MARCO TEMPORAL: A TESE QUE PERMITE A CONTINUIDADE AO GENOCÍDIO CONTRA INDÍGENAS
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Passado
mais de quinhentos anos da ocupação portuguesa em terras brasilis, onde deu
início ao progressivo extermínio dos seus habitantes, povos originários, essa trágica
missão, antes abençoada pela vossa santidade, sempre permaneceu em curso, agora
com o famigerado Marco Temporal. Esse é um perverso “dispositivo legal”
articulado por setores do grande latifúndio e segmentos conservadores do
congresso nacional, cujo propósito é tomar o que restam das terras dos originários,
concluindo o que os colonizadores começaram no século XVI, o genocídio deliberado.
O
argumento em defesa do marco temporal parte do pressuposto de que os indígenas
só teriam direito sobre as terras reivindicadas se lá estivessem ocupando até o
dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da constituição federal. A
contrariedade acerca da tese se deve ao fato de que milhares de indígenas não
habitavam mais esses espaços nessa data, por terem sido expulsos no passado por
ações violentas do latifúndio, muitas vezes avalizadas pelo próprio Estado.
Em
setembro de 2023 o STF julgou essa tese, onde por 9 votos a 2 derrubaram a
mesma alegando inconstitucionalidade. Acontece que paralelamente ao julgamento
no STF o Congresso Nacional votou e aprovou em caráter de urgência projeto de
lei n. 14.701/23 que trata exatamente sobre o Marco Temporal, que ao contrario
do que foi decidido pela suprema corte, a lei reafirma o 05 de outubro de 1988 como
parâmetro de temporalidade para assegurar ou não direito sobre dos originários
às terras ocupadas ou pretendidas.
A
expectativa de que a lei aprovada pelo congresso nacional defendendo o marco
temporal pudesse ser vetada pelo presidente se concretizou em dezembro de 2023.
Entretanto, o parlamento derrubou inúmeros vetos do presidente, passando a
valer desde então duas decisões, fato que vem contribuindo para agravamento da
violência no campo, sendo os indígenas os mais fragilizados, com elevado número
de vítimas.
Como
tentativa para solucionar os impasses ocorridos, audiências de conciliações
estão sendo realizadas para tratar sobre a lei do marco temporal. Na primeira audiência o relator foi o ministro
Gilmar Mendes que acatou ações protocoladas pelo Partido Progressista, Partido
Liberal, Republicano, ambos defendendo a manutenção da lei que reconhece o
marco temporal como parâmetro decisório.
Diante
de tais impasses, existindo agora duas decisões envolvendo a questão das terras
indígenas, primeira delas, a derrubada da tese do Marco Temporal pelo STF e a
segunda, a lei 14.701/23, que mantém o marco temporal, a violência contra
indígenas por fazendeiros, setores do agronegócio, acelerou nos últimos meses e
com possibilidade de agravar-se ainda mais. A última dessas investidas ocorreu
no Mato Grosso do Sul, na cidade de Douradina, onde um ataque promovido por
jagunços contra indígenas da etnia guarani kayowá, ação essa que resultou em
mais de dez indígenas feridos por balas.
Quanto
à lei do Marco Temporal que foi aprovada pelo congresso em 2023 a partir da derrubada
dos vetos do presidente, é consenso por parcela expressiva dos três poderes e
da sociedade que a mesma é inconstitucional. A Lei ataca diretamente os artigos
231 e 232 da Constituição Federal, ambos considerados como clausulas pétreas,
ou seja, dispositivos que dão ampla garantia ao usufruto das terras já
demarcadas e outras áreas em processo de demarcação. Na hipótese de o Congresso
Nacional encaminhar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para
alterar os respectivos artigos, tal dispositivo não asseguraria ganhos por
parte dos interessados, por exemplo, o latifúndio. A única possibilidade de
gerar alguma ameaça aos direitos indígenas já assegurados seria a realização de
uma Assembléia Nacional Constituinte, algo que se acredita não ocorrerá em tão
curto espaço de tempo.
A
não anulação da lei sobre o marco temporal abre precedente para uma avalanche
de ações protocoladas nos judiciários espalhados nos quatro cantos do
território brasileiro. Muitas dessas ações são impetradas por fazendeiros
requerendo áreas ditas suas, onde indígenas estão ocupando ou ameaçam tomá-las
por serem comprovadamente pertencente aos seus povos. Vêm ocorrendo também, depois
de promulgada a lei, indivíduos provocando o judiciário para anular demarcações
já ocorridas, mesmo sendo as mesmas habitadas pelos originários.
Há
outros absurdos nessa lei, como a concessão de parcerias entre indígenas e não
indígenas para a exploração dessas áreas. Claro que tal flexibilização está
abrindo brechas para uma devastação sem precedentes dessas terras, por meio da
extração de madeiras, atividades de garimpo predatório, entre outras ações. O
desenvolvimento de grandes projetos como barragens, ferrovias, estradas, etc,
sem consulta prévia com os indígenas também consta na lei aprovada.
Prof.
Jairo Cesa
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