sexta-feira, 26 de julho de 2024

 

PARTE EXPRESSIVA DOS RECURSOS DO PLANO SAFRA SÃO PARA FINANCIAR PROPRIEDADES ACOMETIDAS DE IRREGULARIDADES

Pela primeira vez na história das COPs, Conferência das Partes, com a participação de  133 países, incluindo o Brasil, ambos assinaram em Dubai, na Cop 28 uma declaração conjunta para tornar suas agriculturas mais sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas. A proposta é que essa declaração passe a valer a partir de 2025. Acontece que o Brasil, um dos articuladores dessa proposta,  parece que não levou muito a serio o documento, pois além de já liderar o ranque de maior consumidor de agrotóxicos do planeta, tenta dimensionar ainda mais essa liderança aprovando um pacote de medidas para despejar  mais veneno na comida dos brasileiros.

 Claro que o governo vai se justificar afirmando que a culpa não é dele, mas do congresso, que puxa essa pauta e aprova porque tem uma das maiores bancadas que representa esse segmento, a do agronegócio. Entretanto, até pode ter razão, porém, a decisão final é do executivo, vetando ou não o projeto ou artigos do mesmo. De fato o fez.  Acontece que o congresso derrubou oito dos dezessete vetos governamentais em relação ao PL do Veneno, podendo derrubar até os nove vetos restantes.

A solução final, portanto, para inviabilizar essa barbaridade contra a comida dos brasileiros, é recorrer ao STF, que poderá julgar e dar o seu parecer definitivo, favorável ou não aos vetos.  Independente  de o STF julgar procedente a ação contra o pacote do veneno, mesmo assim o Brasil continuará líder mundial no uso de agrotóxicos. Afinal, qual seria o caminho para que tivéssemos  um mínimo de segurança alimentar? Uma das alternativas seria estimular a agricultura familiar, com ênfase na agroecológica e produção orgânica, assegurando maior volume de créditos por meio do Plano Safra.

Infelizmente o cenário apresentado mostra que os recursos para o financiamento agrícola, a maior fatia de recursos é direcionada para o agronegócio.  Para  o próximo ano, 2025, o montante orçado ao agronegócio terá  um acréscimo de 9,98% em relação ao ano anterior, que passará de 364 bilhões para 400 bilhões de reais.  A agricultura familiar, incluindo a agroecologia e produção orgânica, o reajuste foi de 6,14%, passando de 71 bilhões para 76 bilhões. Engana-se quem pensa que todo esse volume chegará às mãos dos milhares de agricultores familiares. Levantamento realizado pelo IBGE confirmou que somente um pouco mais de 15% de todos os agricultores familiares conseguem acessar ao crédito, e os motivos são inúmeros, um deles é a grande burocracia exigida pelos agentes financiadores.

É importante esclarecer que parcela expressiva do dinheiro destinado ao financiamento agrícola  é oriundo dos impostos arrecadados pelo Estado, portanto, verba pública. Acredito que os bancos, que são entidades financeiras responsáveis pela concessão de créditos, todos os interessados ao financiamento terão que seguir protocolos rígidos para ter direito aos fundos,  não é mesmo?     Deveria, mas não acontece de fato. Em abril último, o Greenpeace publicou relatório com quase 200 páginas denunciando manobras envolvendo bancos públicos e particulares na concessão de recursos do crédito rural para pessoas envolvidas em irregularidades, como desmatamentos em áreas protegidas. O relatório, que está disponível na pagina do Greenpeace tem como titulo de capa - Bancando a Extinção: bancos e investidores como sócios dos desmatadores.

No relatório aparecem 12 instituições envolvidas em irregularidades, cujas denúncias foram protocoladas no MPF. A partir das denúncias, uma das primeiras investidas do MPF ocorreu no ACRE, em 05 de junho de 2024, quando o órgão atuou no cancelamento de um contrato  de financiamento de uma banco particular à uma fazenda, por ter sido embargada por desmatamento ilegal. Com certeza isso é só uma centelha de outras tantas irregularidades praticadas com todo esse montante de dinheiro disponibilizado pelo plano safra.   

Prof. Jairo Cesa

 

https://www.greenpeace.org/brasil/imprensa/plano-safra-valor-destinado-a-agricultura-familiar-ainda-e-muito-abaixo-do-necessario/

https://www.greenpeace.org/brasil/apoie/relatorio-bancando-a-extincao/

https://www.greenpeace.org/static/planet4-brasil-stateless/2024/04/c9bc8bff-bancando-a-extincao-digital-10_4-24.pdf

https://www.greenpeace.org/brasil/blog/nas-redes-nas-ruas-e-na-justica-cobramos-que-os-bancos-parem-de-financiar-a-extincao/

https://www.greenpeace.org/static/planet4-brasil-stateless/2024/06/284e3763-pram000410882024.pdf

 

 

 

segunda-feira, 22 de julho de 2024

 

AGROECOLOGIA E A PRODUÇÃO ORGÂNICA SOB PRESSÃO DO MAPA (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E PRODUÇÃO ANIMAL)

O cancelamento do lançamento do PLANAPO, na ultima quinta feira, 18 de julho, em Brasília, foi pelo fato do MAPA discordar da proposta de redução de agrotóxicos no escopo do plano. O que causa mais espanto é quando se sabe que vários ministérios foram favoráveis ao plano até mesmo o próprio presidente Lula. Por que da recusa do Ministério da Agricultura e Produção Animal à aprovação do plano? A resposta é simples, o fato é que o chefe da pasta é Carlos Fávaro, filiado ao PSD, integrante do agronegócio e forte defensor das pautas elencadas pela poderosa bancada ruralista no congresso nacional.

Em democracias mais avançadas quando um segmento de um governo, nesse caso o ministro do MAPA, não seguisse as diretrizes programáticas de um governo, o resultado seria a troca imediata do chefe da pasta por outro que fosse sintonizado com a ideologia do sistema hegemônico. E por que tal troca dificilmente ocorrerá nessa gestão que se configura como de esquerda liberal? No inicio do governo, em 2023, para a aprovação do novo Arcabouço Fiscal ou ajuste fiscal, o governo fez uma serie de costuras políticas, beneficiando partidos que foram alinhados ao governo anterior. Dentre os acordos costurados estão a concessão de ministérios importantes a tais siglas conservadoras, entre elas o PSD.

Não é a primeira vez que o partido dos trabalhadores se utiliza dessa estratégia política para garantir governabilidade, ou seja, assegurar que pautas de interesse do executivo possam ser aprovadas no congresso, que, de fato, pouco resultado tem, porque expressiva parcela do parlamento representa setores contrários às pautas sociais. A agricultura familiar, a agroecologia e produção orgânica, em especial, são segmentos cujas pautas de interesses passam quase que despercebidas pelas comissões nas duas casas legislativas. Esse descaso com quem se dedica a cultivar alimentos livres de agrotóxicos e demais insumos sintéticos se estende também às assembleias legislativas e câmaras municipais.

Em Santa Catarina não é diferente. Na última eleição, durante o segundo turno, o PT foi o único partido que possuía o robusto plano para a agricultura, inclusive para a agroecologia e produção orgânica.  O candidato vencedor do pleito, filiado ao PL, no seu plano, não havia uma só linha mencionando esse importante segmento. É tão verdade que, eleito, escolheu para ocupar a pasta da agricultura, um membro ferrenho, defensor do agronegócio, que quando foi deputado federal sempre votou propostas que interessavam a esse setor.      

   Diante do atual cenário desolador que passa a agroecologia e a produção orgânica, a aprovação do PLANAPO poderia acender uma luz de esperança à milhares de abnegados trabalhadores que diariamente se viram nos trinta para plantar, colher, comercializarem e ainda manter-se vigilantes para que sua produção não seja contaminada por agrotóxicos e variedades transgênicas.

Quanto o PRONARA foi lançado pela primeira vez em 2014, no governo Dilma Rousseff, também sofreu recusa do MAPA, que na época a chefe da pasta era a senadora Kátia Abreu, uma das fortes lideranças do agronegócio. O tempo passou, houve o golpe político em 1016, que tirou Dilma do poder, fazendo que por seis anos o país ficasse sob a égide de uma extrema direita, respaldada por um congresso ultraconservador e entreguista. O fato é que a bancada do agronegócio no congresso adquiriu robustez parecendo um governo paralelo, a ponto de pautar com altivez suas próprias demandas, dentre elas, o famigerado pacote do veneno.

É diante desse cenário pouco alvissareiro para a agroecologia, se agravando ainda mais a partir da aprovação do pacote do veneno, a aprovação do PLANAPO e do PRONARA se faz necessária e urgente. No PRONARA original, de 2014, que não foi aprovado, eram 137 ações, seis eixos e o envolvimento de 9 ministérios. Dentre as propostas elencadas no documento na época pode-se destacar: revisão periódica de agrotóxicos; isenção de taxas para orgânicos e a implantação de zonas livres de agrotóxicos.  No atual PRONARA, versão revisada, um dos itens inseridos no documento trata de apoiar medidas restritivas ao registro de agrotóxicos banidos no exterior que causam câncer e outras doenças crônicas.

Prof. Jairo Cesa         

 

 

https://www.brasildefato.com.br/2024/07/18/recusa-do-ministerio-da-agricultura-em-incorporar-reducao-de-agrotoxicos-causa-indignacao-entre-movimentos-populares

https://agroecologia.org.br/2024/07/18/apos-mobilizacao-de-organizacoes-da-sociedade-civil-em-repudio-a-falta-de-medidas-para-a-reducao-de-agrotoxicos-no-plano-nacional-de-agroecologia-e-producao-organica-planapo-governo-federal-ad/

https://agroecologia.org.br/2024/07/09/em-ato-na-assembleia-legislativa-de-sc-entidades-cobram-apoio-do-governo-federal-para-a-agroecologia/

https://contraosagrotoxicos.org/pronara-ja-manifesto-reforca-a-importancia-do-governo-publicar-o-programa/

 

sábado, 20 de julho de 2024

AS GIGANTESCAS ILHAS DE LIXOS FORMADAS NOS OCEANOS: O QUE TEMOS A VER COM TUDO ISSO?

Foto Jairo - Lixo na Foz do Rio Araranguá 

Há pouco tempo postei no meu blog texto discorrendo sobre as inúmeras ilhas gigantes de lixo que se formaram em vários pontos dos oceanos. São ilhas que estão mudando ecossistemas inteiros com impactos irreparáveis a vasta biodiversidade marinha. A ocorrência desses verdadeiros arquipélagos de entulhos oceânicos está também relacionada aos modelos econômicos em curso, que se nutrem da exploração irracional dos recursos naturais.

Quase tudo o que se produz atualmente, os resíduos como plásticos, vidros, entre outros rejeitos, tem como destino os aterros. Em algumas cidades brasileiras é tanto lixo produzido que os aterros quase alcançam a altura das pirâmides do Egito. O problema é que nem todo o lixo produzido é recolhido ou reciclado, parcela expressiva é lançada deliberadamente nos rios ou transportada pelas chuvas/enxurradas. Claro que tudo que chega aos rios são transportados pelas forças das águas em direção aos estuários, deltas, que por sua vez vão se depositar no fundo dos oceanos ou ficam flutuando nas águas, como os plásticos. 

Engana quem pensa que o problema do lixo nos oceanos é uma realidade distante da nossa cidade, Araranguá.  Quem caminha ou caminhou pela nossa orla já deve ter se deparado com grande quantidade de lixo acumulado na faixa de praia ou sobre as dunas. Tudo que é lançado, descartado nesse perímetro tende a ser sugado pela força das marés ou levado pelos ventos para dentro dos oceanos.  Muitos animais marinhos, tartarugas, golfinhos, botos, baleias, até mesmo pássaros, são as principais vítimas desses resíduos.

Mas o Rio Araranguá continua sendo um dos principais agentes de difusão dessa tragédia marinha, contribuindo, progressivamente, no aumento do tamanho das ilhas de lixos distribuídos pelos oceanos. Mesmo com todas as campanhas já realizadas, muitas delas, com o apoio direto do poder público, a cada nova enxurrada são toneladas de descartáveis que chegam a sua foz. Em uma das campanhas de coleta de resíduos ocorridas nas margens do rio Araranguá até a sua foz, o chefe do executivo local havia proposto em uma entrevista concedida que a instalação de uma grande rede a ser fixada entre as duas margens do rio. A proposta seria  para segurar o lixo e evitar que chegasse ao oceano.

O fato é que nem essa e nem outra proposta mitigatória foram executadas. É importante aqui ressaltar que não é somente o lixo sólido que é trazido pelas águas do rio Araranguá, toneladas de esgotos, agrotóxicos, resíduos de carvão também passam diariamente pelo nosso rio, vindos de todos os afluentes que integram a bacia hidrográfica do rio Araranguá. São, portanto, passivos ambientais que todos os municípios da bacia deveriam ser responsabilizados, buscando soluções para os seus resíduos.

A execução das políticas municipais de saneamento básico seriam uma das alternativas plausíveis, principalmente no item que trata sobre reciclagem. Parece que nem reciclarem e muito menos tratamento de esgotos são demandas prioritárias dos nossos governantes. O sul de Santa Catarina tem um dos piores indicadores de saneamento básico do estado, não chegando nem a 20% de esgoto tratado somando todos os municípios que compõem a bacia hidrográfica do Araranguá.

Não é de se estranhar que no final do início da próxima temporada de verão, a administração junto com o seu órgão ambiental venham promover mais uma campanha de limpeza do rio Araranguá até a sua foz. Vão aparecer em fotos e vídeos o prefeito, autoridades e um monte de voluntários bem intencionados transportando sacas e sacas de lixos, sendo recolhidos e posteriormente transportados para os aterros. O agravante disso é que o município de Araranguá é um dos principais responsáveis por toda essa sujeira que chega até a barra e orla marítima. O esgoto tratado no município não chega nem a 15% do total produzido. 

Não há também no município programa de coleta seletiva de resíduos sólidos e nem expectativa de que possa ser implantado por essa administração cuja gestão expira no final de 2024. A pergunta que não quer calar é a seguinte, por que tanta resistência em programas tão importantes, tão necessários, como o da coleta e reciclagem de materiais sólidos, que poderiam resultar em emprego e renda para centenas de pessoas.

Prof. Jairo Cesa            

segunda-feira, 15 de julho de 2024

 

EM DEFESA DA HISTÓRIA MATERIAL E IMATERIAL DE ARARAUGUÁ

A decisão tomada pela 5ª Câmara de Direito Público, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que impediu que se fizessem mudanças na estética da fachada da Igreja Matriz de Araranguá, foi uma importante vitória para a história, para a memória da sociedade araranguaense, bem como do estado catarinense e, sobretudo, do país como um todo. Essa conquista se deve sim ao empenho incansável e permanente de um grupo pessoas que viam na proposta intransigente da cúria católica, uma violação à memória de milhares de famílias que tiveram suas vidas e de seus antepassados construídas a partir desse símbolo sagrado.

Quando integrantes da cúria afirmaram que a igreja ou as igrejas são edificações particulares, que cabem somente aos membros dessa instituição milenar decidir como gestá-las, acredito que muitos devem concordar comigo, o alto escalão dessa instituição cometeu um tremendo equívoco. Penso que talvez tenha sido esse insano equívoco, o estopim necessário para levantar tantas vozes, ecoando revolta, indignação por todos os cantos do município, contra uma fração do clero, setores da imprensa, do comércio e apoiadores/as, ambos/as ávidos/as em fazer valer seus poderes de influência.

Ficou mais do que evidente, a exemplo da decisão pela manutenção da fachada da igreja, que a mobilização da sociedade em defesa das causas de interesse coletivo pode trazer resultados promissores. Penso que muito do que já perdemos da nossa memória arquitetônica e paisagística tiveram como motivos a desarticulação da própria sociedade civil. O que espanta é saber que Araranguá um dos municípios mais antigos do estado não possui ainda uma política de preservação dos seus casarios, dos seus monumentos naturais, dos seus sítios arqueológicos, enfim de sua historia material e imaterial.

Já expressei minha opinião para membros que integram o grupo Sacrossanta em certa ocasião da necessidade de se criar uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) na área da cultural. Uma Oscip tem dispositivos jurídicos que lhe garante forte ressonância juntos a órgãos como Ministério Público Estadual e Federal, IPHAN, entre outros. Essa proposta de OSCIP pode ser similar a que foi criada no Morro dos Conventos em 2011, com o propósito de salvaguardar todo o patrimônio natural, flora, fauna, lá existente. Nos 13 anos de existência a OSCIP PRESERV’AÇÃO extrapolou seus limites da atuação, se enveredando para outras instâncias como da preservação da memória paisagística, histórica e arqueológica.

Na hipótese de se criar uma OSCIP CULTURL em Araranguá, uma das primeiras demandas da organização deverá ser o levantamento minucioso de todo o potencial histórico e cultural do município. Conhecer todo o arcabouço legal sobre o tema disponível nas instâncias do legislativo e executivo municipal se mostra também relevante. Quanto a história material e imaterial do município, com destaque ao Balneário Morro dos Conventos, um encontro com os membros da Oscip preservação pode se mostrar salutar, pelo fato de terem acumulado muitas experiências no assunto. A escola do bairro, Escola de Ensino Fundamental Padre Antônio Luiz Dias tem um extraordinário know-how em trabalhos desenvolvidos, como oficinas, documentários retratando os povos originários da região e a memória local, com destaque o boi de mamão.  

É preciso pensar a historia de Araranguá, anterior a chegada dos portugueses, anterior até mesmo aos povos guaranis. Trabalhar com um corte cronológico mais longo, de quatro, cinco mil anos atrás. Isso mesmo, nossa história é muito antiga e isso pode ser comprovada a partir dos sítios arqueológicos existentes, que são muitos distribuídos pelos quatro cantos do município, porém, sem qualquer proteção. A preservação desses sítios poderá nos assegurar respostas de como era a nossa fauna, flora, nosso clima, há três, quatro, cinco milênios. Quem foram esses grupos humanos, de onde vieram e o que levou de fato ao seu desaparecimento? 

Em 2015, o Professor Dr. Juliano Bitencourt defendeu sua tesa, que teve como tema Arqueologia entre Rios e a Gestão Integrada no Extremo Sul de Santa Catarina, Brasil. A pesquisa do professor contemplou o município de Araranguá, onde foram inseridos no texto sete sítios, descritos como ARA-047; ARA-48; ARA-49; ARA-50; ARA-51; ARA-52; ARA-53. Cada um desses sítios, suas características e potencialidades estão distribuídos abaixo para a compreensão do leitor. Convém relembrar que embora existam legislações que os protegem, todos estão sobre forte ameaça de ações de vandalismo, cuja descaracterização impossibilitará estudos mais consistentes desses raros tesouros da nossa memória milenar.

Prof. Jairo Cesa


      










sábado, 13 de julho de 2024

  

HARMONIZAÇÃO ENTRE CONSTRUÇÕES E NATUREZA NO BALNEÁRIO MORRO DOS CONVENTOS

Embora eu não seja um arquiteto, muito mesmo uma paisagista de formação, a estética, as formas e os traços harmoniosos sempre me despertaram a atenção. Esses elementos da arte foram em mim se consolidando a partir do momento que comecei a pintar em tela, vindo mais tarde a experimentar outros temas artísticos, como o mosaico em cerâmica e a escultura com raízes de troncos de árvores.  

Algumas viagens nacionais e internacionais fui percebendo que muitas regiões e nações onde o turismo é fonte propulsora da economia, existem uma enorme inquietude dos gestores públicos em manter ou criar harmonização das edificadas com as paisagens naturais. Isso, todavia, tem muito sentido, pois quem visita o Rio de Janeiro, Atenas, Roma, Paris, ou cidades turcas, os turistas têm como propósito conhecer e contemplar os seus principais símbolos: o Cristo Redentor, o Parthenon, o Coliseu, a Torre Eiffel, as Casas em Cavernas, etc.

Aqui, bem perto, também não é diferente, quem vai a Urubicí, Timbé do Sul, Praia Grande, tem a expectativa de contemplar cenários paradisíacos, muitos dos quais oferecidos pelos enormes paredões da serra geral, seus campos, cachoeiras e cânions. Nesses espaços há enorme cuidado para que edificações ali projetadas não descaracterizem as estéticas naturais desses ambientes. Penso que os planos diretores dos municípios que agora integram o Geoparque Caminho dos cânions tenham que passar por mudanças significativas, incluindo no seu arcabouço de leis, aspectos estéticos, artísticos e paisagísticos nos projetos de edificações.

Quanto ao Geoparque, penso que pela sua expressividade e relevância nacional e internacional, os legisladores terão que esboçar olhares mais críticos nos planos municipais, definindo criteriosamente os espaços possíveis e de menor impacto estético e ambiental para ser ocupados. Acredito que haverá maior fiscalização para restringir edificações nas encostas da serra geral.

A harmonização das edificações integradas às florestas e aos monumentos naturais ainda não são regras gerais nos planos diretores dos municípios brasileiros. O aspecto cinza ainda predomina nas cidades, prevalecendo o concreto, o asfalto, em detrimento das árvores, jardins floridos e a presença da fauna. Essa aberração com as formas harmonizadas da paisagem acontece também em várias cidades catarinenses, Balneário Comburiu, por exemplo, tomada por um mar de arranha céus que tem desfigurado toda a estética natural.            

  Mais ao sul do estado, temos Araranguá, município que foi agraciado pela mãe terra por ter ocorrido lá, durante a separação dos continentes americano e africano, o soerguimento do monumento geológico natural Morro dos Conventos, considerado um remanescente da serra geral. Há mais de duzentos milhões de anos esse complexo e frágil fragmento rochoso formado por argilitos, xistos, entre outros minerais, vem  paulatinamente passando por desgastes pela ação do tempo: chuvas, ventos, variações de temperaturas e,  agora mais insistentemente, por fatores antrópicos, ou seja, ação humana. 

Em detrimento desses problemas, o balneário continua sendo um dos mais belos cartões postais do estado, quiçá, do Brasil. Por apresentar tais singularidades estéticas e paisagísticas, o balneário passou a ser muito cobiçado, principalmente pelo segmento imobiliário, que vê o local como uma espetacular mina de ouro a ser explorada. A pressão desse segmento, entre outros, vem ocasionando a flexibilização de legislações, até mesmo supressão de decretos, como o que criou uma APA na faixa costeira do município.

Mesmo com plano diretor determinando que as construções não ultrapassem quatro pavimentos, os arquitetos sempre dão um jeitinho de estender um pouquinho mais para o alto. Além de impactos à dinâmica dos ventos que podem comprometer a existência de dunas no entorno da paleofalésia, tem o aspecto estético do próprio monumento geológico que pode ser seriamente comprometido. Um erro ocorrido durante a elaboração do projeto orla foi não ter estabelecido critérios quanto aos designs das construções que assumissem padrões harmoniosos, que obrigassem os proprietários a pintarem suas residências com cores que não ofuscassem a estética do monumento Morro dos Conventos.

Em uma reunião para tratar sobre o plano de desenvolvimento econômico para a região da AMESC nos próximos dez anos, quando foi para discutir plano para a parte baixa do balneário, um empresário do município propôs que a praia seguisse os padrões de construção do Balneário Camboriú.  Pior é que o empresário tem um monte de adeptos a tal proposta insana. As obras estruturantes, edificadas no topo do monumento entre o mirante e o farol, embora não impacte frontalmente a estética do paredão, abriu caminho para novas edificações.

Tais obras estruturantes, edificadas para aguçar o desenvolvimento turístico provocaram uma extensa especulação no mercado imobiliário local. Uma área do entorno do farol, rente a borda da paleofalésia que, considerando legislações ambientais em vigor, a exemplo do Código Florestal, parte dela estaria inviabilizada para obras de infraestruturas pelo fato de estar situada num platô. O que se viu nos últimos quatro anos da atual administração foi um tremendo ataque aos decretos assinados em 2016, pela gestão PT, que criou a APA – Área de Preservação Ambiental e o MONA – Monumento Natural Área de Conservação Morro dos Conventos.

O golpe mais incisivo do atual governo ao ambiente aconteceu em 2023 com a sansão da Legislação Complementar Municipal 478/2023 reduzindo ainda mais a área do MONA/UC ficando agora com pouco mais de 80 há de extensão. Certamente essa redução se deve as pressões de segmentos empresariais, o imobiliário, por exemplo, para poder viabilizar seus antigos projetos de ocupação dessas áreas altamente rentáveis financeiramente. Portanto, daqui há dois ou três anos quem estiver transitando pela orla do Morro dos Conventos e direcionar o seu olhar para o paredão do monumento, o que verá serão fachadas de residências que se sobreporão ao topo das árvores, ofuscando toda a beleza estética e paisagística daquele raro “oásis” natural.

Prof. Jairo Cesa                

 

https://www.gazetadopovo.com.br/haus/arquitetura/

https://revistahaus.com.br/haus/arquitetura/arquitetura-contemporanea-chinesa-uia-2021-rio-zhang-li-cui-kai/

https://revistahaus.com.br/haus/arquitetura/projeto-florianopolis-mansoes-suspensas-vista-lagoa-da-conceicao/

https://revistahaus.com.br/haus/arquitetura/arquitetura-biofilica-conceito-como-e-aplicado-projetos-design-construcao/