quinta-feira, 15 de agosto de 2024

 

SEMINÁRIO REVELA A MESORREGIÃO SUL DE SANTA CATARINA COMO UMA DAS MAIS CRÍTICAS PORA DESASTRES CLIMÁTICOS

Sem dúvida o seminário sobre mudanças climáticas em Santa Catarina realizado no dia 26 de julho último em Florianópolis e coordenado pela SEMAE Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Economia Verde, pode sim ser considerado como um marco importante para o estado na mitigação dos efeitos causados pelos frequentes episódios extremos do clima. Inquestionavelmente é consenso que o seminário deve ser enaltecido por todos, entretanto, paradoxalmente, é o próprio Estado, frente as suas políticas econômicas em curso, um dos grandes estimuladores a tais desastres.

Se observarmos os mapas contendo as áreas mais impactadas por enxurradas, deslizamentos, etc, geralmente são locais cujas ocupações deveriam ser restringidas ao máximo, que de fato não ocorreram e nem ocorrem. Outro detalhe importante que deve merecer profunda reflexão, que possivelmente foi silenciado durante o seminário, a revisão do código ambiental catarinense onde foram flexibilizados inúmeros dispositivos de proteção ambiental. A pressão do agronegócio, bem como do industrial e imobiliário, fez reduzir a cobertura vegetal, as APPs, como as matas dos grandes e médios cursos d’água do estado.

Se fosse realizado um pente fino em todas as bacias hidrográficas do estado, acredita-se que daria para contar nos dedos aquelas que vêm cumprindo as legislações em vigor quanto à proteção da floresta ciliar. O agravante é que o novo código ambiental, que foi aprovado em 2022, tornou menos restritiva essa APP no estado em comparação ao código florestal brasileiro. O que me pareceu, acerca da realização do seminário pelo atual governo, foi querer dar uma impressão aos catarinenses de estar sensível às turbulências climáticas em curso no país e no mundo.

Quem acompanhou o último quadriênio nacional, 2019 a 2022, deve ter percebido que a atuação do presidente, na época, filiado ao mesmo partido do atual governador de Santa Catarina, o seu governo adotou posturas nitidamente negacionistas sobre pautas ambientais. Quem não se lembra do ministro da pasta ambiental, Ricardo Sales, em reunião ministerial no palácio do planalto, onde defendeu a proposta de deixar “passar a boiada” sobre as legislações ambientais em vigor. É claro que o seu principal pupilo, o atual governador de Santa Catarina, não vai agora ser ungido pela luz do redentor e defender medidas impactantes contrárias aos interesses do grande capital rural e urbano.

  Foram diversas palestras apresentadas, com debates e reflexões sobre temas extremamente relevantes para minimizar ao máximo os impactos advindos das mudanças climáticas em curso no estado de Santa Catarina. Dentre as palestrantes convidadas estava a representante do SMC-MMA (Secretaria Nacional de Mudanças Climáticas – do Ministério do Meio Ambiente) no qual discorreu sobre a atual realidade climática do Brasil. Apresentou dados relativos aos impactos à economia, à infraestrutura, advindos dos episódios climáticos extremos nos últimos dez anos no Brasil. São números preocupantes que merecem atenção dos governantes e de toda a sociedade para a busca de soluções emergenciais que neutralizem seus efeitos no futuro.

Nesse dez anos de fenômenos climáticos extremos foram 83% dos municípios brasileiros atingidos, com prejuízos orçados em 421 bilhões de reais. De uma população total aproximada de 220 milhões de pessoas, cerca de 180 milhões tiveram algum dano indireto em suas residências. No entanto foram 5 milhões de indivíduos que sofreram efeitos diretos com as intempéries climáticas, ou seja, tiveram suas residências ou propriedades, parcial ou completamente danificadas. Quando algum município sofre perdas ou é arrasado por enxurradas, é assegurada aos seus gestores a decretação de estado de emergência ou, em casos mais extremos, de calamidade pública. Somente nos últimos quatro anos, 2020 a 2024 foram 40% dos municípios que decretaram situação de emergência. 

Dentre as atribuições elencadas pelo atual governo federal, baseado nesse cenário de turbulência climática e cujo Brasil se mostra um dos mais suscetíveis, o Plano Clima tende a ser um importante instrumento de construção de políticas públicas já pensando no agravamento dos episódios climáticos futuros.  O Plano Clima tem a participação de 22 ministérios e da sociedade, cujo prazo estipulado é até o dia 26 de agosto, para o envio de proposições por meio da plataforma Brasil participativo.

Todo o arcabouço de propostas fará parte do guia de políticas climáticas para 2035, que contará com dois pilares: estratégia nacional de mitigação de substâncias causadoras do efeito estufa; e estratégia nacional de adaptação, como forma de reduzir a vulnerabilidade das cidades. É importante destacar que todo esse conjunto de ações, são demandas assumidas pelo Brasil na COP 21, Conferência do Clima, ocorrida em Paris em 2015.  

Claro que as dificuldades para a execução do Plano Clima no Brasil exigirá mudanças de comportamentos principalmente dos setores que mais se beneficiam do atual modelo de produção predatória. O que se pretende é construir modelos produtivos, no campo e na cidade, com baixa emissão de gases poluentes, bem como reduzir ou até mesmo zerar o desmatamento ilegal. Quando se pensa em transição energética, o foco está na substituição de combustíveis fósseis por renováveis, ou seja, ao invés de petróleo, carvão, o plano é investimentos em sistemas alternativos, energias limpas, como fotovoltaica, eólica, bio combustíveis, etc. 

Durante o turno da tarde, outras relevantes palestras se sucederam no seminário, como a que discorreu sobre Projeções Climáticas e Eventos Extremos em SC. O palestrante afirmou que as mudanças climáticas poderão reduzir a economia global em 19% até 2049, que tal desarranjo sistêmico poderá gerar crises de abastecimento e conflitos por escassez de alimentos. Falou também que durante a década de 1960, no sul do Brasil, havia a formação de oito ou nove bloqueios atmosféricos, fenômeno pelo qual ondas de calor intenso impedem o deslocamento das frentes frias, permanecendo estacionada sobre uma região por dias ou semanas, episódio semelhante ao ocorrido em 2023 e 2024, nos estados do RS e SC. Esses mesmos bloqueios pularam para 20 a partir de 2020 em diante.

De certo modo, a palestra que deve ter gerado maior expectativa dos presentes foi a que discorreu sobre Risco Climático e Adaptação na Mesorregião Sul de Santa Catarina. A expectativa se deve ao fato de ter sido essa região uma das mais impactadas por episódios climáticos extremos nos últimos anos. Isso não significa ter de reduzir a atenção das autoridades para todas as demais regiões que também sofreram com maior ou menor intensidade algum fenômeno extremo. O que causou mais espanto foi quando se soube que somente duas de cada dez cidades do estado estão preparadas para mudanças climáticas, ou seja, as autoridades locais bem buscando aplicar políticas de contingenciamento ou mitigação ambiental.

O palestrante trouxe alguns números dos efeitos das mudanças climáticas no estado nos últimos trinta anos. Somente em prejuízos econômicos e infraestrutura o valor chegou aos 44 bilhões de reais. Nas enxurradas que se abateram no estado em outubro de 2023, o prejuízo na agricultura chegou a 1,6 bilhão de reais. Antes da ocorrência das enxurradas, o estado havia sido acometido por uma longa estiagem, de 2021 a 2022, com prejuízos orçados em 4,2 bilhões de reais, mais 1,7 bilhão de perdas no segmento industrial.  A faixa costeira do estado não ficou imune as intempéries climáticas. De 1978 a 2022, os prejuízos decorrentes de enxurradas, deslizamentos, ressacas, etc, somaram 1 bilhão de reais.

Alertou o palestrante que a faixa costeira catarinense tende a ser a área do estado com maior suscetibilidade aos efeitos das mudanças climáticas, por isso deverá receber maior atenção das autoridades e da sociedade num todo. Acredita-se que até 2050 as águas do oceano atlântico sul terão uma elevação de 1cm, fração essa que representará 1m a mais de água sobre a costa catarinense. Diante disso, juntando outros fatores do tempo, os gestores municipais terão que se agilizar adotando medidas que minimizem ao máximo os impactos dessas adversidades do clima.  A rediscussão dos planos diretores, as revisões dos códigos de obras e uma fiscalização mais ostensiva se mostram necessárias.     

 


 

Pesquisa realizada apresentou dados preocupantes para o Sul de Santa Catarina. Dos 100 municípios mais vulneráveis ambientalmente do estado, 12 estão situados na mesorregião sul. Desses cem, 13 unidades não possuem programas de defesa civil funcionando. Agora, o que revolta é saber que a metade desses municípios não possui qualquer financiamento de proteção para a defesa civil; 34 não possuem plano municipal de contingenciamento a episódios climáticos extremos e 36 não realizam fiscalização periódica das áreas de riscos de desastres. Conforme se observa no mapa acima, os municípios da mesorregião sul mais impactados por desastres climáticos são Orleans, Criciúma, Araranguá e Jacinto Machado. Pare esses e outros municípios catarinenses suscetíveis a desastres climáticos, como enxurradas, o que se propõe e a execução de políticas baseadas na natureza, como a criação de parques urbanos, jardins de chuvas, cidades esponjas e educação climática nas escolas.

   


   

Outro aspecto que chamou a atenção no seminário foi a palestra que discorreu sobre soluções para as crises climáticas a partir da “lente jurídica”. Sim, organismos como os Ministérios Públicos e outras instituições de caráter jurídico poderiam se debruçar em questões litigantes envolvendo impasses ambientais. Um bom exemplo de litigância e cujo desfecho foi favorável ao meio ambiente, ocorreu a menos de trinta dias, quando a AGU (Advocacia Geral da União) conseguiu bloquear quase trezentos milhões de reais em bens de um infrator por cometer crime de emissão de gases do efeito estufa.  Uma decisão importante, inédita, que poderá ser aplicada para outros casos similares, no Brasil e fora do país.

Era de se esperar que um evento tão importante como foi o seminário sobre mudanças climáticas tivesse mais repercussão do que de fato ocorreu principalmente divulgação pela imprensa que deu pouquíssima cobertura. Uma das consequências, portanto, deve ser o baixo número de catarinenses que acompanharam e tiveram acesso as discussões e as proposições elencadas pelos panelistas. Depois de investigar inúmeros sites para ter acesso ao relatório final do seminário, por sorte encontrei a página digital do governo do estado - sc.gov.br, da Secretaria de Estado e do Meio Ambiente e Economia Verde, com a seguinte manchete: Secretaria de Estado e do Meio Ambiente e Economia Verde apresenta 84 Medidas de adaptação climática aos municípios catarinenses.  

No final dessa pagina está link da planilha contendo todas as demandas que, certamente, os gestores municipais e seus órgãos correlatos terão que conhecer e aplicá-los. É o mínimo que se espera e que de fato aconteça, não é mesmo? Das 84 propostas elencadas cabe aqui destacar algumas consideradas emergentes para a região sul de Santa Catarina: obras de contenções de encostas; expansão de áreas verdes nas cidades; reabilitação de áreas urbanas; planos municipais de adaptação às mudanças climáticas; atualização dos planos diretores e zoneamento urbano; educação ambiental e climática; elaboração de plano municipal para mudança climática; revisão do código de obras do município, etc.

Tudo leva crer que as articulações em curso no estado voltadas a um planejamento sério e duradouro ao contingenciamento dos fenômenos climáticos extremos no futuro estão se concretizando.  O órgão que vem se mobilizando para esse fim é o MPSC, que em 2023 assinou um termo de cooperação também com o MPRS para atuarem conjuntamente nas adversidades do clima entre as duas federações. O primeiro encontro de membros do ministério público catarinense ocorreu em 31 de janeiro de 2024, por meio do ATO 17/2024/PGJ, cuja previsão é incluir mais 11 entidades externas, com a previsão de acontecer no primeiro seminário de mudanças climáticas previsto para o dia 14 e 15 de março de 2024. O seminário ocorrerá nas dependências do MPSC, que terá a parceira da Defesa Civil do Estado. O tema do evento será Lei e Ação Para um Futuro Sustentável.

O seminário de fato aconteceu nas datas estabelecidas, envolvendo inúmeras autoridades, pesquisadores, etc. Na ocasião foi oficializada a criação do grupo especial de defesa dos direitos relacionados a desastres socioambientais e mudanças climáticas, o GEDCLIMA. Também foi redigida carta contendo as diretrizes e compromissos que serão assumidos por todos os envolvidos a partir do seminário. O GEDCLIMA está fundamentado em parâmetros legais nacionais como o PNPDEC – Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e o SINDEC – Sistema Nacional de Defesa Civil, ambos criados por meio da lei n. 12.608/2012. Convém lembrar que além desses dois órgãos, a lei assegurou a existência do CONPDEC – Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil.    

Com certeza uma das legislações mais importantes vinculadas ao escopo das contenções dos desastres naturais nos municípios brasileiros é a lei n. 10.592/2021onde determina que a federação tenha o cadastro de todos os municípios especificando as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos, inundações bruscas e processos geológicos ou hidrológicos correlatos. Outro dispositivo legal importante, agora em caráter estadual, foi à lei n. 16.601/2015, onde estabelece que todos os municípios de Santa Catarinense  deverão incorporar em seus planos diretores e demais instrumentos reguladores da ocupação e uso do solo em suas bases territoriais, os documentos oficiais do Estado sobre estudos e mapeamentos de áreas de riscos.

É de se imaginar que todos os municípios da mesorregião sul de Santa Catarina, em situações de vulnerabilidade climática estejam cientes de todas essas normatizações. Também é de se imaginar que por ser ano eleitoral, onde serão eleitos ou reeleitos prefeitos e vereadores em todo o território nacional, cada candidato à majoritária e à proporcional, tenha clareza de todas essas discussões e dos dispositivos institucionais oficializados sobre contingências climáticas. O que se espera também é que tais demandas climáticas estejam inseridas nos seus planos de governos para os próximos quatros anos de mandato.  

Prof. Jairo Cesa

 

     https://www.semae.sc.gov.br/governo-do-estado-promove-seminario-para-debater-com-os-municipios-acoes-de-prevencao-e-enfrentamento-as-mudancas-climaticas/

https://www.youtube.com/watch?v=6AQCxlVTYF8

https://www.youtube.com/watch?v=0ZUPiVycoLk

https://www.mpsc.mp.br/noticias/gedclima-realiza-primeira-reuniao-com-integrantes-do-mpsc-

https://www.youtube.com/watch?v=0ZUPiVycoLk

     https://www.mpsc.mp.br/noticias/gedclima-subsidia-promotorias-de-justica-na-preparacao-dos-municipios-para-enfrentamento-de-desastres-climaticos-

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/decreto/d10692.htm

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm

http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2015/16601_2015_Lei.html#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2016.601%2C%20DE%2019%20DE%20JANEIRO%20DE%202015&text=Fonte%3A%20ALESC%2FCoord.,mapeamentos%20de%20%C3%A1reas%20de%20risco.

 

 

 

 

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