A POLÊMICA SOBRE O MARCO
TEMPORAL QUE PODERÁ INTENSIFICAR A VIOLÊNCIA ENTRE INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS
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Há mais de quinhentos anos os povos
originários do Brasil vêm travando insistentes lutas para garantir o direito de
posse às poucas terras que lhes sobraram após a invasão portuguesa em 1500.
Assassinatos e doenças foram formas como os invasores europeus adotaram para
facilitar a tomada, exploração e mercantilizarão das riquezas brasileiras às
metrópoles europeias. A tomada do Brasil permaneceu nos séculos XIX e XX com a imigração
italiana, alemã, polonesa, nas regiões sudeste e sul do Brasil. Tais incentivos
partiram do governo imperial e republicano com vistas à colonização das terras
habitadas há séculos pelos povos originários: os guaranis, os Xoklengs, os
Kaygangs, etc, etc.
Essas comunidades foram literalmente
massacradas pela atuação dos bugreiros, jagunços contratados pelas empresas
colonizadoras para deixar as terras livres aos novos “donos”. Hoje em dia o pouco do que restou desses grupos
originários habitam pequenas aldeias, onde enfrentam todas as dificuldades
possíveis para sobreviver. O que há, no
entanto, é uma insistente luta travada por dezenas de etnias indígenas na qual
vem pressionando os governos pela demarcação de áreas reconhecidamente suas.
A destruição das florestas, a
poluição dos cursos d’água pelo garimpo ilegal e por agrotóxicos estão
gradativamente comprometendo o ciclo de vida e cultural desses povos. Se o
cenário já era difícil para as mais de duzentas nações indígenas, com a eleição
de Jair Bolsonaro para presidente da República o processo de extermínio tomou
proporções assustadoras. Os ataques à constituição brasileira, sobretudo no que
tange a direitos assegurados aos povos originários e quilombolas, foi uma das
primeiras investidas desse governo.
O desmonte de algumas estruturas
importantes na proteção das florestas tropicais e unidades de conservação, como
o IBAMA e o ICMbio, corroborou para o aumento da grilagem e expansão da
fronteira agrícola sobre áreas públicas. Como não bastasse a perda de vastos territórios
a partir da ocupação portuguesa, tramita no STF processo que trata sobre a
validade ou não marco temporal defendido pelo agronegócio e respaldado pelo
governo federal.
O Marco Temporal é uma proposta que
procura introduzir critérios sobre a ocupação de terras por indígenas. Essa
discussão teve início a partir do impasse envolvendo área habitada pelos povos
Xoklengs em Santa Catarina. O conflito se dá na Reserva Indígena Ibirama-laklãnõ,
na qual reivindicam como sendo sua área de terra correspondente a 36.988 hectares.
Hoje os Xoklengs estão distribuídos em 15 mil hectares. Todo esse problema teve início a partir de uma
ação impetrada pela FUNAI no ano de 2000, no qual admitia que a área de direito
dos Xoklengas era mais que o dobro do que já tinham como garantia, chegando a
quase 40 mil hectares.
Parte expressiva da reduzida área
pertencente aos Xoklengs foi transformada na reserva biológica do Sassafrás
pelo governo de Santa Catarina. Essa decisão foi contestada pelo Ministério da
Justiça por meio da portaria 1.128/2003, que ampliou a terra indígena Xokleng,
porém, até hoje o processo de demarcação não foi homologado. Em 2009 o estado de Santa Catarina entrou com
ação para reintegração de posse dessa área em litígio junto ao TRF, da quarta
regional de Porto Alegre. O órgão, no entanto, julgou favorável o pedido do IMA
(Instituto do Meio Ambiente) de Santa Catarina de reintegração de posse. A FUNAI e a fundação nacional do índio elaboraram
recurso extraordinário direcionado ao STF, cujo relator foi o ministro Fachin onde
atribuiu o caso em particular como de Repercussão Geral.
Isso significa que a decisão,
favorável ou contra, terá efeitos em todo o território nacional. A tese
defendida por setores ligados aos ruralistas faz jus ao marco temporal, ou
seja, se considerará como área indígena de direito, aquelas que foram ocupadas
e estejam habitando até o dia 05 de novembro de 1988, data da homologação da atual
constituição. Quanto a Constituição Federal,
o artigo 231 não estabeleceu nenhuma data ou outro tido de critério para
decidir se o território é ou não é indígena, basta apenas à comprovação da
ligação ancestral dos indígenas à área.
A própria constituição obriga a união
demarcar todas as terras ocupadas por esses povos. Também foi dada como data
limite o ano de 1993 para que todas as terras indígenas ocupada, totalizando
487, fossem homologadas, fato que não aconteceu. Atualmente são 724 áreas em diferentes
fases de processos demarcatórios. Esse tópico referente à garantia ou não do
direito sobre área ocupada ou reivindicada como indígena, tramita no congresso
por meio da PL 490 de 2007.
Essa proposta apresentada na câmara
federal, o texto reclama entre outros tópicos a alteração do Estatuto do Índio,
dando permissão para contratos de cooperação entre índios e não índios. O texto,
no entanto, foi rejeitado na época pela Comissão de Direitos Humanos da câmara
e arquivado posteriormente em 2018. Na campanha presidencial de 2018, o
candidato Jair Bolsonaro havia prometido que o projeto seria desarquivado, como
de fato ocorreu. Em 29 de junho de 2021 a proposta foi aprovada na CCJ da
câmara cuja relatora foi a deputada Bia Kicis, do PSL-DF.
Caso seja aprovado na seção de
votação da câmara deverá a proposta ser discutida no senado. Passando nas duas
casas do legislativo, zero será a expectativa do Presidente da República vetar
na hipótese da proposta for totalmente favorável ao agronegócio. A alegação do setor ruralista na defesa do
marco temporal parte do pressuposto de os indígenas já possuem muita terra e
que não estão produzindo. Esse argumento não procede conforme pesquisa
publicada em uma das revistas mais influentes do mundo, a ELSEVIER. Segundo o
relatório apresentado, no Brasil 97 mil fazendeiros têm sob sua posse 21,5% de
todo o território brasileiro. Enquanto que 572 mil indígenas ocupam somente 13%
de toda a área. Portanto proporcionalmente a extensão de terras ocupadas pelos
povos originários é absurdamente menor que a dos ruralistas.
Como forma de pressionar tanto o STF
quanto ao executivo federal, cerca de cinco mil lideranças indígenas,
representando 172 etnias participaram em Brasília no dia 07 de setembro, de manifestação
contra o marco temporal. A intenção do movimento foi pressionar os ministros do
STF para que não cometam o erro de defender a tese do marco temporal, que
gerará um impacto sem precedente na vida de milhares de indígenas.
O marco temporal terá repercussão
direta nos processos de demarcação que estão correndo na justiça há décadas.
Essas ações demarcatórias poderão ser canceladas, fato que abrirá precedentes
para uma enxurrada de ações de despejos contra comunidades indígenas. No dia 14
de junho último, o relator da ação sobre o marco temporal no do STF, o ministro
Edson Fachin votou contra, realimentando a esperança em prol dos indígenas.
Na quarta feira, 15 de setembro, o
ministro do STF, Kássio Nunes Marques, votou favorável ao marco temporal. Essa
posição favorável ao agronegócio e ao governo federal já era esperada com base
no seu alinhamento político com o governo Bolsonaro. Uma postura que
desconsidera todos os abusos praticados há séculos contra os indígenas.
Defender o marco temporal é defender a violência, o assassinato de milhões de
índios desde a chegada dos invasores portugueses em 1500 até hoje, por
jagunços, grileiros, fome e doenças.
Prof. Jairo Cesa
https://cimi.org.br/2021/09/ataques-segurancas-privados-queimam-casas-guarani-kaiowa-dourados-ms/
https://cimi.org.br/2020/10/xokleng-laklano-luta-terra-indigena-pode-ser-marco-reparacao-historica/
https://cimi.org.br/2020/10/conheca-historia-povo-xokleng-centro-debate-direitos-indigenas-stf/
https://cimi.org.br/2020/10/pacificacao-xokleng-armadilha-violencia-esbulho-territorial/
https://cimi.org.br/2020/10/requiem-para-marcondes-nambla-xokleng/
https://www.cartacapital.com.br/justica/stf-e-o-caso-da-terra-indigena-xokleng/
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