quinta-feira, 8 de agosto de 2024

 

MARCO TEMPORAL: A TESE QUE PERMITE A CONTINUIDADE AO GENOCÍDIO CONTRA INDÍGENAS

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Passado mais de quinhentos anos da ocupação portuguesa em terras brasilis, onde deu início ao progressivo extermínio dos seus habitantes, povos originários, essa trágica missão, antes abençoada pela vossa santidade, sempre permaneceu em curso, agora com o famigerado Marco Temporal. Esse é um perverso “dispositivo legal” articulado por setores do grande latifúndio e segmentos conservadores do congresso nacional, cujo propósito é tomar o que restam das terras dos originários, concluindo o que os colonizadores começaram no século XVI, o genocídio deliberado.

O argumento em defesa do marco temporal parte do pressuposto de que os indígenas só teriam direito sobre as terras reivindicadas se lá estivessem ocupando até o dia 05 de outubro de 1988, data da promulgação da constituição federal. A contrariedade acerca da tese se deve ao fato de que milhares de indígenas não habitavam mais esses espaços nessa data, por terem sido expulsos no passado por ações violentas do latifúndio, muitas vezes avalizadas pelo próprio Estado.  

Em setembro de 2023 o STF julgou essa tese, onde por 9 votos a 2 derrubaram a mesma alegando inconstitucionalidade. Acontece que paralelamente ao julgamento no STF o Congresso Nacional votou e aprovou em caráter de urgência projeto de lei n. 14.701/23 que trata exatamente sobre o Marco Temporal, que ao contrario do que foi decidido pela suprema corte, a lei reafirma o 05 de outubro de 1988 como parâmetro de temporalidade para assegurar ou não direito sobre dos originários às terras ocupadas ou pretendidas.

A expectativa de que a lei aprovada pelo congresso nacional defendendo o marco temporal pudesse ser vetada pelo presidente se concretizou em dezembro de 2023. Entretanto, o parlamento derrubou inúmeros vetos do presidente, passando a valer desde então duas decisões, fato que vem contribuindo para agravamento da violência no campo, sendo os indígenas os mais fragilizados, com elevado número de vítimas.

Como tentativa para solucionar os impasses ocorridos, audiências de conciliações estão sendo realizadas para tratar sobre a lei do marco temporal.  Na primeira audiência o relator foi o ministro Gilmar Mendes que acatou ações protocoladas pelo Partido Progressista, Partido Liberal, Republicano, ambos defendendo a manutenção da lei que reconhece o marco temporal como parâmetro decisório.

Diante de tais impasses, existindo agora duas decisões envolvendo a questão das terras indígenas, primeira delas, a derrubada da tese do Marco Temporal pelo STF e a segunda, a lei 14.701/23, que mantém o marco temporal, a violência contra indígenas por fazendeiros, setores do agronegócio, acelerou nos últimos meses e com possibilidade de agravar-se ainda mais. A última dessas investidas ocorreu no Mato Grosso do Sul, na cidade de Douradina, onde um ataque promovido por jagunços contra indígenas da etnia guarani kayowá, ação essa que resultou em mais de dez indígenas feridos por balas.

Quanto à lei do Marco Temporal que foi aprovada pelo congresso em 2023 a partir da derrubada dos vetos do presidente, é consenso por parcela expressiva dos três poderes e da sociedade que a mesma é inconstitucional. A Lei ataca diretamente os artigos 231 e 232 da Constituição Federal, ambos considerados como clausulas pétreas, ou seja, dispositivos que dão ampla garantia ao usufruto das terras já demarcadas e outras áreas em processo de demarcação. Na hipótese de o Congresso Nacional encaminhar uma PEC           (Proposta de Emenda Constitucional) para alterar os respectivos artigos, tal dispositivo não asseguraria ganhos por parte dos interessados, por exemplo, o latifúndio. A única possibilidade de gerar alguma ameaça aos direitos indígenas já assegurados seria a realização de uma Assembléia Nacional Constituinte, algo que se acredita não ocorrerá em tão curto espaço de tempo.

A não anulação da lei sobre o marco temporal abre precedente para uma avalanche de ações protocoladas nos judiciários espalhados nos quatro cantos do território brasileiro. Muitas dessas ações são impetradas por fazendeiros requerendo áreas ditas suas, onde indígenas estão ocupando ou ameaçam tomá-las por serem comprovadamente pertencente aos seus povos. Vêm ocorrendo também, depois de promulgada a lei, indivíduos provocando o judiciário para anular demarcações já ocorridas, mesmo sendo as mesmas habitadas pelos originários. 

Há outros absurdos nessa lei, como a concessão de parcerias entre indígenas e não indígenas para a exploração dessas áreas. Claro que tal flexibilização está abrindo brechas para uma devastação sem precedentes dessas terras, por meio da extração de madeiras, atividades de garimpo predatório, entre outras ações. O desenvolvimento de grandes projetos como barragens, ferrovias, estradas, etc, sem consulta prévia com os indígenas também consta na lei aprovada.

Prof. Jairo Cesa   

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