios
devastadores, já estão se tornando rotina em cada estação.
No
Brasil, enquanto regiões como o sul e parte do centro oeste vivenciam estiagens
históricas, o sudeste e o nordeste são assolados por chuvas torrenciais que
devastam cidades inteiras. O que mais chama atenção é o fato dessas enxurradas
atingirem principalmente grandes metrópoles como as cidades de São Paulo, Belo
horizonte, Rio de Janeiro, Petrópolis, Salvador, entre outras.
Volumes
de chuvas que geralmente seriam precipitadas em um ou dois meses vem caindo em
poucas horas, como foi o caso de Petrópolis, morro do baú em Blumenau em 2008 e
Timbé do Sul em 1995, concentrando toda a água em uma pequena área territorial.
De fato as vítimas fatais dessas enxurradas ou deslizamentos na sua grande
maioria residiam ou residem nos lugares mais sensíveis a intempéries. Raras são
as cidades brasileiras cujos morros ou margens de rios não estão ocupados por
residências irregulares. O caso mais recente de uma tragédia anunciada
aconteceu na cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.
Em
duas horas aproximadamente caiu sobre a cidade quase 250 mm de chuva. As quase
150 pessoas que perderam a vida e outras dezenas que ainda estão desaparecidas
ocupavam espaços sujeitos a riscos ambientais. Em todo o município existem
cerca de 500 áreas de riscos. Somente na cidade de São Paulo vivem mais de três
milhões de pessoas nessas condições.
O
que é mais estarrecedor é o fato de que toda essa tragédia poderia ter sido
evitada ou minimizada se as autoridades cumprissem a risca suas obrigações
constitucionais, ou seja, impedir ou retirar as populações dessas áreas de
riscos. O código florestal brasileiro
determina que encostas de morros e margens de rios devem ser restritas às
ocupações. É possível que o plano diretor ou o código ambiental do município de
Petrópolis limitava as ocupações das encostas dos morros da cidade. Mas por que
então os morros permanecem pilhados de gente, pior, a cada dia mais ocupações ocorrem
sem que o poder público tome qualquer medida impeditiva? A resposta é a mesma
para centenas ou milhares de municípios brasileiros, barganha eleitoreira.
Equívocos
cometidos por gestores públicos estão por trás desses desastres ambientais
criminosos. Há alguns anos o poder público do município de Petrópolis
desconsiderou regras ambientais gerais que tratam sobre os limites mínimos de
30 metros de proteção de rios. A justificativa do não cumprimento se baseou em
novas regras criadas pelo legislativo no que tange as políticas públicas de
parcelamento do solo, reduzindo para 15 metros as APPs da área urbana do
município.
Diante
desse equivoco e de criticas impetradas contra o IBAMA por querer intervir em
decisões tomadas pelo poder público, o STF interveio no município fazendo
cumprir o código florestal brasileiro por ser mais restritiva. Diante dessas
tragédias cada vez mais freqüentes e possíveis de ser minimizado, em 2021 o
Congresso Nacional aprovou legislação transferindo aos municípios a decisão
sobre APPs urbanas.
O
que isso significa? Mais tragédias e mortes como de Petrópolis. Cada município
poderá decidir os tamanho das APPs urbanas e inseri-las em seus planos
diretores. Claro que irão prevalecer distâncias mínimas favorecendo assim o
mercado imobiliário sedento por lucros. O que esperar do futuro então? Em vez
de o congresso atuar tornando mais duras as regras relativas APPs urbanas,
aprova lei dando liberdade aos municípios a decidirem a seu modo. Todos nós
sabemos como são constituídos os poderes nos municípios, principalmente o
legislativo, cuja maioria dos seus membros não possui competência alguma para
legislar. São esses que vão decidir as novas regras das APPs urbanas!!!
Prof.
Jairo Cesa
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