domingo, 22 de março de 2015


O Grito das ruas reflete as contradições de um sistema educacional ainda opressor

  
Na leitura de um pequeno artigo publicado em uma revista eletrônica sobre as manifestações do dia 15 de março, relatou o autor do documento que dentre os inúmeros cartazes conduzidos pelos manifestantes, havia uma faixa com a seguinte descrição: “Chega de Doutrinação Marxista - Basta de Paulo Freire”.  Diante disso o autor fez uma breve reflexão do episódio, contextualizando a frase que se segue com o pensamento de Paulo Freire em relação a educação brasileira no final do século XX. O equívoco da frase, que pode ser justificado talvez pela frágil compreensão da trajetória de vida de Freire, está no fato de ter o educador dedicado quase todo seu tempo na construção e implantação de um projeto educacional emancipador que possibilitasse a classe trabalhadora, oprimida, ver a realidade que os cerca a partir do ponto de vista dos mais pobres.
Se hipoteticamente, seu projeto de educação emancipadora tivesse triunfado, possivelmente o Brasil hoje estaria entre as nações com menor percentual de analfabetismo, bem como de uma população mais crítica e com políticos mais qualificados em todas as instâncias dos constituídos. Essa condição, talvez contribuísse para que frases dessa magnitude não fossem disseminadas, que expõe o retrato fiel de uma sociedade ainda atrasada, oprimida, cujo desejo inconsciente é ser opressor.  E, portanto, as escolas tanto as particulares como as públicas vem exercendo com elevado grau de excelência o papel reprodutor de práticas pedagógicas que aguçam a exclusão social. O mais comum são os instrumentos avaliativos classificatórios fundamentados em conceitos numéricos, notas, que desconsideram o próprio contexto social e econômico dos sujeitos avaliados.
A escola dentro dessa perspectiva se constitui como uma extensão do mercado, de uma estrutura produtiva perversa que subtrai do trabalhador sua força de trabalho. São as escolas, portanto, agentes domesticadores a serviço do capital. A ascensão petista ao poder, depois de várias tentativas frustradas, gerou expectativa de milhares de brasileiros, especialmente  de intelectuais de tradição esquerdista, acreditando que finalmente o Brasil alcançaria sua utopia através da implantação de um projeto educacional verdadeiramente emancipador. Nada disso ocorreu.
As plataformas políticas desenhadas por ambos, nos quase quinze anos de hegemonia política, nesse caso para educação, se configuraram no continuísmo de programas antigos de nítida concepção neoliberal. São políticas públicas sem qualquer pretensão transformadora/emancipadora que pudesse desconstruir valores nada construtivo arraigados no imaginário popular. Dentre os conceitos, pode se destacar ideias como: podemos ser capitalista, podemos arrumar um emprego, podemos ficar ricos, etc., etc. São ideologias disseminadas nas escolas cujos instrumentos avaliativos procuram estimular práticas competitivas, premiando os “melhores”, enquanto os demais, ditos “inaptos”, se vêem alijados, marginalizados do processo.
 O resultado desse perverso ciclo educacional que insiste em reproduzir valores individualistas, consumistas, do ter e não do ser, é o abandono da escola, do desencanto, da falta de perspectiva, da manipulação política e dos meios de comunicação, que bombardeio diariamente imagens e informações que mais confunde que informam. São prezas fáceis desses seguimentos sociais que agem exclusivamente a serviço dos interesses de uma elite predadora, que se utilizará de todas as facetas e manobras possíveis para inviabilizar qualquer projeto emancipador.  Resistir sempre, esse é o lema que deve permear em todos os setores marginalizados da sociedade, dentre eles o da educação pública, já hegemonizada por um pensamento marcantilista.  Um exemplo para elucidar a educação pública hoje, concebida como um produto, uma mercadoria, é o PNE, aprovado em 2015, que tem por premissa flexibilizar a estrutura de ensino, onde empresas ou corporações  educacionais possam ser beneficiadas através de financiamentos públicos.
Para Paulo Freire toda educação é política, porque se supõe um projeto de sociedade. Por que razão muito pouco se fala de política nas nossas escolas, sabendo que tudo está condicionado a ela? Não seria uma estratégia bem articulada por quem domina, como forma de trabalhar o imaginário do/a educador/a levando-o/a a acreditar que política jamais deve ser discutida na escola?  Romper tais barreiras que ainda insiste tornar nossas unidades de ensino espaços "sagrados", de paz, de consenso, de ordem e disciplina, onde os conflitos ainda são interpretados como atraso, são metas que os movimentos sociais devem ter como bandeira de luta.
Portanto, toda crítica dever ser feita sempre pautada em fundamentos, não abrindo margem para reflexões contraditórias. A expressão “Basta Paulo Freire”, se eventualmente quem a elaborou teve a pretensão de constranger o executivo federal criticando-o pelo programa político educacional, quem o/a fez pouco conhecimento possui acerca da realidade educacional brasileira. Se há doutrinação como presume o cartaz, as manifestações do dia 13 de março teriam obtido recorde de público nas ruas. Outro equívoco é querer enquadrar Paulo Freire como um educador doutrinador. Sua biografia, sua história de luta não possibilita qualquer interpretação dúbia de que tenha se servido a favor da massificação da classe trabalhadora. Por ser um profundo estudioso e conhecedor do projeto político de Marx, sempre se esforçou na compreensão da realidade social, das suas contradições e no modo como cada indivíduo vê o mundo a partir de seu contexto social.      
  
Seguindo essa ótica interpretativa das mensagens redigidas nas faixas e cartazes transportadas pelos manifestantes no dia 15 de março, chama atenção e ao mesmo tempo preocupa a ousadia daqueles pediam o retorno de um regime de governo que trouxe tanto mal a sociedade. Quando se pede intervenção militar já, quem o escreveu ou não viveu ou ignora o terrível período de terror da nossa história, onde centenas, milhares de brasileiros foram presos, torturados e mortos nos porões dos quartéis.  No entanto, muitos dos que sobreviveram a investida militar ainda hoje sofrem as seqüelas psicológicas.
É importante também deixar evidente, que muitos dos que estão nos bastidores assistindo as manifestações, que não se prestaram a construir e carregar tais cartazes, são os mais interessados na ruptura do sistema. Que sirva de exemplo o ano de 1964. Naquele momento, muitos dos que foram às ruas, usaram como justificativa à intervenção militar o risco de uma ofensiva “vermelha/comunista”, no qual o Estado confiscaria as terras, bancos, fábricas, etc., Quanto a Cuba, quem a conhece jamais se prestaria em transportar um cartaz com tamanha insensatez.
Não pelo fato de ser o país regido pelo socialismo, que enfrenta quase as mesmas dificuldades e contradições de qualquer outro regime. No entanto, deve ser considerado, quando mencionado, que o país, mesmo com todas as imperfeições e submetida a um perverso bloqueio econômico que perdura por mais de cinco décadas, conseguiu superar demandas históricos como a erradicação do analfabetismo e da miséria absoluta.  No campo da saúde, o país exporta médicos e outros profissionais para o mundo inteiro. O programa Saúde da Família, adotado no Brasil a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, foi inspirado no modelo cubano.
Portanto são alguns exemplos de avanços sociais que o Brasil seguramente  poderia se inspirar no pequeno país e aqui instaurar. Talvez o que o educador Paulo Freire quisesse apregoar no Brasil e, por essa razão, foi mal interpretado e taxado grosseiramente de comunista, era de um projeto educacional revolucionário, libertário, no qual asseguraria dignidade à milhões de brasileiros/as que ainda hoje sucumbem em meio à miséria extrema. 

Prof. Jairo Cezar                             









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