O
Grito das ruas reflete as
contradições de um sistema educacional ainda opressor
Na
leitura de um pequeno artigo publicado em uma revista eletrônica sobre as
manifestações do dia 15 de março, relatou o autor do documento que dentre os inúmeros cartazes conduzidos pelos manifestantes, havia
uma faixa com a seguinte descrição: “Chega
de Doutrinação Marxista - Basta de Paulo Freire”. Diante disso o autor fez uma breve reflexão do
episódio, contextualizando a frase que se segue com o pensamento de Paulo Freire em relação a educação brasileira no final do século XX. O equívoco da
frase, que pode ser justificado talvez pela frágil compreensão da trajetória de
vida de Freire, está no fato de ter o educador dedicado quase todo seu tempo na
construção e implantação de um projeto educacional emancipador que
possibilitasse a classe trabalhadora, oprimida, ver a realidade que os cerca a
partir do ponto de vista dos mais pobres.
Se hipoteticamente, seu projeto de educação emancipadora tivesse triunfado, possivelmente o Brasil
hoje estaria entre as nações com menor percentual de analfabetismo, bem como de uma
população mais crítica e com políticos mais qualificados em todas as instâncias dos constituídos. Essa
condição, talvez contribuísse para que frases dessa magnitude não fossem disseminadas, que expõe o retrato fiel de uma sociedade ainda atrasada, oprimida, cujo desejo
inconsciente é ser opressor. E,
portanto, as escolas tanto as particulares como as públicas vem exercendo com
elevado grau de excelência o papel reprodutor de práticas pedagógicas que aguçam
a exclusão social. O mais comum são os instrumentos avaliativos
classificatórios fundamentados em conceitos numéricos, notas, que desconsideram o próprio contexto social e econômico dos sujeitos avaliados.
A
escola dentro dessa perspectiva se constitui como uma extensão do mercado, de uma estrutura produtiva perversa que subtrai do trabalhador sua força
de trabalho. São as escolas, portanto, agentes domesticadores a serviço do
capital. A ascensão petista ao poder, depois de várias tentativas frustradas, gerou expectativa de milhares de brasileiros, especialmente de intelectuais de tradição esquerdista, acreditando que finalmente o Brasil alcançaria sua utopia através da implantação de um projeto educacional verdadeiramente emancipador. Nada disso ocorreu.
As
plataformas políticas desenhadas por ambos, nos quase quinze anos de hegemonia política, nesse caso para
educação, se configuraram no continuísmo de programas antigos de nítida
concepção neoliberal. São políticas públicas sem qualquer pretensão transformadora/emancipadora que pudesse desconstruir valores nada construtivo arraigados no
imaginário popular. Dentre os conceitos, pode se destacar ideias como: podemos
ser capitalista, podemos arrumar um emprego, podemos ficar ricos, etc., etc. São
ideologias disseminadas nas escolas cujos instrumentos avaliativos procuram
estimular práticas competitivas, premiando os “melhores”, enquanto os demais,
ditos “inaptos”, se vêem alijados, marginalizados do processo.
O resultado desse perverso ciclo educacional
que insiste em reproduzir valores individualistas, consumistas, do ter e não do
ser, é o abandono da escola, do desencanto, da falta de perspectiva, da
manipulação política e dos meios de comunicação, que bombardeio diariamente imagens e informações que mais confunde que informam. São prezas fáceis desses
seguimentos sociais que agem exclusivamente a serviço dos interesses de uma
elite predadora, que se utilizará de todas as facetas e manobras possíveis para inviabilizar qualquer projeto
emancipador. Resistir sempre, esse é o
lema que deve permear em todos os setores marginalizados da sociedade, dentre
eles o da educação pública, já hegemonizada por um pensamento marcantilista. Um exemplo para elucidar a educação pública hoje, concebida como um produto, uma mercadoria, é o PNE, aprovado em 2015, que tem por premissa flexibilizar a estrutura de ensino, onde empresas ou corporações educacionais possam ser beneficiadas através de financiamentos públicos.
Para
Paulo Freire toda educação é política, porque se supõe um projeto de sociedade.
Por que razão muito pouco se fala de política nas nossas escolas, sabendo que
tudo está condicionado a ela? Não seria uma estratégia bem articulada por quem
domina, como forma de trabalhar o imaginário do/a educador/a levando-o/a a acreditar que política jamais deve ser discutida na escola?
Romper tais barreiras que ainda insiste tornar nossas unidades de ensino espaços "sagrados", de paz, de consenso, de ordem e disciplina, onde os conflitos ainda são interpretados
como atraso, são metas que os movimentos sociais devem ter como bandeira de luta.
Portanto,
toda crítica dever ser feita sempre pautada em fundamentos, não abrindo margem para reflexões contraditórias. A expressão “Basta
Paulo Freire”, se eventualmente quem a elaborou teve a pretensão de constranger o executivo federal criticando-o pelo programa político educacional, quem o/a fez pouco
conhecimento possui acerca da realidade educacional brasileira. Se há
doutrinação como presume o cartaz, as manifestações do dia 13 de março teriam obtido recorde de público nas ruas.
Outro equívoco é querer enquadrar Paulo Freire como um educador doutrinador. Sua
biografia, sua história de luta não possibilita qualquer interpretação dúbia de
que tenha se servido a favor da massificação da classe trabalhadora. Por ser um
profundo estudioso e conhecedor do projeto político de Marx, sempre se esforçou na
compreensão da realidade social, das suas contradições e no modo como cada indivíduo
vê o mundo a partir de seu contexto social.
Seguindo
essa ótica interpretativa das mensagens redigidas nas faixas e cartazes
transportadas pelos manifestantes no dia 15 de março, chama atenção e ao mesmo
tempo preocupa a ousadia daqueles pediam o retorno de um regime de governo que trouxe tanto mal a sociedade. Quando se pede intervenção militar já, quem o escreveu ou não
viveu ou ignora o terrível período de terror da nossa história, onde centenas, milhares de brasileiros foram presos, torturados e mortos nos porões dos quartéis. No entanto, muitos dos que sobreviveram a investida militar ainda hoje sofrem as seqüelas psicológicas.
É
importante também deixar evidente, que muitos dos que estão nos bastidores assistindo as
manifestações, que não se prestaram a construir e carregar tais cartazes, são os
mais interessados na ruptura do sistema. Que sirva de exemplo o ano de 1964. Naquele
momento, muitos dos que foram às ruas, usaram como justificativa à intervenção militar
o risco de uma ofensiva “vermelha/comunista”, no qual o Estado confiscaria as
terras, bancos, fábricas, etc., Quanto a Cuba, quem a conhece jamais se prestaria em transportar um cartaz com tamanha insensatez.
Não
pelo fato de ser o país regido pelo socialismo, que enfrenta quase as mesmas
dificuldades e contradições de qualquer outro regime. No entanto, deve ser
considerado, quando mencionado, que o país, mesmo com todas as imperfeições e
submetida a um perverso bloqueio econômico que perdura por mais de cinco
décadas, conseguiu superar demandas históricos como a erradicação do
analfabetismo e da miséria absoluta. No
campo da saúde, o país exporta médicos e outros profissionais para o mundo inteiro. O programa Saúde
da Família, adotado no Brasil a partir do governo Fernando
Henrique Cardoso, foi inspirado no modelo cubano.
Portanto
são alguns exemplos de avanços sociais que o Brasil seguramente poderia se
inspirar no pequeno país e aqui instaurar. Talvez o que o educador Paulo Freire
quisesse apregoar no Brasil e, por essa razão, foi mal interpretado e taxado grosseiramente de comunista, era de um projeto educacional revolucionário, libertário, no qual asseguraria dignidade à milhões de brasileiros/as que ainda hoje sucumbem
em meio à miséria extrema.
Prof.
Jairo Cezar
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