SEMINÁRIO
REVELA A MESORREGIÃO SUL DE SANTA CATARINA COMO UMA DAS MAIS CRÍTICAS PORA DESASTRES CLIMÁTICOS
Sem
dúvida o seminário sobre mudanças climáticas em Santa Catarina realizado no dia
26 de julho último em Florianópolis e coordenado pela SEMAE Secretaria de
Estado do Meio Ambiente e Economia Verde, pode sim ser considerado como um
marco importante para o estado na mitigação dos efeitos causados pelos
frequentes episódios extremos do clima. Inquestionavelmente é consenso que o seminário
deve ser enaltecido por todos, entretanto, paradoxalmente, é o próprio Estado, frente
as suas políticas econômicas em curso, um dos grandes estimuladores a tais
desastres.
Se
observarmos os mapas contendo as áreas mais impactadas por enxurradas,
deslizamentos, etc, geralmente são locais cujas ocupações deveriam ser
restringidas ao máximo, que de fato não ocorreram e nem ocorrem. Outro detalhe
importante que deve merecer profunda reflexão, que possivelmente foi silenciado
durante o seminário, a revisão do código ambiental catarinense onde foram flexibilizados
inúmeros dispositivos de proteção ambiental. A pressão do agronegócio, bem como
do industrial e imobiliário, fez reduzir a cobertura vegetal, as APPs, como as
matas dos grandes e médios cursos d’água do estado.
Se
fosse realizado um pente fino em todas as bacias hidrográficas do estado,
acredita-se que daria para contar nos dedos aquelas que vêm cumprindo as
legislações em vigor quanto à proteção da floresta ciliar. O agravante é que o
novo código ambiental, que foi aprovado em 2022, tornou menos restritiva essa
APP no estado em comparação ao código florestal brasileiro. O que me pareceu, acerca
da realização do seminário pelo atual governo, foi querer dar uma impressão aos
catarinenses de estar sensível às turbulências climáticas em curso no país e no
mundo.
Quem
acompanhou o último quadriênio nacional, 2019 a 2022, deve ter percebido que a
atuação do presidente, na época, filiado ao mesmo partido do atual governador
de Santa Catarina, o seu governo adotou posturas nitidamente negacionistas sobre
pautas ambientais. Quem não se lembra do ministro da pasta ambiental, Ricardo
Sales, em reunião ministerial no palácio do planalto, onde defendeu a proposta
de deixar “passar a boiada” sobre as legislações ambientais em vigor. É claro
que o seu principal pupilo, o atual governador de Santa Catarina, não vai agora
ser ungido pela luz do redentor e defender medidas impactantes contrárias aos
interesses do grande capital rural e urbano.
Foram
diversas palestras apresentadas, com debates e reflexões sobre temas
extremamente relevantes para minimizar ao máximo os impactos advindos das
mudanças climáticas em curso no estado de Santa Catarina. Dentre as
palestrantes convidadas estava a representante do SMC-MMA (Secretaria Nacional
de Mudanças Climáticas – do Ministério do Meio Ambiente) no qual discorreu
sobre a atual realidade climática do Brasil. Apresentou dados relativos aos
impactos à economia, à infraestrutura, advindos dos episódios climáticos
extremos nos últimos dez anos no Brasil. São números preocupantes que merecem
atenção dos governantes e de toda a sociedade para a busca de soluções
emergenciais que neutralizem seus efeitos no futuro.
Nesse
dez anos de fenômenos climáticos extremos foram 83% dos municípios brasileiros
atingidos, com prejuízos orçados em 421 bilhões de reais. De uma população
total aproximada de 220 milhões de pessoas, cerca de 180 milhões tiveram algum
dano indireto em suas residências. No entanto foram 5 milhões de indivíduos que
sofreram efeitos diretos com as intempéries climáticas, ou seja, tiveram suas
residências ou propriedades, parcial ou completamente danificadas. Quando algum
município sofre perdas ou é arrasado por enxurradas, é assegurada aos seus
gestores a decretação de estado de emergência ou, em casos mais extremos, de
calamidade pública. Somente nos últimos quatro anos, 2020 a 2024 foram 40% dos
municípios que decretaram situação de emergência.
Dentre
as atribuições elencadas pelo atual governo federal, baseado nesse cenário de
turbulência climática e cujo Brasil se mostra um dos mais suscetíveis, o Plano
Clima tende a ser um importante instrumento de construção de políticas públicas
já pensando no agravamento dos episódios climáticos futuros. O Plano Clima tem a participação de 22
ministérios e da sociedade, cujo prazo estipulado é até o dia 26 de agosto,
para o envio de proposições por meio da plataforma Brasil participativo.
Todo
o arcabouço de propostas fará parte do guia de políticas climáticas para 2035,
que contará com dois pilares: estratégia nacional de mitigação de substâncias
causadoras do efeito estufa; e estratégia nacional de adaptação, como forma de
reduzir a vulnerabilidade das cidades. É importante destacar que todo esse
conjunto de ações, são demandas assumidas pelo Brasil na COP 21, Conferência do
Clima, ocorrida em Paris em 2015.
Claro
que as dificuldades para a execução do Plano Clima no Brasil exigirá mudanças
de comportamentos principalmente dos setores que mais se beneficiam do atual
modelo de produção predatória. O que se pretende é construir modelos
produtivos, no campo e na cidade, com baixa emissão de gases poluentes, bem
como reduzir ou até mesmo zerar o desmatamento ilegal. Quando se pensa em
transição energética, o foco está na substituição de combustíveis fósseis por
renováveis, ou seja, ao invés de petróleo, carvão, o plano é investimentos em
sistemas alternativos, energias limpas, como fotovoltaica, eólica, bio combustíveis,
etc.
Durante
o turno da tarde, outras relevantes palestras se sucederam no seminário, como a
que discorreu sobre Projeções Climáticas e Eventos Extremos em SC. O
palestrante afirmou que as mudanças climáticas poderão reduzir a economia global
em 19% até 2049, que tal desarranjo sistêmico poderá gerar crises de
abastecimento e conflitos por escassez de alimentos. Falou também que durante a
década de 1960, no sul do Brasil, havia a formação de oito ou nove bloqueios
atmosféricos, fenômeno pelo qual ondas de calor intenso impedem o deslocamento
das frentes frias, permanecendo estacionada sobre uma região por dias ou
semanas, episódio semelhante ao ocorrido em 2023 e 2024, nos estados do RS e
SC. Esses mesmos bloqueios pularam para 20 a partir de 2020 em diante.
De
certo modo, a palestra que deve ter gerado maior expectativa dos presentes foi
a que discorreu sobre Risco Climático e Adaptação na Mesorregião Sul de Santa
Catarina. A expectativa se deve ao fato de ter sido essa região uma das mais
impactadas por episódios climáticos extremos nos últimos anos. Isso não
significa ter de reduzir a atenção das autoridades para todas as demais regiões
que também sofreram com maior ou menor intensidade algum fenômeno extremo. O que
causou mais espanto foi quando se soube que somente duas de cada dez cidades do
estado estão preparadas para mudanças climáticas, ou seja, as autoridades
locais bem buscando aplicar políticas de contingenciamento ou mitigação
ambiental.
O
palestrante trouxe alguns números dos efeitos das mudanças climáticas no estado
nos últimos trinta anos. Somente em prejuízos econômicos e infraestrutura o
valor chegou aos 44 bilhões de reais. Nas enxurradas que se abateram no estado
em outubro de 2023, o prejuízo na agricultura chegou a 1,6 bilhão de reais.
Antes da ocorrência das enxurradas, o estado havia sido acometido por uma
longa estiagem, de 2021 a 2022, com prejuízos orçados em 4,2 bilhões de reais, mais
1,7 bilhão de perdas no segmento industrial.
A faixa costeira do estado não ficou imune as intempéries climáticas. De
1978 a 2022, os prejuízos decorrentes de enxurradas, deslizamentos, ressacas,
etc, somaram 1 bilhão de reais.
Alertou
o palestrante que a faixa costeira catarinense tende a ser a área do estado com
maior suscetibilidade aos efeitos das mudanças climáticas, por isso deverá
receber maior atenção das autoridades e da sociedade num todo. Acredita-se que
até 2050 as águas do oceano atlântico sul terão uma elevação de 1cm, fração
essa que representará 1m a mais de água sobre a costa catarinense. Diante
disso, juntando outros fatores do tempo, os gestores municipais terão que se
agilizar adotando medidas que minimizem ao máximo os impactos dessas
adversidades do clima. A rediscussão dos
planos diretores, as revisões dos códigos de obras e uma fiscalização mais ostensiva
se mostram necessárias.
Pesquisa
realizada apresentou dados preocupantes para o Sul de Santa Catarina. Dos 100
municípios mais vulneráveis ambientalmente do estado, 12 estão situados na
mesorregião sul. Desses cem, 13 unidades não possuem programas de defesa civil
funcionando. Agora, o que revolta é saber que a metade desses municípios não
possui qualquer financiamento de proteção para a defesa civil; 34 não possuem
plano municipal de contingenciamento a episódios climáticos extremos e 36 não
realizam fiscalização periódica das áreas de riscos de desastres. Conforme se
observa no mapa acima, os municípios da mesorregião sul mais impactados por
desastres climáticos são Orleans, Criciúma, Araranguá e Jacinto Machado. Pare
esses e outros municípios catarinenses suscetíveis a desastres climáticos, como
enxurradas, o que se propõe e a execução de políticas baseadas na natureza,
como a criação de parques urbanos, jardins de chuvas, cidades esponjas e educação
climática nas escolas.
Outro
aspecto que chamou a atenção no seminário foi a palestra que discorreu sobre
soluções para as crises climáticas a partir da “lente jurídica”. Sim,
organismos como os Ministérios Públicos e outras instituições de caráter
jurídico poderiam se debruçar em questões litigantes envolvendo impasses
ambientais. Um bom exemplo de litigância e cujo desfecho foi favorável ao meio
ambiente, ocorreu a menos de trinta dias, quando a AGU (Advocacia Geral da
União) conseguiu bloquear quase trezentos milhões de reais em bens de um
infrator por cometer crime de emissão de gases do efeito estufa. Uma decisão importante, inédita, que poderá
ser aplicada para outros casos similares, no Brasil e fora do país.
Era
de se esperar que um evento tão importante como foi o seminário sobre mudanças
climáticas tivesse mais repercussão do que de fato ocorreu principalmente divulgação
pela imprensa que deu pouquíssima cobertura. Uma das consequências, portanto,
deve ser o baixo número de catarinenses que acompanharam e tiveram acesso as
discussões e as proposições elencadas pelos panelistas. Depois de investigar inúmeros
sites para ter acesso ao relatório final do seminário, por sorte encontrei a
página digital do governo do estado - sc.gov.br, da Secretaria de Estado e do
Meio Ambiente e Economia Verde, com a seguinte manchete: Secretaria de Estado e
do Meio Ambiente e Economia Verde apresenta 84 Medidas de adaptação climática
aos municípios catarinenses.
No
final dessa pagina está link da planilha contendo todas as demandas que,
certamente, os gestores municipais e seus órgãos correlatos terão que conhecer
e aplicá-los. É o mínimo que se espera e que de fato aconteça, não é mesmo? Das
84 propostas elencadas cabe aqui destacar algumas consideradas emergentes para
a região sul de Santa Catarina: obras de contenções de encostas; expansão de
áreas verdes nas cidades; reabilitação de áreas urbanas; planos municipais de
adaptação às mudanças climáticas; atualização dos planos diretores e zoneamento
urbano; educação ambiental e climática; elaboração de plano municipal para
mudança climática; revisão do código de obras do município, etc.
Tudo
leva crer que as articulações em curso no estado voltadas a um planejamento
sério e duradouro ao contingenciamento dos fenômenos climáticos extremos no
futuro estão se concretizando. O órgão
que vem se mobilizando para esse fim é o MPSC, que em 2023 assinou um termo de
cooperação também com o MPRS para atuarem conjuntamente nas adversidades do
clima entre as duas federações. O primeiro encontro de membros do ministério
público catarinense ocorreu em 31 de janeiro de 2024, por meio do ATO
17/2024/PGJ, cuja previsão é incluir mais 11 entidades externas, com a previsão
de acontecer no primeiro seminário de mudanças climáticas previsto para o dia
14 e 15 de março de 2024. O seminário ocorrerá nas dependências do MPSC, que
terá a parceira da Defesa Civil do Estado. O tema do evento será Lei e Ação
Para um Futuro Sustentável.
O
seminário de fato aconteceu nas datas estabelecidas, envolvendo inúmeras
autoridades, pesquisadores, etc. Na ocasião foi oficializada a criação do grupo
especial de defesa dos direitos relacionados a desastres socioambientais e
mudanças climáticas, o GEDCLIMA. Também foi redigida carta contendo as
diretrizes e compromissos que serão assumidos por todos os envolvidos a partir
do seminário. O GEDCLIMA está fundamentado em parâmetros legais nacionais como
o PNPDEC – Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e o SINDEC – Sistema Nacional
de Defesa Civil, ambos criados por meio da lei n. 12.608/2012. Convém lembrar
que além desses dois órgãos, a lei assegurou a existência do CONPDEC – Conselho
Nacional de Proteção e Defesa Civil.
Com
certeza uma das legislações mais importantes vinculadas ao escopo das
contenções dos desastres naturais nos municípios brasileiros é a lei n.
10.592/2021onde determina que a federação tenha o cadastro de todos os
municípios especificando as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos,
inundações bruscas e processos geológicos ou hidrológicos correlatos. Outro
dispositivo legal importante, agora em caráter estadual, foi à lei n. 16.601/2015, onde estabelece que
todos os municípios de Santa Catarinense deverão incorporar em seus planos diretores e
demais instrumentos reguladores da ocupação e uso do solo em suas bases
territoriais, os documentos oficiais do Estado sobre estudos e mapeamentos de áreas
de riscos.
É
de se imaginar que todos os municípios da mesorregião sul de Santa Catarina, em
situações de vulnerabilidade climática estejam cientes de todas essas
normatizações. Também é de se imaginar que por ser ano eleitoral, onde serão
eleitos ou reeleitos prefeitos e vereadores em todo o território nacional, cada
candidato à majoritária e à proporcional, tenha clareza de todas essas
discussões e dos dispositivos institucionais oficializados sobre contingências
climáticas. O que se espera também é que tais demandas climáticas estejam
inseridas nos seus planos de governos para os próximos quatros anos de mandato.
Prof.
Jairo Cesa
https://www.youtube.com/watch?v=6AQCxlVTYF8
https://www.youtube.com/watch?v=0ZUPiVycoLk
https://www.mpsc.mp.br/noticias/gedclima-realiza-primeira-reuniao-com-integrantes-do-mpsc-
https://www.youtube.com/watch?v=0ZUPiVycoLk
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/d10692.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm
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