segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

 

TRAGÉDIA DE PRETRÓPOLIS REFLETE AS FRAGILIDADES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE MORADIAS NO BRASIL

Os fenômenos climáticos extremos sempre fizeram parte do nosso cotidiano por gerações. De fato os impactos das chuvas torrenciais e enchentes às populações urbanas eram quase que imperceptíveis.  A resposta estava na distribuição demográfica, pois parte significativa das pessoas habitava pequenos vilarejos e áreas rurais. Na década de 1950 em diante dá-se início ao êxodo rural, que são os fluxos migrantes forçados, nordestinos, por exemplo, que abandonam suas terras assoladas pela seca se dirigindo às grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

 A fragilidade das políticas públicas de habitação nos novos espaços urbanos ocupados irá gerar problemas enormes no futuro aos administradores públicos. A valorização e a especulação imobiliária impossibilitaram aos que iam chegando condições para a aquisição de um espaço seguro para morar. Sem alternativa aparente, os retirantes passam a ocupar áreas impróprias como as margens de rios e encostas de morros.  Tornou-se regra entre os administradores públicos da época e ainda hoje fechar os olhos às permanentes irregularidades relativas às ocupações habitacionais.

As décadas de 1980 em diante um complexo conjunto de legislações foi elaborado com intuito de disciplinar as ocupações do solo em áreas urbanas. O código florestal sancionado em 1965 não foi suficiente para conter as invasões de morros e margens de rios. Quando a constituição de 1988 foi promulgada contendo capítulos específicos às questões ambientais e habitacionais em áreas urbanas, o problema das invasões em áreas de riscos já era uma realidade e de difícil solução.

O que poucos imaginavam era que o século XXI começaria trazendo na bagagem um pacote de demandas que causariam profundas dores de cabeça aos gestores públicos do mundo inteiro. Uma dessas demandas já alertadas na década de 1970 era em relação ao clima no planeta, dando sinais de saturação. Portanto se tornava necessário criar instrumentos globais em as nações para conter seus efeitos negativos às futuras gerações.

Infelizmente todo o alerta dado pelas comunidades científicas e entidades em defesa do clima não foram suficientes para convencer governantes e o setor produtivo na adoção de ações que minimizasse ou impedisse a crise climática. O encontro de cúpula sobre o clima em Paris em 2015 se notabilizou como sendo a última tentativa de convencer os governantes da necessidade imediata de execução dos protocolos de redução das emissões de gases do efeito estufa. Ou se aplica as medidas protetivas ou mitigatórias ao clima global emergencialmente ou arcaremos com o ônus de entrarmos na lista de espécie cada vez mais ameaçada de extinção.

A grande quantidade de humanos vitimados por episódios relacionados às mudanças climáticas já comprovam que o clima do planeta terra entrou em sua fase crítica. As previsões de saturação do clima global, ou seja, o aumento médio da temperatura em 1.5 Graus Celsius até o final do século 21 já acontece atualmente. As temperaturas escaldantes detectadas no Canadá, Estados Unidos, Austrália e também em países da América do Sul, acompanhada de incêndios devastadores, já estão se tornando rotina em cada estação.

No Brasil, enquanto regiões como o sul e parte do centro oeste vivenciam estiagens históricas, o sudeste e o nordeste são assolados por chuvas torrenciais que devastam cidades inteiras. O que mais chama atenção é o fato dessas enxurradas atingirem principalmente grandes metrópoles como as cidades de São Paulo, Belo horizonte, Rio de Janeiro, Petrópolis, Salvador, entre outras. 

Volumes de chuvas que geralmente seriam precipitadas em um ou dois meses vem caindo em poucas horas, como foi o caso de Petrópolis, morro do baú em Blumenau em 2008 e Timbé do Sul em 1995, concentrando toda a água em uma pequena área territorial. De fato as vítimas fatais dessas enxurradas ou deslizamentos na sua grande maioria residiam ou residem nos lugares mais sensíveis a intempéries. Raras são as cidades brasileiras cujos morros ou margens de rios não estão ocupados por residências irregulares. O caso mais recente de uma tragédia anunciada aconteceu na cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.

Em duas horas aproximadamente caiu sobre a cidade quase 250 mm de chuva. As quase 150 pessoas que perderam a vida e outras dezenas que ainda estão desaparecidas ocupavam espaços sujeitos a riscos ambientais. Em todo o município existem cerca de 500 áreas de riscos. Somente na cidade de São Paulo vivem mais de três milhões de pessoas nessas condições.

O que é mais estarrecedor é o fato de que toda essa tragédia poderia ter sido evitada ou minimizada se as autoridades cumprissem a risca suas obrigações constitucionais, ou seja, impedir ou retirar as populações dessas áreas de riscos.  O código florestal brasileiro determina que encostas de morros e margens de rios devem ser restritas às ocupações. É possível que o plano diretor ou o código ambiental do município de Petrópolis limitava as ocupações das encostas dos morros da cidade. Mas por que então os morros permanecem pilhados de gente, pior, a cada dia mais ocupações ocorrem sem que o poder público tome qualquer medida impeditiva? A resposta é a mesma para centenas ou milhares de municípios brasileiros, barganha eleitoreira. 

Equívocos cometidos por gestores públicos estão por trás desses desastres ambientais criminosos. Há alguns anos o poder público do município de Petrópolis desconsiderou regras ambientais gerais que tratam sobre os limites mínimos de 30 metros de proteção de rios. A justificativa do não cumprimento se baseou em novas regras criadas pelo legislativo no que tange as políticas públicas de parcelamento do solo, reduzindo para 15 metros as APPs da área urbana do município.

Diante desse equivoco e de criticas impetradas contra o IBAMA por querer intervir em decisões tomadas pelo poder público, o STF interveio no município fazendo cumprir o código florestal brasileiro por ser mais restritiva. Diante dessas tragédias cada vez mais freqüentes e possíveis de ser minimizado, em 2021 o Congresso Nacional aprovou legislação transferindo aos municípios a decisão sobre APPs urbanas.

O que isso significa? Mais tragédias e mortes como de Petrópolis. Cada município poderá decidir os tamanho das APPs urbanas e inseri-las em seus planos diretores. Claro que irão prevalecer distâncias mínimas favorecendo assim o mercado imobiliário sedento por lucros. O que esperar do futuro então? Em vez de o congresso atuar tornando mais duras as regras relativas APPs urbanas, aprova lei dando liberdade aos municípios a decidirem a seu modo. Todos nós sabemos como são constituídos os poderes nos municípios, principalmente o legislativo, cuja maioria dos seus membros não possui competência alguma para legislar. São esses que vão decidir as novas regras das APPs urbanas!!! 

Prof. Jairo Cesa     

 

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