quinta-feira, 24 de outubro de 2024

 

O PL 4546/21 – PROJETO DE LEI QUE PROPÕE A ENTREGA DA GESTÃO HÍDRICA E DO SANEAMENTO BASICO ÀS GRANDES CORPORAÇÕES

 

https://www.youtube.com/watch?v=_wPPxQ45stE

Década de 1970 em diante o sistema de produção capitalista passou por transformações relevantes no seu escopo de infraestrutura e gestão política. As novas tecnologias em curso fez alterar relações de produção, reduzindo paulatinamente a força de trabalho das fábricas ainda inseridas no modelo fordista de produção em larga escala. Cabe lembrar que até esse momento o papel do Estado foi decisivo na adoção de políticas de interesse social, estimulado, é claro, pela crise de 1930 e a Guerra Fria, que se instaurou a partir do final da Segunda Guerra Mundial.

A forte difusão de ideias socialistas no mundo do trabalho pressionou os governos ocidentais a recuarem suas políticas de exploração da força de trabalho, que assegurava a mais valia do trabalho, o lucro. O Estado que durante os períodos de crises cíclicas do capitalismo se transformara em alavanca na recuperação das economias estraçalhadas, nos anos 1970 em diante esse mesmo Estado se apresenta como um empecilho, obstáculo ao desenvolvimento, portanto, devendo se estreitado seu poder de atuação.

O fim do socialismo soviético a partir da queda do muro de Berlim em 1989 deu mais munição às nações capitalistas à executarem duras medidas fiscais que afetaram diretamente as economias dos países periféricos. Teóricos como Milton Friedman, entre outros adeptos a desregulação da economia, foram decisivos na construção de ideias em defesa do livre mercado, ou seja, a redução tácita do papel do Estado na condução da economia. De fato foi uma reação ao keynesianismo, do pós crise de 1929, que proporcionou maior intervenção do estado sobre a gestão da produção.

Era necessário, portanto, impor regras mais rígidas sobre as estruturas fiscais das economias dependentes como garantia ao não calote das dívidas junto aos países credores. Organismos financeiros como o FMI e o Banco Mundial passaram a exercer forte pressão sobre as políticas econômicas dos países da América Latina, África, Ásia, etc.  A crise econômica que se instaurou na década de 1980, com o risco cada vez maior de calote ao pagamento dos juros das dívidas externas, forçou os credores a adoção de pacotes de medidas fiscais aos países emergentes. Esse plano foi batizado de Consenso de Washington.

Corte de gastos públicos, privatizações de empresas estatais e um amplo conjunto de reformas que atingiam em cheio direitos conquistados pelos trabalhadores, foi, portanto, o receituário apresentado pelos países alinhados ao capitalismo central. Quanto às políticas neoliberais é importante ressaltar que tal receituário teve como uns dos protagonistas o Chile de Pinochet e a Inglaterra de Margaret Thatcher, ambos reformaram suas economias por meio de profundo ajuste estrutural.

No final da década de 1980, com a eleição do Presidente Fernando Collor de Mello, o Brasil dá inicio a sua caminhada de reformas estruturantes, levando a cabo o receituário dos seus idealizadores e chancelado pelo Banco Mundial e FMI. Envolvido em uma séria de denúncias de irregularidades na condução do seu governo, Collor sofre impeachment, assumindo por sua vez o vice Itamar Franco, que dá prosseguimento aos projetos de enxugamento do Estado. Foi, todavia, no governo de Fernando Henrique Cardoso que os programas de ajustes da economia se concretizaram a contendo. É claro que para agilizar todo esse arcabouço de medidas antissociais foi necessário eleger um congresso afinado ao propósito desregulador.

Sistemas bancários, companhias siderúrgicas, de mineração, telefonia, rodovias, aeroportos, ferrovias, hidrelétricas, como um tabuleiro de dominó, foram aos poucos caindo no colo dos grandes investidores internacionais, muitas dessas empresas entregues mediante o pagando de valores irrisórios. Um exemplo foi a Vale do Rio Doce, uma das maiores companhias estatais de mineração do mundo vendida para grandes corporações por uma bagatela aproximada de cinco bilhões de reais. Além de proporcionar ganhos bilionários aos seus acionistas o que mais os brasileiros ganham são passivos ambientais. O rompimento da barragem do Córrego do Feijão, na região de Mariana, Minas Gerais, foi um desses passivos, causando mortes e prejuízos catastróficos a toda a biótica da bacia da bacia do Rio Doce.

A eleição de Lula para presidente da república em 2000, pelo partido dos trabalhadores, representou um momento impar da historia do Brasil, pois pela primeira vez uma pessoa vinda do povo conquistou o posto mais importante da política brasileira. As expectativas agora eram de que houvesse uma reviravolta no processo decisório brasileiro, onde daria prioridade às demandas das quais estavam inseridas no estatuto do partido, visto como amplamente social. De fato foram cumpridas algumas dessas demandas, porém, no radar ainda aparecia o famigerado fantasma do neoliberalismo. Lula um, Lula 2, Dilma 1 e Dilma dois, ambos transitaram pelas dependências do palácio do planalto por quase quinze anos, no entanto, não foi suficiente para tirar o Brasil da triste lista de um dos mais desiguais e atrasados do mundo.

O impeachment que derrubou Dilma em 2016 abriu caminho para que as forças conservadoras do capitalismo dependente reassumissem as rédeas do comando nacional.  Com o golpe contra Dilma, assume a presidência o vice Michel Temer, principal porta voz das elites econômicas nacionais e internacionais, sedentas para fincar as garras nas riquezas do povo brasileiro. Reformas e mais reformas foi a tônica assumida por Temer, agradando, é claro, o agronegócio, grandes investidores e o capital especulativo, ambos cada vez mais poderosos e com forte representação no congresso nacional.

Se já houve retrocessos durante o pouco tempo que Temer permaneceu no posto de presidente da republica, o quadro social e econômico se agravou ainda mais com o pleito que elegeu o ultradireitista Jair Bolsonaro. Quatro anos de retrocessos em vários campos, na saúde, educação, meio ambiente, entre outros. Tudo isso agravado pela pandemia do COVID 19, cuja gestão do governo federal foi um verdadeiro desastre. A eleição de um congresso majoritariamente ultraliberal em 2019 garantiu sustentação ao governo Bolsonaro na execução de suas políticas de fragilização ainda mais do Estado Brasileiro.

Era preciso encolher mais ainda o Estado, para isso adotou a estratégia de responsabilizar os servidores públicos à pouca eficiência dos serviços prestados. Porém esse discurso de vitimização não foi exclusividade somente do governo Bolsonaro, os anteriores, a exemplo de FHC, adotaram com extraordinária propriedade.  Isso aconteceu com as privatizações das empresas de telefonia, mineração, rodovias, ferrovias, bancos, etc. A própria Petrobras não ficou isenta dessa pauta privatista, além, é claro, do sistema elétrico que recebeu e continua recebendo forte assédio dos fundos de capitais internacionais. Além do petróleo e mineração, o segmento hídrico e do saneamento básico são filões que estão na mira do grande capital.

Durante o governo Bolsonaro, o Congresso Nacional, dominado por bancadas entreguistas, apresentaram o PL 4546/21 também conhecido como PL do Novo Marco Hídrico, no qual busca instituir a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, que regulamenta a prestação e exploração de serviços hídricos no Brasil. Resumindo, é mais um daqueles projetos de leis elaborados por parlamentares cujas campanhas foram financiadas por empresas interessadas na desregulação das políticas que regem os recursos hídricos e o saneamento básico.  

Acontece que o processo de privatização dos sistemas hídricos e saneamento básico não é algo recente no mundo. Vários países já realizaram, porém, tiveram que romper os contratos com os governos devido ao não cumprimento dos mesmos.  No momento que uma empresa particular adquire uma estatal ou autarquia de coleta, tratamento e fornecimento de água, o que está inserido em seu portfólio não é nada mais que o lucro, ou seja, água como produto. É claro que os investimentos dessas empresas com infraestrutura se concentrarão nos municípios, bairros com garantias de retorno financeiro. O caso do apagão na cidade de São Paulo há poucos dias e que manteve às escuras milhões de pessoas por alguns dias é um bom exemplo de ineficiência dos serviços prestados pela empresa que comprou os direitos para a prestação desses serviços.

Outro detalhe importante, em 2021 o governo federal sancionou a lei n. 14026/21 que definiu o novo marco legal do saneamento, promovendo alterações em dispositivos presentes no estatuto das cidades. Com a aprovação dessa lei o Brasil passa a ter uma política nacional de infraestrutura hídrica. O importante aqui esclarecer é que essa lei não houve a participação da sociedade na construção e discussão. Em síntese o que se terá mesmo é o desmonte de todo o arcabouço legal já criado que assegura ao ente público, estados e municípios, a governança sobre os serviços de água e saneamento básico. Com o PL 4546/21 todo esse conjunto de normatizações são desfeitas para permitir que empresas, até mesmo as ditas públicas, tenham que participar também das licitações dos serviços de água e saneamento a serem oferecidos. Com o PL, a água e saneamento serão vistos como bens de troca e não de uso como reza a constituição brasileira e as legislações em vigor.

De fato o setor que será mais impactado com o PL 4546/21 é o dos Comitês das Bacias Hidrográficas, criadas com o intuito de estender a participação da sociedade civil, segmento econômico e o poder público na gestão dos recursos hídricos, ou seja, todos os cursos d’água existentes. Essa nova governança participativa vem seguindo o que determina a própria constituição brasileira, que dele a sociedade poderes para intercederem sobre tais políticas. Com o PL, os comitês deixariam de existir, outorgando aos novos gestores, nesse caso, os governos ou donos das outorgas, poderes de decisão, que será verticalizada, ou seja, de cima para baixo.

Prof. Jairo Cesa

sábado, 19 de outubro de 2024

 

NÚCLEO SERRAMAR - QUE INTEGRA A REDE DE AGROECOLOGIA ECOVIDA - PROMOVE ENCONTRO DA REDE DE SEMENTES

"Essa foto me emocionou muito eu no meio das alfaces que minha mãe guardou no freezer por 28 anos .E estão comigo" - Maria das Alegrias


Por milênios as sementes sempre foi motivo de preocupação das civilizações que iam se sucedendo uma após outra. Foi a partir da sua domesticação, bem como do aprisionamento de animais, aves, mamíferos, que grupos humanos transitaram da condição de nômades para sujeitos sedentários, isto é, se fixando em um determinado espaço geográfico e construindo relações de convívio mútuo. Muitos dos alimentos consumidos pela humanidade hoje em dia, como o arroz, o milho, tipos de batatas, mandiocas, legumes, tubérculos, entre outras dezenas de variedades, tiveram suas origens na China, Índia, na Mesopotâmia, no Egito antigo e no Continente Americano.

Coletar as melhores sementes, armazená-las corretamente para assegurar uma germinação satisfatória, foi no passado, função quase que exclusiva das mulheres, denominadas de guardiãs de sementes. Ainda hoje comunidades tradicionais da América Latina, mantém a tradição de produzir e replicar sementes crioulas, variedades que mantém intactas suas genéticas de milhares de anos. De fato as guardiãs, bem como os guardiões, ambos se caracterizam como verdadeiros heróis da resistência, pelo fato da enorme pressão que sofrem das grandes corporações do segmento de sementes e insumos que buscam monopolizar esse setor.

As inovações no campo da ciência agrária e da genética provocaram uma verdadeira revolução no segmento das sementes. Melhorá-las geneticamente, tornando-as mais produtivas, resistentes às pragas e a inserção de agrotóxicos, foi, de fato, o acontecimento mais relevante e ameaçado do final do século XX. Pela primeira vez o ser humano consegue mexer nos seus cromossomos, alterando o seu sequencial genético, a ponto de criar variedades estéreis, incapazes de se fecundarem após a colheita. Isso, de fato, garante o controle das corporações no comércio global dessas sementes.

A agroecologia e a produção orgânica a cada dia vêm se vislumbrando como uma das alternativas ao salvamento da espécie humana e do planeta. As mudanças climáticas em curso se devem em grande parte ao modo como a agricultura vem sendo adotada no planeta, se concentrando em algumas culturas, soja, milho, algodão, cana de açúcar, altamente mecanizadas e vinculadas ao mercado de commodities. Hoje em dia parte dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira, muitos cereais, legumes, verduras, frutas, etc, ambas são provenientes da agricultura familiar. Em menor proporção estão às famílias que cultivam variedades orgânicas, dotando ou não praticas agroecológicas. É, portanto, esse segmento o que mais sofre as agruras de políticas públicas, com maior favorecimento ao setor do agronegócio em termos de financiamentos.

Nos últimos anos, de forma tímida, inúmeras foram às legislações criadas para dar estímulo ao segmento agroecológico. Dentre elas está o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO). De fato esse plano é um grande avanço, pois garantirá maior seguridade ao cultivo e ao comércio de orgânicos às famílias que adotam praticas alternativas de insumo e no manejo na produção. Dessa vez o Planapo define 197 iniciativas, divididas em 7 eixos. Tem a participação de 14 ministérios e 9 bilhões de reais em ações. O plano prevê “iniciativas voltadas à pesquisa e inovação, incentivos às compras e inclusão de mulheres, jovens, indígenas, quilombolas na agricultura familiar”.

Junto ao Planapo está o Pronara, que é o programa de redução de agrotóxicos de alta periculosidade. Nesse item, o segmento da agroecologia lança críticas ao programa, pois a expectativa era a inclusão da redução de todo o tipo de agrotóxicos, independente da sua toxidade. Não houve avanço no quesito agrotóxico devido ao forte da resistência do agronegócio, que é chancelado pelo ministro da agricultura, um dos principais representantes do setor.

Foto-Jairo

Outra conquista foi o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Alimento no Prato), o PRONAAB, que inclui 29 iniciativas e 92 estratégias. A proposta é assegurar alimentos saudáveis e frescos, com foco nas populações mais vulneráveis. O plano integra políticas públicas, envolvendo diversos setores, como o da saúde, educação, agricultura e desenvolvimento social. Propõe também o fortalecimento das redes territoriais de abastecimento, bem como promover práticas que preservem a biodiversidade e os saberes tradicionais.  

Frente a tudo isso, o segmento agroecológico vem costurando vínculos em forma de redes junto aos seus integrantes, sendo uma delas a Rede Agroecológica ECOVIDA que reúne produtores e consumidores dos três estados do sul. São dezenas de núcleos espalhados, fracionadas em grupos, contendo cinco, seis ou mais famílias, que se reúnem periodicamente para discutir demandas e estratégias para o fortalecimento do setor. Dentre os núcleos da rede está o SARRAMAR, da região sul de Santa Catarina, constituída de famílias dos grupos Terras de Anita, Frutos da Terra, Guardiões e Paleotoca.

Foto - Jairo

Entre as várias demandas assumidas pelo núcleo está o debate acerca das portarias relativas às sementes utilizadas pelos produtores de hortaliças, que deverão, no futuro, ser totalmente orgânicas. Uma delas é a Portaria de n.52, de 15 de março de 2021, que estabelece regulamento técnico para os sistemas orgânicos de produção e as listas de substâncias e práticas para o uso nos Sistemas Orgânicos de Produção. Tal medida gerou forte preocupação dos produtores de hortaliças vinculados a rede ECOVIDA, pelo fato da exigência de que sementes e mudas deverão ser também de variedades orgânicas.

Essa portaria estabeleceu um tempo um tanto exíguo aos produtores para o ajustamento, decisão que resultou em mobilizações do setor junto ao MAPA, para rever a decisão e postergasse o prazo. Em 2024, o MAPA atendeu as reivindicações lançando outra portaria, a de n. 685, de maio de 2024, onde, a partir do §8 no art.103, fica suspenso por 2 (dois) anos, os prazos previstos neste artigo, no qual trata sobre sementes e mudas que deverão ser oriundas de sistemas orgânicos de produção.

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Diante das incertezas acerca do futuro dos produtores de hortaliças da rede ECOVIA e principalmente do núcleo SERRAMAR, entre outros, o respectivo núcleo vem promovendo algumas ações com vistas a buscar alternativas que atendam aos interesses desse setor que responde por mais da metade das famílias integrantes da respectiva rede agroecológica. A partir de acordos estabelecidos entre as direções da rede dos três estados, encontros setoriais foram acordados com vistas a discutir o tema, bem como habilitar os horticultores a produzirem suas próprias sementes e mudas orgânicas.

A ETAPA I do IV ENCOTRO da rede de sementes ECOVIDA ocorreu em Chapecó, nos dias 25 e 26 de setembro. A ETAPA II teve como local o município de Jaguaruna/SC, entre os dias 17 e 18 de outubro, com cerca de 100 inscritos, vindos dos três estados do sul do Brasil. Nos dois dias, o público presente teve a oportunidade de conhecer o histórico e a atualidade na produção de sementes; sua origem e a diversidade; sua importância; seu manejo e tratamento; as formas de colheitas; o seu armazenamento e o plano para garantir a manutenção da agrobiodiversidade, suprindo as demandas de sementes da agricultura familiar agroecológica em qualidade.  Durante as falas dos técnicos e pesquisadores, os produtores de hortaliças tiveram a oportunidade de apresentar e compartilhar suas experiências de fracassos e sucessos no manejo dessa atividade.

Foto - Jairo

Foto - Jairo

No segundo dia do evento, o publico foi recepcionado na propriedade de uma família de agricultores agroecológicos no mesmo município. É importante aqui frisar que a proprietária do sítio, conhecida como Maria das Alegrias Garcia, além de agricultora também é uma guardiã de sementes crioulas. Por cerca de duas horas, o público envolvido no evento sobre sementes, teve a incrível oportunidade de conhecer um verdadeiro berçário de variedades de hortaliças em diferentes estágios de desenvolvimento. Acredito que quem prestou atenção nas falas repletas de conhecimento e emoção da Dona Maria das Alegrias, deve ter compreendido que ser agroecológico vai muito além do resultado econômico em si, é um processo sinérgico, onde solo, ar, água, plantas, animais, trocam energias, se realimentando ininterruptamente.

Prof. Jairo Cesa  

          

   https://anttlegis.antt.gov.br/action/ActionDatalegis.php?acao=detalharAto&tipo=POR&numeroAto=00000052&seqAto=000&valorAno=2021&orgao=MAPA&nomeTitulo=codigos&desItem=&desItemFim=&cod_modulo=420&cod_menu=7145

https://anttlegis.antt.gov.br/action/ActionDatalegis.php?acao=abrirTextoAto&tipo=POR&numeroAto=00000685&seqAto=000&valorAno=2024&orgao=MAPA&nomeTitulo=codigos&desItem=&desItemFim=&cod_modulo=420&cod_menu=7145

https://portaldbo.com.br/governo-anuncia-3a-edicao-do-plano-nacional-de-agroecologia-e-producao-organica/

https://www.gov.br/mda/pt-br/noticias/2024/10/plano-nacional-de-abastecimento-alimentar-201calimento-no-prato201d-garante-seguranca-alimentar-e-sustentabilidade

 

 















segunda-feira, 14 de outubro de 2024

 

O/A BRASILEIRO/A ADQUIRIU CONSCIÊNCIA POLÍTICA DE DIREITA E EXTREMA DIREITA.

Podemos admitir que o começo da década de 1960 a sociedade brasileira viveu intenso processo de politização de esquerda, claro que influenciado pelas ideias revolucionárias de cunho marxista que arrancaram do poder regimes autoritários a exemplo de Cuba de Fungêncio Batista. Lideranças como Che Guevara, entre outros/as, desempenharam papel de difusão dos ideais humanistas pelo continente americano, porém, foi assassinado nas florestas da Bolívia a mando das forças repressoras pró-capitalismo. Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, etc, passavam por processos de forte ebulição política também nessa década, onde pleitos eleitorais levaram ao poder governos com demandas populares, como  reforma agrária, educação pública, estatização de empresas de base: eletricidade, comunicação, etc.

Vendo-se ameaçadas, as forças econômicas conservadoras se articulam com vistas a desmobilizar todos os focos revolucionários que pipocam por todos os cantos da América do Sul. A forte influência do imperialismo estadunidense junto aos países da América Latina teve papel determinante na desarticulação dos movimentos esquerdistas. É conveniente lembrar que entre a década de 1950 até o ano de 1989, o mundo estava sob a influência da guerra fria, que de um lado estava os EUA/Capitalista e do outro a UNIÃO SOVIETICA/Socialista. Como peças de jogo de dominó, de repente, o exercito sai à rua com seus blindados derrubando governos, um após outros, prendendo e reprimindo todos/as que subvertessem a nova ordem hegemônica estabelecida.

Países como a Argentina e o Chile, as forças repressivas dos governos militares provocaram milhares de mortes e outras centenas de desaparecidos/as. Muitos outros, políticos, intelectuais, artistas, para se livrarem das perseguições do regime autoritários fugiram recebendo asilo político em países da Europa. Embora em menor proporção em termos de vítimas da ditadura, o Brasil permaneceu por mais de vinte anos sob a égide dos generais. Alguns mais cedo, outros demoraram um pouco mais, o fato é que no final da década de 1970 dá-se inicio ao processo de redemocratização conservadora dessas nações sul americanas, isto é, sem que as elites econômicas perdessem as rédeas do mandonismo capitalista.

Com a anistia muitos que fugiram para não serem presos, retornaram e deram inicio à gradual e contínua articulação das massas de trabalhadoras. Rearticulam os sindicatos com forte apelo às lutas de classes, bem como de resistência à ordem econômica repressora.  Por todos os cantos do país, vão surgindo pessoas, jovens que se organizam, muitos dos quais liderados por religiosos seguidores da teologia da libertação. As próprias universidades, muitos dos cursos acadêmicos oferecidos, economia, sociologia, entre outros ligados as licenciaturas, seus currículos passam a ter fortes cargas de conteúdos de correntes ideológicas de matriz marxista.

Conteúdos e livros de pensadores como Vigotsky, Gramsci, Piaget, Paulo Freire, Maria Ferreiro, Moacir Gatotti, até mesmo Karl Marx, ocupavam espaços de destaques nas prateleiras das bibliotecas das escolas espelhadas por todos os cantos do país. Os projetos políticos pedagógicos estavam repletos de propostas desses pensadores, entretanto em nenhum momento havia risco de alguém ser taxado de comunista, subversivo pelo fato de estar ensinando ou seguindo tais correntes de pensamento.  De fato podemos concluir que a vitória do PT nas eleições presidenciais de 2001 que também se replicou em centenas de municípios até 2012 teve o impacto direto e indireto dos movimentos sociais fortemente politizados.

Com o golpe de 2016 que tirou Dilma Rousseff do cargo de presidente da república, a direita e a extrema direita se reorganizam com a perspectiva de um novo realinhamento social de base conservadora. A vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018, o mesmo assumiu o protagonismo de desconstruir o pouco do que havia sido conquistado em termos de consciência política progressista. Claro que não foi tão difícil tal meta, pois se aproveitou da precariedade dos sistemas educacionais brasileiros que não conseguiram durante os governos petistas alicerçarem um projeto de educação que promovesse o empoderamento das massas sociais.

O crescimento das igrejas neopentecostais, apresentando às massas desassistidas possibilidades palpáveis de “prosperidade”, ambas alcançaram projeções no campo das mídias e na esfera política. Tanto na primeira quanto na segunda, essas organizações obtiveram sucesso na difusão de ideias e valores conservadores fundamentados na moral cristã e na família tradicional. No campo da política construíram um espaço sólido de tomada de decisões até mesmo com bancadas contendo dezenas de parlamentares eleitos no congresso, assembleias legislativas e câmaras municipais. São esses, somados com outras centenas, mais as mídias conservadoras, que juntos vem promovendo uma hecatombe nas massas desassistidas, transformando-as, promovendo o que o PT e outras forças de esquerda fizeram no passado, uma extraordinária onda de politização, porém, de modo oposto, ou seja, uma politização de direita e extrema direita.

Desde a eleição de Bolsonaro os pleitos eleitorais começaram a mostrar esse perigoso cenário, o crescimento assustador de partidos conservadores ocupando os espaços de poder nas instâncias federais, estaduais e municipais. Criminalizar, demonizar tudo que se enquadra aos ditames ditos de esquerda, isto é, a defesa da educação pública, a diversidade de gênero, a igualdade social, o meio ambiente, o socialismo, o comunismo, tomou pulso e apoio incondicional de todas as vertentes conservadoras da sociedade.

Isso é notório, é inquestionável, o brasileiro adquiriu sim, consciência política, mas consciência de direita. Ser de direita é ser bom, correto, de deus. Ser de esquerda é ser mau, ser ateu, comunista. Hoje em dia é muito perigoso dizer que é de esquerda, pode ser vaiado ou até mesmo sofrer algum tipo de violência física. A realidade é que quem pensa diferente que se opõe ao establishment conservador está prezo a um labirinto, sem saída.

É quase certo que durante realização de um culto religioso ou evento político de partidos conservadores, qualquer um que se manifestar afirmando que é de direita será certamente aplaudido, ovacionado de pé, não é mesmo? Imaginem pobre de direita!!! Para essas pessoas é digno passar fome, porém ter posição política de direita, extrema direita. Esse comportamento de direita, não está se cristalizando nos bancos das escolas, mas por meio das redes sociais, grupos de WhatsApp, por exemplo. De repente, todo mundo se sente apto em lançar opiniões de tudo, recebendo e compartilhando informações sem prestar atenção nas fontes. Enquanto a esquerda entrega um pãozinho em forma de benefícios sociais, a direita entrega fantasia do neoliberalismo, entrega circo, igreja – o coach, a exemplo de Pablo Marçal.

Prof. Jairo Cesa   

 

 

                            

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

 

BREVE RADIOGRAFIA DOS PLEITOS ELEITORAIS MUNICIPAIS DO DIA 06 DE OUTUBRO DE 2024: O QUE ESPERAR PARA 2026?

Como um estudioso da história social de Araranguá, nas investigações que venho realizando há mais de vinte anos acerca dos desdobramentos eleitorais não identifiquei um pleito eleitoral, pós redemocratização, em que um candidato ao executivo tenha tido mais de 83% dos votos válidos nas urnas. Esse foi o percentual alcançado pelo candidato do MDB, em Araranguá, no dia 06 de outubro de 2024, que costurou uma aliança com o PSD, REPUBLICANOS, UNIÃO BRASIL, PSDB, PDT, CIDADANIA. O resultado acachapante para o executivo refletiu diretamente aos eleitos para o legislativo, sendo que das quinze cadeiras disponíveis na câmara, treze delas serão ocupadas por vereadores que integram essa aliança.

É claro que o MDB tem um longo histórico de participação e gestão administrativa em Araranguá. Durante o regime militar assumiu uma aparente posição de força de resistência ao regime autoritário. Embora tenha participado de vários pleitos ao executivo e ao legislativo durante os vinte anos de ditadura, nesse intervalo de tempo, as únicas vitórias obtidas foram para o legislativo elegendo um ou dois vereadores e nada mais. Foi, portanto, em 1982, com a redemocratização, o maior triunfo do MDB quando conquistou, pelo voto, o posto máximo do executivo municipal. A segunda e última conquista, até a chegada de Cesar Cesa ao poder, foi em 1996.

Porém, tanto na eleição de 1982, quanto na de 1996, ambas as disputas sempre foram acirradas, pois nesses pleitos o PDS, que depois virou PPB e atualmente é o PP era o partido que rivalizava ao MDB. Com o passar do tempo os partidos tradicionais foram se dissolvendo, dando lugar a outras nominatas, porém, muitas das agremiações surgidas pouco ou nada se diferenciavam das suas matrizes partidárias de ideologias conservadores.  O PT, no entanto, nascido no ceio das classes trabalhadoras no final do regime militar se caracterizou como uma força alternativa ao mandonismo autoritário das elites burguesas.

No município de Araranguá sua existência data do início da década de 1980 a partir de lideranças advindas dos movimentos sociais, associações de bairros, sindicados e da igreja católica. Em 2012 o partido obteve a proeza de eleger o seu prefeito, também por meio de uma aliança com partidos de centro e centro esquerda: PRB, PDT, PTB, DEM, PHS E PSB.  No legislativo a primeira eleição vitoriosa do PT ocorreu em 1996 conquistando duas cadeiras. Na eleição de 2012, Sandro Maciel, do PT, conquistou o posto de prefeito vencendo o candidato do MDB, Cesar Cesa, por 13.565 votos, contra 12.935.  A boa soma de votos também garantiu ao PT três cadeiras no legislativo, Banha, Eduardo Merêncio e Professor Jordão. Desde então, o partido vinha ocupando uma das cadeiras da câmara a cada pleito, cuja rotina cessou em 06 de outubro de 2024 quando não elegeu nenhum vereador.

O que se questiona é o motivo pelo qual o partido dos trabalhadores tem se desidratado tanto nos últimos tempos, mesmo tendo no assento do executivo federal um governo petista que concedeu tantos benefícios sociais às populações carentes? Claro que tais políticas assistenciais não estão sendo suficientes para retirar o país de um cenário de desigualdade social extrema. É sabido que tal patologia social não deve ser creditado somente no executivo, o legislativo federal tem enorme responsabilidade nos malefícios que assolam a vida de milhões de brasileiros.

A ascensão de forças políticas extremistas que apregoam concepções ideológicas fascistas vem recebendo forte simpatia de setores da burguesia e de estratos sociais vinculados ao neopetencostalismo religioso. Um congresso dominado por partidos que rezam a cartilha do neoliberalismo, do entreguismo e pautas moralistas, tende a resultar no episódio de 09 de janeiro de 2023, quando hordas de arruaceiros invadiram a sede dos três poderes em Brasília depredando tudo que havia pela frente.

A formalização de um congresso, câmara e senado, ultraconservador nas eleições presidenciais de 2022 transformou os gabinetes dos parlamentares em Brasília em uma espécie de puxadinho das câmaras e executivos municipais. São centenas de vereadores e prefeitos que para se deslocam periodicamente para a sede dos três poderes na ânsia de abocanhar fatias dos recursos do orçamento, emendas parlamentares, entre outras modalidades, para financiar obras nos seus municípios. Sem dúvida o orçamento secreto que abocanhou bilhões de reais de recursos públicos, deve ter auxiliado a reeleição de milhares de prefeitos, vereadores, na sua expressiva maioria filiados em partidos que integram o centrão.

Além dos recursos oriundos das emendas parlamentares que azeitaram as instancias administrativas locais, a participação das forças econômicas de plantão também foi decisiva na nova configuração dos parlamentos municipais. Em uma sociedade altamente despolitizada e economicamente carente onde muitas famílias sobrevivem dos parcos recursos do bolsa família, a presença de um político oferecendo um, dois, três mil reais por um par de votos tende a ser uma proposta extremamente tentadora, não é mesmo?

Há indícios revelando que em municípios da Amesc, grupos empresariais gastaram milhares de reais no último pleito eleitoral. São praticas viciadas ainda arraigadas na cultura dos municípios que historicamente foram dominados por oligarquias. É o toma lá dá cá. A fragilização das estruturas públicas como da educação tende a servir para arregimentar exércitos de cidadãos à marginalidade. Situação que faz desacreditar da escola como um importante campo de ascensão social. São indivíduos, adolescentes e jovens, marginalizados, que se transformam em  presas fáceis das máfias do crime e de lideres religiosos espertalhões que apregoam prosperidade em troca do dízimo.

Diante do atual cenário social, tem-se a sensação de que quem ousar pensar ou agir “fora da caixinha”, atribuição entendida como de um anormal, de um não alinhado à ordem da maioria, tende a ser criminalizado, taxado de subversivo, até mesmo de comunista, como se comunista fosse uma doença, uma perversão. Os regimes nazistas, fascistas ascenderam a partir dessas premissas consensuais, de acreditar em figuras míticas, da rejeição aos diferentes, da supressão dos obstáculos ao progresso sem limites. O cenário pós eleição nos municípios da AMESC e AMREC demonstrou que estamos diante de um regime de consenso político partidário perigoso.

Na AMREC, que congrega doze municípios, quatro partidos se sagraram vitoriosos na eleição dos seus prefeitos.  Primeiro foi o PP, com cinco prefeituras; o segundo, o PSD, com quatro; o terceiro, o MDB, com duas e por último, o PL, com uma prefeitura. Já os municípios da AMESC, a radiografia eleitoral foi muito parecida a da AMREC. O PP, também foi o partido hegemônico, com seis prefeituras; vindo em seguida, o MDB, com quatro; o PSDB, com 2; o PL, com duas e o PSD, com uma prefeitura apenas. O que se notou nessas duas regiões do sul do estado é aquilo que já foi observado em outros pleitos, principalmente para presidente da república, a espantosa ascensão do conservadorismo, cada vez mais se enraizando no tecido social.

Se tivéssemos uma sociedade com a mínima compreensão de toda a arquitetura político partidária do país seria muito difícil muitas agremiações políticas galgarem algum sucesso eleitoral. A resposta ao insucesso se deve ao papel que exerceram e exercem nos debates e votações de projetos de interesse dos trabalhadores. Reforma trabalhista, previdenciária, educacional, etc, com raras exceções, os parlamentares dos partidos vitoriosos nos pleitos locais votaram pela retirada de direitos, tornando a vida das pessoas mais difíceis. A radiografia das eleições para o legislativo nos municípios dessas duas regiões também foi similar ao executivo, prevalecendo majoritariamente os partidos acima destacados. As únicas exceções foram os municípios de Criciúma e Cocal do Sul, que elegeram dois vereadores fora desse espectro conservador. Giovana Mondardo, filiada ao PCdoB, que obteve 3.481 votos e Célio Elias, do PT, que conquistou 561 votos.

Fazendo uma projeção mais geral sobre como foi o processo eleitoral, quais os partidos campeões em cadeiras nos legislativos dos mais de cinco mil municípios, o que se comprovou foi a hegemonia de agremiações partidárias tradicionais como o PP e o MDB, ambos liderando os assentos de milhares de prefeituras, totalizando 14.978 cadeiras. Na sequência, em ordem decrescente: o PSD, com 6.579 assentos; UNIÃO BRASIL, 5.437; PL, 4.929; REPUBLICANOS, com 4.616; PSB, com 3.557; PT, COM 3.118; PSDB, 2.975; PDT, 2.479; PODEMOS, 2.314; AVANTE, 1.513; PRD, 1.400; SOLIDARIEDADE, 1.244; PV, 487; CIDADANIA, 431; MOBILIZA, 357; PCdoB, 354; AGIR, 292; NOVO, 259; DC, 251; REDE, 171; PMB, 107; PRTB, 96; PSOL, 80.

Claro que a configuração desses partidos em âmbito local se distingue enormemente em escala federal. Muitas das agremiações que deram sustentação ao governo de Bolsonaro, que comungam com as ideias de estado mínimo, estão hoje ocupando espaços no primeiro escalão do governo lula, como o MDB, o PP, PSD, UNIÃO BRASIL, REPUBLICANOS. No congresso nacional muitos parlamentares vinculados e esses partidos votam demandas contrarias ao próprio governo, no entanto estão ocupando ministérios relevantes com objetivo de assegurar a governabilidade do atual presidente.

É importante aqui realçar que o resultado eleitoral dos municípios é possível vislumbrar um prognóstico para 2026 quando teremos eleições para presidente da república.  Embora o PT tenha tido crescimento em número de prefeituras no país em comparação a eleição de 2020, quase 17%, expressiva parcela delas são municípios pequenos com pouca expressividade no cenário político nacional. Das 27 capitais, o partido dos trabalhadores vai disputar o segundo turno em quatro delas: Cuiabá, Fortaleza, Natal e Porto Alegre, além de 9 cidades com mais de 200 mil habitantes: Anápolis (GO); Camaçari (BA); Caucaia (CE); Diadema (SP); Mauá (SP); Olinda (PE); Pelotas (RS); Santa Maria (RS) e Sumaré (SP).

A ascensão do PL, partido  do ex-presidente Bolsonaro, em muitos municípios do nordeste e norte dos pais, pode criar certo ceticismo da esquerda brasileira, o PT, por exemplo, à reeleição do presidente Lula. Claro que não se podem fazer comparações entre pleitos eleitorais municipais e o federal. Muitos dos que votaram em um candidato do PL, PSD, MDB, etc., para prefeito ou vereador, votariam no Lula em uma eleição para presidente? Aguardemos os resultados das urnas no segundo turno, em São Paulo, com Guilherme Boulos, do PSol, que disputará contra Ricardo Nunes, MDB e outras quatro capitais, cujo PT medirá forças com seus oponentes. O mapa eleitoral definitivo depois do dia 27 de outubro ajudará num prognóstico mais assertivo para 2026.

Prof. Jairo Cesa                        

          

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

 

EXTREMOS CLIMÁTICOS E A ESCASSEZ HÍDRICA

https://theconversation.com/seca-na-amazonia-entenda-as-causas-e-a-necessidade-de-um-plano-de-acao-imediato-para-salvar-o-bioma-215553


Nos últimos anos o planeta terra vem dando sinais de que ou mudamos nossos valores, atitudes no modo como nos comportamos no manejo dos ecossistemas, ou seja, todos os biomas, ou teremos um final trágico como tiveram os dinossauros há cerca de sessenta milhões de anos. Hoje está mais do que assegurando que só temos um planeta, nossa casa comum, um corpo vivo, tão frágil, tão sensível, que requer cuidados como de um bebê indefeso.  O que espanta é saber que esse fragmento cósmico com mais de quatro bilhões de ano e que orbita ao redor do sol, conseguiu criar condições ambientais apropriadas para o surgimento há pouco mais de dois milhões de anos da espécie humana.

Dotada de inteligência e habilidades que o diferencia das demais espécies, com a sua evolução ou involução vem transformando a casa comum em um depositário de escombros maléficos à biodiversidade planetária. Se o planeta terra é um elemento vivo, cujos recursos existentes, água, ar, florestas, etc, são finitos, por que não está sendo cuidado, protegido? Quando relatei acima que a espécie humana se diferencia das outras espécies por sua habilidade produtiva, cabe destacar que essas habilidades não são inatas, naturais, e sim apreendidas nas relações.

Acontece que nos últimos trezentos anos a humanidade foi tomada por um modelo de produção fundamentado na exploração ilimitada dos recursos naturais. A revolução industrial, por exemplo, mudou radicalmente a forma de pensar e de agir das pessoas, de tal maneira que fez pensar, acreditar que as demais formas de vida e recursos estariam para servir aos desígnios “evolucionistas”.    Nos últimos cinquenta anos os conceitos sobre a infinitude cósmica, incluindo o planeta terra, tomaram outros rumos.  De fato agora tendo certeza de que a humanidade estava cavando a sua própria sepultura.  A extinção, no entanto, não se dará como dos dinossauros pela queda de um grande meteoro, mas por outros fatores intrínsecos a própria involução humana.

Por ser um complexo organismo vivo interconectado por um intricado mecanismo de redes sistêmicas, na hipótese de um desses fios colapsarem irá comprometer todo o conjunto dessa teia viva chamada biosfera.  As adversidades climáticas extremas em curso atualmente são demonstrações claras de que essa complexa teia sistêmica está se rompendo. O aumento progressivo das temperaturas médias no planeta vem revelando que estamos entrando numa perigosa rota climática sem retorno. A frequência de furações, tufões, tornados cada vez mais violentos e destrutivos, temperaturas escaldantes, as constantes enxurradas e estiagens são provas objetivas que a existência da espécie humana foi de fato uma falha cósmica.     

Mas muitos vão dizer que estou sendo um tanto fatalista, trágico, que tais episódios extremos climáticos sempre existiram. Até pode ser, no entanto, o que deve ser considerado são as frequências desses episódios e suas letalidades. As repetidas enxurradas no RS que devastaram três quartos do território gaúcho, combinada com as estiagens históricas que assolam o norte, centro oeste e parte expressiva do sudeste do Brasil, acendem a luz vermelha de um cenário catastrófico à biodiversidade do território nacional. Se não fossem somente as estiagens que comprometem toda a demanda hídrica dessas regiões, tem também as queimadas apocalípticas que cobriram e vem cobrindo os céus de parte do território brasileiro com uma espessa fumaça sufocante. Em vez de umidade, transportada pelas nuvens que se deslocam da Amazônia até o sul, as mesmas estão transportando fumaça das queimadas. Durante a ação das frentes frias essa densa fumaça atinge o solo por meio das chuvas, contaminando os cursos d’água, o solo e toda a biodiversidade.  

Acontece que no sul a fumaça tem um tempo de permanência aparentemente curto devido à ação das frentes frias que as removem para o oceano. Agora vamos imaginar regiões onde por mais de quatro meses não cai uma gota de chuva e cujas temperaturas superam os quarenta graus. É óbvio que o ar se torna irrespirável. Não há dúvida que os efeitos dessa fumaça no organismo humano são devastadores, com riscos reais de as pessoas contraírem doenças respiratórias graves, reduzindo paulatinamente de três, quatro ou mais anos a perspectiva de vida.

O que espanta nisso tudo é o modo como a população vem agindo diante das queimadas e fumaças que sufocam milhões de pessoas. Não se vê qualquer manifestação, mobilização, protestos de ruas contra isso. Pior ainda é quando se sabe que tais queimadas a grande maioria delas são premeditadas, ou seja, ações articuladas por fazendeiros, grileiros, interessados em limpar o terreno para formar pasto. Menos florestas, maior serão os impactos nos cursos dos rios, que no Brasil, os principais, os mais importantes tem as suas nascentes no serrado, um dos biomas mais impactados pela ação humana.

Para muitos seria quase inimaginável um dia poder presenciar cenas tão assustadoras de rios importantes como o madeira, afluente do Amazonas, completamente seco. Todos sabem que a floresta Amazônia é considerada como um grande regulador climático global. Entretanto, a escassez hídrica que assola aquele bioma está desregulando todo o ciclo de chuvas e temperaturas no planeta. Os efeitos dessa disfunção climática já são perceptíveis no território brasileiro. Sem uma mobilização mais efetiva das autoridades e da sociedade no seu todo o impactos na atividade agrícola dessas regiões serão devastadoras. Quando citamos autoridades não nos referimos apenas as instâncias federais e estaduais, os agentes municipais, prefeitos, vereadores, judiciário e organismos ambientais, devem ser incluídos

Prof. Jairo Cesa  

 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

 

FRAGILIZAÇÃO DAS REGRAS AMBIENTAIS COLOCA EM RISCO O FRAGIL ECOSSISTEMA COSTEIRO DE ARARANGUÁ

Desde o instante que criei meu blog para expor opiniões sobre temas variados do cotidiano, além é claro levar as pessoas a refletirem sobre seus papéis  na construção de um mundo mais inclusivo e  justo, até o momento foram mais de 80 mil acessos, porém poucos foram os que encaminharam suas opiniões acerca dos temas abordados. O fato é que embora não tenha havido muitos comentários acerca dos temas postados, continuei escrevendo mantendo-me  sempre fiel  aos princípios que defendo e acredito, criticidade aos fatos abordados. 

Claro que por ter atuado na educação como professor por quase quatro décadas, esse é um campo de investigação e reflexão que sempre me instigou. Temas relacionados à política, à economia e a toda complexidade socioambiental  global e local preponderam as páginas do meu blog. Muito do escrevi sobre questões do cotidiano do município de Araranguá, nos últimos treze anos, garante ao leitor uma compreensão sem filtro da atuação dos gestores locais no modo de administrar os recursos públicos nos diversos segmentos sociais.

Nesse período em que o blog está em atividade, uma Oscip Ambiental foi fundada no Morro dos Conventos,  cujo objetivo foi e é servir de interlocutora junto ao  poder público nas demandas ambientais. Como em qualquer sociedade onde os interesses do capital preponderam sobre o social e o ambiental, no Morro dos Conventos não foi diferente. Raros foram os momentos em que OSCIP conseguiu articular laços confiáveis de comunicação e diálogos com qualquer dos gestores públicos que ocuparam e ocupam o paço municipal. A resistência, porem, sempre foi muito maior com o órgão ambiental municipal, FAMA, que nos viam como opositores às políticas de desenvolvimento elencadas para o balneário.

Criminalizar ambientalistas, transformá-los em bode expiatórios às políticas de fragilização das regras ambientais passou ser a Tonica dos gestores e das elites políticas e econômicas de plantão. Poucos sabem que a faixa costeira de Araranguá, da Barra Velha ao Paiquere, as políticas de ocupação e desenvolvimento passaram a ser mediadas pelo PGI (Plano de Gestão Integrada) elencados pelos delegados nos dois anos de projeto orla, de 2012 a 2014. Entendo que esse assunto foi discorrido em outros textos publicados no meu blog. Entretanto, acredito  que pela sua relevância ambiental, repetir dados, conceitos, ajuda a mantê-lo na memória e no fortalecimento da opinião critica.

Então vou mais uma vez repetir aqui, os governos que se sucederam ao Projeto Orla, a criação por decreto de três unidades de conservação no final de 2016, se evidenciaram em uma “pedra no sapato” aos interesses do mercado  imobiliário especulativo. Sendo assim o que aconteceu depois de 2016, a partir do governo de Mariano Mazzuco, foi uma forte investida da gestão em desmontar o que se construiu durante o projeto orla, sendo uma delas o fim das reuniões do grupo gestor para a execução das demandas do projeto orla.

A criação das unidades de conservação, como a APA a RESEX e o MONA-UC, tinha como propósito atuar como instrumentos mediadores nas políticas de desenvolvimento sustentável de toda a faixa costeira. Além das unidades, muitas das demandas dos bairros costeiros do município foram inseridas no plano diretor do município, cujas alterações ou supressões de qualquer item  teriam que passar por audiências com a presença dos delegados do projeto orla. Cabe frisar que unidades de conservações são interpretadas como obstáculos aos  segmentos do capital imobiliário, entre outros.

Dito e feito. Passo a passo as administrações subseqüentes deram inicio ao desmonte ádos legados ambientais criados pelo governo do PT em Araranguá. O primeiro foi a APA (Área de Proteção Ambiental) que por intermédio do COAMA (Conselho Ambiental do Município de Araranguá), suprimiu o Art.2 do decreto 7828/16, que tratava sobre a proteção da vegetação de restinga. O segundo ato do desmonte aconteceu em votação de emergência na câmara legislativa, onde foram alterados dispositivos  relativos aos zoneamentos do balneário, inseridas no plano diretor. Áreas até então  definidas como de APP (Área de Proteção Permanente), agora estão inseridas no zoneamento turístico.

Findado os quatro anos de governo Mariano Mazzuco, novas eleições foram realizadas levando ao paço municipal mais uma vez o MDB, partido já experimentado na gestão do município em outros momentos. Imbuído de uma postura de gestão de caráter pragmática, com escassa habilidade no campo do dialogo, essa nova gestão assumiu o compromisso de remover a ferro e fogo todos os obstáculos legais possíveis à transformar o município, Morro dos Conventos, em especial, em um verdadeiro canteiro de obras.  

Indicou o turismo como uma das bandeiras importantes da administração nos quatro anos de governo. Se a proposta é o turismo, é claro que o foco da administração seria o Balneário Morro dos Conventos. Como já havia exposto acima, como executar o programa de governo nesse segmento, de um viés desenvolvimentista, tendo que respeitar um arcabouço de regras elencadas no  projeto orla. Os decretos da APA  e do MONA/UC, embora não concluídas todas as etapas para a sua efetivação, também seriam instrumentos que impunham alguma resistência às demandas turísticas nada sustentáveis ao balneário.

Primeiro ano de governo MDB, uma das primeiras iniciativas da administração foi  “abrir a porteira” ambiental para que suas demandas turísticas se concretizassem. Primeiro, é claro, era necessário remover alguns obstáculos legais para neutralizar constrangimentos com os órgãos ambientais fiscalizadores. Em 2022 o governo municipal sancionou lei complementar n. 0417/22 que na mesma tacada alterou o decreto municipal  7829/16 que criou o MONA/UC, reduzindo em 60% da área de abrangência, e a revogação definitiva do decreto municipal 7828/16 que criou a APA, em toda a faixa costeira do município de Araranguá. 

Decreto 7829/16 – Mapa delimetando a área do MONA/UC Morro dos Conventos (280.202 há) – MAPA-1 


LC 447/22 - Mapa delimetando a área do MONA/UC Morro dos Conventos (109.95ha) – MAPA-2


 LC 487/23- Mapa delimetando a área do MONA/UC Morro dos Conventos ( 83.45h) – MAPA-3


Os três mapas acima que definem os limites do MONA/UC (Monumento Unidade de Conservação Unidade de Conservação) revelam o pouco interesse das ultimas administrações em  defesa dos nossos complexos e frágeis ecossistemas do balneário Morro dos Conventos. Na  primeira imagem revela uma área de proteção muito mais abrangente que as duas seguintes. Para que se chegasse ao consenso de uma unidade mais protetiva houve muitos debates e o empenho insistente, ininterrupto das organizações ambientais, a exemplo da OSCIP PRESERV’AÇÃO. A intenção era assegurar a proteção não somente dos ecossistemas, como também do complexo conjunto de sítios arqueológicos milenares ali existentes.

A redução progressiva da área de abrangência do MONA/UC se constituiu como um dos grandes retrocessos ao meio ambiente do sul de Santa Catarina, principalmente em um momento tão tenso, incerto, como estamos passando devido as mudanças climáticas. O que deveria estar sendo pensado e executado não seria a redução das unidades de conservação, mas sua ampliação, bem como a sensibilizando da sociedade araranguaense na sua proteção. O que se nota na terceira imagem acima, observando a linha que delimita do Monumento Natural Unidade de Conservação, parte baixa do balneário, é a exclusão criminosa da área onde estão os sítios arqueológicos, considerados acervos de informações sobre o clima, solo, fauna, flora, ou seja, de todo o ecossistema local nos últimos dois, três, quatro mil anos.         

No projeto de Lei Complementar n. 015/22 que  trata  sobre a revogação do decreto que criou a APA, em nenhum momento a administração abriu espaço para ouvir a comunidade envolvida nas discussões do projeto orla,  prerrogativas acordadas entre os delegados envolvidos na construção do Plano. A alegação da administração aos ataques aos decretos, a APA, por exemplo, onde foi suprimida na sua totalidade, se deve a morosidade na conclusão das suas etapas como o plano de manejo e a indicação da chefia da mesma.  Nesse argumento o governo municipal se contradiz, pois se  estava havendo demora na execução das demandas a culpa era do órgão ambiental municipal, cuja gestão, superintendência, é indicação do executivo.

O segundo argumento que “rasgou” de vez o decreto da APA se fundamentou no inciso V, do art. 4 do decreto municipal 7828/16, que proíbe a mineração na APA. Cabe aqui esclarecer que a inserção do Art 4 no decreto, se baseou na Lei Complementar n. 149/12 que discorre sobre o código ambiental municipal. No seu inciso I, Art. 71 afirma que é proibida a mineração de carvão em todo o território municipal. Pode se presumir que a decisão do governo municipal em suprimir o decreto da APA, cuja alegação é o seu  Art 4, pode ter sido influenciado por pressões de outros segmentos da mineração no município, dos derivados de área, cujas jazidas estão posicionadas nos limites da APA.

Violar os decretos das UCs não foi suficiente para frear a ânsia de  “predador ambiental” da atual gestão pública. Essa denominação de gestão antiambiental foi confirmado em um encontro de inspeção do MPF (Ministério Público Federal), IMA (Instituto do Meio Ambiente) e Polícia Ambiental com a administração pública em  2021 no balneário Morro dos Conventos. Durante a inspeção foi detectado descumprimento das normas ambientais na construção de um deck nas proximidades do salva-vidas central do balneário. Os órgãos fiscalizadores recomendaram  que fosse refeito o projeto para que as dunas frontais não fossem cobertas pela edificação.

Também durante a inspeção foi ouvido da administração que a abertura da rua entre Balneário e o loteamento Paiquere seria executada de imediato. Entretanto meses depois maquinários removeram toda a duna frontal para a abertura da via. O que se constatou foi que o poder público  também não seguiu o que foi protocolado no projeto orla, ou seja, a realização de três estudos para escolher o traçado menos impactante para o ecossistema. Depois de concluída a abertura da rua, o MPF deferiu ação de embargo onde permanece até o momento. As últimas ressacas ocorridas no Balneário, parte da rua já foi erodida, como já se presumia e a administração alertada da ocorrência. 

11/2021


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02/2024

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Ficou muito claro que a supressão do decreto da APA contribuiu para a execução de outros projetos que certamente jamais seriam licenciados se as etapas do plano de gestão da mesma fossem concluídas pela administração. Dois desses projetos tiveram como local as margens da manancial Lago Dourado, um loteamento e uma possível marina. Ambos foram denunciados no MPSC, porém, o órgão do judiciário manteve a autorização de continuidade das obras.   

10/2020 

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02/2024

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Observe os dois mapas acima, ambos se referem ao manancial Lago Dourado, fonte de água que abastece o Balneário Morro dos Conventos. As linhas traçadas em vermelho demarcam dois empreendimentos em execução no seu entorno. As legislações ambientais em vigor, o código florestal brasileiro, determina que fontes de abastecimento público, o lago dourado, por exemplo,  teriam que manter no mínimo 50m ou 100m de área de proteção, que não é cumprido. Outro agravante que foi motivo de denuncia ao MPSC. No projeto de loteamento licenciado na margem leste do lago há confirmação da existência de nascentes que ajudam na recarga do manancial.

O terceiro projeto autorizado foi outro loteamento nas imediações do farol, no qual sofreu embargo por descumprimento de regras legais, dentre elas o levantamento da existência de sítios arqueológicos na área do loteamento. Outro detalhe importante nessas imagens. Quanto foi assinado o decreto de criação do MONA-UC, umas das intenções era proteger a paisagem natural no entorno da falésia. Com a aprovação do loteamento, pelo o que se sabe é da década de 1970, toda a paisagem foi alterada. O que o poder público deveria ter exigido ao empreendedor antes do licenciamento era a realização do ECA (Estudo de Conformidade Ambiental), que também não aconteceu. 

10/2022

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Prof. Jairo Cesa