domingo, 7 de agosto de 2016

Os efeitos perversos da aprovação do Projeto de Lei Complementar 257/ 2016 na vida dos trabalhadores brasileiros. 

As expectativas de que com a posse do presidente interino Michel Temer a situação funcional dos trabalhadores especialmente da iniciativa pública das instâncias federais, estaduais e municipais se deteriorariam ainda mais, se concretizaram quando foi divulgado que o Projeto de Lei Complementar ou PLP 257-16, que trata sobre o refinanciamento das dívidas dos estados, entraria na pauta do congresso já no começo do segundo semestre em caráter de urgência. 
Como não bastasse toda a roubalheira que solapou bilhões e bilhões de reais dos cofres públicos, dinheiro quase que suficiente para amenizar as nefastas condições estruturais dos hospitais, escolas, saneamento básico, segurança pública, entre outros, agora, para agravar ainda mais, um novo ataque do executivo e do legislativo. O que vem se apregoando nos bastidores do poder e através das mídias entreguistas é querer responsabilizar os trabalhadores pelo atual quadro de instabilidade econômica no qual se encontra o Brasil.
É inacreditável pensar que um país tão extenso territorialmente, com pujante capacidade produtiva e de extraordinárias reservas naturais, capaz até de se auto subsistir, esteja passando por terrível “calvário”, fruto da brutalidade insana de um modelo econômico perverso, capitaneado por poderosos grupos financeiros, com total cobertura e apoio de governos entreguistas de plantão.
Não é de hoje que os mal escolhidos “representantes do povo” vêm se comportando como verdadeiros fantoches de seus financiadores de campanha. Nessa direção, as frágeis políticas de gestão política dos países capitalistas periféricos e centrais os mantêm historicamente sob a órbita de poderosas organizações como Banco Mundial, FMI, entre outros tantos grupos financistas. Não podendo esquecer, todavia, da forte dependência do capital especulativo transnacional que consome parte de nossas reservas cambiais aproveitando as generosas taxas de juros oferecidas, uma das maiores do planeta.
  Quando nos atemos aos discursos favoráveis aos ajustes da economia convém lembrar o período pós-ditadura quando iniciou no Brasil um violento processo de reorganização do Estado brasileiro, transferindo parte de patrimônio nacional, empresas de mineração, petróleo, eletricidade, bancos, telefonia, transportes, etc. a verdadeiros conglomerados transnacionais. Todos (as), suponho, devem se lembrar do modo como se procedeu a venda da Vale do Rio Doce. Um patrimônio de trilhões de reais em reservas minerais vendido, vendido não, entregue por um poucos bilhões de reais.
E não parou por aí. Um ajuste também requer limitar gastos públicos em educação, saúde, segurança, etc. Lembram da lei de responsabilidade fiscal homologada em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso? Um instrumento dito eficiente de controle dos gastos públicos que condicionou o governo brasileiro ao cumprimento de metas fiscais como vendas de ativos públicos e congelamento dos salários.  Tais medidas asseguraram economia de bilhões de reais para o refinanciamento das dívidas com fundos e bancos internacionais.
 Na época, a propaganda que foi intensamente disseminada pelos veículos de comunicação, aliados do poder, procuram justificar os ajustes como medidas imprescindíveis, admitindo que quanto mais “enxuto” fosse o Estado, mais investimentos seriam alocados ao setor produtivo, que por conseqüência alavancaria a economia, o emprego e a renda dos trabalhadores. Nada disso aconteceu. O fato é que Estado enxuto ou mínimo tem, ideologicamente, um sentido ideológico, de desemprego, arrocho salarial e precarização dos serviços básicos oferecidos. A ascensão política do Partido dos Trabalhadores criou a expectativa de um novo ciclo de poder popular, de um possível rompimento definitivo com as tradicionais oligarquias, enraizadas em todas as instâncias do frágil Estado republicano.  Quem se lembra das primeiras edições do Fórum Social Mundial ocorrido no Brasil, na cidade de Porto Alegre?
Quem esteve lá e acompanhou os acalorados discursos sobre outro Brasil que se pretendia construir, deve ter se frustrado a partir do segundo ano de governo Lula e, posteriormente, tendo continuidade por Dilma Rousseff. Ambos não tiveram coragem o suficiente e nem competência para promover o que estabelecia o estatuto do partido dos trabalhadores, ou seja, uma profunda transformação estrutural, que pudesse romper definitivamente com o histórico e nefasto domínio das elites predadoras que, como vampiros vorazes, “sugam o sangue” dos trabalhadores. Nada de revolução, menos ainda melhorias substantivas em áreas estratégicas, que a meu ver a educação deveria ser uma delas por ser um instrumento impulsionador do desenvolvimento.
 No lugar de transformações significativas, o que se viu foram modestas e acanhadas ações de caráter filantrópico, através de transferência de recursos às populações carentes, sem ao menos condicionar o apoio a um plano mais estruturado que pudesse resultar em uma real “revolução social”, não nos moldes tradicionais, mas que brotasse no interior dos grupos sociais, fundamentado em teóricos como o educador brasileiro Paulo Freire, o italiano Antônio Gramisc, entre outros.   
Nem educação, nem saúde, nem segurança foram priorizados durante mais de uma década que perdurou o ciclo “lulismo” e Dilma. E não foi por falta de recursos. Como em qualquer país que alcançou o desenvolvimento econômico e social, como exemplos, Noruega, Suécia, Finlândia, etc. ambos aproveitaram de maneira eficiente suas riquezas naturais: petróleo, minérios, pescados, entre outros, para dinamizar suas economias, transferindo parte dos vultosos recursos para revolucionar a educação.
No Brasil, o processo dito “transformador” foi e está sendo realizado de modo invertido. E por quê? A resposta, portanto, pode estar condicionada a vários fatores, dentre eles, talvez, o que mais aproxima a realidade, é o político administrativo. No Brasil, tal sistema foi forjado há mais dequinhentos anos, que a pretexto de assegurar o bem comum, muitos as utilizam em benefício próprio e de seus “iguais”. Manter a educação pública em condição de precariedade como se vê hoje, permite que sejam reproduzidas as relações de domínio de classe.
 Construir um Estado verdadeiramente republicano no Brasil, seguindo os princípios do modelo clássico, nesse caso o positivismo, está ainda distante para se consolidar. Basta conferir o modo como se sucede as eleições daqueles que integram os poderes legislativos e executivos, nas instâncias federal, municipais e estaduais. Com raras exceções, prevalece até os dias atuais o emprego de critérios questionáveis para alcançar os fins pretendidos, a obsessão exacerbada pelo poder.
O critério de escolha, portanto, ainda se baseia na mercantilização do voto, do toma lá dá cá. Aspectos como competência e capacidade de gestão, compromisso social e honestidade, são esquecidos ou desprezados no instante que o voto é depositado na urna. Para conferir tais adjetivos bastam relembrar o fatídico e emblemático momento em que cerca de trezentos deputados envergonharam milhões de brasileiros expressando frases ou bordões que revelam a limitada capacidade intelectual nos cargos que exercem quando votaram a favor ou contra o impeachment de Dilma Rousseff.
São esses mesmos legisladores que vem decidindo ou vão decidir o futuro de milhões de brasileiros, que os elegeram, na votação de projetos que tornarão a vida desses mesmos brasileiros ainda mais deploráveis. São perdas de direitos e a imposição de sacrifícios ainda mais brutais para tentar recuperar um país devassado pela corrupção e injustiças sociais.  A designação positivista “ordem e progresso”, que se tornou o slogan escolhido pelo governo interino, Michel Temer, já dá o tom de como será seu governo. Quem se lembra dos protagonistas do pensamento Neoliberal do começo da década de 1990, onde seus articuladores, Consenso de Washington, lançaram receituário de reformas estruturais e que foram aceitas e aplicadas inicialmente por Collor de Mello e, posteriormente, FHC. Estado máximo para os trabalhadores e mínimo para o mercado, essa foi a regra estabelecida.
Lembra-se das manifestações dos professores da rede pública estadual do Paraná, no inicio de 2015? É isso mesmo, Estado Máximo foi o que ocorreu, com polícia na rua reprimindo-os com cassetetes, spray de pimenta e balas de borracha. Com o slogan Ordem e Progresso, não há qualquer dúvida quanto sobre o uso da força repressora do Estado, para aqueles que ousarem se opor às políticas de ajustes. Julgam os seus articuladores, que tais medidas restabelecerão os rumos do país, trazendo estabilidade econômica e desenvolvimento social. Isso mesmo, “primeiro fazer crescer o bolo para depois distribuir à população”.  
Afinal qual o custo social para tudo isso? Para um país em crise, com hospitais e escolas aos frangalhos, com todas as benesses possíveis aos seguimentos financeiros internacionais, bem como isenções fiscais generosas às grandes corporações econômicas, o custo social será, com certeza, doloroso. O Projeto de Lei Complementar 157/2016 é um sinal de que teremos dias muitos difíceis se a mesma for aprovada no congresso. O modo como o respectivo congresso hoje está constituído, o mais conservador de todos os tempos, pouquíssimas são as chances de ocorrer um revés favorável aos trabalhadores.
A questão central desse projeto de lei está na proposta de refinanciamento das dívidas dos estados, orçado hoje em cerca de 300 bilhões de reais. Não se enganem a dívida dos estados era muito menor, porém, seus financiadores, os bancos internacionais, criaram um dispositivo de calcular juro sobre o juro.  Como forma de ter o apoio dos governadores num momento delicado, de crise institucional, o acordo fechado com os governadores foi tentar atraí-los a aderir ao plano, cujas dívidas serão proteladas por vários anos. No entanto, como ação compensatória terão os governos estaduais e o próprio executivo federal o compromisso de aplicar as metas do ajuste fiscal.
Mais uma vez o funcionalismo público e companhias estatais de importância estratégica serão penalizados com mais um ajuste estrutural. O fato é que os bancos detentores de fluxo de capitais que transitam pelo planeta e que financiam as economias dos países em desenvolvimento, impõe regras ante populares para assegurar que não haja calote da divida. No entanto, devido a limitação cada vez maior de capitais disponíveis, a tendência são os bancos disponibilizarem os capitais a quem ofereça juros compensadores. Países como o Brasil com uma forte estagnação no setor produtivo, são os elevados e atraentes juros oferecidos que asseguram a entrada de capitais voláteis. Atualmente os juros da taxa Selic são de 14%, muito alto para uma economia quase congelada. O impacto dessa elevada taxa para a economia é o agravamento da recessão.
Outro critério estabelecido tanto para garantir o fluxo de capitais para o pagamento da dívida pública como também a absorção de novos recursos externos via fundo monetário internacional é, além dos ajustes fiscais, a formação de um superávit primário, ou seja, sobras de recursos para o pagamento das dívidas. Para 2017 a proposta do governo federal é reduzir a inflação de 9,5% para 4,5%. A tendência, portanto, é o aumento da taxa da Selic, que por sua vez refletirá na elevação dos preços dos produtos e serviços e a redução do consumo. Isso quer dizer, menos dinheiro circulando, menos consumo, mais desemprego, mais pobreza, mais violência, mais insegurança, etc.  
Preste a atenção de como funcionará essa equação matemática que, segundo o governo federal, será o caminho para a retomada do crescimento econômico. Cada estado da federação deverá promover cortes de despesas com o funcionalismo público, dentre outras medidas. Nesse caso, nos próximos anos nenhum reajuste salarial poderá ser concedido. Na continuidade do déficit público, ou seja, inflação acima do patamar pré-estabelecido, os governos estaduais poderão executar outras medidas mais austeras como suspensão de contratação de trabalhadores e demissões voluntárias.
O sistema previdenciário também sofrerá forte revés. Além da prorrogação do tempo para a aposentadoria, redução dos benefícios e equiparação entre os vários níveis, também ocorrerá a elevação da alíquota cobrada que poderá ultrapassar os 14%. No projeto há dispositivos que estimula os contribuintes a recorrer o regime de previdência complementar. Essa medida cria precedentes para que companhias particulares vinculadas ao seguimento previdenciário se instalem no Brasil e cujos recursos advindos dos fundos complementares ou fundos de pensão serão injetados no capital especulativo rendendo bilhões aos seus proprietários.   É esse mesmo dinheiro dos fundos complementares que financiará as economias débeis como a brasileira. Nosso próprio dinheiro financiando a incompetência dos governos.
Os estados também deverão promover suas reformas administrativas. Santa Catarina saiu à frente e já vem cumprindo tais medidas. No final de 2015 a Assembleia Legislativa aprovou vários projetos flexibilizando direitos já assegurados aos servidores da segurança pública e educação.  Na educação, foi sancionado o novo plano de carreira do magistério público estadual alterando, entre outros, o tempo para a aposentadoria. Além, claro, o congelamento dos salários até 2018, com possibilidade de prorrogação. Talvez depois das eleições o ataque do governo será no regime geral dos servidores que alterará dispositivos jurídicos dos ativos e inativos, extinguindo benefícios e alterando regras de aposentadoria.  
A PLP 157/2016 também autoriza os estados na hipótese das medidas não forem suficientes para atingir os limites pré-estabelecidos de gastos, avançar ainda mais reduzindo em até 30% os gastos com servidores públicos. A tendência aqui é estimular a demissão voluntária no serviço público e alterar o regime jurídico de contratação de trabalhadores, podendo, até, expandir o regime de terceirizados.  Esse já é um dispositivo empregado em vários seguimentos, dentre eles as OS (Organizações Sociais) que administram muitos dos hospitais públicos do Estado. Na educação, serviços como vigilância e alimentação dos estudantes, são terceirizados. A tendência é se estender ainda mais, podendo até o governo terceirizar a contratação de professores e outros serviços executados nas escolas. É só esperar.
E o ataque contra servidores públicos continua. Mais uma vez são os profissionais da educação os alvos diretos do terrorismo praticado pelo governo do estado. E por que será? Por que não adota os mesmos procedimentos contra as Agências de Desenvolvimento Regionais, que acomodam milhares de pessoas em cargos comissionados, cujos benefícios pró-desenvolvimento das regiões são questionáveis? É claro que não!  Por que matar logo a galinha dos ovos de ouro, instrumento que garante a perpetuação de um modelo de governo respaldado por grupos econômicos e grandes empresários da comunicação no estado.
Se a proposta é reduzir gastos públicos mantendo intocáveis tais calcanhares de Aquiles, como ADRs e o seguimento empresarial beneficiando por isenções fiscais milionários, então é necessário forjar bodes expiatórios produzindo situações problemas que justifiquem a adoção de novos procedimentos que resultem na redução do quadro de profissionais, bem como na própria extinção do cargo. A vítima insana do governo desta vez foram os profissionais que monitoram as salas de tecnologia das escolas públicas estaduais.
A questão é que esses profissionais além de exercerem o importante papel de assessorarem os estudantes nos laboratórios de informática, também estão incumbidos de prestar assistência técnica aos equipamentos, assegurando o funcionamento mediante transferência de peças de uma máquina para outra. Isso mesmo. É bem possível que o governo do estado e seu secretário da educação não tenham qualquer noção da condição de abandono e sucateamento dos laboratórios de quase todas as escolas públicas.
Enfim, todo esse imbróglio envolvendo o aparelho estatal, cujos serviços oferecidos são o retrato de um sistema montado para beneficiar partidos políticos e seus apadrinhados, não é de estranhar que nas eleições municipais de outubro de 2016, partidos políticos que integram a base aliada do governo obtenham o máximo de prefeituras e cadeiras no legislativo. Pode ser também que a partir do instante que a população sinta na própria carne os efeitos perversos das medidas previstas na economia, ocorra um revés violento quebrando um ciclo quase centenário de hegemonia das oligarquias no estado. É esperar para ver.
Prof. Jairo Cezar    

              

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