quinta-feira, 23 de setembro de 2021

 

A CULTURA DOS CEMITÉRIOS COMO IMPORTANTE ACERVO DE MEMÓRIA E CONHECIMENTO

Foto - Jairo


Geralmente quem compra pacotes de viagens para a Europa ou até mesmo países sul americanos estão incluídos nos roteiros, visitas obrigatórias em igrejas, museus e também cemitérios. Isso mesmo, cemitérios. Não com o intuito de visitar despretensiosamente sepulturas, a proposta vai muito mais além.  O objetivo é observar criteriosamente a arquitetura das construções, suas distribuições espaciais e representações simbólicas, artísticas, religiosas e de poder; os sujeitos sepultados, famílias e laços de influência na condução do processo político, cultural, filosófico, daquele momento histórico.

Foto - Jairo


Viram o quanto que se pode aprender a partir de uma visita a um local que para muitos traz calafrios, medo, etc. Talvez isso explica o fato de muitos cemitérios, antigos, estarem hoje totalmente abandonados, tomados pelo mato, túmulos depredados por atos de vandalismo.  Estados Unidos, França, a Argentina, entre outros tantos países, todos os anos milhões de pessoas visitam os principais cemitérios dessas nacionalidades trazendo forte impulso ao PIB.

No Brasil, visitar cemitérios é um programa quase que exclusivo ao dia dois de novembro, feriado nacional dedicado aos mortos. Fora isso, algumas cidades importantes como São Paulo e Rio de Janeiro, dois cemitérios se destacam, o da Consolação e de São João Batista. Ambos recebem turistas do Brasil e de todos os cantos do mundo, contendo serviços de guia e QR- COD para dar mais informações ao público.

 Em Santa Catarina são dezenas de cemitérios antigos abandonados que poderiam hoje estar inseridos nos planos de desenvolvimento turístico sustentável dos municípios. Revitalizar esses espaços seria o primeiro passo. Em seguida, devem-se integrar os departamentos de cultura, educação e meio ambiente, com vistas a desmistificar e sensibilizar a sociedade sobre a riqueza cultural material e imaterial desses ambientes.  

Na região sul de Santa Catarina, incrível que pareça, existem inúmeros cemitérios que já deveria há muito tempo estarem tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico. Muitos desses espaços são datados do final do século XIX e início do XX. Os túmulos guardam registros importantes da sociedade da época, em especial aspectos da religiosidade cristã, representados por meio de símbolos sacros. O fato é que parte de toda essa preciosidade cultural está se perdendo e, junto, a memória de gerações que nos antecederam.

Foto - Jairo


A comprovação de que estamos perdendo um rico tesouro cultural material e imaterial foi revelado na última quarta feira, 15 de setembro, quando fomos visitar dois cemitérios no município de Praia Grande e outros três em municípios do RS que fazem fronteira com SC. Jamais imaginei que iria me deparar com um lugar repleto de memória, de extraordinária simbologia para os cristãos, tão desprezado, tão maltratado. O mato já cobria o que restava dos poucos túmulos ainda intactos. Os demais jazigos, já estavam completamente descaracterizados pela ação do tempo e atos de vandalismo. Pela estrutura dos túmulos o cemitério aparentava ter sido instalado ali, junto à rodovia estadual Praia Grande/Jacinto Machado há quase um século.

Foto - Jairo

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Observando registros ainda possíveis de serem compreendidos nas lapides, algumas sepulturas datam dos anos 1950, porém, é possível que haja outras sepulturas bem mais antigas, pois essa estrada servia no passado como passagem dos tropeiros que subiam e desciam a serra transportando gado e demais mantimentos. Tanto eu quanto os dois companheiros presentes sobre aquele rico acervo histórico, fomos tomados por sentimentos que misturava incitação e frustração.

Qual ou quais motivos as forças políticas do município e região deixaram chegar um espaço tão simbólico e promissor turisticamente naquelas condições? É claro que o estado deplorável daquele histórico cemitério é apenas um exemplo de tantos outros ambientes desprezados pelas autoridades. O que deve ser feito de imediato para salvar o pouco do que resta daquele rico acervo cultural é pressionar do poder público do município de Praia Grande para que assuma a responsabilidade de preservá-lo.

No projeto Geoparque Caminho dos Canyos que integram sete municípios, o objetivo do plano é promover a preservação e o desenvolvimento sustentável das potencialidades geológicas, históricas, artísticas e culturais dessa região. Ao mesmo tempo em que o projeto geoparque propõe a revitalização do tropeirismo como protagonista da ocupação dessa região, comete o grave equívoco de dispensar devidas atenções aos cemitérios, locais que poderão estar sepultados muitos desbravadores desconhecidos.

A presença do imigrante italiano e do alemão é observada nos costumes locais bem como na arquitetura das edificações. Não podemos excluir desse prelúdio ocupacional regional, os indígenas e os negros africanos. Esse último empregado como mão de obra escrava pelos proprietários de terras em várias atividades laborais. A comprovação da presença de remanescentes africanos pode ser constatada visitando a comunidade quilombola São Roque, na região da Pedra Afiada, município da Praia Grande. É um lugar histórico que ainda conserva elementos importantes da cultura luso africana e que deveria receber todas as atenções no projeto Geoparque.

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Quanto a etnia alemã, quando aqui chegaram muitas famílias eram convertidas ao luteranismo. Sendo assim uma das primeiras iniciativas dos grupos foi a edificação de uma igreja e de um cemitério, ambos exclusivos para quem seguisse o culto luterano. Um bom exemplo de riqueza histórica e conservação é o cemitério situado na comunidade de Itoubava, município de Araranguá. No tour cemiterial da quarta feira dia 15 de setembro visitamos outros dois, um na Praia Grande e outro na comunidade de Villa Lothammer, município de Torres. Ambos também bem conservados e munidos de certas peculiaridades históricas.

Foto - Jairo

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Por ser um cemitério luterano, todos ali sepultados são ou foram convertidos ao culto luterano. Quando se diz que é um ambiente rico culturalmente e repleto de curiosidades, isso se deve ao fato de que os que estão ali sepultados são membros de famílias alemãs que migraram para região a partir do início do século XX. Cada túmulo conta fragmentos da história, que ajuda compreender o cenário social e político local e global daquele momento. Conforme relatou um colega conhecedor da cultura germânica regional, o mesmo informou que há em uns dos cemitérios da região, cidadão sepultado e cujo padrinho de batismo teria sido o líder alemão Adolfo Hitler.

Relatou que, antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, as notícias que chegavam da Alemanha descreviam um país em franco desenvolvimento e cujo responsável era Hitler. Muitos alemães ou descendentes que habitavam essas terras externavam enorme apresso ao chanceler alemão, a exemplo desse cidadão de Torres que resolveu dar o nome do líder alemão ao seu filho.  Carta foi enviada a Adolfo Hitler convidando-o para padrinho de batismo. Não podendo vir ao Brasil para celebrar o ritual de batismo, o líder alemão agradeceu e enviou à família trezentos marcos como presente de agradecimento.

Certamente deve haver muito mais relatos curiosos e intrigantes  adormecidos nesses ambientes, que poderão ser silenciados para sempre se o processo de depreciação cultural permanecer. Isso serve também para outros segmentos patrimoniais. Um exemplo é uma imponente residência construída em 1881 na cidade gaúcha de Mampituba, que pertence à família Muller. Conforme relatos a casa foi construída por escravos, pois nessa época, sete anos antes da abolição, as famílias abastadas da região possuíam escravos.

Foto - Jairo


O estilo arquitetônico da residência é luso brasileiro, construída toda em pedra, com argamassa entremeada. É interessante aqui destacar que obra embora já decorridos 140 anos da sua construção, toda a estrutura em pedra continua intacta, exceto o reboco que está descascando em alguns pontos. Essa satisfatória condição da estrutura em pedra não é vista na cobertura, construída em madeira e telha de barro. É possível constatar que um lado do telhado da residência está comprometido, com risco iminente de desabamento.

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Conforme está descrito no projeto Geoparque caminho dos Canyons Sul, no segmento educação, o mesmo traz o seguinte enunciado no aspecto educação: “desenvolver estratégias para envolver professores, estudantes e seus familiares em ações que contribuam com o conhecimento e a valorização do patrimônio natural e cultural do território, a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável da região”. Partindo desse enunciado, esperamos que esse singelo texto possa contribuir com sugestões ao grupo gestor do projeto geoparque, inserindo no seu escopo a temática cemitério, como campo de pesquisa a cultura material e imaterial regional.

Prof. Jairo Cesa   

              

https://canionsdosul.org/    

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/turismo/2019/05/23/interna_turismo,756573/cemiterios-para-visitar.shtml

file:///C:/Users/LOJA349/Downloads/Patrimonio_Funerario_Catarinense_web.pdf

https://ndmais.com.br/literatura/historiadora-organiza-guia-sobre-patrimonio-cultural-funerario-catarinense/

https://canionsdosul.org/educacao/

 


 

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