segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A ESCOLA E A SEU IMPORTANTE DESAFIO DE DESCONSTRUIR MITOS SOBRE SEXO, SEXUALIDADE E IDENTIDADE DE GÊNERO



Foi a partir da década de 1960 influenciado pelos movimentos feministas e demais organizações que enfrentam discriminações como de homossexuais, transexuais, entre outros, que os debates sobre sexo, identidade de gênero e sexualidade permitiu que emergisse os abusos e atos criminalizantes sofridos bem como a luta incessante por direitos sociais e maior liberdade para decidir qual a opção sexual que mais lhes convém. Em se tratando de Brasil a luta das mulheres por conquista e reconhecimento de direitos, mesmo violentamente reprimida durante séculos, adquiriu corpo e notoriedade nas décadas finais do século XX.


A Constituição Federal de 1988 fez emergir um cenário social no qual revelou um espaço público e privado predominantemente machista, cujo desafio das mulheres é se fazer ouvir frente as suas reivindicações.  É uma longa história de repressão e submissão condicionada a posição de coadjuvante frente à figura masculina, lhe restringindo apenas funções domésticas, de procriação e de educação dos filhos.  Fora disso, outras opções eram possíveis, porém restrita a um publico feminino seleto, abastado financeiramente, que seria seguir a carreira do magistério ou a clausura dos conventos. E não parou por ai. A mulher também reivindicava a autonomia de decidir acerca do modo como deveria agir quanto ao seu próprio corpo, quebrando preconceitos, mitos, de corpo sacralizado, à fonte de prazer, de satisfação e da conquista da felicidade plena. 


Porém, seguindo na contramão do processo emancipatório das mulheres e grupos sociais congêneres, estão os movimentos conservadores articulados que vêem nas lutas das mulheres quanto ao seu corpo a ameaça sobre o modelo de família tradicional, um dos instrumentos ideológicos de controle social.  Paralelo ao debate sobre o feminismo abriu-se outras frentes para discutir além da questão da sexualidade, as diferentes dimensões interpretativas do gênero. Isto é, não havendo possibilidades de decisão quanto ao seu caráter fisiológico, masculino e feminino, a luta converge agora na tentativa de naturalizar, sem criminalizar, novos tipos de relacionamentos homoafetivos. O processo não é tão simples, pelo fato de que há sociedades cujas condutas e comportamentos são moldadas à partir de conceitos ideológicos inerentes a sua própria cultura.
O fator religioso é um deles.  Como querer adentrar em um território tão espinhoso, repleto de conservadorismo e preconceito, onde agrupamentos religiosos distintos representados nas instâncias do legislativo federal articulam lobby para que dispositivos constitucionais sejam aprovados seguindo critérios que lhes é conveniente. É claro que a liberdade sexual e de pensamente interfere diretamente num processo histórico de controle e domínio do corpo como ferramenta de trabalho e reprodução. Sexo e ato sexual, como manifestação física que transcende as fronteiras do campo moral e do controle social, vem sendo reivindicado e debatido, porém, enfrenta severas barreiras nas esferas de poder religioso e político.


A escola pública por sua vez deve assumir a responsabilidade de trazer para o debate os conflitos e as contradições de temas polêmicos como sexualidade e identidade de gênero. O que se pretende não é impor verdades absolutas e descabidas, de querer induzi-los os estudantes a assumirem suas identidades sexuais levando em consideração o modismo e a pressão de grupos minoritários. Também, por outro lado, não se deve admitir que seguimentos doutrinários alojados nos interstícios dos poderes decisórios definam aleatoriamente como as escolas devem agir quanto ao ensino sobre sexualidade. Muito menos querer criminalizar ou tentar coagir professores de maneira que se sintam reprimidos em dialogar com estudantes temas polêmicos como orientação sexual e gênero, vistos ainda pela ótica social e familiar como tabus.


Embora o Plano Nacional de Educação tenha sofrido um revés em relação a temática orientação sexual pressionado por setores conservadores sobre o Congresso Nacional, isso não impede ou que as escolas oportunizem os estudantes a abordarem o assunto de modo saudável. Excluir o silenciar tais temáticas do currículo escolar ou tratá-lo sob uma ótica preconceituosa e sexista é estar incorrendo no risco de elevar os níveis de violência contra homossexuais, transexuais, entre outros.  Intensificar o diálogo sobre sexualidade e igualdade de gênero no interior da escola, a partir do ensino infantil, certamente contribuirá para tornar cidadãos mais livres e felizes.
Pois o fato é que grande parte dos traumas e deficiências na aprendizagem, enfrentados pelos adolescentes, tem relação com a sua sexualidade, da sua insegurança, pois os próprios pais não se sentem preparados para tratar sobre o assunto.  O ensino da ciência, nível fundamental e da biologia, médio, se configuram como os contatos e noções que os estudantes adquirem de conceitos relacionados ao corpo humano, que dentre os órgãos que mais lhes despertam a atenção está reprodutor feminino e masculino. É a partir desse entendimento que cada indivíduo poderá adquirir consciência do funcionamento do seu órgão genital e propor medidas que possam evitar doenças infecto contagiosas como AIDS, Sífilis, gonorréias, HPV, etc.
Quando se procura abordar assuntos como sexo, sexualidade, gênero, além do olhar exclusivamente biológico, que serve de construção da identidade e da personalidade, se presume que o (os) profissional (as) da área estejam desprendido de preconceitos, mitos e tabus. Muitas vezes isso não acontece nas escolas, pelo fato dos profissionais da área se manterem presos a crenças e valores conservadores que os impedem de ir além do campo teórico.  Fugir dos preconceitos e tabus históricos relacionados ao tema foi o que pretendeu fazer a enfermeira “Tiane” que conduziu sua fala para aproximadamente trezentos estudantes da EEBA. Além do uso de imagens e outros recursos que fez fluir naturalmente a sua exposição, o domínio e fluidez do tema, seu carisma, foram ingredientes preponderantes para o sucesso do encontro. Não há dúvida que os estudantes e professores presentes no auditório tiveram muitas das suas dúvidas sanadas, especialmente sobre maturidade sexual, fecundidade e patologias resultantes de descuidos durante a relação sexual. 


A questão é que sexualidade e identidade de gênero, de acordo com as legislações educacionais em vigor, se constituem como temas transversais do currículo nacional. Portanto, invariavelmente, devem ser discutidos cotidianamente pelos profissionais da educação. No entanto, não cabe somente ao professor a responsabilidade pela informação e educação sexual dos estudantes. A família como uma das principais instituições sociais de formação da personalidade e do caráter individual, tem de estar inserida nesse debate, atuando como parceira na construção de um diálogo franco, sem preconceito que ajude na condução da escolha do gênero que preferir.


Foram especificamente os temas sexualidade e gênero que fecharam com chave de ouro o encontro do sábado, quando a professora e psicanalista Elisa Fátima Stradiotto, trouxe para o debate algumas abordagens ainda silenciadas no interior das escolas e ambientes familiares, homossexualidade e transexual idade, manifestação espontânea do corpo ou transtorno psíquico?  Os próprios pais ou grupos de convívio, pela falta de compreensão, não se sentem a vontade para discorrer tal assunto, interpretando certos comportamentos não heteronormáticos, como desvios de personalidade ou certo tipo de patologia que deve ser tratada, medicada. 

        
O convite aos pais para se fazerem presentes em encontros importantes como o que ocorreu não deveria ter passado em branco. Muito do que foi apresentado, ambos deveriam ter acompanhado, lhes oportunizando a compreender sistematicamente o processo de maturação biológica, as doenças sexualmente transmissíveis e a escolha do gênero que moldará sua vida psíquica e social.  A desconstrução de preconceitos e tabus sobre sexo, sexualidade e gênero, entre jovens e seus dependentes, professores, é o inicio da construção de uma nova geração de jovens e adultos psiquicamente mais saudáveis e tolerantes.  
Prof. Jairo Cezar                                   

        

     

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