sexta-feira, 12 de agosto de 2016

O ESPETÁCULO DAS CONTRADIÇÕES DE UM PAÍS COMO O BRASIL QUE SEDIOU EVENTOS COMO COPA DO MUNDO E JOGOS OLÍMPICOS


Quem acompanhou a abertura dos jogos olímpicos na última sexta feira, 05 de agosto, deve ter se surpreendido pela espetacular organização e exibição de um cenário fictício que pouco corresponde à realidade brasileira. De certo modo a intenção dos protagonistas do espetáculo foi exatamente essa forjar imagens, até em Três D, exibindo a pujançae o sucesso de um estado falido, Rio de Janeiro, com uma dívida de quase 20 bilhões de reais, e de um Brasil marcado porabissais contradições econômicas e sociais, culturais, onde milhões de pessoas aindavivem em condições desumanas.
Durante as quase três horas de profundo transe apoteótico midiático nointerior “lendário maracanã”, não houve qualquer menção aos bravos e heróicos trabalhadores que deram o seu sangue para que tal realidade fosse possível. Por que no momento da exibição da música, Operário em Construção do cantor Chico Buarque de Holanda, uma equipe representando os operários não desfilaram carregando a bandeira do Brasil e exibindo seus trajes e ferramentas do dia a dia.
Foram eles os verdadeiros heróis, os atletas acrobatas, ginastas e construtores dos cenários, que outrosatletasirão se exibir e vistos por bilhões de pessoas. Somente essesreceberão osaplausos, a admiração e lembrados para sempre. Os operários, construtores, tais quais outros milhares de trabalhadores, pobre mortais, anônimos, jamais serão lembrados. Nem medalhas, nem pódios, terão direito, outra certeza é que se somarão as estatísticas dos milhares de desempregados.
Se o exuberante espetáculo montado foi retratar um país de inventores, de um Santos Dumont com seu inigualável 14-BIS, da evolução da vida através do emprego do que de mais moderno se tem em tecnologia gráfica, de igualdade étnica e sustentabilidade ambiental, bem próximo ao local da festa, dois mananciais, a Baia da Guanabara e lagoa Rodrigues de Freitas, exibem, a partir das águas poluídas, o modo descabido como às elites pensam a agem em relação às questões ambientais no Brasil.
Não é somente plantando sementes de árvores, compromisso de cada atleta no desfile de sexta feira, que reverterá o drama do aquecimento global. Enquanto crianças a frente da comitiva de cada país transportava uma muda de arvore e sementes eram introduzidas nos minúsculos potezinhospelos atletas, no mês de junho desse ano, pesquisas davam conta de 97% do aumento do desmatamento na Amazônia em comparação ao mesmo período de 2015. Até que ponto o simbólico plantio das árvores sensibilizará as autoridades globais se o problema do aquecimento está condicionado ao modelo de produção capitalista que alimenta da exploração exacerbada dos recursos naturais. As expectativas de qualquer reversão desse quase irreversível processo que afeta o planeta terra está longe de solução se for considerado os medíocres acordos resultantes das últimas COPs (Conferência das Partes). 
É provável que milhares de brasileiros devam ter ficado aos prantos na frente das TVs, invadidos pela emoção e orgulhosos por visualizarem um país do futuro, pois o país do presente, nenhuma emoção revela aos expectadores atentos. Era, com certeza, essa a intenção dos organizadores do espetáculo, construir um ambiente cenográfico futurista, fictício, capaz de ofuscar os olhos de milhões de brasileiros e encher de brilho outros tantos bilhões espalhados pelos cinco continentes. É espetacular poder, todos os dias, durante as próximas duas semanas, ligar a TV, internet e outras tantas ferramentas de comunicação disponíveis e se deliciar com tantas imagens de atletas de modalidades distintas, e torcendo para que no alto dos pódios subam muitos (as) brasileiros (as) vencedores (as), que possam servir de inspiração para outras milhares de crianças a exemplo da medalhista olímpica Rafaela da Silva, ouro no judô, cuja história de vida não é diferente de tantas outras milhares de crianças dos bairros pobres do Rio de Janeiro, lutar contra à miséria, à violência e a falta de políticas públicas de incentivo ao esporte.  
São o “espírito olímpico" de união dos jogos” onde locutores e comentarias esportivos dos canais de TV abertos e por assinatura, procuram embutir nas milhares de mentes desatentas, que desconhecem o cenário por detrás dos bastidores do espetáculo, onde quase cem mil pessoas tiveram que ser expulsas de suas residências e removidas para lugares distantes. Um “sonho olímpico” possível mediante a exploração exacerbada de trabalhadores, da madeira, do aço, do couro e outros tantos elementos para a construção dos ginásios, velódromos e cômodos confortáveis que acomodarão delegações de chefes de governos e turistas do mundo todo.
Ninguém se prestará em questionar a dureza que foi a vida de milhares de trabalhadores durante a construção das obras de infraestrutura e as condições de subsistência das famílias dos 11 trabalhadores mortos. Quanto aos mais de 1.600 autos de infração e 38 interdições e embargos envolvendo empresas que descumpriram regras legais? Todas pagaram suas penas? Não são essas pessoas, muito menos seus filhos, que terão o privilégio de utilizar dos magníficos ginásios com requinte internacional. São crianças, pobres, que geralmente estudam em escolas públicas dos bairros próximos ao parque olímpico, que não oferecem as mínimas condições de estrutura requerida para o satisfatório desempenho das atividades físicas, muito menos ainda, assegurá-las uma preparação básica para futuros atletas.
O importante é que “somos todos olímpicos”, slogan apresentado e intensamente repetido por uma emissora de TV brasileira, entre um comercial e outro. É claro que somos todos olímpicos. Olímpicos para milhões de brasileiros que precisam acordar todos os dias bem cedo e seguir uma maratona estafante de longas horas para fazer jus a um mísero salário corroído por uma inflação camuflada pelos órgãos do governo. Olímpicos são os milhares de professores que atuam nas redes públicas de ensino, que ser transformar em verdadeiros atletas, ginastas, judocas para lidar com as dificuldades encontradas nas escolas onde trabalham, sem qualquer infraestrutura para o exercício digno da profissão.
Olímpicos são os índios, habitantes de áreas ocupadas e pretendidas por mega projetos de barragens, de grileiros, garimpeiros e desmatadores, que trazem doenças e a desestruturação às suas comunidades. Uma triste realidade que cuidadosamente passou despercebida aos olhos de bilhões de pessoas do mundo inteiro, sexta feira, dia 05, quando foram encenados os contatos amistosos entre índios e invasores europeus, uma imagem que esconde o preconceito e a brutalidade com tal grupo humano é tratado pelas autoridades brasileiras.  
Tiveram o cuidado de não mostrar que ali mesmo, no rio de janeiro, a partir do inicio do século XVI, os corajosos tupinambás, que resistiram à escravidão branca, foram exterminados pela ganância e brutalidade do homem branco. Também não podemos esquecer os tupinambás e outros tantos povos indígenas exterminados pelas doenças e a fome. Hoje são os guaranis Kaowás e outras tantas etnias que habitam o centro oeste e o norte do Brasil, que são expulsos das suas terras para dar lugar às investidas do agronegócio. Não ficaram sabendo os bilhões de telespectadores que o Mato Grosso dos Sul é o campeão em número de índios assassinados nos últimos tempos.
O governo sul mato-grossense obviamente teria direito a alguma condecoração, não é mesmo? É um problema antigo que vem se arrastando a séculos quando as terras eram ainda devolutas, ou seja, sem proprietários oficiais. Os índios já as ocupavam muito tempo antes da chegada dos invasores portugueses. Todo esse imbróglio jurídico já poderia ter sido solucionado se os governos fossem mais sensíveis e levasse adiante os processos de demarcação.
É bem possível que com o atual governo interino e o modo como o congresso nacional está constituído, muitas olimpíadas se passarão sem uma solução definitiva do impasse que envolve as terras indígenas.   Não foram os massacres contra grupos tradicionais (índios e quilombolas) negros, homossexuais e outros agrupamentos minoritários, encenados na fasta de abertura de sexta. Muito menos cenas dos desastres ambientais como a tragédia em Marina, Minas Gerais, a poluição nas bacias hidrográficas do sul de santa Catarina pelo carvão mineral e os impactos irreversíveis à fauna e a flora nos principais rios da norte do Brasil, como o Xingu, provocado pelas grandes hidrelétricas. 
Quanto aos trabalhadores arregimentados para reparação dos problemas identificados nas acomodações das comitivas no parque olímpico, foi constatado pelo Ministério do Trabalho que não houve por parte dos contratantes, cumprimento às legislações trabalhistas em vigor. Onde está, mais uma vez, o tão divulgado espírito olímpico?  A força tarefa montada as pressas submeteu centenas de trabalhadores à carga horária extenuante e sem registro de carteira assinada. Isso não é trabalho escravo? Afinal, qual o real sentido de uma olimpíada? Não é o da solidariedade, da confraternização, da união dos povos?
Outra indagação. Quantos índios estão participando das competições esportivas no Rio de Janeiro? Onde estão os atletas índios, jogadores de futebol e de outras modalidades esportivas? Ah... mas..., olimpíadas..., só participam os melhores dos melhores!! O fato é que no Brasil o processo de iniciação ou preparação de atletas não se dá através das escolas, com raríssimas exceções. O processo é muito mais complexo e limitado a alguns clubes de excelências, cujos praticantes geralmente são de famílias abastadas economicamente. Os demais, de classes econômicas inferiores, dependem de bolsas para poder se dedicar aos treinos. O que é de conhecimento de todos no Brasil é de que não há e não está se construindo uma cultura esportiva no Brasil semelhante a muitos países que historicamente se despontam nas várias competições como as olimpíadas. Esse poderia, sim, ser um dos legados que a Olimpíada no Rio poderia deixar e que não vai.
É tão profundo o abismo esportivo no Brasil que basta você mesmo visitar algumas escolas públicas no seu município e conferir quantas delas possuem quadras esportivas e outros espaços eficazes à atividade física. Querer acreditar no sonho olímpico é “delirar” que com a realização desse evento no país se desencadeará todo um processo de transformação estrutural. Um país com quase 80% de analfabetos estruturais, com cerca de 9 bilhões de reais retirados do orçamento para a educação, estamos muito, muito longe mesmo de realizarmos o tão esperado e real Sonho Olímpico.
Ao mesmo tempo em que se gastaram bilhões para a realização desse mega evento, entre outros como o Pan Americano de 2008 e a Copa do Mundo de 2014, ontem, 10 de agosto de 2016, um jornal de circulação estadual trouxe em uma de suas páginas a seguinte manchete. Olimpíadas escolares têm corte de 50% na verba. É isso mesmo, corte de verbas. Só para lembrar, o Brasil vinha se destacando mundialmente na olimpíada de matemática. Todos sabem que tais competições nas modalidades de matemática, Astronomia, História entre outras é uma forma de incentivar os estudantes do fundamental ao médio à iniciação científica. Se com os recursos integrais já era difícil, com os cortes as expectativas não são nada otimistas.
Esse é mais um exemplo triste de como o Estado brasileiro, nas três instâncias federativas, trata a educação, cultura e o esporte. Como querer que atletas e estudantes tenham resultados expressivos nas várias competições que participam quando não há planejado. Só para se ter idéia, com base no jornal: “para manter a premiação aos 50 mil primeiros alunos, na Olimpíada Brasileira de Astronomia, a organização recorreu a uma vaquinha virtual para conseguir comprar as medalhas, que custam R$ 3 cada”. É isso mesmo, três reais. Não é vergonhoso?
Em síntese, embora a delegação brasileira na olimpíada do Rio seja a maior de todas as demais participantes, o rendimento até o momento dá mostras que poderá ser muito difícil ficar entre os dez melhores em número de medalhas, que é a pretensão do comitê organizador brasileiro.   O que pode ainda salvar o Brasil de um vexame histórico, são as competições coletivas tradicionais como o vôlei de quadra e de praia, o futebol, etc. Nas demais modalidades individuais, ginástica, natação, atletismo, que deveria haver mais planejamento e investimento público, os resultados, até o momento, são decepcionantes. O Jornal A Notícia, de Joinville, na edição do dia 10 de agosto trouxe a seguinte manchete: “Olhar sobre o esporte começa nas escolas”.
A reportagem discorre sobre o descaso dos gestores públicos em políticas que despertem o habito da população para hábitos e atitudes saudáveis. O incentivo à prática esportiva nas escolas seria o caminho. No entanto, destaca o jornal que a educação física foi alijada das escolas, pois não mais vista como disciplina importante para o desenvolvimento motor das crianças. Pais que sempre destacaram em competições esportivas, especialmente nas modalidades que requer refinado grau de habilidade psicomotora, o processo de preparação se inicia bem cedo, nas escolas de ensino infantil.  
Para João Carlos Andrade, presidente da Federação Catarinense de Ciclismo, “o esporte é uma atividade principal e não acessória, como vem sendo julgada ao longo dos anos”.    Já para a técnica de atletismo Margit Weise, “o desporto escolar inexiste tanto local como nacionalmente”.  Acrescentou também que “Enquanto o Brasil não acordar que o esporte tem que ser praticado e difundido dentro da escola, vamos ficar eternamente na mesmice. Tem que ter uma política para os desportos escolares, por meio de espaços descentes, onde se possa desenvolver as atividades dentro das escolas”.
Acredito que deve ser consenso a opinião de todos os profissionais da área de educação física das redes públicas de ensino do Estado de Santa Catarina. E olha que Santa Catarina, as mídias oficiais insistentemente procuram divulgar em âmbito nacional notícias e reportagens destacando o estado como exemplo em excelência em educação. Para desconstruir tais inverdades é só visitar algumas escolas públicas, e não é necessário  ir muito longe, e comprovar em loco o estado infraestrutural das mesmas. Quanto aos espaços para a prática esportiva ou educação física como queira, já dá um indicativo do por que o Brasil está muito longe de se tornar aquilo que a imprensa insiste em divulgar, um sonho olímpico.

Prof. Jairo Cezar          


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