terça-feira, 5 de setembro de 2017

SANTA CATARINA: TRÊS ANOS DE VIGÊNCIA DO PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO SEM PERSPECTIVA DE CUMPRIMENTO DAS PRINCIPAIS METAS



Quem acompanha diariamente os jornais e principais canais de TV do estado de Santa Catarina e não conhece ou convive com a realidade das escolas públicas estaduais deve ter ficado encantado, emocionado com tanta propaganda financiada pelo governo catarinense enaltecendo o “maravilhoso” e “paradisíaco” cenário das unidades de ensino do estado. São com tais desatenções da sociedade e  investimentos milionários em propaganda, cerca de 50 milhões gastos em 9 meses de governo em 2016, que a atual aliança política estadual (PMDB, PSD, PSDB, entre outros) vem se revezando no poder há décadas.
O que chama atenção é como um governo ou bloco de alianças conseguem se eleger e reeleger com tantas denúncias comprovando irresponsabilidade e ingerência em seguimentos estratégicos da sociedade como segurança, saúde e principalmente educação. Para comprovar tais desleixos noticiados pelos vários canais noticiosos, basta visitar umas das tantas instituições públicas estaduais, hospitais, escolas ou transitar por uma rodovia de concessão estadual e irá perceber o porquê  o estrondoso gasto com publicidade.
Se expressiva parcela das escolas públicas do estado de Santa Catarina há algum tempo se encontram na “UTI”, o que dizer da saúde pública, que quase todos os dias o próprio jornal impresso Diário Catarinense, exibe reportagens de alguma unidade de saúde em situação de extrema penúria. Somente na edição do dia 30 de agosto de 2017 foram cerca de duas páginas reportando o quadro lastimável do Hospital Infantil Joana de Gusmão, de Florianópolis, onde cirurgias efetivas foram canceladas por falta de material de higiene. Na mesma página são relatadas a situação também desesperadora de outros quatro hospitais públicos: o Celso Ramos, também da capital, com 76 leitos fechados; o Regional de São José, com 24 leitos fechados, com falta de servidores e de materiais básicos; a maternidade Carmela Dutra e o Hospital Nereu Ramos, ambos também de Florianópolis com déficit de servidores.
É sabido que em qualquer setor, associação de moradores, cooperativas, sindicatos, etc, quando há boa gestão dos recursos arrecadados não é necessário muito esforço para obter o reconhecimento  dos associados e do público em geral. Agora, quando um gestor público se disponibiliza de um volume exorbitante de recursos para publicidade, 39,9 milhões em 2015 e mais 48,3 milhões no ano seguinte, 2016, alguma coisa de errado está ocorrendo na administração. A propaganda, geralmente se caracteriza como estratégia de marketing onde imagens e discursos são forjadas para induzir  as pessoas a acreditarem  em algo que não é real.
O tema educação pública voltou à cena nos últimos meses revelando que das 19 metas do PNE aprovadas em 2014 quase todas estão longe de serem concretizadas. O plano que foi até mesmo elogiado por entidades internacionais, vem se degringolando  no país frente as políticas entreguistas do atual governo que reduziu drasticamente investimentos para o setor. O descumprimento de prerrogativas constitucionais e de dispositivos do próprio plano educacional coloca o país numa situação delicada, com tendência de intensificar ainda mais a já brutal  desigualdade social e a escancarada “guerra civil urbana”.
Com um histórico terrível de divisão de classe, desigualdade social e domínio político das arcaicas oligarquias, seria ingenuidade acreditar que governos, políticos, empresários, etc, quisessem aprovar planos educacionais com pretensões de revolucionar a educação. É claro que quanto mais educado, esclarecido for o povo, menos será a prevalência de políticos corruptos no poder e a perpetuação de estruturas tradicionais de governos nos estados e municípios.
Para corroborar com tais afirmações acima, bastam observar o percentual de metas efetivadas do plano estadual e municipais de educação do estado catarinense nos três anos de sua vigência.  Das 19 metas elencadas, 7 apresentam nítidas deficiências, a começar pelo descumprimento do prazo estabelecido pela legislação em relação a META 1, que trata sobre a universalização do ensino infantil.  O acesso a educação à população de 15 a 17 anos, que é prerrogativa da META 3, também é de prever que não cumprirá os prazos.  No mesmo patamar de dificuldades cumprimento dos prazos estão a META 7, sobre a elevação das notas do IDEB;   a META 9, sobre a elevação da taxa de alfabetização e a redução do analfabetismo estrutural; a META 15, profissionalização do magistério, licenciatura e formação continuada; a META 17, plano de carreira dos professores e por fim a META 18, sobre a gestão democrática.
Em âmbito da rede pública estadual podemos nos ater em primeiro lugar as metas  15, 17 e 18, que tratam especificamente da formação, carreira e gestão, itens considerados chaves do plano e que já acumularam acirrados debates e atritos envolvendo sindicato da categoria, SINTE, e governos. É bem possível que as metas acima mencionadas dificilmente cumprirão os prazos estabelecidos. Para justificar a inoperância dos governantes, representantes de entidades como a própria UNDIME (União dos Dirigentes Municipais) que representa os municípios, traz o argumento de que quando o plano foi aprovado em 2014, o cenário econômico era melhor que o atual, que os municípios têm de ajustar o plano a realidade local. Outra alegação é de que 82% dos municípios catarinenses mudaram seus gestores, que por não terem participado do processo da construção do plano, muitos se recusam a aplicá-lo ou não tem qualquer conhecimento dos mesmos.
Quanto à rede pública estadual, o cenário também é pessimista. Mais da metade dos/as professores/as que atuam na rede pública não são efetivos, o agravante é que milhares desses estão exercendo disciplinas que não condizem com sua habilitação. Com a redução do número de aulas por turma, os/as professores/as, no desespero, para não ter perdas salariais, se sacrificam lecionando em áreas distintas de sua formação. São professores/as de matemática lecionando filosofia, sociologia; professores de historia dando aula de artes, ciências, entre outros. .
 Outro nó complicado do plano estadual é a META 17 que faz referência ao Plano de Carreira do Magistério. Em 2016 depois de uma histórica greve do magistério estadual que foi deflagrada no ano anterior, a assembléia legislativa do estado aprovou o plano de carreira do magistério, que foi violentamente criticado e combatido pela categoria, especialmente nos aspectos tabela e piso salarial. O argumento hoje defendido pelo governo é de que vem cumprindo a lei do piso, que o estado paga acima da média nacional. O fato é que o argumento do governo relativo ao pagamento do piso não é verdadeiro. Basta observar a tabela e os contra cheques salariais e perceber que o governo incorporou a regência de classe no vencimento, dando uma falsa idéia de ganho salarial.  A meta 17 institui que o salário dos/as professores/as devem ser equiparados aos dos demais profissionais com escolaridade equivalente até 2020.
Mesmo com graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado, o salário do/a professor/a fica bem atrás dos demais profissionais com formação equivalente.  Quanto aos planos de carreiras, condições elementares para a valorização da profissão, de um total de 295 municípios catarinenses, apenas 79 deles têm planos que atendem a lei federal do piso, lei n. 11.739/2008.
Quanto ao sistema de Gestão das Escolas, há décadas que a categoria do magistério vem batalhando para o rompimento definitivo do ciclo vicioso envolvendo partidos e políticos oportunistas na indicação dos gestores das escolas. Esse processo, em períodos eleitorais, mobilizava uma intrincada rede de políticos e profissionais do magistério nos municípios. Com a definição dos pleitos, cabia aos vereadores ou deputados, a função de indicar o diretor, que o apoiou, à vaga disponível. Em 2014 o governo do estado encaminhou decreto que instituiu a “gestão democrática” nas escolas. É importante que se esclareça que decretos não têm o mesmo peso decisório de uma lei, podendo, qualquer governante, conforme suas conveniências, lançar outro decreto para suprimi-lo.
Os critérios de escolha de gestores, conforme estabelecido pelo decreto, não atendiam as aspirações defendidas pelos/as professores/as. Embora a população escolar tenha participado do processo, antes da realização do pleito, o plano de gestão e o candidato deveriam passar pelo grifo de uma comissão criada pelo próprio governo. Vale a pena listar quantos candidatos sindicalistas tiveram seus planos deferidos e participado do processo. Segundo a SED (Secretaria Estadual de Educação) o governo do estado vem preparando lei específica sobre o tema gestão, porém, ainda continua tramitando na casa civil. Alguém acredita que a gestão democrática nas escolas públicas do estado um dia virará lei?
Para concluir as reflexões sobre os motivos dos descumprimentos das metas do Plano Estadual de Educação e os seus reflexos à superação dos entraves que colocam o ensino médio catarinense na corda bamba do fracasso, a META 3 versa sobre  garantir matrícula para  90% da  população de 15 a 17 ao ensino até 2024. A tendência é de que essa meta também não seja cumprida, agravando ainda mais o número de evasão e abandono de estudantes nessa faixa etária. Uma das estratégias do governo do estado é ampliar o número de escolas em tempo integral, bem como modificar o currículo conforme a BNCC, que segundo o governo o atual modelo é pouco atrativo.
É ilusório pensar que mudando a BNCC irá se reverter os problemas das escolas públicas. A nova proposta da base curricular fala de aulas mais dinâmicas, interativas, com o emprego de ferramentas que estimulem e atraiam a atenção dos estudantes. Talvez algumas dezenas das mais de 1000 escolas públicas estaduais têm os laboratórios de informática e a internet funcionando satisfatoriamente. Pode se contar no dedo aquelas que possuem laboratório de ciências, sala multi mídia, biblioteca bem equipada, quadras esportivas em bom estado, etc. Tem escolas em que professores tiveram que comprar do próprio bolso o data show para poder desenvolver melhor suas aulas.      
O governo alega que um dos motivos do baixo rendimento do ensino médio é o limitado número de escolas de tempo integral. Vem prometendo que chegará a pelo menos 24 novas escolas de tempo integral até 2018. É claro que são somente promessas, principalmente porque 2018 é ano eleitoral. Em vez de ter gasto quase cem milhões de reais com publicidade, com intuito de confundir os contribuintes catarinenses, poderia ter aplicado pequena fração desse montante para a recuperação de centenas  de escolas que estão aos frangalhos.
Um exemplo é o prédio da EEBA de Araranguá, parcialmente interditado, que há quase 10 anos vem sofrendo com todo o tipo de problema, de goteira ao risco de incêndio. Os demais cômodos funcionam parcialmente. Assim sendo, esperamos que o povo catarinense não repita os mesmos erros do passado no momento de escolher seus representantes para o legislativo e o executivo estadual. O dinheiro dos contribuintes, o meu, o nosso dinheiro, deve ser bem aplicado em benefício de todos e não de uma fração de privilegiados. Se há problemas graves  na saúde, segurança, transporte e educação no estado, não é por culpa exclusiva do cenário econômico nacional, como tentam reiterar alguns colunistas de jornais em circulação estadual, é sim por má gestão estadual  e dos desvios de prioridades, e isso pode ser comprovado.
O SINTE há muito tempo vem denunciando uma série de irregularidades atribuídas aos gestores estaduais, e que se intensificaram ainda mais na atual gestão, que resultou até no encaminhamento de Impeachment contra o atual governador. É claro que não há dinheiro para custear a educação, pois vejamos: o governador considerou metade dos gastos com aposentados como gastos com educação, que não é permitido por lei. As cifras gastas chegam a quase 700 milhões de reais. Desde 2011, os governos que se sucederam no estado de Santa Catarina desviaram nada mais nada menos que 6 bilhões de reais, recurso esse destinado à educação. Esse problema vem se repetindo desde 2001 quando os governos deixaram de aplicar à educação aproximadamente 10 bilhões de reais.
 As APAE vivem o pesadelo diário da falta de recursos, onde muitas só conseguem se manter funcionando graças ao engajamento da comunidade promovendo campanhas de pedágios, bingos e contribuições espontâneas para custear serviços básicos. Entre 2011 e 2015, as referidas instituições não receberam 12 milhões de reais na qual tinham direito do governo do estado. Somente em 2016 foram 2 milhões a menos. E o caos se espalha pelas demais escolas públicas. Agora o governo vem promovendo nos municípios catarinenses campanhas de municipalização do ensino. A estratégia do governo é simples, transferir as escolas de ensino fundamental aos municípios, enquanto que as estaduais, a intenção é formar parcerias com ONGs ou com a iniciativa privada. É um processo de entreguismo e privatização progressiva do ensino público que já vem se sucedendo há algum tempo.      
Um dos principais parceiros do governo catarinense nessa empreitada privatista é a FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina). Muito dos encontros, congressos e cursos de formação de gestores, tem a FIESC e demais organizações como Instituto Airton Senna, Fundação Itaú, entre outras, como parceiros, financiadores. Um exemplo para elucidar esse processo privatista  é o 12° Congresso Educasul, em Florianópolis, entre os dias 31 a 02 de setembro, que tratará sobre educação e os desafios. O que chama atenção é o tema e alguns palestrantes, como o que irá promover a palestra de abertura, o professor Mozart Neves Ramos, diretor do instituto Ayrton Senna.  O mesmo abordará o tema A Atual Crise do Ensino Médio Brasileiro.
Outras temáticas agendadas na programação também merecem destaques, são eles: A Reforma do Ensino Médio: Impactos às Redes Públicas e Privadas e Caminhos Para a Transformação do Ensino Médio. Um encontro para discorrer temas tão complexos e necessários como esses, a presença de professores das redes públicas no encontro deveriam merecer maior divulgação e valores de inscrições mais acessíveis à realidade salarial dos mesmos. Imagine um professor ter que desembolsar  370 reais para pagar inscrição de um encontro que tratará sobre educação. É o cúmulo do absurdo.
Conversando com um colega professor, o mesmo me informou que o encontro realmente é exclusivo para gestores de escolas, que suas inscrições foram subsidiadas pelas instituições das quais representam. Portanto, ficou muito claro o propósito do congresso, formar e preparar gestores segundo a lógica do capital, do empresariado, das Organizações Sociais que irão gestar as escolas públicas no futuro.
Prof. Jairo Cezar     

                                   

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